Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à Rádio Itatiaia
Presidente Lula concedeu entrevista à Rádio Itatiaia, conduzida pela jornalista Edilene Lopes
Jornalista Edilene Lopes: Bom dia, Kátia, bom dia, Eustáquio, bom dia a todos os nossos ouvintes. Nós falamos ao vivo com o presidente Lula, que faz a primeira visita a Belo Horizonte desde que venceu as eleições, e ele concede uma entrevista exclusiva à Itatiaia, que está sendo transmitida também pela CNN Brasil. Presidente, bom dia. Mais uma vez, muito obrigada por mais uma entrevista à Itatiaia.
Presidente Lula: Bom dia, Edilene. Você sabe que vir a Minas Gerais e não falar com a Itatiaia é não ter vindo a Minas Gerais. É um prazer estar contigo, Edilene. Estou à inteira disposição para as perguntas que você tão bem deve ter preparado para essa entrevista.
Edilene Lopes: Muito obrigada, presidente. A ideia era começar essa entrevista falando dos anúncios que o senhor vai fazer hoje aqui em Minas Gerais, acompanhado de vários ministros. Mas neste momento está em curso uma operação da Polícia Federal contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, que são suspeitos de uma tentativa de golpe no Brasil. Dentre eles estão Valdemar da Costa Neto, que é o presidente do PL, o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, e também Marcelo Câmara, que é ex-assessor de Jair Bolsonaro. Como é que o senhor vê o andamento dessa operação? Qual é o resultado aguardado pelo senhor?
Lula: Primeiro, é muito difícil um presidente da República falar sobre uma ação que é feita depois de uma decisão judicial, tudo correndo em sigilo até determinar que se faça busca e apreensão na casa das pessoas. Eu espero que a Polícia Federal faça a coisa do jeito mais democrática possível, que não haja nenhum abuso, que faça aquilo que a Justiça determinou que faça, e depois apresente para a sociedade o resultado daquilo que eles encontraram. Eu, sinceramente, não tenho muitas condições de falar sobre uma ação da Polícia Federal porque isso é uma coisa sigilosa, é uma coisa da polícia, uma coisa da Justiça, e não cabe ao presidente da República ficar dando palpite numa atuação dessa. Obviamente que tem muita gente envolvida, tem muita gente que vai ser investigada, porque o dado concreto é que houve uma tentativa de golpe, houve uma política de desrespeito à democracia, houve a tentativa de destruir uma coisa que nós construímos há tantos anos, que é o processo democrático, e essa gente tem que ser investigada. Nós queremos saber quem é que financiou, nós queremos saber quem é que pagou, quem é que financiava aqueles acampamentos, para que a gente nunca mais permita que aconteça o ato que aconteceu no dia 8 de janeiro. As pessoas precisam aprender: eleição democrática a gente perde e a gente ganha. Quando a gente perde, a gente lamenta, quando a gente ganha, a gente toma posse e governa o país. O cidadão que estava no governo não estava preparado para ganhar, não estava preparado para perder, não estava preparado para sair. Tanto é que não teve nem coragem de me dar (inaudível), casa chorando e foi embora para os Estados Unidos, porque ele deve ter participado da construção dessa tentativa de golpe. Então, vamos esperar as investigações. Eu espero que, no tempo mais rápido possível, a gente possa ter um resultado do que foi que verdadeiramente aconteceu no Brasil.
Edilene Lopes: Então o senhor acha que o fio desse novelo leva ao ex-presidente Jair Bolsonaro?
Lula: Olha, eu não sei. Eu acho que não teria acontecido sem ele. O comportamento dele foi muito diferente. Primeiro, antes das eleições, ele passou o tempo inteiro mentindo sobre as eleições, mentindo sobre as urnas, criando suspeição de uma urna que foi responsável pela eleição dele em 2018. Ele fala da urna e fala que a eleição não foi legal, mas ele deveria então pedir para que todos os deputados e senadores renunciassem porque todo mundo foi eleito no mesmo processo eleitoral com a mesma urna. Então, na verdade, é uma tática que ele utilizou de criar na sociedade um descrédito. Quando você cria um descrédito, aí você pode fazer qualquer coisa. Ou seja, você desmoraliza um processo, aí você pode acabar com esse processo. E eu vou te dizer uma coisa: tem pouca coisa no mundo mais séria do que a urna eletrônica. Se ela não fosse séria, eu não teria sido presidente da República, que em todas as eleições eu fui o segundo ou fui o primeiro, porque tinha muita gente concorrendo contra mim.
Edilene Lopes: Aproveitando que nós estamos nesse assunto, o senhor acredita que a possibilidade de Donald Trump vencer as eleições dos Estados Unidos fortalece o bolsonarismo no Brasil? E há alguma possibilidade de reverter a inelegibilidade de Bolsonaro para que ele concorra às eleições em 2026.
Lula: Olha, eu não quero dar palpite.
Edilene Lopes: Porque uma das principais diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos é que aqui a Suprema Corte já houve uma condenação contra o ex-presidente Bolsonaro.
Lula: Eu não quero fazer julgamento do que pode acontecer na Justiça brasileira. A Justiça está pedindo para a polícia investigar, quando tiver as informações a Justiça vai tomar a decisão. O que eu acho é que eu quero que o seu Bolsonaro tenha a presunção de inocência que eu não tive. O que eu quero é que seja investigado, que seja apurado. Quem tiver responsabilidade pelos seus erros, que pague seus erros. Eu, sinceramente, não acredita que a eleição do Trump venha a ter influência na eleição brasileira, porque nunca teve. Eu acho que o Trump é uma questão americana, é a loucura americana. O outro foi a loucura aqui. E eu acho que o povo está cansado disso. Acho que o povo está querendo um pouco de paz, um pouco de tranquilidade. E eu tenho me comportado, Edilene, eu fui eleito para governar, eu não fico pensando no que aconteceu em 2022, quando se gastou quase 60 bilhões de dólares do dinheiro público para tentar evitar que eu ganhasse as eleições. Então, eu estou eleito para governar esse país. É por isso que eu estou vindo a Minas Gerais. Nós tivemos o ano de 2023, em que nós fizemos uma preparação da terra. Eu ouvi, não sei se você se lembra, no mês de janeiro eu convidei todos os governadores dos estados brasileiros para que fossem a Brasília, porque eu queria fazer o Novo PAC, eu queria pegar as obras prioritárias de cada estado. E eu queria que os governadores dissessem para mim quais as obras prioritárias dos estados. Depois os 27 governadores prepararam seus projetos, depois dos prefeitos prepararem os projetos, depois nós fizemos o plano do Minha Casa, Minha Vida e também pedimos para os prefeitos participarem. Todo mundo se inscreveu, todo mundo participou. E nós, agora, estamos começando a colher aquilo que nós plantamos. Eu venho a Minas Gerais para dizer o seguinte: eu quero deixar claro para toda a população de Minas Gerais cada coisa que nós vamos fazer em Minas Gerais a partir de 2024, o que já foi feito em 2023 e qualquer coisa que eu vá fazer na área da saúde, na área da educação, na área do transporte, na área da energia, na área da agricultura, nós queremos que o povo de Minas saiba o que a gente está se propondo a fazer para que o povo de Minas possa cobrar da gente nesses próximos meses, nesses próximos anos.
Edilene Lopes: O que que o senhor deve anunciar na agenda daqui a pouquinho, às 10 da manhã, lá no Minascentro? Quais são os principais anúncios para Minas Gerais? A presença do senhor já era muito aguardada desde o primeiro ano de mandato.
Lula: Ô Edilene, nós vamos apresentar o PAC que destinou para Minas Gerais R$121,4 bilhões. Desses, R$ 36 bilhões é só dentro de Minas Gerais, o restante é nas fronteiras de Minas e outros estados. Nós vamos no transporte fazer o investimento de R$ 4 bilhões aqui no transporte. Não sei se você sabe que Minas é a segunda malha federal mais importante e estava totalmente abandonada. No governo passado, tinha se investido apenas R$ 222 milhões, nós investimos no primeiro ano R$ 557 milhões. O ministro Renan (ministro dos Transportes) vem aqui para apresentar tudo que está preparado para se fazer na malha rodoviária de Minas Gerais, como vem o ministro de Minas e Energia (Alexandre Silveira) para dizer tudo que vai ser feito na área de energia, como vem a ministra da Saúde (Nísia trindade) para dizer tudo que vai acontecer na área da saúde, como vem o ministro da Educação (Camilo Santana) para dizer tudo que vai acontecer na área da Educação, e o ministro Rui Costa (Casa Civil) faz um fecho mostrando tudo que o PAC colocou de importante. Grande parte dessas medidas ditas pelo próprio governo de Minas Gerais, que é quem nós ouvimos para discutir a prioridade dos estados. O que eu quero, na verdade, é dizer para o povo mineiro, para os políticos de Minas, para os prefeitos de Minas: o PAC está nu diante do povo de Minas Gerais para que eles possam investigar, para que eles possam cobrar, para que eles possam acompanhar. Porque, na verdade, nós herdamos o país com milhares e milhares de obras paradas. Edilene, eu tenho ido inaugurar casa que era pra estar pronta em 2011. Eu tenho ido inaugurar casa que era pra estar pronta em 2016. As casas que não foram construídas ficaram paralisadas, as pessoas roubaram as coisas que estavam dentro da casa, roubaram os hidrômetros, roubaram portas. Então, tem que fazer um novo orçamento e construir uma coisa que já era para estar pronta. Foram 187 mil casas que ficaram paralisadas nesse país e semi destruídas. Estamos nessa fase, estamos começando o programa de 2 milhões de novas residências nesse país, pactuadas com os prefeitos. Os prefeitos participaram, da mesma forma que escola de tempo integral os prefeitos vão participar. Tudo que a gente está fazendo é em combinação com as prefeituras, porque são os prefeitos, em última instância, que vão executar as políticas que a gente deliberar a nível nacional.
Edilene Lopes: O senhor falou em obras, uma das principais questões de Minas Gerais é a BR-381. Três leilões já deram errado. A princípio não há recursos no orçamento do Governo Federal para a 381 neste ano. O senhor disse na campanha que queria transformar a 381, que hoje é chamada de BR da Morte, em BR da Vida. O que tem pra 381 de anúncio nessa vinda?
Lula: Deixa eu lhe falar uma coisa. Eu já andei muito na BR-381, eu já fui muito ao Vale do Aço, eu já fui muito a Governador Valadares por ela, de dia e de noite. Sinceramente, é uma estrada difícil. É uma estrada que foi feito três anúncios de construção e deu vazio, porque não aparecem as pessoas. Agora nós estamos outra vez preparando para o mês, para o segundo semestre, uma nova proposta de concessão. O DNIT vai começar fazendo dois trechos imediatamente. Eu tinha dito ao ministro dos Transporte que se fizer uma nova concessão e der vazio, nós vamos convocar o Batalhão de Engenharia das Forças Armadas Brasileira, do Exército, para fazer essa rodovia.
Edilene: E seria esse ano já?
Lula: Eu queria começar ontem. Eu quero começar. Você tem que levar em conta os limites das exigências dos tribunais de contas da União, os limites do que significa o leilão para uma concessão. Mas é importante, virou uma questão de honra terminar essa estrada. Eu quero voltar aqui depois do meu mandato e nunca mais ouvir falar que existiu uma rodovia da morte em Belo Horizonte, que é uma rodovia da vida, o pessoal está transitando por ela de forma saudável e sem nenhum perigo. Esse é o compromisso do governo. Nós vamos dizer hoje na frente dos prefeitos, do governador e dos políticos que estiverem lá e da imprensa, que nós queremos terminar essa 381 definitivamente.
Edilene: Uma outra questão que é muito cara para Minas Gerais, aproveitar que nós estamos nessa seara, é relacionada ao rompimento da Barragem da Samarco, em Mariana, que até hoje não existe um acordo nacional sobre isso. O senhor acha que isso está prestes a sair. Tem algum problema, é no Governo Federal? Como é que está essa questão, como está sendo tratada pelo senhor?
Lula: Edilene, eu, até agora, a discussão sobre Mariana e sobre Brumadinho não chegou na minha mesa, porque nós temos o ministro de Minas e Energia, nós temos o ministro da Casa Civil, nós temos a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Fazenda discutindo esse assunto para discutir com o Governo de Minas e o Governo do Espírito Santo e discutir com os movimentos que devem ser os beneficiários desse dinheiro. Afinal de contas, a Vale montou uma fundação para fazer casa que não fez casa. A Vale ainda não resolveu o problema de Mariana, não resolveu o problema de Brumadinho e finge que nada aconteceu. Ela imaginava que tinha que pagar R$ 126 bilhões, ela tá oferecendo menos de um terço disso.
Edilene: O valor é o problema.
Lula: É preciso brigar para que a gente faça um acordo justo e que o povo da região afetada seja o grande beneficiário desses erros. Não é pegar esses recursos para fazer coisas em outro lugar. É garantir que o povo que foi vítima, aqueles que perderam seus familiares, aqueles que perderam suas casas, que perderam suas galinhas, aqueles que perderam seus porquinhos sejam os beneficiários desse acordo entre o Governo Federal, os governos estaduais e a Vale.
Edilene: Hoje não tem anúncio sobre isso?
Lula: A Vale tem que pagar. Hoje não tem uma solução, mas nós vamos encontrar logo uma solução.
Edilene: Nesses anúncios de hoje o senhor deve ceder oficialmente ou definitivamente parte do Aeroporto Carlos Prates para a prefeitura de Belo Horizonte, que pretende construir moradias populares. E o senhor apoia essa proposta do Fuad, porque há uma rejeição no bairro, porque já é muito populoso e tal. Como é que o senhor está com essa questão?
Lula: Você tem uma área, querida, de praticamente 547 mil metros quadrados abandonada lá. Nós vamos dar dessa área, pelo menos, 17% para a prefeitura e o restante a gente vai discutir que políticas públicas fazer para que a gente possa dar vida àquilo. Aquilo pode ser feito muitas coisas de interesse da população, pode ser feito hospital, pode ser feito postos de saúde, pode ser feito escola, pode ser feito parque, pode ser feito habitação popular. A primeira coisa que nós vamos garantir é que nós vamos fazer com que 17% daquela área seja doada à prefeitura de Belo Horizonte para eles fazerem aquilo que for mais importante para a vida de Belo Horizonte.
Edilene: Pode ser moradia ou não?
Lula: Pode ser moradia. A hora que você fizer a doação do terreno, o prefeito pode dizer que vai fazer moradia, o que seria ótimo porque o povo sempre precisa de moradia.
Edilene: O Governo Federal já tem uma sugestão do que deve ser feito com o restante da área ou ainda....
Lula: Nós vamos conversar hoje com o prefeito. A nossa ministra Esther está vindo aí. Certamente nós vamos conversar com o prefeito e o governo tem interesse em fazer investimento noutra área. Nós não queremos dar uma área para ser ocupada e deixar outra área maior ainda totalmente abandonada. Nós vamos dar vida, ou através do Governo Federal ou através de convênio com a prefeitura. O dado concreto é que nós estamos numa política de fazer doação de todos os terrenos públicos existentes no Brasil. Prédios, tem muitos prédios abandonados. Tem muita coisa abandonada. Tem três mil residências do INPS, que estão abandonadas. Essas coisas nós temos que fazer utilização, tem palafitas que são terras da União e não tem porque você não fazer a doação dessa terra, dar títulos para as pessoas virarem proprietárias. A União não tem que ficar sendo dona de coisa que não tem utilização. Então nós vamos apresentar um projeto de fazer doação e utilização de todas as terras públicas que nós não utilizamos e que não serve pra nada. Só pra você ter ideia. Eu, quando tinha 14 anos de idade, já faz muito tempo, há 60 anos atrás, eu morava num lugar que tem um grande armazém do Instituto do Café. Esse armazém tem 47 mil metros quadrados. Você acredita que ele tá paralisado até hoje, há 60 anos um prédio que tem 47 mil metros quadrados totalmente abandonado. Aí eu fui saber agora para que que serve, o que está sendo guardado lá. Papel da Justiça Federal e carro velho da Polícia Federal. Acho que coisas que eles pegam e vão jogando lá. Enquanto isso a população precisa de área de lazer, precisa de área habitacional, precisa de escola. Então, nós temos que pegar esses terrenos e fazer com que isso tenha utilidade para atender os interesses do povo brasileiro. Então, isso vai ser anunciado. Todas as áreas que tiver aqui em Minas Gerais, que for da União, seja prédio, seja casa, seja terreno, a gente vai fazer acordo com as prefeituras, com o governo do estado, com a iniciativa privada. Se algumas quiserem comprar um prédio que pode ser vendido e aquele dinheiro ser aplicado em habitação popular, nós vamos fazer isso.
Edilene: Presidente, o Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, acompanha o senhor dessa agenda aqui. Ele é autor de uma proposta alternativa para renegociar a dívida de R$ 160 bilhões que Minas Gerais tem com a União e que substituiria o regime de recuperação fiscal. Eu queria saber, o senhor já disse que é um apoiador dessa proposta, se o senhor descarta a possibilidade do regime de recuperação fiscal e se o Governo Federal tem interesse em assumir, por exemplo, a Cemig e a Codemig.
Lula: Eu não vou dizer o que o Governo Federal tem interesse de assumir. Eu só vou te dizer que eu fiquei muito feliz quando o presidente do Senado apresentou a proposta. Ele junto com o ministro Alexandre Silveira. Ou seja, essa proposta está neste momento no Ministério da Fazenda. O Haddad está estudando. O Haddad também demonstrou interesse nessa proposta. Na hora que a Fazenda der OK nós vamos conversar com o governador para saber se é possível fazer o acordo. Eu não vou dizer o que vai entrar nesse acordo, se vai entrar Cemig, se não vai entrar, porque eu não tenho ainda um parecer do ministério da Defesa. Mas o que nós queremos é fazer um acordo porque não interessa para nós também termos os estados endividados, sem nenhuma capacidade de investimento. Vamos ser francos. O povo de Minas sabe que o Pimentel teve muitas dificuldades de governar Minas Gerais por conta dessa dívida. O Pimental ficou devendo para fornecedores, para prefeitos, pro servidor público. O Pimentel ganhou uma ação que a ministra Rosa Weber deu a liminar pra ele parar de pagar dívida. Só que ele perder as eleições. O Zema assumiu e, portanto, o Zema pode colocar a economia de Belo Horizonte e de Minas Gerais em dia porque deixou de pagar dívida. Então, o que nós queremos, não queremos sufocar Minas Gerais, queremos dentro daquilo que for possível construir um acordo, não só com Minas, mas com outros estados brasileiros para que a gente possa resolver o problema do endividamento dos estados brasileiros para que as coisas possam voltar à normalidade. Na época das eleições em 2022, o ex-presidente sufocou os governadores com a redução do ICMS numa tomada de atitude eminentemente eleitoral. Os estados ficaram ainda mais endividados, com mais dificuldades. Quando terminar a nossa entrevista hoje, apresentação do PAC, é importante que a imprensa de Minas Gerais fizesse uma comparação entre o que foi feito em Minas Gerais nos meus dois governos passados e da Dilma. É importante que fizesse uma comparação o que aconteceu no governo Temer, no governo Bolsonaro em Minas Gerais, qual foi o metro quadrado que foi feito em Minas Gerais de qualquer coisa e compara o que vai acontecer agora em Minas Gerais. Porque eu, Edilene, olhando talvez pra jornalista mais importante de Minas Gerais, eu tenho orgulho de dizer o seguinte: eu duvido que na história de Minas Gerais um presidente da República colocou mais investimento aqui do que eu coloquei nos dois mandatos meus quando o Aécio era governador. E agora com a apresentação desse PAC eu duvido que apareça um presidente da República que coloca à disposição de Minas Gerais R$121 bilhões de investimentos para o futuro de Minas Gerais. E eu faço isso, sabe por que? Não porque eu tenho amizade com governador ou não tenho amizade com governador. Eu faço isso porque o povo de Minas Gerais é o segundo estado mais importante da federação, é um estado extremamente importante do ponto de vista político, cultural, é um estado que eu tenho um carinho especial porque aqui eu tenho muita história com o Vale do Aço, com o Vale do Mucuri, com o Vale do Jequitinhonha, com o norte de Minas Gerais. Então, eu faço isso pelo compromisso que eu tenho. Eu queria terminar essa pergunta colocando uma coisa. Eu vinha muito a uma cidade chamada de Itinga, às margens do Jequitinhonha. E toda vez que eu chegava naquele rio Jequitinhonha para atravessar para Itinga, aparecia uma balsa, um homem com uma vara de bambu, ele tinha um caroço no peito de tanto colocar aquela vara de bambu para empurrar a balsa. Uma vez eu prometi para ele, se eu ganhar as eleições, eu vou fazer a ponte Itinga. Ganhei as eleições, voltei a Itinga, levei a Vale do Rio Doce, levei a Usiminas e a Vale e a Usiminas assumiram o compromisso comigo de fazer a ponte. E eu, graças a Deus, fui inaugurar a ponte. Lamentavelmente o parceiro tinha morrido, ele não estava mais vivo para ver a ponte que a gente inaugurou lá. O Vale do Jequitinhonha eu tenho relação desde do príncipe, o Dom Rezende que era uma figura extraordinária. Então, eu quero ajudar essas pessoas, nós vamos renegociar a dívida do pessoal por conta da seca. São praticamente 586 contratos, são praticamente R$8 bilhões que estão envolvidos aí. A gente vai renegociar dívida velha, e a gente vai discutir como facilitar para que no futuro essas pessoas voltem a plantar outra vez. Então, nós vamos cuidar desse país, Edilene, eu falo o seguinte, eu não quero governar, eu quero cuidar. A palavra correta é cuidar, é cuidar da família, é cuidar da criança, por isso é que na educação a gente tá fazendo uma revolução. Não sei se você sabe, eu e a Dilma fizemos 44 institutos federais aqui, eu vou anunciar mais 8 institutos federais em Minas Gerais. Na história inteira, Minas Gerais só teve 22. Nós, em poucos anos do PT, já vamos fazer ao todo 50 institutos federais em Minas Gerais e ainda precisa fazer muito mais porque Minas é muito grande. Então, é essa Minas que nós vamos tratar com muito carinho, com muito respeito, independentemente da relação pessoal entre presidente e governador.
Edilene: Pois é, queria aproveitar esse gancho para fazer uma pergunta para o senhor. Tem relação ao relacionamento com o governador quanto à relação com Minas Gerais. O senhor acha que o senhor demorou a vir a Minas Gerais, porque veio só nesse ano, e o senhor tem uma reunião com o Zema para discutir a dívida de Minas. Ele disse que pediu uma reunião com o senhor. O senhor vai se encontrar com ele?
Lula: Deixa eu te falar, primeiro eu não demorei para vir a Minas Gerais porque se você pegar desde a Proclamação da República até hoje, acho que nem Juscelino que era mineiro, viajou tanto em Minas Gerais como eu viajei em Minas Gerais. Eu viajei em Minas Gerais para criar o PT, eu viajei em Minas Gerais para criar a CUT, eu viajei em Minas Gerais para as eleições de 85, para as eleições de 86, para as eleições de 90, para as eleições de 94. Todas as eleições eu tô em algum lugar de Minas Gerais. Só para você saber, na posse da Cacá em Araçuaí a gente tinha eleito a Dilma em São Paulo e eu saí de São Paulo e fui para Araçuaí na posse da companheira Cacá, há tanto tempo atrás. Então, eu tenho esse carinho por Minas Gerais porque Minas sempre foi muito carinhosa comigo. Eu já ganhei muitas eleições em Minas Gerais.
Edilene: Então, o senhor veio no tempo certo?
Lula: Então, nós vamos continuar tratando Minas com muito respeito. Eu tratei Minas Gerais no tempo que o Aécio era governador e ele era oposição com maior respeito, eu não fazia diferença entre o Aécio e qualquer outro governo. O Zema é a mesma coisa. Eu falo sempre o seguinte. A nossa relação institucional não é uma relação pessoal. O presidente da República tem que respeitar o governador porque ele foi eleito, o governador tem que respeitar o presidente da República porque foi eleito. O que o estado, o que a União pode fazer pelo estado, o que o estado pode fazer pela União. É essa comunhão de interesse que vai fazer com que a gente faça as coisas corretas. Eu vou ter um primeiro contato com o governador hoje na reunião. Eu sei que ele tá querendo discutir a dívida, eu disse pra ele que a dívida não é discutida comigo ainda porque ela tá na área da Fazenda. E ela tá na área do Ministério da Casa Civil, da Advocacia-Geral da União e do Ministério de Minas e Energia. Mas quando o processo estiver pronto eu não tenho nenhum problema de sentar com o governador Zema em Belo Horizonte, em Brasília, em qualquer lugar, para a gente conversar e encontrar a melhor solução para que Minas Gerais possa sofrer menos.
Edilene: Depois da solenidade, o senhor tem um encontro separado com ele?
Lula: Não tem nada marcado. Porque eu tenho compromisso hoje em Brasília por causa das divergências que acontecem todo dia em Brasília. Brasília é um palco meio nervoso, talvez eu tenha que voltar muito rápido quando terminar a minha reunião aqui.
Edilene: O senhor mencionou a interlocução feita pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para renegociar a dívida de Minas. Algum dos dois é um potencial candidato do senhor ao governo de Minas, porque a conversa é de que o Pacheco seria essa pessoa, numa composição com o PSD.
Lula: Eu não sei. É tão distante a data da eleição de hoje, que não dá pra gente discutir. Eu só quero te dizer uma coisa, o Pacheco é, possivelmente a grande personalidade pública em Minas Gerais hoje no cenário nacional. Ele é presidente do Senado, ele teve um papel muito importante no garante da democracia, na defesa das instituições, ele é uma figura, ele tem mais um ano de mandato no Senado, depois acho que ele pode querer discutir, e aí nós vamos discutir. E eu acho que ele é uma figura que tem que ser levada em conta em qualquer discussão eleitoral em Minas Gerais.
Edilene: Tem chance de ter o apoio do senhor ou o PT quer ter um candidato próprio?
Lula: Sinceramente eu acho que nós vamos ter que construir as alianças necessárias porque nós precisamos não apenas eleger o governador, mas nós temos que eleger senadores. É muito importante a construção de candidaturas do Senado que sejam possíveis de serem eleitas, de gente que tenha embocadura política. E nós vamos levar tudo isso em conta. Eu só estou te dizendo que é muito cedo. Nós temos eleição para prefeitura, a eleição para prefeitura é sempre uma coisa muito nervosa, muito distante, os deputados se envolvem muito. E vamos aguardar então quando chegar 2025 a gente começa a pensar em 2026.
Edilene: Nessa costura para as prefeituras para Belo Horizonte, o PT pensa em ter um candidato próprio, que é o Rogério Correia, pode ir com o Fuad, como é que o Kalil entra nessa história? Porque pelo que eu sei o senhor se reuniu com ele ontem na casa do Walfrido dos Mares Guia, não teve?
Lula: Não houve reunião com o Kalil.
Edilene: Teve uma conversa com ele?
Lula: Não houve reunião porque o Kalil tinha marcado um jantar e eu e os ministros fomos no jantar. Aliás, agradecer em público a qualidade da comida que o Walfrido nos ofereceu e o carinho dele e da Sheila para nos receber. Mas o Kalil telefonou dizendo que não poderia ir. Então não foi. Mas eu não sei também, o Kalil pode ser o que ele quiser ser, porque ele já foi prefeito da capital, ele tem que escolher se ele quer ser alguma coisa. O que eu acho é que tá cedo para a gente discutir. O Fuad é um companheiro que eu tenho gratidão a ele porque ele me apoiou em 2022. Ele tinha assumido no lugar do Kalil. Agora o PT tá dizendo que quer ter um candidato que talvez seja o Rogério. O Rogério é um homem público de Minas Gerais, muito conhecido, muito lutador, é um batalhador incansável. Tem total possibilidade de ser candidato a prefeito. O que nós temos que trabalhar é sempre com a perspectiva de quem que nós vamos enfrentar, mais a direita, mais conservador, para que a gente possa não cometer o erro de entregar Belo Horizonte outra vez a uma pessoa extremamente de direita ou um fascista. É isso que nós temos que pensar. Como nós temos tempo ainda, Edilene, a gente só tem que ter um pouco de paciência. Muitas vezes em política as pessoas ficam apressadas, querem tomar decisão rápida, querem se colocar rápido, nem sempre a rapidez é a melhor amiga de uma decisão política correta. Eu sempre digo o seguinte, eu não tomo nenhuma decisão quando a febre está com 39 graus. Eu, primeiro, espero a febre baixa, quando ela chegar a 36, aí eu tô apto para tomar as decisões.
Edilene: Então, a prioridade é que nenhum candidato mais à direita, mais bolsonarista, como o Nicolas Ferreira ou o Bruno Engler, ganhe a prefeitura de Belo Horizonte.
Lula: Eu acho que nós temos que levar isso em conta. Nós temos que fazer uma análise política, o que significa um cidadão fascista, um cidadão negacionista, ganhar uma cidade como Belo Horizonte. Eu acho. Nós temos experiências extraordinárias em Belo Horizonte de gestões do PT, nós temos o Célio Castro lembranças extraordinárias do que é o exercício da democracia, nós temos o próprio Pimentel que foi um extraordinário prefeito de Minas Gerais, nós temos o Kalil que fez uma boa gestão. Então é preciso que a gente esteja sempre tentando oferecer o melhor para o povo de Belo Horizonte. Belo Horizonte é uma grande cidade, é uma cidade bonita, mas tem muitos lugares periféricos sofridos, tem muita gente sofrida na periferia de Belo Horizonte. E é pra essa gente que a gente tem que ter um olhar mais carinhoso, mais caridoso, e um olhar para que a gente governe para essa gente.
Edilene: Em 2026, o senhor disputa as eleições presidenciais?
Lula: Ô Edilene, essa é a pergunta mais difícil.
Edilene: Tem possibilidade?
Lula: Porque veja o seguinte, se eu disse pra você que não, você vai falar “ele tá mentindo”. Se eu disse que sim, eu sou muito presunçoso, só tô em um ano de governança, ainda falta três anos, eu pra poder falar “eu quero ser candidato”, eu primeiro preciso terminar o meu mandato. Eu tenho o compromisso de cuidar desse país. Eu quero fazer esse país voltar a crescer, eu quero fazer essa revolução educacional que a gente tá fazendo. Você nem me perguntou sobre o Pé-de-Meia. O Pé-de-Meia é uma revolução na educação brasileira. Edilene, a gente vai garantir a todos os meninos do ensino médio que forem do CadÚnico, pessoas mais pobres, a gente vai garantir uma poupança para que eles não desistam da escola. Esse ano você teve 500 mil jovens desistindo do ensino médio, ele termina o ensino fundamental, e sobre o argumento que precisa ajudar a família, não vão pra escola. Então, o que nós queremos é garantir que esses jovens estudem, pelo amor de Deus. Porque o que a gente não investir em educação agora, a gente vai gastar em cadeia depois, a gente vai gastar no combate ao narcotráfico, a gente vai gastar no combate às drogas. Então, é preciso apostar. E nós estamos, então, fazendo o Pé-de-Meia para esses jovens que vão para o ensino médio. Eles vão receber R$ 200 por mês, durante dez meses, no final do ano nós vamos depositar R$ 1 mil numa poupança pra ele. Ele tem que ter 80% de comparecimento na escola e ele tem que passar. No segundo ano a gente faz a mesma coisa. 10 pagamentos de R$ 200, mais R$ 1 mil no final do ano se ele tiver, outra vez, 80% de comparecimento e passar. E, no final do curso, ele vai ter mais R$ 1 mil. Então, significa que ele vai ter R$9 mil quando terminar o ensino médio, pra ele começar a escolher a carreira profissional que ele vai seguir. Nós estamos investindo nisso R$ 7 bilhões. Acho que é uma coisa sui generis no mundo, a gente estar pagando para que as crianças não desistam da escola. O lugar de criança não é no trabalho. O lugar de criança é na escola. Quando ele se formar, ele vai para o mercado de trabalho.
Edilene Lopes: Aproveitando isso, eu quero fazer uma pergunta sobre orçamento para o senhor, mas antes eu quero voltar na questão anterior. No cenário nacional, em 2026, o senhor acha que o senhor pode encontrar um Bolsonaro talvez elegível, um Zema, um Tarcísio? Como é que o senhor desenha o outro lado? Assim como o senhor pensa também agora para as eleições municipais, para o nacional seria como?
Lula: Olha, eu não sei. A ideia nossa agora nessas eleições é lançar candidato onde a gente tenha condições de disputar as eleições, porque muitas vezes, mesmo você não ganhando uma eleição, você faz uma campanha que notabiliza o surgimento de uma liderança para dar saltos para postos mais importantes.
Eu, sinceramente, não posso dizer quem é que vai estar apto para concorrer em 2026. Sabe, tem gente que hoje não é nada e pode ser muita coisa em 2026, tem gente que pode ser alguma coisa hoje e pode vir a nada em 2026. Então é só dar tempo ao tempo. A política é uma coisa muito dinâmica. Muito, muito dinâmica, muito. Então, vamos esperar. Todos nós fomos eleitos para trabalhar. Eu fui eleito para cuidar desse país, Edilene, e eu vou cuidar. Eu quero que a economia volte a crescer, eu quero que o emprego volte a crescer, eu quero que o salário volte a crescer, eu quero fazer mais casa, eu quero ter escola de tempo integral, eu quero ter o ensino médio funcionando, eu quero ter mais gente na universidade. E é isso que me deixa feliz. Sabe, se chegar no final do meu mandato, eu tiver concluído tudo aquilo que nós planejamos e colocamos no PAC, eu posso dizer que eu serei um homem muito realizado. Eu digo sempre, é importante lembrar que eu terminei o mandato, em 2010, com 87% de bom e ótimo, 10% de regular e 3% de ruim e péssimo. Então eu só espero o seguinte, eu plantei a lavoura. Ela está adubada, nós colocamos água. Agora nós estamos esperando ela crescer para fazer a colheita e vai ser a partir desse ano que a gente vai colher aquilo que foi plantado.
Edilene Lopes: Se o senhor não for o candidato, o primeiro nome na lista do senhor é o Haddad?
Lula: Se eu falar qualquer coisa agora, não tem nenhum sentido. Não tem nenhum sentido, querida.
Edilene Lopes: Presidente, sobre orçamento, em relação ao superávit, o senhor ainda acha que ele é possível? De onde o Governo Federal tiraria o dinheiro? O senhor vai insistir, o Governo Federal vai insistir na reoneração da folha de pagamento, que é uma questão sensível?
Lula: Deixa eu te contar a questão da desoneração da folha de pagamento. É uma coisa que está sendo discutida. Eu até falei com o presidente do Senado, com o Rodrigo Pacheco. Eu falei, vocês não colocam nenhuma contrapartida para os empresários. Ou seja, quando você faz a desoneração para os empresários, você tem que fazer o quê? Bom, você vai desonerar a folha de pagamento, você vai dar estabilidade para os seus trabalhadores durante o funcionamento da política de desoneração ou nós vamos privilegiar você com a desoneração e você vai mandar um monte de trabalhador embora? Você vai dar algum aumento de salário com a desoneração? Não. É só o lucro que aumenta? É só a concentração de riqueza? Então, o que nós queremos discutir é que haja uma contrapartida quando você faz a desoneração. Sabe, é só pegar os efeitos de tudo que já foi feito com a desoneração para ver se gerou emprego. Sabe, eu fiz R$ 47 bilhões de desoneração na crise de 2008. Mas todas as políticas de desoneração nossas eram sentados os empresários, o movimento sindical e o ministro da Fazenda. O empresário quer o benefício e o que o trabalhador ganha? Nós precisamos saber o que ele vai ganhar. O empresário que vai ter a desoneração vai garantir, enquanto tiver a desoneração, ter estabilidade na minha empresa. Ele vai garantir? Se ele não garantir isso, ou se ele não disser que vai ter uma parte de aumento de salário, por que desonerar a folha? Então nós vamos discutir. Eu possivelmente tenha... Eu não sei se vai ser possível juntar o Haddad e o Pacheco ainda essa semana, sabe, em Brasília, ou se a gente vai deixar para conversar depois do Carnaval. Mas nós vamos ter que encontrar uma solução. Porque a desoneração exige uma contrapartida para os trabalhadores.
Edilene Lopes: O superávit, o senhor acha que ele ainda é possível ou vai ter que ser reduzido?
Lula: Essa é uma discussão que de vez em quando aparece e eu não gosto que ela apareça. Eu não gosto que ela apareça. Porque, sabe, você gasta quanto você arrecada. Se aumentar a arrecadação a gente tem mais dinheiro para gastar. Se diminuir a arrecadação você vai diminuir o que você tem que investir. Essa é a lógica. É uma lógica que vale para a tua casa na família, é uma lógica que vale para a prefeitura e que vale para o Governo Federal. Nós temos o orçamento, que foi previsto, que foi dito que nós vamos fazer tanto de investimento. Se der para fazer superávit zero, ótimo; se não der, ótimo também. Aqui no Brasil, de vez em quando, se inventa umas histórias, umas manchetes babacas, sabe? Superávit cresce não sei das quantas. Déficit da dívida. Eu lembro que nos Estados Unidos a dívida, em relação ao PIB, chegou a 120%. No Japão, chegou a 200%. E as economias continuam. Na Itália chega a 170%. E as coisas continuam. Só que, no Brasil, sabe qual é o melhor jeito da gente diminuir a dívida com relação ao PIB? É fazer a economia crescer. Quanto mais a economia crescer, mais vai diminuir a distância da dívida. É isso que nós precisamos fazer. Não é ficar jogando a culpa em cima do povo mais pobre e tentar cortar benefício. Isso não acontecerá no meu governo.
Edilene Lopes: Por falar em povo mais pobre, uma das promessas de campanha do senhor era a isenção do imposto de renda para até R$ 5.000. Isso vai, até março, pro Congresso Nacional? Acha que vai ser possível?
Lula: Não é que é possível, é que nós vamos ter que fazer. Nós vamos ter que fazer. Ontem, eu fiz uma medida provisória, segunda-feira, garantindo que quem ganha até dois não paga imposto de renda. Tá? Mas nós vamos, a cada ano, fazer até chegar a R$ 5.000, no final do meu mandato.
Edilene Lopes: Então não é para esse ano, né?
Lula: Não é possível a gente dizer que não pode abrir mão de receber o dinheiro de quem ganha dois salários mínimos e tá fazendo desoneração. Quantos bilhões dá isso? Por que que você não pode abrir mão de deixar de cobrar um cara que ganha R$ 2.000, R$ 3.000, cobrar imposto de renda, e você vai desonerando as coisas para os ricos nesse país. Então, é apenas uma questão de ajuste de comportamento. Eu estou decidido de que o rico tem que ir para o imposto de renda e que o pobre tem que ir pro orçamento da União. Eu estou convencido disso e nós vamos conseguir isso.
Edilene Lopes: Então essa história do imposto de renda até R$ 5.000 o senhor acha que sai esse ano ou não? E a taxação das grandes fortunas, você acha que caminha no Congresso?
Lula: Veja, nós vamos preparar. Meu compromisso é que, até o final do meu mandato, todos os brasileiros e brasileiras que ganham até R$ 5.000 não paguem imposto de renda. É isso. Grave isso para você me cobrar, sabe, na última entrevista que você for fazer comigo. Quem ganha até R$ 5.000, até o final do meu mandato, não pagará imposto de renda.
Edilene Lopes: Tem última? Você pode se candidatar novamente e vai ter mais entrevista.
Lula: Não sei, você que sabe, vai depender...
Edilene Lopes: Nós estamos na sétima.
Lula: Vai depender da disposição da Itatiaia.
Edilene Lopes: Eu estou sempre à disposição para entrevistar o senhor.
Lula: Você sabe que você pode negar qualquer coisa no país, o que você não pode negar é uma entrevista para Itatiaia. É isso que eu aprendi.
Edilene Lopes: Uai, então vou aproveitar a entrevista e fazer mais uma pergunta. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez um discurso duro essa semana falando sobre a necessidade de dividir mais o orçamento com o parlamento. O senhor acha que vai ter um ano mais difícil com a Câmara dos Deputados? E isso depende das concessões que o senhor vai fazer tanto para o presidente Arthur Lira como para os outros deputados? Como é que o senhor acha que vai ser?
Lula: Primeiro, eu não vi o discurso do Lira, mas o Lira tava fazendo um discurso para o seu povo. O Lira falar no Congresso Nacional é como eu falar em um palanque ou uma assembleia sindical. Eu vou falar pro meu povo, eu vou falar pro meu povo e vou falar mais duro. Eu imaginei que o Lira ia falar que é preciso repartir o orçamento com o povo, que está precisando. Quanto mais o povo estiver dentro do orçamento, melhor pro Brasil. Agora, o que que eu acho que o Lira pode ter razão. É que se o governo fez acordo, dentro do Congresso Nacional, ou através do nosso ministro de Relações Institucionais ou através do ministro da Fazenda, fez algum acordo, a gente tem que cumprir. Porque quando você não cumpre um acordo feito, o resultado é que vai ficar mais caro. Isso eu aprendi há muito tempo. Então, eu devo conversar com o presidente Lira por esses dias e ver o que que está acontecendo. Nós estamos chegando no Carnaval, não é momento de discurso duro. É momento de alegria, momento da gente relaxar um pouco, dançar, gastar um pouco de energia e voltar mais calmo depois do Carnaval. É isso que eu espero. De mim, do Lira, do Pacheco e da classe política brasileira.
Edilene Lopes: E o senhor acha que essa solução passa por concessões no orçamento, ou tem a ver com cargos, com mais cargos na Caixa, com uma reforma ministerial, com mais cargos para o centro?
Lula: Não tem reforma ministerial e não tem mais cargo, querida. Passa por a gente fazer aquilo que está determinado. O orçamento foi aprovado. Havia uma determinada quantia em dinheiro que era disponibilizada. Na medida que eles colocaram alguns milhões a mais, eu fui obrigado a vetar. Sabe? Fui obrigado a vetar porque a inflação comeu, no primeiro dia, R$ 4,5 bilhões da receita do Governo Federal. Então, eu não posso também nem gastar o que eu não tenho e nem pagar emenda com dinheiro que eu não tenho. E todo mundo é esperto e sabe disso. Ali na Câmara, o menos sabido, coloca uma linha numa agulha com luva de boxe. Ali, não tem ninguém que não sabe. É só utilizar a inteligência da gente para fazer as coisas corretas e não permitir que nenhum lado erre muito. O Congresso sabe que nós, no governo, cumprimos acordos que firmamos e o que nós queremos é que o Congresso seja parceiro nessa recuperação do país.
Edilene Lopes: As articulações para eleição da presidência da Câmara já estão a todo valor. O senhor tem um candidato, Marcos Pereira, é mesmo uma possibilidade? Como que o senhor vai se posicionar nesse cenário?
Lula: Eu aprendi, há muito tempo, conversando com um cara que tem um mandato de primeira vez. A boa política é o presidente da República não se meter na escolha do presidente da câmara e do Senado. O que o presidente da República tem que ter preocupação é depois que tiver eleito, ele construir uma boa relação com o que foi eleito. Sempre dizendo uma coisa: não é o presidente da Câmara que precisa do presidente da República. Não é o presidente do Senado que precisa do presidente da República. É o presidente da República que, muitas vezes, precisa do presidente da Câmara e do presidente do Senado. Então, a boa política é a boa relação. E isso, graças a Deus, eu gosto de fazer e sei fazer.
Edilene Lopes: Presidente, nós não fizemos nenhuma pergunta sobre internacional. A Itatiaia tem acompanhado as missões internacionais do senhor muito de perto. Em relação à questão regional, na América Latina, como que, com o passar dos meses, a eleição do Javier Milei tem ou pode impactar dentro do Mercosul, na América Latina. Como é que o senhor está vendo esse cenário? Os objetivos do Brasil com a moeda comum, a moeda única.
Lula: Olha, eu não tive contato com o presidente da Argentina. Mas eu penso que, independentemente dos discursos que ele fala para agradar o seu povo e os seus eleitores, ou seja, eu acho que o Mercosul é mais forte que isso. Eu acho que a nossa relação entre Brasil e Argentina é uma relação muito forte, uma relação institucional muito forte. As instituições argentinas e brasileiras conversam entre si e acho que isso não vai nos trazer nenhum problema. Obviamente que você vai ter a possibilidade do enfraquecimento do Mercosul a depender do comportamento da economia argentina. Mas eu não vejo maiores problemas com o Brasil. Não vejo nenhum problema, sabe, o Milei fez os discursos que quis fazer e ganhou as eleições. Agora ele tem que governar. E vamos ver a diferença entre a teoria e a prática.
Edilene Lopes: Presidente, eu sei que o senhor está na primeira visita a Minas Gerais, mas o senhor já planeja uma segunda, aproveitando que nós estamos caminhando para o finalzinho da nossa entrevista agora?
Lula: Eu vou vir muitas vezes a Minas Gerais, Edilene. Você sabe que, quando eu tomei posse, eu tinha uma missão: primeiro a de construir a reconstrução do Brasil. Se sabe que o Brasil não foi governado no governo anterior. O Brasil ficou como se fosse um barco à deriva. E a coisa mais verdadeira que o Bolsonaro falava era isso: "Eu não sei governar, não gosto de governar, não entendo de economia, não quero saber de nada disso". Era isso mesmo. Ele não queria saber de nada disso. Passou o orçamento para o Congresso dirigir e passou a economia para o Guedes dirigir. E a teoria simples era vender tudo. Vender tudo. Se eu perguntar para você, que é uma jornalista informada, Edilene, me diga quantos metros de rodovia o Bolsonaro fez em Minas Gerais, em quatro anos. Você não vai saber, porque ele não fez. Quantas casas ele fez em Minas Gerais? Você vai ter dificuldade em saber. Quantas escolas fez em Minas Gerais? Não fez. Porque o negócio dele não era esse, o negócio do Bolsonaro era mentir, era fake news, era fazer provocação, era arrumar inimigo. E assim ele levou um mandato de quatro anos. Fazendo a loucura que ele fez com o dinheiro público. Edilene, a merenda escolar ficou seis anos sem reajuste nesse país. As bolsas de estudo para os nossos graduados, ou seja, nossos pesquisadores, seis anos sem aumento, sem nenhum reajuste. Sabe, esse país foi desmontado. E nós passamos um ano reconstruindo esse país, plantando as coisas, arando a terra, aguando a terra, colocando semente. Agora estamos colhendo. Eu vim aqui para Minas Gerais para dizer o seguinte: as coisas estão plantadas e nós vamos começar a colher. E eu virei muitas vezes à Minas Gerais. E eu espero que eu venha não para políticas, mas para ser convidado para comer um franguinho com quiabo, pra comer um frango preguento no xapuri, comer alguma coisa. As pessoas só me convidam para atividade política. Eu quero ser convidado para outras coisas. Você sabe que eu vou ao Rio de Janeiro desde 1975 e eu nunca coloquei o pé na água de uma praia do Rio de Janeiro, porque só me convidam para reunião. Aqui em Minas Gerais, por exemplo, o pessoal precisa me convidar para outras coisas, não é só para reunião. Me convida para passar um tempo aqui numa boa serra de Minas Gerais, numa cachoeira, para descansar um dia. Mas é só reunião, reunião, reunião. E vou vir muitas vezes a Minas Gerais, porque eu quero inaugurar muita obra em Minas Gerais. E você vai ver, porque você vai ser avisada: "Edilene, o Lula vai estar em Minas Gerais para inaugurar tal coisa". E a Itatiaia vai ter que estar lá para me entrevistar.
Edilene Lopes: Presidente, muito obrigada por mais essa entrevista exclusiva à Itatiaia.
Lula: Obrigado, Edilene, obrigado ao todo pessoal que trabalha na Rádio Itatiaia. Eu quero te dizer que eu aprendi aqui em Minas Gerais, com um companheiro muito querido meu, que é o nosso querido Luís Dulce, toda vez que eu vinha a Minas Gerais, muito tempo atrás, ele dizia: "Não pode deixar de falar com a Itatiaia, porque falar com a Itatiaia é falar com Minas Gerais, de todos os quatro cantos do estado". Então, Edilene, eu tô feliz. Obrigado pela entrevista. Espero que você possa acompanhar o que nós vamos anunciar, para você cobrar lá de Brasília. A cada ministro que vier aqui fazer um anúncio, você cobrar se ele está cumprindo aquilo que ele veio dizer aqui em Minas Gerais.
Então, muito obrigado.
Edilene Lopes: Eu que agradeço, presidente. Nós ouvimos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em mais uma entrevista exclusiva à Itatiaia, que foi transmitida pela rádio, pelo YouTube da rádio e também pela CNN Brasil. É com vocês.