Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à âncora Daniela Lima, da CNN Brasil
DANIELA LIMA – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito obrigada pela entrevista. Bem-vindo à CNN, já, agora, no exercício do mandato. Muito bom falar com o senhor.
PRESIDENTE LULA – O prazer é meu, Daniela.
PERGUNTA – Vamos começar, presidente. O senhor teve um hiato no poder, deixou o Palácio do Planalto em 2010, com mais de 80% de aprovação. Depois, volta agora com uma votação recorde, de 60 milhões de votos, mas numa eleição muito acirrada, num país muito dividido. O Brasil está muito diferente do Brasil que o senhor deixou. O senhor já percebeu que vai ser muito mais difícil governar agora?
PRESIDENTE LULA – Olha, de um lado vai ser mais difícil, porque nós vamos ter que recompor a civilidade nesse país. Nós vamos ter que tentar convencer a sociedade brasileira a voltar a ser uma sociedade alegre, fraterna, sabe, humanista, que é um pouco aquilo que o povo brasileiro é. E ver se a gente substitui o ódio pelo amor, a mentira pela verdade, o desemprego pelo emprego, o massacre econômico da sociedade por um desenvolvimento econômico que gere emprego. Esse é meu desafio. Aí eu tenho clareza que nós vamos ter dificuldade. Mas é impressionante, também, que nós vamos ter facilidade. Eu vou te dar uma facilidade: nós estamos este ano investindo em infraestrutura 22 bilhões de reais. Em quatro anos, o outro o governo investiu 20 bilhões. Significa que, em um ano, nós estamos investindo mais de infraestrutura do que eles investiram em quatro anos. Porque, na verdade, foi um governo de muita mentira, de muita fake news, de muita pirotecnia. Ou seja, um presidente que levantava de manhã e dava um show na internet, falava as bobagens dele, falava as mentiras dele. A imprensa passava a semana inteira perseguindo aquelas mentiras. Ou seja, nós agora queremos voltar à normalidade, à tranquilidade que o país sabe e que o país quer. A gente quer trabalhar, a gente quer estudar, a gente quer ter uma casa. A gente quer viver bem, em casa e fora de casa. Essa é a minha tarefa e vou fazer isso e vou poder fazer com que a economia brasileira volte a crescer, porque é justamente com o crescimento que o povo vai viver bem.
PERGUNTA – A gente vai falar de economia. E me marcou muito na campanha que nas entrevistas, o senhor sempre... As pessoas falavam muito de Lava-Jato, legado da Lava-Jato. E aí, quando vinha a economia, o senhor falava “oba, ufa”. Agora o mercado, toda vez que o senhor vai falar de economia, fica “eita”. Então a gente vai chegar lá rapidinho. Mas esse personagem que o senhor citou, o seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro, disse ao Wall Street Journal na semana passada que volta para o Brasil agora em março, para liderar oposição ao senhor. Eu queria entender como o senhor avalia esse movimento, em especial à luz dos atos do dia 8 de janeiro.
PRESIDENTE LULA – Olha, veja, ele sabe que ele tem responsabilidade pelos atos do dia 8 de janeiro. Na minha cabeça, eu tenho noção de que ele estava tentando fazer aquilo no dia 1º de janeiro e não fez, porque tinha muita gente aqui e ele não ousou fazer aquilo. Ele pegou o momento em que estava toda a sociedade muito tranquila, para ativar os seus milicianos para fazer aquela baderna que fizeram aqui. Eu acho que ele vai voltar, vai ser oposição e eu acho que é importante que a gente tenha oposição. É importante que a gente possa continuar fazendo o debate, mas é importante que a gente faça um debate verdadeiro e, não, um debate mentiroso. Que as informações que a sociedade receba sejam informações muito verdadeiras para que a sociedade possa melhor escolher. Você não tem noção, Daniela, você não tem noção. Se você for conversar com a equipe da Fazenda, você vai ver que desoneração, invenção e benefícios, sabe, dinheiro... eles gastaram quase 60 bilhões de dólares para tentar ganhar as eleições. Não foi pouca coisa o que aconteceu nesse país. A quantidade de dinheiro jogado para tentar ganhar as eleições. Então, isso é importante que a sociedade compreenda, porque o mercado não ficou irritado com isso. Eu não vi o mercado se queixar nenhuma vez da quantidade de coisa que ele desrespeitou do ponto de vista da responsabilidade fiscal e do ponto de vista do teto de gastos. Se tem uma pessoa que desrespeitou toda a lógica da economia, foi ele. Porque ele não entendia nada, o Guedes fazia o que bem entendia. E eles tentaram, na verdade, gastar numa eleição aquilo que não foi gasto desde que marechal Deodoro da Fonseca assumiu a República. Ou seja, se você pegar toda a história de todos os presidentes, não se gastou 10% do que esse homem tentou gastar para ganhar as eleições.
PERGUNTA – Vamos falar do mercado, então, presidente. O senhor... Muita gente disse que o senhor ainda não desceu do palanque, como quem cita ali que... como quem entende que o senhor está dando um tom de campanha, num tom de afronta com determinados agentes econômicos. Se a gente for voltar um pouquinho, tem um episódio ali para mim que... o final do impeachment, às vésperas do impeachment do governo da Dilma Rousseff, você tem uma espécie de divórcio entre o PT, a Dilma e, de certa forma, entre o senhor e o mercado. Porque nos seus dois primeiros mandatos, essa relação foi profícua. Seus dois primeiros mandatos foram marcados por um pragmatismo enorme. Agora, esse divórcio parece que permanece. E as críticas de parte a parte, elas se mantêm. Está na hora de baixar o tom? Quando é que o senhor vai baixar o tom? Qual é o limite que para esse ambiente de, talvez, enfrentamento?
PRESIDENTE LULA – Ô, Daniela, deixa eu te dizer: eu acho que não há política de enfrentamento. O Lula de hoje é o Lula de dez anos atrás, de 15 anos atrás. É preciso que a gente pegue o histórico do que foi o Lula do primeiro governo. Nós pegamos uma inflação de 12%, uma dívida externa de 30 bilhões de dólares, um desemprego de 12%, uma dívida pública interna de 60,7% e um Brasil, que não tinha nenhum dólar de reserva. Uma lã de reserva. Todo final de ano tinha que arrumar dinheiro para fechar o caixa. O quê que nós fizemos? Trouxemos a inflação para dentro da meta [4,5, mais dois, menos dois], criamos 22 milhões de empregos, criamos uma reserva de quase 370 bilhões de dólares, pagamos a nossa dívida externa, diminuímos a dívida pública de 60,7 para 37,7%. Ou seja, e foi o único país do G-20 que fez superávit primário durante todo o período de governo. Então, essa bobagem, que de vez em quando eu vejo uma imprensa, que o mercado, que o mercado... Eu não estou governando para o mercado. Eu sei da existência do mercado. Eu sei o que o mercado faz para ganhar dinheiro. Mas eu estou governando para o povo brasileiro. Estou governando para tentar recuperar o bem estar social que o povo brasileiro alcançou no tempo que eu fui presidente. Eu quero mais emprego, eu quero mais salário. Eu quero que as pessoas almocem, tomem café e jantem todo santo dia e quero que as pessoas vivam mais feliz. É isso o que eu quero.
PERGUNTA – Presidente, o seu compromisso com a agenda social, ele é inquestionável. Eu trato dessa forma. E eu acho que o mercado também sabe disso, mas toda vez... Mas toda vez que há um ruído, isso custa dinheiro. Custa dinheiro para a Petrobras, custa dinheiro para o Banco do Brasil, cujo eu... eu me sinto sócia, embora não seja, não sou acionista de nada, mas me sinto sócia, porque é patrimônio do Brasil. Isso tem um peso, tem um custo. Afinar, diminui o ruído, não poderia também, talvez, trazer um ambiente de menos...
PRESIDENTE LULA – Eu acho... Eu acho, Daniela, que tem um ruído, um ruído feito por quem quer viver especulação. Porque eu acho que as pessoas do mercado, sérias, sabem o que está acontecendo nesse País. Nós não podemos aceitar determinadas coisas que foram feitas nesse país. Nunca. Você vendeu a BR para quê? O Brasil tinha uma Petrobrás, que era autossuficiente em Petróleo, de repente você, que pensava ser exportador de derivado do petróleo, você está exportando óleo cru e comprando 25% da gasolina e 35% do óleo diesel. Para que isso? Qual é a lógica de você dar aos acionistas minoritários 106 bilhões de dividendos, quando você poderia pegar metade disso para investir em mais exploração de petróleo, em mais refinarias para que o Brasil seja autossuficiente, não apenas na exploração e na produção, mas também no refino do óleo diesel e da gasolina? Ou seja, esse país é um país muito grande. Esse país precisa ser dono do seu nariz. Esse país não pode ser um país pequeno, tratado como pode uma republiqueta de bananas. É isso que eu não aceito. O mercado tem sua importância, o mercado precisa ganhar o dinheiro. Agora, o mercado tem que entender que esse país é feito de povo. E o povo precisa ser tratado com respeito. E eu sou obrigado a ter sensibilidade com as pessoas que estão dormindo embaixo da ponte, com as pessoas que estão dormindo na sarjeta, com as pessoas que estão vivendo a seca no Rio Grande do Sul, com as pessoas que estão vendo a seca no Nordeste. É o presidente que tem que pensar nisso, o mercado que tem que pensar um pouco nisso? O mercado não tem um pouco de sensibilidade? Não o mercado, mas os homens e as mulheres que participam do mercado. A única coisa que eu quero chamar à razão é o seguinte: esse país não pode ser governado pendendo apenas para um lado. Esse país tem que ser governado pendendo para todos os lados e que o povo mais necessitado tenha fatia prioritária do bolo que a gente for capaz de produzir nesse país.
PERGUNTA – Vamos falar um pouco sobre juros, então. Saiu essa semana uma pesquisa – a pesquisa Quaest –, acho que o senhor deu uma olhada. Ninguém ali, 74, salvo engano, por cento da população falou “não, tá certo. Tem que pedir para baixar os juros”. O senhor falou do “esse cidadão”... O senhor se referiu a ele como “esse cidadão”, o Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Houve uma semana, a semana passada, de muito ruído. Inaugura-se, aí, com ele promovendo uma série de recuos públicos, numa fala a agentes do mercado, ele pediu primeiro, que se tenha um olhar social – incluiu isso no discurso dele – e fez uma série de acenos dizendo que o governo merece um voto de confiança, que o Banco Central está atento, que ele também não gosta de juros altos, mas é o remédio que tem para a inflação. Foi uma vitória do senhor?
PRESIDENTE LULA – Deixa eu te falar uma coisa: não cabe ao presidente da República ficar brigando com o presidente do Banco Central. Eu até teria direito, porque ele não é presidente do Banco Central indicado por mim. Ele foi indicado pelo Bolsonaro, ele foi indicado pelo Guedes. Então significa que a cabeça política dele é uma cabeça muito diferente da minha cabeça e da cabeça daqueles que votaram em mim. Mas ele está lá, tem uma lei, tem um mandato. A única coisa que eu quero é que ele cumpra aquilo que está na lei que aprovou a independência do Banco Central. Ele tem que cuidar da inflação, ele tem que cuidar do crescimento, ele tem que cuidar do emprego. Então, eu não sou economista, mas como eu já governei este país oito anos e já discuti muito essa questão de juros; já apliquei muito essa questão de juros e eu acho que ele só tem um instrumento, que é a inflação, para controlar essa questão dos juros. Mas aumentar os juros é importante quando você tem uma inflação de demanda. Se você tem a sociedade consumindo demais, então você aumenta o juro para você diminuir o consumo. Mas não é o caso do Brasil. Não tem inflação de demanda nesse país. Nós estamos quase vivendo uma crise de crédito, porque não tem crédito nesse país. Então nós somos um país capitalista sem crédito. Eu fico perguntando qual é o empresário que vai fazer investimento tendo que tomar dinheiro a 13,75% de juros? Não vai, não vai, porque é maior do que a taxa de retorno que ele pode querer ganhar. Então, se tem uma lei que diz que o presidente do Banco Central tem essas funções, ele tem que cumprir essas funções... É a meta dele. Quando o presidente da República era responsável pelo Banco Central, porque ele indicava – não era a sociedade, era ele que indicava... o presidente da República –, você conversava. Quando ele dizia “tem que aumentar”, aumentava. Não tem problema nenhum. E você precisa cuidar do outro lado. Nós temos o BNDS, que tinha TJLP, você aumentava meio por cento de juro, você reduzia meio ponto do BNDES para facilitar aqueles que precisavam de investimento para fazer a economia crescer. Você não precisa de briga para isso, é só utilizar o bom senso. A mim, como presidente da República, não interessa brigar com um cidadão que é o presidente do Banco Central, que eu pouco conheço. Eu vi ele uma vez. A única coisa que eu quero é que ele cumpra, sabe, se ele topar, quando for levar o meu governo para visitar os lugares mais miseráveis desse país, eu vou leva-lo para ele ver. Ele tem que saber que a gente nesse país tem que governar para pessoas que mais necessitam.
PERGUNTA – Ele diz, presidente, que quer se aproximar do governo, que quer trabalhar junto. Ele disse “farei tudo o que for possível para me aproximar do governo”. Essas palavras aí não soaram ao senhor como um gesto aí, como um pedido de confiança. O senhor está disposto a encontra-lo, marcou?
PRESIDENTE LULA –Eu acho que o Haddad tem toda a disposição de conversar com o presidente Banco Central, já conversou várias vezes e vai continuar conversando. Se for necessário o presidente da República conversar com o presidente do Banco Central sobre alguma coisa de interesse do Brasil, eu também tenho um problema nenhum de conversar com quem quer que seja. Ora, mas se eu não posso conversar com ele sobre a taxa de juros, se eu não posso influenciar para reduzir a taxa de jutos, se eu não posso conversar com ele sobre emprego. Então o que que eu vou conversar? Então é importante que ele converse com o Fernando Haddad todo dia, toda hora, todo mês, todo ano e que ele apenas cumpra a meta de inflação. E que ele, portanto, tenha noção de que a meta de inflação, na verdade, não pode ser razão pela qual você vai aumentar a taxa de juros. A taxa de juros você aumenta se você tiver excesso de demanda. Se você não tiver essa demanda, não é o juro que vai resolver a taxa de inflação.
PERGUNTA – Para fechar, se o senhor alcança esse objetivo – é uma batalha que o empresariado abraçou –, agora, as pessoas começam a falar, inclusive publicamente, que a taxa de juros está muito alta e os últimos eventos dessa semana deixaram isso muito . Precisou fazer puxar assunto... O senhor pautou o assunto. Essa vitória está dada. Mas vamos supor que, então, ok. Vem a baixa dos juros. O senhor não tem nenhum repique inflacionário, porque a gente tem a chamada inflação de oferta e o cenário lá fora não mudou muito e a gente vai ter uma série de investimentos que, se derem certo, vão ampliar a demanda.
PRESIDENTE LULA –Deixa eu te falar. Imagina que o Banco Central funciona como se fosse uma hidrelétrica, que ela libera mais água ou menos água para produzir mais ou menos energia, correto? Se você atinge a meta e, por conta dos juros mais baixos a inflação começa a crescer, você tem vários instrumentos para você controlar a inflação. Um deles é o aumento de juros. Aí você pode justificar. O que não está acontecendo nesse momento? A gente não pode ter memória curta. Teve um empresário chamado Antônio Hermínio de Moraes, que era o empresário brasileiro mais importante, mais famoso. Ele vivia de manhã, de tarde e de noite questionando a questão de juros nesse país. A gente não pode esquecer que eu tinha um vice chamado José Alencar, que, todo santo dia o José Alencar questionava os juros. Porque ele enxergava o juro pela visão dele empresarial, que precisava tomar emprestado o dinheiro para aumentar a sua empresa, para aumentar a produção e ele achava impossível.
PERGUNTA – O senhor queria mais empenho do Alckmin, da Tebet e so próprio Haddad nesse tema?
PRESIDENTE LULA – Não. Eu acho que eles têm que fazer aquilo que é função deles. Acho que o conselho monetário, sabe, que é ele e mais o Haddad e mais a Simone. Ou seja, eles discutem. Agora, o que eles não podem é achar que do jeito que está a coisa tá boa, porque não está boa. Esse país precisa voltar a gerar muitos empregos, as pessoas precisam ganhar um pouco para voltar a consumir para a roda gigante da economia começar a funcionar e a gente, então, poder ter esse país um pouco mais humanizado e mais feliz. Porque a miséria está muito grande. Ou seja, nós tínhamos acabado com a fome em 2012 e agora temos 33 milhões de pessoas passando fome nesse país. Num país que é o terceiro produtor de alimentos do mundo. É o primeiro produtor de proteína animal do mundo. Qual é a lógica? Então, o que nós queremos na verdade, Daniela, eu estou com 45 dias de governo. Eu posso te dizer olhando na câmera que nós vamos consertar esse país. Nós vamos consertar esse país fazendo com que – eu não me preocupo com a autonomia do Banco Central...
PERGUNTA – Só me diz sim ou não: o senhor pode rever ela após o final do mandato do Campos Neto?
PRESIDENTE LULA – Deixa eu te falar uma coisa: vamos ver qual é a utilidade que a independência do Banco Central teve para esse país. Olha, se a independência do Banco Central trouxe para esse país uma coisa extraordinariamente positiva, não tem problema nenhum dele ser independente. Ele não é independente, ele é autônomo. Mas não é independente, tá? Porque ele tem compromisso com a sociedade brasileira, tem compromisso com o Congresso Nacional, tem compromisso com o presidente da República. Então isso nunca foi para mim uma coisa de princípio. Eu quero saber o resultado, o resultado vai ser melhor? Um Banco Central autônomo vai ser melhor? Vai melhorar a economia? Então ótimo. Mas, se não melhorar, então eu tenho que mudar.
PERGUNTA – Presidente, a gente pode voltar em economia, se o senhor quiser daqui a pouco. Mas eu quero passear em outros temas. Eu quero falar de relação com os outros Poderes. O Supremo Tribunal Federal, em especial, viveu quatro anos de muito ataque. Mas algumas das decisões da Lava-Jato e alguns reveses importantes ao senhor – eu lembro muito quando o senhor perdeu seu irmão e o senhor não pode ir velá-lo. Essa foi uma decisão do ministro Dias Toffoli. Eu lembro das diversas vezes em que os ministros, como Luís Roberto Barroso e Luiz Fux fizeram falas veementes em defesa da Lava-Jato, inclusive muitas vezes retardando a análise de recursos ou retardando a análise de ações que poderiam beneficiá-lo. Todos esses ministros foram indicados pelo PT. Eu poderia falar de outros ou do ministro Luiz Edson Fachin, que foi o relator da Lava -e que até o último momento tentou defender a operação. Todos esses ministros foram indicados pelo PT. O senhor acha que o PT errou? Que métrica o senhor vai usar para indicar o próximo? Porque tem uma indicação para maio. Eu queria tanto sair daqui com esse nome.
PRESIDENTE LULA – Daniela, deixa eu te dizer uma coisa: quando você indica um ministro da Suprema Corte. No meu caso, eu não indiquei um ministro para fazer política pra mim ou para me fazer favor. Eu indiquei as pessoas que eu achava que poderiam prestar um grande serviço na defesa da Constituição brasileira, porque o Poder Judiciário é muito importante, e que ele cumprisse aquilo que está na Constituição. Eu nunca pedi favores. Até hoje eu nunca pedi favor para nenhum dos ministros que eu indiquei e não vou pedir. O que eu lamento profundamente, é que um cidadão e uma tal de força-tarefa conseguiram durante anos enganar a imprensa, enganar o Poder Judiciário, enganar a sociedade brasileira. Porque foi a maior mentira contada. Eu estou dizendo, no meu caso, então todo mundo foi pego na mentira e todo mundo começou a divulgar como verdade. Eu vi o comportamento de cada ministro, eu vi o que cada um fez. Mas eu não posso voltar a governar um país também magoado com aquilo que foi feito e que me prejudicou. Não, eu tenho que deixar aquilo no canto e eu tenho que governar. O que importa para mim é como é que eu vou deixar esse país quando eu deixar a Presidência, em 2026. O meu compromisso com o povo é esse. É como se estivesse plantando uma planta que eu queria colher os frutos. E eu quero que esse povo colha os frutos até dezembro de 2026. É para isso. Então, os caras que votaram em mim, um cara que me condenaram, que não me deixou ser candidato, não tem problema. A justiça divina os julgará. Eu estou tranquilo, porque eu consegui, na política, não foi num processo criminal, provar que, se tem alguém culpado, foi quem me condenou. Então eu estou tranquilo, eu não vou ficar com ressentimento. E tenho mais dois para indicar, porque eu tenho, também, a Rosa Weber, que vai se aposentar me parece. Eu vou indicar com o mesmo critério, vou tentar ver o currículo da pessoa, vou conhecer bem a pessoa, vou pedir muitas informações para muita gente e depois eu indico as pessoas. Agora, uma coisa é eu indicar. Agora eu não sei como cidadão, o cidadão colocar a toga, se vai continuar com o mesmo pensamento que tinha antes. Isso tem muito a ver. Mas eu tenho que levar em conta que eu tenho que indicar e a minha indicação sempre será uma indicação neutra. Eu não quero ninguém a meu favor ou ninguém contra, eu quero alguém a favor da Justiça. Alguém a favor do cumprimento da Constituição. Por isso é que eu dizia que o Brasil iria voltar à normalidade, porque o Poder Judiciário tem que cumprir com a sua função, o Legislativo cumprir a sua função e o Executivo. Se cada um ficar no seu lugar, está tudo resolvido e o Brasil vai voltar a viver em paz.
PERGUNTA – Eu não vou ficar exumando a Lava-Jato, os seus achados, o apartamento, a visita, a geladeira, a reforma, não. Mas eu quero pensar um pouco... O senhor falou do Moro, eu quero saber depois...
PRESIDENTE LULA – Eu não citei o nome do Moro aqui.
PERGUNTA – Não. Eu estou citando... E da força-tarefa. Os dois personagens que estão agora no Congresso entraram formalmente para a política. Mas eu quero trazer de novo essa questão de que, se houve erro, eles não erraram sozinhos. Por exemplo, eu tenho a impressão – e aí o senhor pode me dizer se o senhor tem a mesma impressão – que no dia em que houve a divulgação daquele áudio em que a Dilma tá falando com o Messias e diz “olha, eu vou pedir para você levar... Tá aqui o papel para o Lula assinar, etc e tal”. No dia em que aquilo foi divulgado, a minha impressão foi de que a Dilma Rousseff perdeu qualquer chance que ela tinha de evitar um impeachment politicamente, porque isso culmina com uma não chegada sua na Casa Civil, por uma decisão do ministro Gilmar Mendes. O senhor acha que essa decisão mudou o curso desse processo?
PRESIDENTE LULA – Olha, alguns acreditam que mudou, Eu, na verdade, acho que o governo tinha entrado numa situação tão delicada, que era impossível voltar. E eu dizia para Dilma, naquela época que não era possível ter dois presidentes dentro do Palácio do Planalto. Aquilo foi feito para um presidente. Não foi feito pra dois. Por isso é que eu tinha recusado veementemente a não participar do governo, sobretudo na Casa Civil, porque eu acho que a gente não queria atrapalhar. Eu dizia para a Dilma “Eu fico imaginando como é que você vai me dar uma bronca, sentada na mesa você presidenta e eu ministro”. Então, não vai dar certo. Mas ela insistiu, eu tomei a decisão de aceitar depois de uma conversa com o Nelson Barbosa que ia se mudar a política econômica e quando eu fui para o aeroporto ela mandou o papel para eu assinar, tá? Isso foi gravado. Foi um crime a gravação desse áudio, dessa coisa. A publicação foi mais um crime. Mas isso já passou também. Isso já passou também, isso já faz parte da história. Os historiadores vão escrever muita coisa a respeito disso.
O que eu preciso, Daniela, é ter muita tranquilidade, muita. Você não sabe o esforço que eu faço para ter tranquilidade para tentar consertar esse país. Você não tem noção de como é que esse país foi encontrado. O Alckmin tem divulgado em alguns lugares a situação que nós encontramos o país. Eu vou te dar um dado, Eu hoje vou participar de um ato em que eu vou repor as bolsas do MEC... Pro CNPq, Capes, as bolsas do MEC. Nós vamos colocar R$ 2,4 bilhões para financiar bolsas, que muitas estavam sem ser pagas, muitas a partir de 2013 e algumas a partir de 2010. Então nós vamos reestruturar para garantir à universidade brasileira, ao cientista brasileiro, aos estudantes brasileiros o mínimo direito de dignidade que esse país tinha perdido.
Ontem eu fui inaugurar o Minha Casa Minha Vida... Nós temos 186.000 casas abandonadas. Ontem nós fomos num lugar e passamos para tirar fotografia em outro lugar de casas que o mato tomou conta, num país que tem um déficit habitacional. Então significa que esse país não foi governado. E aí entra a questão pessoal da Lava-Jato que a história vai contar. Quem delatou que roubou foi preso. Agora, o que eu acho é que teve uma enganação da sociedade brasileira como eu jamais tinha visto no Brasil. Eu nem condeno a imprensa. Eu nem condeno a imprensa, porque houve um acordo antes de começar o processo, com a imprensa. Eles tinham em cada jornal uma redação, um responsável. Então quando a matéria chegava, divulgavam como se aquilo fosse verdade, sem nenhum questionamento. Então por isso é que eu resolvi brigar politicamente. Eu digo sempre o seguinte: se eu tivesse contratado um advogado bom, extraordinário criminalista, possivelmente eu não tivesse tido o sucesso que eu tive. Porque as decisões das brigas minhas, nenhuma foi jurídica. Todas foram políticas.
PERGUNTA – Como é que o senhor se sente vendo eles dois, agora no palco da política? O Deltan eleito para a Câmara e o Moro eleito para o Senado.
PRESIDENTE LULA – Olha, vamos ver como é que eles vão ser na política. Eles têm um mandato de quatro anos para cumprir, vamos ver como é que eles vão ser na política.
PERGUNTA – Presidente, vamos voltar a falar de economia? Eu quero arrancar alguma notícia aqui do senhor, que não esteja no seu Twitter. A volta do pagamento das bolsas é maravilhosa, é uma boa notícia. Aliás, a ciência foi penalizada claramente, né? O resultado da COVID-19 nos mostra isso, né? 700 mil pessoas mortas. Mas, salário-mínimo? 1.320, 1.322... Começa a valer quando?
PRESIDENTE LULA – Deixa eu te falar uma coisa: nós tínhamos decidido levar o salário-mínimo a 1.320, porque na PEC da transição tinha sido colocado 6 bilhões e 800 milhões para o salário-mínimo. Acontece que no final do ano, o ex-presidente abriu a porteira da Previdência Social, que tinha uma fila de quase 4 milhões de pessoas e colocou quase 3 milhões para dentro. Então, o dinheiro que era para aumentar o salário mínimo foi utilizado para pagar os novos membros que entraram para receber a aposentadoria. Então nós agora estamos fazendo um sacrifício e é um compromisso que eu tenho meu com o povo é que nós vamos acertar com o movimento sindical e está combinado com o Ministério do Trabalho, e está combinado com o ministro Haddad, que a gente vai, em maio, reajustar para 1.320 e estabelecer uma nova regra do salário-mínimo, que a gente já tinha no meu primeiro mandato. Ou seja, o salário-mínimo terá, além da reposição inflacionária, ele terá o crescimento do PIB. Porque é a forma mais justa de você distribuir o crescimento da economia. Não adianta o PIB crescer 14% e você não distribuir. Ou seja, é importante que ele cresça 5%, 6%, 7% e você distribuí-lo para a sociedade e é isso o que vai acontecer. É isso o que vai acontecer. Nós vamos aumentar o salário-mínimo todo ano, de acordo, a inflação será reposta e o crescimento do PIB será colocado no salário-mínimo.
PERGUNTA – R$1.320,00 de salário mínimo. Isenção de imposto de renda foi uma promessa que o senhor fez na campanha, e essa é a promessa que faz mais barulho. A imprensa está apostando que vai haver uma ampliação isenção, uma ampliação da faixa de isenção gradual, começando em dois salários mínimos. É isso?
PRESIDENTE LULA – Vai começar a partir de agora. Nós vamos começar (...) a partir de R$ 2.640,00 reais.
PERGUNTA - Que é exatamente dois salários mínimos novos!
PRESIDENTE LULA – E depois nós vamos gradativamente até chegar aos R$ 5 mil de isenção. Até porque, é inexplicável...
PERGUNTA - Até o fim do mandato. O senhor acha que chega?
PRESIDENTE LULA – Veja uma coisa! Não, não é que até o final do mandato chega. Tem que chegar! Porque foi um compromisso meu e eu vou fazer. O que é importante é o seguinte, porque as vezes eu fico com pena, não sei de mim mesmo, não sei se do povo brasileiro. Quando a gente vai discutir Imposto de Renda nesse país, a gente chega à conclusão que as pessoas que ganham R$ 6.000,00 por mês, estão entre os 10% mais ricos.
PERGUNTA – Mais ricos!
PRESIDENTE LULA – Não é possível! R$6.000,00 que o cara ganhar e ele tiver que pagar aluguel e tiver dois filhos na escola, mal dá pra ele comer. Esse cara é tratado como rico, então é descontado dele 27,5% depois daquilo que é os dois salários mínimos, ou seja, ele paga proporcionalmente mais do que o cara que recebe dividendos e não paga 27%, mais do que o cara que recebe lucro. Sabe, então nós precisamos corrigir isso, em nome daqueles que sonham e fazer com que o Brasil seja um estado de bem estar social, que o povo brasileiro seja todo da classe média, porque ninguém quer o povo pobre, o povão não gosta de ser pobre. De vez em quanto as pessoas acham que o povo gosta de morar na rua, gosta de (inaudível), gosta de ganhar pouco, gosta de se vestir mal, gosta de comer mal. Sabe, não! O povo gosta das coisas boas.
O pobre quer se vestir bem, ele quer ter carro, quer ter computador, quer aquele celular, ele quer viajar com a sua família. Ele pode fazer isso! É esse padrão de vida que eu desejo para o povo brasileiro. Eu não quero reduzir o padrão de vida. Nós precisamos fortalecer, porque quanto mais forte for a quantidade de pessoas na classe média, melhor será para o meu querido Brasil.
PERGUNTA – Já que eu estou dando sorte. Vamos falar do novo Marco Fiscal, que o mercado está assim, comendo todas as unhas, para entender o que vem ao lugar do teto de gastos. Na medida que o senhor puder me apontar e puder apontar também pra esses agentes, que aguardam isso pra dar, talvez aí o tal voto de confiança. Como é que o senhor vê aí, a garantia do equilíbrio fiscal sem o teto de gastos?
PRESIDENTE LULA – Daniela, eu às vezes me incomodo com essa história do teto fiscal, porque é o seguinte: estive oito anos na Presidência da República, nenhum Presidente da República cuidou da questão fiscal como eu cuidei. Além de cuidar da questão fiscal, além fazer superávit primário, eu cheguei fazer superávit primário de 4,25%. No G20, só o Brasil fez superávit todo ano. Além disso, nós deixamos uma reserva de R$ 370 bilhões R$, que foi o maior colchão de segurança que este país já teve. Então veja, eu tenho consciência no meu aprendizado, que a dona Lindú, que é a minha mãe, analfabeta, que me ensinou que a gente não pode gastar mais do que a gente ganha, a gente só pode gastar mais do que a gente ganha, se a gente fizer uma dívida para fazer um investimento que possa ser lucrativo ou investimento que traga algum benefício para a sociedade. Isso eu não aprendi em uma universidade não, eu aprendi com aminha mãe, de que a gente só pode gastar aquilo que a gente tem, e se você tiver que fazer alguma dívida, você faça para produzir algo que seja rentável, algo que faça valorizar, até o patrimônio público.
É isto que nós vamos tratar, com muita responsabilidade, porque eu não quero enfiar o Brasil numa dívida impagável.
PERGUNTA – Tem uma fórmula em mente?
PRESIDENTE LULA – Então, o que eu acho é seguinte: que quando se fala em responsabilidade fiscal no país, está se dizendo o seguinte, os banqueiros querem ter certeza de que eles vão receber os seus juros todo ano do governo. É isso que eles querem. Querem garantir primeiro o deles. E eu acho que deveriam ter um pouco de bom senso e garantir primeiro do povo que está passando fome na rua, do povo que está dormindo embaixo de ponte.
Aí, então, eu estou falando dessas coisas aqui Daniela, quando isso aqui sabe, estiver na televisão, a bolsa vai cair, o dólar vai subir, sabe. Esse mercado é muito frágil, precisa ter um pouco mais de seriedade, sabe. Eu, se fizesse um discurso que o Biden fez a semana passada no Congresso Nacional, eu seria chamado de comunista, eu seria chamado de terrorista, porque esse mercado está muito conservador, é preciso gostar de ganhar dinheiro, mas também é preciso ter um pouco de sensibilidade social.
É preciso saber que esse país precisa melhorar de vida, e que o povo brasileiro quer comer bem, quer morar bem, quer se vestir bem, quer passear, quer ter férias. Não pense só em vocês, pense no restante do povo brasileiro, que é muita gente. São milhões de pessoas passando necessidade.
PERGUNTA – Presidente, o senhor tem um desafio adicional, que é a relação com o Congresso. O Congresso que o senhor conheceu em 2003, ele era um Congresso que tinha, bom, o centrão existe desde que o Congresso existe, mas era um bicho ainda num processo de evolução, de formação, que hoje ele tem já todas as cabeças coroadas, no lugar, uma força que eu reputo quase inédita, em especial na Câmara. A política de coalizão, a divisão dos espaços no governo, a cessão de alguns espaços no governo, isto vai ser suficiente para lidar?
PRESIDENTE LULA – Oh! Daniela, para as pessoas compreenderem bem o que é o Congresso Nacional: o Congresso Nacional, ele é o resultado da cabeça do povo no dia da eleição. O que você extraiu da urna eletrônica no dia da eleição é o que está aí! Então você não pode reclamar, você tem que conviver com o Congresso Nacional. Você tem que estabelecer uma relação civilizada, não é o presidente da Câmara que precisa do Presidente da República, não é o presidente do Senado que precisa do presidente.
É os três presidentes que precisam estar junto, tentando fazer com que se aprove as coisas que são boas para a sociedade brasileira. Eu não terei nenhum problema de conversar com o Arthur Lira, não terei nenhum problema de conversar com o Rodrigo Pacheco. Não terei nenhum problema de conversar com qualquer partido político para aprovar as coisas que podem melhorar a vida do povo brasileiro.
Eu não mandarei para o Congresso Nacional nenhum projeto de interesse pessoal. Todos os projetos serão de interesse da sociedade, e, eu quero discutir com eles, e ninguém é obrigado a aceitar ‘ipsis litteris’ aquilo que o governo mandar. O Congresso tem autonomia e legitimidade para mudar o mundo.
PERGUNTA – É que o orçamento secreto, presidente, o senhor sabe muito melhor do que eu, ele mudou meio que as balizas de como se faz política aqui em Brasília. Foi muito dinheiro nas mãos dos parlamentares.
PRESIDENTE LULA – Foi um período pobre, na minha opinião, da política brasileira. É possível você construir, sabe, a governabilidade, sem precisar de orçamento secreto, é possível. Eu vou tentar! Eu tenho quatro anos para tentar isso. Veja, eu já tive 3 encontros com o presidente Lira, já tive 3 encontros com o Pacheco, e eu já tive encontro com todos os líderes do partido da base. E eu vou fazer quantas conversas forem necessárias, porque é preciso a gente restabelecer a harmonia entre os poderes do Brasil.
A gente não tem que estar rivalizando. Eu não posso ficar xingando o presidente da Câmara, e nem ele pode ficar me xingando. Eu não posso ficar xingando o presidente do Senado e ele me xingando. E eu não posso ficar brigando com a Suprema Corte. Sabe, então quando eu digo, nós vamos voltar à normalidade, é porque nós que estamos voltando à normalidade. Você veja uma coisa, nós estamos viajando para dar ordem de serviço à obras que ainda eram do meu governo em 2009, 2008, 2010, as coisas que ficaram paralisadas. Sabe, as coisas que se mentiu o tempo inteiro neste país, se contou muita mentira, muita fake News, e se deixou de governar o Brasil.
Então nós vamos tentar colocar o Brasil no trilho, governando e fazendo as coisas que tem que ser feita. Nós vamos voltar a investir em universidade, eu vou voltar a investir no FIES, investir no ProUni, sabe, investir no Bolsa Família, investir na geração de emprego, investir em obras de infraestrutura. Tudo isso é o que vai levar em conta a gente estar com um certo olhar positivo para o povo que quer investir.
Vou viajar muito para o exterior, vou para a China agora no mês de março. Fui aos Estados Unidos. Tudo isso conversando sobre a necessidade das pessoas olharem o país como um país grande, como país importante para economia e como um país que quer ser protagonista internacional, sobretudo agora, que a questão do clima ganhou um peso muito grande, o Brasil precisa se comportar com muita altivez.
PERGUNTA – O meu tempo está acabando, mas eu não posso sair daqui sem falar de internacional e sem fazer mais três perguntinhas para o senhor. Então eu vou pedir a sua ajuda presidente. Vamos falar de internacional: o senhor vai para a China, o senhor foi para os Estados Unidos, foi bem recebido lá, a repercussão foi importante. O John Kerry vem desembarcar no Brasil daqui a dias, acho que daqui dez dias né, para falar da questão do clima. Lá fora, o senhor se colocou, olha, o senhor disse pra Christiane Amanpour, na entrevista à CNN americana. O senhor disse, olha, me pediram munição para a guerra, e e eu falei: eu não vou dar munição, porque se eu der munição eu vou entrar na guerra. Então, o senhor está meio que na contramão do que está fazendo o Ocidente na Europa e do próprio Estados Unidos. Muita gente aqui, diante disso, no Brasil, analistas de internacional dizem: olha, o Lula está superestimando a capacidade do Brasil de influenciar conflitos como Rússia x Ucrânia ou China x Estados Unidos. A esses, o que que o senhor diz?
PRESIDENTE LULA – Agora veja, eu disse a eles, eu disse o chanceler alemão, eu disse ao presidente Macron, eu disse ao presidente Biden, e vou dizer ao presidente Xi Jinping. Nós precisamos criar um grupo de países que estejam com a disposição de discutir a paz, porque a guerra ela já foi feita de forma precipitada, foi um equívoco, um erro histórico, a Rússia invadir o território da Ucrânia, mas a guerra está aí e agora precisa ter alguém pra dizer: Oh! Gente, vamos parar, vamos parar e vamos conversar. Vamos ver o que a gente pode acertar! E não tem ninguém fazendo isso. Então, se eu vendo as munições para um canhão que a Alemanha vai dar para a Ucrânia, significa que o Brasil está entrando na guerra. E eu não quero entrar na guerra. Eu quero acabar com essa guerra.
Por isso que eu propus a gente criar um grupo de países, pode ser Brasil, pode ser China, pode ser Índia, pode ser Indonésia, pode ser outros países que não estão envolvidos na guerra, para que a gente converse tanto com o Putin como com o Zelensky, para dizer o seguinte: vamos parar a guerra, vamos sentar na mesa e vamos ver o que vai sobrar tanto para a Rússia quanto para a ucrânia? E, essa é a minha posição. E, acho que é a posição mais concreta e mais sólida.
Muito mais concreta, porque eu acho que nós temos que ter gente com disposição de negociar e não tem. A China não está se metendo nesta discussão, os Estados Unidos está fornecendo armas para a Ucrânia, a Europa está fornecendo armas para a Ucrânia, ou seja, e a Europa que sempre foi um caminho do meio.
A Europa, que sempre foi aquela parte do mundo que encontrava uma para tudo, está envolvida indiretamente na guerra. Então, o que eu quero é encontrar uma solução de paz e vou tentar encontrar. Eu vou para a China, um dos assuntos a conversar com o presidente Xi Jinping, como é que a gente pode participar para acabar com essa guerra.
PERGUNTA – Presidente, vamos falar de corrupção, mas olhando jogando pra frente. O senhor fez uma reunião ministerial, salvo engano a primeira grande reunião ministerial foi transmitida e aí o senhor falou “eu não tenho compromisso com erro, quem errar está fora”. A gente viu, por exemplo, registros na imprensa da ministra do Turismo com pessoas ligadas à milícia no Rio de Janeiro. Eu não quero personalizar nela, pedir pro senhor dizer. Eu quero que você me diga qual é a linha de corte do Lula. É uma denúncia no Ministério Público? É um processo transitado em julgado? É uma suspeita fundamentada? Qual é a linha de Costa? O presidente Lula no terceiro mandato?
PRESIDENTE LULA – Deixa eu lhe dizer uma coisa: para mim, todos, sem distinção, terão direito à presunção de inocência. Então na hora que houver uma denúncia, nós vamos ver internamente, através da CGU, a investigação, pra saber se tem procedência a denúncia. Se tiver procedência a denúncia o ministro será afastado. Se não tiver procedência a denúncia, segundo a CGU, a gente vai dizer que não tem procedência a denúncia.
Esse é o melhor jeito de você governar esse país e eu estou convencido que vai dar certo. E estou convencido porque eu vi as acusações contra Daniela porque ela aparecia no caminhão lá com o cara que era miliciano. Eu, sinceramente, eu, se for levar em conta as pessoas que estão em fotografias ao lado de pessoas outras, a gente não vai conversar com ninguém. Porque eu sou o cara que mais tiro fotografia no mundo, então se for pegar fotografia do Lula com gente que virou meu inimigo, eu estou inteiramente lascado pro resto da vida.
Então nós vamos julgar direitinho, nós não vamos ter pressa. Já muita experiência. Quando saiu a denúncia do ministro Juscelino, eu liguei pro Padilha e falei “Padilha, eu quero que você converse com o Juscelino,” eu estava nos Estados Unidos, “eu quero que você ouça a explicação dele porque ele tem que se explicar corretamente para os meios de comunicação.” E vai ser assim que vai acontecer todas as denúncias. Se a pessoa tiver culpa, a pessoa simplesmente sairá do governo.
PERGUNTA – Presidente, eu quero falar sobre os militares. Dia 8 de janeiro o senhor já fez muitas observações e traçou ali seu entendimento sobre o que aconteceu e tomou providência. Trocou o comandante do Exército, mudou o arcabouço, o guarda-chuva de órgãos de inteligência, essas mudanças restabeleceram a confiança do senho nessas forças?
PRESIDENTE LULA – Olha, é um processo que não é um processo rápido. Eu quando governei o Brasil em 2003 até 2010, a gente tratava o Exército e as Forças Armadas como uma coisa do Exército de Caxias, a gente falava. O Bolsonaro, ele conseguiu, como se fosse um vírus, ele conseguiu, eu diria, uma façanha de tornar uma parte das Forças Armadas bolsonarista, desrespeitando tudo, negando tudo, não obedecendo nada. Quando eu troquei o comandante do segundo Exército, o General Tomás disse o seguinte “olha, presidente, tem muita gente politizada nas Forças Armadas e é uma das minhas funções é contribuir para despolitizar as Forças Armadas.” As Forças Armadas tem uma obrigação constitucional, é com base naquilo que ela tem que ter o seu procedimento e por isso eu estou confiante de que ele vai conseguir com que a gente volte à normalidade, as Forças Armadas voltem à normalidade. Quem quiser fazer política, peça aposentadoria e vá fazer política, mas quem quiser continuar nas Forças Armadas vai ter que se comportar no cumprimento estrito da Constituição Brasileira.
PERGUNTA - Ou seja, é um processo em andamento...
PRESIDENTE LULA – Eu estou confiante que tudo vai terminar bem.
PERGUNTA – Presidente, o senhor foi ao aniversário de 43 anos do PT. Há, agora, com a volta do Lula ao Planalto, à Brasília, política, como presidente da República. Uma espécie de reabilitação de alguns personagens do PT. Por exemplo, Dilma Rousseff. Foi muito bem tratada nas posses de ministros, foi muito bem tratada na sua posse, tem aí uma, eu não sei se o senhor já bateu o martelo publicamente, mas que ela vai presidir o Brics.
PRESIDENTE LULA – Se depender de mim, ela vai. Deixa eu lhe falar uma coisa: a Dilma é uma figura extraordinária. Eu possivelmente, se eu não tivesse sido presidente e eu tivesse sido ministro, político da Dilma, não tivesse acontecido o que aconteceu, porque acho que faltou um pouco de conversa, um pouco de paciência, mas a Dilma é uma mulher extraordinária, uma pessoa, digna de muito respeito, o PT adora ela, ela ajuda a militância do PT, ela é muito querida. E ela tem uma coisa que ela é muito competente tecnicamente. Então, se ela for presidente do Brics será uma coisa maravilhosa para os Brics, será uma coisa maravilhosa para o Brasil.
PERGUNTA – E José Dirceu, presidente, que o senhor fez questão de agradecê-lo. É uma trajetória imensa, acho que tem uma relação que é pessoal, fora da política, mas também está dentro desse processo.
PRESIDENTE LULA – Não, eu não fiz questão de agradecer, eu apenas fiz questão de dizer que o José Dirceu estava ali presente e ali também é o lugar dele, ninguém pode ser penalizado a vida inteira. Ninguém pode ser na política ser penalizado de forma perpétua. O Zé Dirceu é um agente político, é um militante político da maior qualidade e ele está voltando a participar. E eu falei do Zé Dirceu porque, casualmente, eu vi o Zé Dirceu lá sentado, até meio escondidinho lá. Eu acho que não tem que andar escondido. Tem que colocar a cara pra fora e brigar. A gente tem que brigar pra construir outra narrativa na sociedade brasileira. Nenhum partido foi mais massacrado do que o PT. Você, como jornalista, Daniela, sabe o que o PT passou nesses últimos dez anos. Você sabe o que aconteceu comigo. Eu tive treze horas de Jornal Nacional contra mim em nove meses. Eu tive cinquenta e nove capas de jornais contra mim. Eu tive seiscentos e oitenta primeiras páginas de jornais contra mim. E eu tô aqui. Tô aqui, sabe porquê? Porque a narrativa construída por nós para mostrar ao povo brasileiro o que era certo e o que era errado venceu. Você não tem noção do que foi aquela vigília na porta da Polícia Federal.
PERGUNTA – Deixa eu abordar esse assunto com o senhor, que vai ser minha despedida aqui. Presidente, olhando o tamanho da trajetória que o senhor tem, a trajetória que o senhor construiu é uma epopeia, dava pra escrever muito livro e eu já tô aí pedindo aqui publicamente ao Stuckinha, que eu não vou olhar aqui pra ele, que ela tá aqui no canto, que eu quero ver o filme antes do filme ser... Mas eu precisava, eu queria ter um balanço, presidente, em especial dos últimos dez anos, porque é um vale, né. Uma subida.
PRESIDENTE LULA – Você tem que pegar um gravador.
PERGUNTA – Tá aqui.
PRESIDENTE LULA – A gente marcar uma conversa e que não vai fazer isso num minuto, dois minutos. Você não vai fazer uma avaliação desses dez anos, sabe. O que eu acho que muitas vezes as pessoas deixam de perceber, é a importância do PT na política brasileira. Getúlio Vargas foi presidente durante quinze anos e ele conseguiu criar o PTB que era muito diferente do PT que nós criamos. O PT é tão importante que o PT, desde que começou a disputar as eleições para presidente, o PT foi o segundo em 89 contra o Ulysses Guimarães, contra Brizola, [inaudível] Chaves, Maluf, o PT foi o segundo. Em 94, o PT foi o segundo, em 98, o PT foi o segundo, em 2002, o PT foi o primeiro, em 2006, o primeiro, 2010, o primeiro, 2014, o primeiro, 2014, o segundo, 2022, o primeiro.
Então é um partido muito vigoroso. Eu, de vez em quando, eu vejo alguém dizer “ah o partido não sei das quantas, o partido é fraco, o partido é pequeno, o partido é rejeitado.” Veja, nós estamos rejeitados, mas somos os mais queridos. Quando você fizer uma pergunta e perguntar qual o partido mais importante, mais querido, o PT vai aparecer com 22, 23, 25, até 30% o segundo colocado não tem 1%. Porque não existe partido político no Brasil, o único partido com cabeça, tronco e membro, é o PT.
Eu vou lhe dizer agora uma coisa do PT. É o partido sem similar no mundo. É o partido mais importante da esquerda da América Latina, só perde para o Partido Comunista chinês que é muito grande, mas é um partido mais atuante, mais militante. Que é o PT, e isso é importante se você é o mais querido, você pode ser o mais odiado. É que nem Palmeiras e Corinthians. Não peça pra um corintiano gostar do Palmeiras, nem para um palmeirense gostar do Corinthians. Ou seja, o PT é isso. O PT ele estimula o amor e estimula o ódio. As pessoas gostam do PT, adoram o PT, amam o PT, e às vezes odeiam o PT. E é assim que a gente se transformou no partido mais importante da história desse país. E isso tem que ser levado em conta pelos analistas políticos. O PT não é uma coisa qualquer. O PT é um partido político o restante são cooperativas de deputados, que se juntam em época de eleição. Tem muitos partidos que não tem sequer registro definitivo. O presidente de um partido pode ser presidente em todos os estados. A direção se discordar de um diretório ele intervém. No PT não é assim não. No PT, um diretório discorda da direção e muitas vezes não obedece a direção. E muitas vezes a gente acata essa rebeldia da nossa base, porque foi assim que o PT foi criado.
PERGUNTA – E o Quaquá com o Pazuello?
PRESIDENTE LULA –Olha, cada um carrega da fotografia que quiser. Eu não sei como foi essa relação, não sei como é que foi essa foto. Não sei se essa foto tá posada ou foi uma foto por acaso. Mas eu acho que o companheiro Quaquá já tem idade suficiente para escolher com quais pessoas ele quer ter a fotografia. Ele já tem mais de 30 anos de idade. O que eu acho, viu Daniela, eu acho que a política brasileira, ela muitas vezes ela é deformada porque a gente faz uma análise simplista da política, e nunca se negou tanto a política como se negou nesses últimos quinze anos. E quando você nega a política o resultado é esse: Bolsonaro, é Hitler, é Mussolini. Quando você nega a política o resultado é esse, exatamente o surgimento do autoritarismo. Foi assim que o Hitler cresceu, foi assim que o fascismo surgiu no mundo. E foi assim com o Bolsonaro. Porque se você cobrisse o Congresso Nacional, você poderia perguntar para mil pessoas, o Bolsonaro jamais apareceria como possibilidade de ser presidente da República. E ele foi, construiu uma indústria de mentiras, a mais poderosa indústria de mentiras que eu já vi na vida. Uma cópia fiel do que foi o Trump nos Estados Unidos e ele vai voltar mentindo porque ele não sabe contar verdade.
PERGUNTA – E o senhor não acha que tem... O senhor disse pra Amanpour “não tem chance do Bolsonaro voltar a ser presidente”. Por que?
PRESIDENTE LULA – Porque eu acho que a sociedade brasileira vai ser, esses próximos quatro anos, preparada para acreditar naquilo que é verdade e não acreditar naquilo que é mentira. E porque a sociedade vai perceber que nós vamos fazer em quatro anos o dobro do que ele fez. Veja que eu comecei o programa te dizendo “ontem nós anunciamos investimento em infraestrutura no primeiro ano de governo, 22 bilhões num ano.” Ele gastou 2º bilhões em quatro anos. Por isso é que eu disse que no nosso governo não vai ser 44, porque nós vamos fazer muito mais do que eles fizeram.
PERGUNTA – Eu espero voltar aqui pra cobrar, presidente. Eu quero agradecer de novo a concessão da entrevista. Sua assessoria já levantou, significa que tá na hora de eu ir embora. Obrigada, presidente, boa sorte.
PRESIDENTE LULA –Você sabe eu gosto da cobrança porque se tem uma coisa que eu me orgulho é que se você pegar uma entrevista minha de 78 e pegar uma entrevista minha agora, você percebe que eu não mudo de posição com facilidade. As coisas que eu acredito eu defendo. E por isso eu quero te dizer, Daniela, que esse país vai ser muito melhor. Você é muito nova, se prepare, que você vai ver esse povo sorrir. Você não vai ver mais briga na rua por causa de partido político. Obrigada pela entrevista. Eu espero que logo, logo façamos outra. E a cada ano você pode fazer uma entrevista comigo e me cobrar o que acontecer.
PERGUNTA – Fechado. Se o senhor tivesse me chamado de muito nova no início, a entrevista tinha sido bem mais fácil. Obrigada, presidente.
PRESIDENTE LULA – Obrigado você, querida.