Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à CNN Internacional, em 10 de fevereiro de 2023
CNN: Presidente Lula, seja bem-vindo ao nosso programa.
Presidente Lula: O prazer é meu, Amanpour, por participar de seu programa.
CNN: O presidente Biden foi um dos primeiros líderes mundiais a parabenizá-lo por sua vitória eleitoral e a condenar o levante de 8 de janeiro. Vocês têm muito em comum, protegendo a democracia... é este o principal impulsionador de sua reunião aqui?
Presidente Lula: Eu acredito que defender a democracia é uma obrigação de todos os democratas do mundo. Eu jamais imaginei que pudesse acontecer nos Estados Unidos da América do Norte, a invasão do Capitólio; como jamais imaginei que no Brasil depois de uma eleição democrática, pudesse haver uma invasão no Congresso, na Suprema Corte e no Palácio Presidencial. Isso significa que você tem solta no mundo, uma extrema direita raivosa, uma extrema direita muito mas, muito nervosa que utiliza fake news como se fosse um instrumento de fazer política de conversar com as pessoas; e nós precisamos destruir essa narrativa que eles utilizam contra os democratas. Eu, aliás, ontem eu quero dar os parabéns ao Presidente Biden pelo seu discurso no Congresso Nacional, que foi um discurso muito interessante. Era como se estivesse falando no Brasil, porque no Brasil acontece a mesma coisa que está acontecendo aqui.
CNN: O seu adversário Jair Bolsonaro – o presidente anterior que perdeu – está aqui nos Estados Unidos. Ele pediu um visto de seis meses, mas já está sendo investigado pelo seu Supremo Tribunal Federal por supostas violações durante o levante. Após sua posse, o Sr acha que ele deveria ficar nos Estados Unidos? O que o Sr dirá ao presidente Biden sobre isso?
Presidente Lula: Olha, veja ele já tem praticamente 12 (doze) processos lá no Brasil e vai ter mais. Eu acho que em algum momento ele vai ser condenado, em alguma Corte internacional sobre a questão do genocídio, por conta da COVID, porque metade das pessoas que morreram é por conta da irresponsabilidade do governo, e também ele poderá ser punido pelo genocídio contra os índios Yanomami, ou seja, que é uma coisa muito grave que aconteceu lá e ele incentivava os garimpeiros a jogar mercúrio na água, a poluir a água, que as pessoas bebiam “naquele mundo” bem escondido do restante do país. Então eu acho que em algum momento ele vai ser condenado; ele na verdade nem ficou lá para me dar posse; ele fugiu do Brasil 3 (três) dias antes e ainda fugiu no avião presidencial e veio se esconder aqui na casa de um amigo dele. De qualquer forma, um dia ele vai ter que voltar ao Brasil e vai ter que enfrentar todos os processos que estão movidos contra ele. Porque eu posso te contar uma coisa, eu nunca pensei que alguém fosse capaz de destruir em apenas 4 (quatro) anos tudo que nós construímos em 13 (treze) anos no Brasil ele destruiu em 4 (quatro). E é por isso que o nosso lema agora é: União e Reconstrução do Brasil!
CNN: O Sr pedirá a extradição dele – para que seja deportado ao Brasil – ou não?
Presidente Lula: Olha, eu ainda não sei, porque eu não vou falar com o Biden sobre isso porque isso vai depender muito da Justiça Brasileira. Eu sempre trabalho com a ideia de que todo mundo tem direito à presunção de inocência. Ele tem o direito de se explicar para a sociedade e tem direito de ser julgado da forma mais democrática possível; da forma que eu não fui. Eu quero para ele a presunção de inocência que eu não tive. E nem por isso eu estou preocupado! E quero que ele seja julgado de acordo com a lei; eu só posso tocar nesse assunto se o Presidente Biden tocar no assunto. Se o Presidente Biden não tocar, eu não vim aqui para falar mal de um presidente, que todo mundo sabe que ele é uma cópia fiel daquilo que o Trump foi nos Estados Unidos.
CNN: Bem, tendo dito isso, obviamente o evento de 6 de janeiro aqui foi traumático para este país. Agora, um cientista político de Harvard observou que, no Brasil, depois de 8 de janeiro, suas instituições, governo, mídia, opinião pública, Suprema Corte – tudo – foram muito rápidos em se unir em oposição ao levante de 8 de janeiro em seu país. Muito mais rápidos so que o ritmo do público aqui nos Estados Unidos. Então minha pergunta é: o Sr acredita que agora, apenas um mês depois, a democracia está segura em seu país?
Presidente Lula: Eu acredito que as instituições que são criadas para garantir o processo democrático, estão muito preparadas para enfrentar qualquer tentativa de golpe. Porque o que houve no Brasil foi uma tentativa de golpe; organizada possivelmente para que acontecesse no dia primeiro de janeiro, no dia da minha posse. Não aconteceu porque tinha muita gente; e eles resolveram quando todos nós estávamos muito tranquilos, resolveram fazer essa tentativa de golpe. Eu posso garantir que as instituições brasileiras estão comprometidas com o processo democrático: o Congresso Nacional, a Presidência da República, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário estão totalmente irmanados para que a gente possa garantir a democracia. A Igreja, os movimentos sindicais, a sociedade como um todo não quer que a democracia seja desmantelada, seja quebrada. Então eu estou confiante que nós vamos seguir em frente no processo de reconstrução do Brasil, inclusive na reconstrução da nossa boa aliança com os Estados Unidos.
CNN: A democracia também depende de suas forças de segurança – e um número alarmante delas foi vista quase que em conluio com os manifestantes de 8 de janeiro. As selfies; a polícia os escoltando em vez de barrá-los... Muitos deles foram demitidos pelo Sr; o Sr tomou medidas imediatas; e muitos deles estão sendo acusados e investigados. Minha pergunta é: o Brasil obviamente tem uma história de ditadura militar antes da democracia... Por que as forças de segurança – o Exército, a Polícia Militar, a polícia – fizeram isso no dia 8 de janeiro? Por que eles não estavam mais fortes?
Presidente Lula: Olha eu posso te garantir que a impressão que eu tenho aqui, todas as forças que tive que cuidar da segurança de Brasília, estavam comprometidas com o golpe. Todas as forças. Inclusive nós tivemos que fazer intervenção no Estado de Brasília, no governador; que tivemos que fazer uma intervenção na segurança de Brasília, colocamos um interventor para colocar ordem na casa. E o comandante do Exército de Brasília, embora ele não apareceu em nenhum momento falando a favor; a verdade é que eles estavam protegendo os acampamentos que estavam na frente do exército, pedindo golpe. E aí eu não tive dúvida e tive que trocar o comandante, coloquei um outro comandante e um comandante que seja legalista, que saiba cumprir aquilo que está definido na Constituição para as Forças Armadas. É ter um papel importante em qualquer país do mundo e no Brasil o papel dela é defender os interesses do povo brasileiro, a nossa soberania e defender o povo brasileiro contra possíveis ataques externos. É esse o papel dela e nada mais. Então ela não pode se meter em política.
CNN: Certo, mas o Sr acha que eles estavam mandando ao Sr um sinal, com um aviso? O Sr sabe que Bolsonaro, seu antecessor, deu milhares de cargos a tipos militares e policiais no governo. Será que eles estão preocupados com suas regalias, com sua segurança, com seu poder?
Presidente Lula: Não veja, nós estamos detectando todas as pessoas que foram contratadas de forma ilegal, que são contratadas por serem de confiança do governo; estamos afastando do governo. Nós estamos tirando todo mundo que não é concursado e que foi contratado no período Bolsonaro do governo. Nós já detectamos gente recebendo o salário em Miami, em Lisboa, já descobrimos gente recebendo salário em Paris, ou seja, pessoas ligadas a ele que se colocaram em algum conselho e estão ainda trabalhando em nome do Estado Brasileiro. Toda essa gente será mudada e as pessoas que vão trabalhar serão pessoas responsáveis. E eu volto a te dizer uma coisa, daqui para frente as Forças Armadas Brasileiras não participarão mais do processo público. Quem quiser participar, tire a farda, se candidate e enfrente a situação política da forma que o cidadão civil enfrenta; e não tentar enfrentar a situação vestido de militar. O novo comandante tem noção de que as Forças Armadas não podem se meter em política.
CNN: Presidente Lula, quando o Sr esteve no poder por dois mandatos, era um herói cultuado em todo o mundo: o presidente Barack Obama cantava suas glórias, e muitas pessoas perceberam, e apreciaram, que o Sr retirou dezenas de milhões de pessoas brasileiras pobres, muito pobres, da extrema pobreza. Mas é um Brasil diferente agora: a economia não está ótima; a agricultura, as commodities, todos esses preços não são o que eram quando o Sr assumiu o cargo – e é um país muito dividido: o Sr ganhou por uma margem muito pequena! O que o Sr terá de fazer para atender as demandas das pessoas que votaram no Sr e para unificar o país?
Presidente Lula: Olha eu sempre dou como referência o Brasil que eu peguei em 2003. O Brasil que eu peguei em 2003, tinha uma inflação de 12% e um desemprego de 12%. O Brasil que eu peguei em 2003, tinha uma inflação, tinha uma dívida externa de 30 bilhões de dólares. E o que nós tínhamos era uma dívida interna pública de 60.7% do PIB. O que nós fizemos? Nós reduzimos a dívida pública de 60.7 para 37%, nós pagamos 30 bilhões ao FMI e fizemos uma reserva de 370 Bilhões de dólares, nós reduzimos a inflação para 4,5% e geramos 22 milhões de empregos formais no Brasil. Foi isso que nós fizemos! E é isso que nós vamos fazer agora! E é isso que nós vamos fazer agora! E a minha política é simples é incluir o povo pobre no orçamento, o povo pobre tem que participar da economia. Nós temos que ter uma política muito forte de incentivo ao pequeno e o médio empreendedor individual. Nós temos que ajudar muita a pequena e média empresas, a cooperativas. Nós temos que voltar a fazer política de infraestrutura, na construção de habitação popular, saneamento básico, em obras de estradas e ferrovias; ou seja, nós já temos na cabeça, já temos projeto e mais importante nós sabemos como fazer. E pode ficar certo que daqui a quatro anos você vai ver o Brasil muito melhor do que eu recebi.
CNN: Presidente, o Sr já manifestou que, na sua opinião, no governo anterior, foi cometido genocídio contra o seu povo. O Sr fala sobre as mortes durante a Covid – e particularmente das centenas de mortes entre o povo Yanomami, os indígenas, e eu sei que recentemente o Sr visitou a região deles na Amazônia. O que o Sr vai fazer, porém, também sobre o clima? Porque esse é outro grande item em sua agenda com o presidente Biden. A gente viu a Amazônia – sabe – não ser cuidada no governo anterior.
Presidente Lula: Amanpour, de 2003 a 2015 quando o PT governou o Brasil, a gente reduziu o desmatamento de 80% no Brasil. Nós assumimos o compromisso em Copenhague, na COP 15, de que a gente iria inclusive, reduzir a emissão de gás de efeito estufa e reduzimos em 39.6%; ou seja, o compromisso nosso com a questão climática não é mais um compromisso teórico de eleição. Não! É um compromisso de ser humano que vive num planeta que precisa ser cuidado. Então, o Brasil hoje tem 30 milhões de hectares de terra degradadas. Você não precisa cortar uma árvore sequer. Você não precisa avançar aonde você não deve avançar numa reserva indígena, numa floresta que serve de reserva florestal marcada pelo Governo, você não pode permitir que alguém invada aquilo. Então, eu posso te garantir, nós temos um compromisso de governo, de cidadão e compromisso de humanista: nós vamos chegar a um desmatamento zero em 2030. É o compromisso nosso; é de tentar criar as condições para chegar ao desmatamento zero. Aí você tem que conversar com os prefeitos, com os governadores e você inclusive; ao invés de punir, você tem que premiar aqueles prefeitos, aqueles governadores que garantiram que no seu estado não tenha mais queimada, mais desmatamento desnecessário, ao invés de você punir você incentiva ele, premia ele com alguma ajuda do Governo Federal, para que ele se sinta motivado a ser participante das atitudes do Governo.
CNN: Bem, as pessoas que estão olhando para a democracia brasileira estão vendo, como eu disse, para uma nação dividida. O Sr provavelmente viu um artigo recente que foi escrito sobre o Sr, dizendo que metade da população o ama e metade da população o despreza. Eu me pergunto o que o Sr pensa sobre isso? Mas também, e mais importante: o fato de unificar o Brasil aparentemente será a chave para fortalecer a democracia e garantir que o modo de Bolsonaro não volte após o seu mandato. Como o Sr fará isso quando metade da população, como eu disse, o despreza?
Presidente Lula: Nós vamos ter eleições no Brasil depois das eleições nos Estados Unidos. Nós vamos ver como é que a “coisa” vai acontecer nos Estados Unidos, porque aqui tem uma divisão muito marcada igual tem no Brasil. Os democratas e os republicanos estão muito divididos, ou seja, é ame-o ou deixo-o! É mais ou menos isso que acontece. Ou seja, no Brasil nós somos um país mais pacificado. O brasileiro na sua índole, ele gosta de ser feliz; ele gosta de música; ele gosta de futebol; ele gosta de carnaval. Não é um povo que tem a cultura, sabe, de odiar. O que aconteceu é que nós tivemos uma indústria de fake news, que nós não conseguimos combater em igualdade de condições. E eu estou convencido que nem todo mundo que votou no Bolsonaro, é bolsonarista. Estou convencido que um monte de gente que votou, talvez não goste do PT; por isso, talvez não goste do Lula. Mas veja, quando a gente ganha uma eleição, a gente tem que governar para todo mundo. Eu não quero saber se o prefeito de uma cidade, se o governador do estado é bolsonarista; eu quero saber se ele está interessado em ajudar a resolver os problemas do povo brasileiro. Se ele tiver, que venha! Veja, uma eleição sempre será dividida quando tem dois candidatos. Sempre ela é dividida. Na Alemanha é dividida; na França você viu a eleição do Macron, também uma divisão; aqui… a única coisa estranha que aconteceu foi o que aconteceu aquilo Capitólio; porque jamais a gente imaginava. Porque no país que simbolizava a democracia, alguém pudesse invadir o Capitólio, ou alguém pudesse ser tão desumano, como era o presidente Trump. E o Bolsonaro é uma cópia fiel! É uma cópia! Ou seja, como se você colocasse numa máquina e tirava fotocópia - é a mesma coisa! Sabe, não gosta de sindicato, não gosta de empresário, não gosta de trabalhador, não gosta de mulheres, não gosta de negros, não gosta de conversar com o empresário; ou seja, é ele e as mentira dele; “as fanfarras” dele. Sabe, não gosta de falar com impressa; então, nós mudamos isso querida! Nós mudamos. Eu acho que o Brasil aos poucos vai se encontrando e aos poucos a democracia vai prevalecer. Esse é meu compromisso. E eu espero que daqui quatro anos você possa fazer uma outra entrevista comigo, que você vai ver já vai ser democrático. E vou te dizer uma coisa: o Bolsonaro não tem nenhuma chance de voltar à Presidência da República! Agora vai depender da nossa capacidade de construir a narrativa correta do que ele representou para o Brasil. Porque essa extrema direita está no mundo inteiro. Ela esteve nos Estados Unidos; ela está no Brasil, na Espanha, ela esteve na França, na Hungria, na Alemanha; ou seja, é uma extrema direita organizada que se a gente não tomar cuidado, é uma atitude nazista! É uma atitude negacionista, que nós nunca tínhamos visto. Então, como eu gosto da democracia – e a democracia é a melhor forma de você ter o poder, convivendo democraticamente na adversidade, eu vou conversar com o Presidente Biden, porque nós temos que melhorar a nossa relação política, a nossa relação cultural, a nossa relação comercial, sabe, os Estados Unidos é muito importante para nós – e acho que o Brasil tem certa importância para os Estados Unidos. E o que nós queremos é que duas nações grandes que são democráticas, possam ajudar a fortalecer a democracia em todo o continente latino americano e no planeta Terra.
CNN: O Sr fala muito em democracia, presidente, e parece que terá de enfrentar o presidente Biden em uma defesa fundamental dos Estados Unidos, da democracia em todo o mundo: a Ucrânia. O Sr não acredita, acho que não, no apoio ocidental à defesa da Ucrânia, e já manifestou isso diversas vezes. Por que não? Quer dizer, algumas pessoas perguntaram, de fato, em um artigo: por que Lula está tão comprometido com a democracia em casa e não no exterior?
Presidente Lula: Eu tô muito comprometido que a democracia em qualquer lugar do planeta terra, eu acho que, no caso da Ucrânia e da Rússia, é preciso ter alguém que fale em paz, é preciso que se crie interlocutores para tentar conversar com as partes, essa é a minha tese, ou seja, nós precisamos encontrar interlocutores que possam sentar com o presidente Putin e mostrar o equívoco que ele cometeu ao invadir a integridade territorial da Ucrânia e nós temos que mostrar pra Ucrânia que é preciso aprender a conversar mais para a gente evitar essa guerra, a gente tem que parar essa guerra. Então, o que que eu vou conversar com o presidente Biden? Eu não sei o que que ele vai conversar comigo, mas o que eu quero conversar com ele é que é preciso criar um conjunto de países para negociar a paz.
CNN: Já há esses países: os BRICs. Você é um deles. Nenhum deles – Rússia, China, Índia – parece querer falar sobre paz: estão basicamente falando sobre a Rússia.
Presidente Lula: Eu quero falar sobre paz, eu quero falar sobre paz com Putin, eu quero falar de paz com presidente Biden, quero falar em paz com o Xi Jinping, quero falar em paz com a Índia, quero falar em paz com a Indonésia, quero falar em paz com todo mundo, porque para mim o mundo só vai se desenvolver se houver paz, se houver tranquilidade.
CNN: Ok, isso é legal, mas o Sr não acredita que um país soberano, independente e democrático – como o seu, como a Ucrânia – tem o direito de auto defesa e de se defender contra uma invasão ilegal?
Presidente Lula: Lógico que ela tem o direito de se defender, até porque a invasão foi um equívoco da Rússia, ela não poderia ter feito isso e afinal de contas ela faz parte do Conselho de Segurança Nacional, ou seja, e isso não foi discutido no Conselho de Segurança? Então o que eu quero é dizer o seguinte: Olha o que tinha que ser feito de errado já foi feito agora é preciso encontrar pessoas para tentar ajudar a consertar e eu sei que o Brasil não tem muita importância no cenário mundial, sabe nessa lógica perversa dos conflitos do mundo, mas eu posso te dizer que eu vou me dedicar para ver se encontro um caminho para alguém falar em paz. Eu estive com o chanceler alemão esses dias e ele foi no Brasil.
CNN: Ele pediu para o Sr enviar seus tanques Leopards à Ucrânia e o Sr disse não.
Presidente Lula: Era mandar munição e eu não quis mandar, porque eu falei se eu mandar eu entrei na guerra, eu falei se eu mandar sabe as munições que você tá pedindo eu entrei na guerra, eu não quero entrar na guerra eu quero acabar com a guerra, esse é o meu dilema e esse é o meu compromisso, sabe, eu eu agora tô visitando a China em março, vou conversar muito com o presidente da China sobre papel que ele tem para jogar na questão da paz e esse é o meu trabalho, conversei com o chanceler alemão, conversei com Macron, vou falar com presidente Biden, vou falar com Xi Jiping, vou falar com os indianos, vou falar com todos os países, nós temos que ter um grupo de pessoas que fala em paz e mostrar que a paz é a única coisa que pode restabelecer a dignidade da vida humana, o direito dele trabalhar e de viver dignamente, decentemente, é isso os ucranianos tem que compreender, agora é preciso criar uma narrativa, sabe, porque a Rússia não é um país qualquer, então é preciso construir a narrativa que dê a eles o mínimo de condições de parar, como os Estados Unidos parou a Guerra do Vietnã, não era fácil parar, mas teve que parar um dia, então, se ela começou errada nós temos que consertar agora, para a guerra e depois vamos discutir numa mesa de negociação o que é que a gente quer de verdade.
CNN: Posso fazer uma última pergunta, uma pergunta pessoal? O Sr teve uma história de vida dramática – e uma dramática volta ao poder, depois de ter estado na prisão. O Sr também sobreviveu ao desafio de 8 de janeiro, a esta insurreição. O Sr é o presidente brasileiro mais velho a tomar posse. O presidente Biden é um dos presidentes americanos mais velhos. O que motiva o Sr? O que leva pessoas como o Sr, na sua idade, a continuarem fazendo isso?
Presidente Lula: Amanpour, eu digo sempre o seguinte: a velhice ela só existe para quem não tem uma causa, se você tem uma causa e você se dedica essa causa a velhice não existe, ela deixa de existir, é por isso que eu digo todo santo dia: eu tenho 77 anos mas eu digo: eu tenho energia de 30, eu tenho disposição de trabalhar 24 horas por dia, eu não conto trabalhando, porque eu tenho uma causa: minha casa é o povo brasileiro, eu preciso melhorar a vida deles, eu preciso mostrar que ele pode comer três vezes ao dia, nós tínhamos acabado com a fome no Brasil, agora tem 33 milhões de pessoas passando fome num país que é o terceiro produtor de alimento do mundo, num país que é o maior produtor de proteína animal do planeta, como é que isso explica as pessoas ficarem com fome? Então, outra vez eu vou acabar com a fome desse país, outra vez nós vamos fazer com que a economia brasileira volte a crescer, outra vez a gente vai gerar emprego, porque é isso que eu quero pro Brasil. Eu vi o discurso do Biden de ontem, eu li o discurso dele inteiro, eu acho que é um discurso que poderia ser feito no Brasil tranquilamente, se eu fizesse no Brasil hoje o discurso que o Biden fez no congresso americano eu seria chamado de comunista no Brasil. O mercado me chamaria de comunista.
CNN: O Sr sabe que eles o chamam de comunista, os seus detratores! Bom, presidente Lula, obrigada.
Presidente Lula: O mercado é ingrato, porque ele nunca ganhou tanto dinheiro na vida como ganhou no meu período de governo.
CNN: Muito obrigada por estar conosco. Foi um grande prazer, obrigada.
Presidente Lula: Obrigado a você, Amanpour.
Versão em inglês da transcrição da entrevista concedida à CNN Internacional