Entrevista do presidente da República à Globonews em 18 de janeiro de 2023
Natuza Nery
Essa é a obra de Di Cavalcanti, danificada em sete pontos durante os atos criminosos de 8 de janeiro de 2023, uma data trágica, triste que a gente não vai esquecer. Nesse lugar onde eu estou, no terceiro andar do Palácio do Planalto, os golpistas conseguiram entrar. Chegaram muito perto da sala presidencial. Hoje eu estou aqui junto com a equipe da GloboNews para fazer a primeira entrevista com o presidente da República desde que ele foi eleito. E vai ser nessa sala, uma sala em que os golpistas não conseguiram entrar, que nós vamos conversar pela primeira vez com o presidente para sua primeira exclusiva desde o ato. Presidente, eu gostaria de começar fazendo uma pequena viagem no tempo, voltar para o dia 8 de janeiro de 2023, há poucos dias, portanto. Quando o senhor se depara com aquelas imagens do Congresso sendo invadido, do Palácio sendo invadido, do Supremo sendo invadido, com pouca resistência, inclusive, em algum momento o senhor achou que poderia perder o controle do país?
Presidente
Não. Olha, primeiro é preciso só contar uma história que começou antes do dia oito, ou seja, que começou no dia seis. Na sexta-feira, eu tomei a decisão de ir a São Paulo porque eu tinha deixado a minha casa sem ninguém. Eu precisava ver a casa como estava e resolvi visitar Araraquara porque tinha tido uma chuva muito grande. Tinha feito um buraco muito grande numa estrada e tinham morrido seis pessoas da mesma família no carro que foi levado pela enxurrada. E quando eu estou em Araraquara, eu começo a saber das notícias. Começo a saber das notícias. Fui para a sede da Prefeitura de Araraquara, fiquei acompanhando pelo computador as imagens. E eu liguei para o general Gonçalves Dias, que é o chefe do GSI, e eu dizia “ministro onde é que estão os soldados?” Porque eu não via soldado, eu não via soldado, só via gente entrando. Eu não via soldados reagindo, eu não via soldados reagindo. Ele dizia que tinha chamado os soldados, que tinha chamado os soldados. Ou seja, e este soldados não apareciam. Eu fui ficando irritado porque não era possível a facilidade com que as pessoas invadiram o Palácio do presidente da República e, na verdade, eles não quebraram para entrar. Eles entraram porque a porta estava aberta. Alguém de dentro do Palácio abriu a porta para eles. Só pode ter sido. Houve conivência de alguém que estava aqui dentro. Então eu liguei para o Flávio Dino, conversei com ele, decidimos então... me propuseram fazer uma GLO. Eu falei “não vou fazer, não vou fazer.”
Natuza
O que o senhor temia? Porque eu sei que a GLO e a intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal foram duas ideias colocadas sobre a sua mesa para a decisão. O senhor até chegou a comentar isso num café da manhã com jornalistas. A opção de não fazer a GLO e fazer uma intervenção federal vinha de algum temor que o senhor tinha?
Presidente
Não, vinha de uma experiência que eu vi no Rio de Janeiro. Quando fizeram GLO no Rio de Janeiro, o Pezão, que era governador, virou rainha da Inglaterra. Eu tinha acabado de ser eleito presidente da República... sabe... não tem importância, que foi com 2 milhões, com 20 milhões ou 1 milhão de votos. O importante é que eu fui eleito presidente da República desse país e eu não ia abrir mão de cumprir com as minhas funções e exercer o poder na sua plenitude. Foi por isso que nós decidimos, ao invés de GLO, a gente fazer intervenção na Polícia de Brasília que tinha sido conivente com o caso. Ou seja, havia uma visão explícita minha, do Flávio Dino e de todas as pessoas que havia uma negligência da Polícia Militar de Brasília que permitiu que as pessoas fizessem o que bem entendessem. Ou seja, quatro ou 5.000 pessoas invadiram isso aqui. Tinha 50 policiais no Senado que reagiram. Tinha quase ninguém dentro da Suprema Corte e quase ninguém dentro do Palácio do Planalto. Então, nós resolvemos tomar conta da Polícia fazendo a intervenção. E foi o que deu resultado. Foi o que deu resultado. Ou seja, quando a Polícia teve comando e agiu, a gente conseguiu dispersar as pessoas. Eu fiquei, fiquei com a impressão que era o começo de um golpe de Estado. Eu fiquei com a impressão, inclusive, que o pessoal estava acatando ordem e a orientação que o Bolsonaro deu durante muito tempo, muito tempo ele mandou invadir a Suprema Corte. Muito tempo ele desacreditou no Congresso Nacional. Muito tempo ele pedia que o povo andasse armado, que o povo sabe, que isso era democracia. Eu acho que a decisão dele de ficar quieto depois de perder as eleições, semanas e semanas sem falar nada; a decisão dele de tomar a decisão de não passar a faixa para mim, de ir embora para Miami como se estivesse fugindo, com medo de alguma coisa. E o silêncio dele, mesmo depois do acontecimento aqui, me dava a impressão que ele sabia de tudo o que estava acontecendo, que ele tinha muito a ver com aquilo que estava acontecendo. Obviamente que quem vai provar isso são as investigações, mas a impressão que me deixava era isso furtivamente. E se o Bolsonaro estivesse esperando voltar para o Brasil na glória de um golpe? Eu então não podia permitir GLO. Eu tinha que tomar a decisão política e tomamos a decisão certa.
Natuza
Por que o senhor acha que essa tentativa de golpe não vingou?
Presidente
Olha, porque eles perceberam que houve uma reação imediatamente e eu sou agradecido aos governadores que vieram a Brasília prestar solidariedade. Imediatamente a gente se juntou e a gente percebeu que tinha que trabalhar juntos, Legislativo, Executivo e Judiciário. E nós então nos juntamos para garantir a democracia brasileira. E eles perceberam que a gente tinha reagido. Eles perceberam que a gente tinha tomado conta da situação e eles então pararam. Mas aqui quem veio aqui, Natuza, era gente muito profissional. Tinha pessoas que eram militantes comuns, pessoas que estavam raivosas, nem sem sei se tinham bebido ou não. Mas o dado concreto é que, segundo todo o depoimento, as pessoas que eram profissionais, as pessoas conheciam o Planalto, as pessoas conheciam o poder Judiciário, as pessoas conheciam a Câmara dos Deputados. Não foi nenhum analfabeto político que invadiu isso aqui. Era gente que preparou isso durante muito tempo. Eles não tiveram coragem de fazer nada durante a posse. Na verdade, nós cometemos um erro elementar, ou seja, a minha inteligência não existiu. Eu saí daqui na sexta-feira com a informação que tinham só 150 pessoas no acampamento, que estava tudo tranquilo, que não iam permitir que entrasse mais ônibus, que não iam permitir que juntasse mais ninguém. Eu viajei para São Paulo na maior tranquilidade e aconteceu o que aconteceu. E depois do que aconteceu, aí você vai ver na rede social e que estava sendo convocada há mais de uma semana.
Natuza
A Polícia Federal, inclusive no sábado, faz um ofício, o diretor geral da Polícia, dizendo que havia esse risco. Mas quando o senhor fala de inteligência, o senhor está falando do gabinete, da Abin, do gabinete de segurança Institucional?
Presidente
Aqui nós temos inteligência do Exército, nós temos inteligência do GSI, nós temos inteligência da Abin, nós temos inteligência da Marinha, nós temos inteligência da Aeronáutica. Ou seja, a verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao presidente da República, ou seja, que poderia ter acontecido isso. Se eu soubesse na sexta-feira que viriam 8.000 pessoas aqui, eu não teria saído de Brasília. Eu saí porque estava tudo muito, muito tranquilo, até porque a gente estava vivendo ainda a alegria da posse. A posse foi uma festa marcante que eu não sei em que momento da história vai acontecer outra igual àquela. Muita gente, muita alegria, muita tranquilidade, muita festa. Ou seja, a gente estava vivendo da alegria da posse. A gente não imaginava que pudesse acontecer isso. Eu, sinceramente, não imaginava que pudesse acontecer isso, porque nunca na história desse país aconteceu isso. Nunca, em nenhum momento da história... a esquerda, quando ela queria na luta armada, derrubar o regime militar, ela invadiu o Congresso Nacional, invadiu a Câmara, invadiu e invadiu o Palácio e a Suprema Corte.
Natuza
Quebrando tudo?
Presidente
Quebrando tudo. Então é uma prática nazista, fascista, raivosa, que nós não estávamos acostumados a ver no Brasil. Eu acho que agora nós temos que ter muita tranquilidade e fazer a investigação mais correta possível. O secretário de Segurança voltou dos Estados Unidos, mas deixou o telefone dele lá.
Natuza
O senhor está falando de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, e depois foi virar secretário de Segurança Pública do DF.
Presidente
Foi exatamente ele, exatamente. Ele sabia o que ia acontecer e foi embora. E quando voltou, deixou o celular lá para quem sabe, a gente não fazer as investigações. Mas nós vamos fazer a investigação e eu posso te dizer que todas as pessoas que estiveram envolvidas, que invadiram, que fizeram algum estrago no Palácio, no Congresso ou na Suprema Corte, essa gente tem que ser condenada, senão a gente não garante a existência e a sobrevivência da democracia. E com a democracia a gente não pode brincar. A democracia é o único regime político que dá o direito de você discordar, que dá o direito de você fazer a oposição, que dá o direito de você se expressar livremente, desde que você não ultrapasse o limite dos outros. E essa gente ultrapassou o limite da Constituição. O limite da Justiça Eleitoral e o limite do resultado das urnas. Ninguém perdeu mais eleições do que eu nesse Brasil. Eu perdi três eleições consecutivas: 89, 94 e 98. E você não viu um gesto de rebeldia minha ou do PT ou dos partidos que me aliaram. Eu fui para a casa lamentar a minha derrota, fui discutir com meus companheiros, fui viajar o Brasil para reconstruir e levantar a moral da tropa. O cidadão fugiu, o cidadão se escondeu dentro de casa, depois ele fugiu sem prestar contas à sociedade. Até hoje ele não disse “eu fui derrotado”. Até hoje ele continua a fazer fake News, mostrando que as urnas, sabe, teve fraude. Então isso é grave e nós temos que apurar. Eu acho que eles permitiram que a gente fizesse, porque a gente não estava querendo fazer, que é fazer um processo de investigação muito séria do que aconteceu nesse país.
Natuza
Ou seja, os atos golpistas cavaram investigações, uma união dos poderes e uma exigência de punição para quem tem envolvimento...
Presidente
Eu acho que é o que a sociedade espera. Veja, a sociedade brasileira está precisando de um pouco de paz. A família brasileira ela quer viver tranquilamente, ela quer trabalhar, ela quer estudar, ela quer morar tranquilamente e ela quer ver a política mais saudável possível, porque nos últimos quatro anos o que nós vimos foi ódio, ódio disseminado todo dia, 24 horas por dia, ódio e mentira. Eu tenho 77 anos, Natuza. Eu faço política há 50 anos. Eu nunca tinha visto nada igual na minha vida. A quantidade de mentira, a quantidade de fake News e de coisas absurdas, coisas mais absurdas que eu jamais imaginei que alguém pudesse acreditar, pois as pessoas acreditam. Porque é mentira. É muito mais fácil você acreditar do que a verdade, a verdade exige que você tenha a responsabilidade, exige que você pense, exige que você tenha a criatividade, a mentira não.
Natuza
A mentira impacta... E mais do que a verdade.
Presidente
Minha mãe dizia “enquanto a verdade anda a passo de tartaruga. A mentira anda na velocidade de um avião”. E é uma enxurrada de mentira, porque nós não tínhamos essa experiência. Nós começamos a ter essa experiência a partir da eleição do Trump nos Estados Unidos.
Natuza
Eu vou até chegar lá, presidente, mas antes eu ainda queria continuar nos dias seguintes, a gente ainda está nos dias seguintes, na verdade. Mas naquele momento, naqueles momentos agudos que o senhor viveu, e que o país viveu, uma parte dos integrantes do seu partido chegou a defender uma atitude mais enérgica em relação aos militares, em relação ao próprio Ministério da Defesa, do GSI... Alguns, eu ouvi de alguns, inclusive ideias sobre a troca imediata do comando que havia acabado de assumir. No entanto, o senhor optou por não fazer isso, não mexer nessa cadeia de comando? Por quê?
Presidente
Olha, primeiro porque você não pode fazer caça às bruxas, sabe? Sem você analisar corretamente o que aconteceu. Você não pode substituir um jogador porque ele perdeu um gol. O que você tem é que apurar corretamente, ver o que aconteceu. Ver onde houve negligência nossa, onde houve erro nosso. Aonde foi que nós cometemos... veja porque o país estava em festa. Eu duvido que, além das pessoas que tramaram isso, tivesse alguém no Brasil imaginando que poderia acontecer. Ou seja, esse país estava em festa. Esse país... o povo tinha voltado a sorrir outra vez. Então eu acho que foi pego todo mundo de surpresa. O alerta importante é que a gente não pode mais ficar desprevenido. A gente não pode mais ficar desprevenido. Daqui para frente a segurança dos Palácios tem que estar funcionando 24 horas por dia, independente do que acontecer, seja a época de Natal, seja época de Ano Novo. É preciso que a gente tenha responsabilidade. A minha mágoa e nós vamos apurar, porque eu também não quero culpar ninguém sem provas, a minha mágoa é que houve negligência, houve negligência de quem tinha a obrigação de tomar conta do Palácio. Houve negligência, não sei se do secretário ou de toda a Polícia, ou de quem foi a negligência... da Polícia Militar de Brasília, que é responsável por tomar conta da cidade. Evitar o caos. No dia da minha diplomação já tinha acontecido o caos e esse caos foi acompanhado de perto pela Polícia Militar de Brasília e que ninguém foi fotografado e ninguém foi punido. Invadiram a sede da Polícia Federal e ninguém foi punido. A impressão que a gente tinha... eu estava na janela do hotel assistindo...
Natuza
Dia 12 de dezembro, o dia da sua diplomação.
Presidente
A impressão que a gente tinha era que a Polícia estava dando guarida às pessoas, estava protegendo as pessoas que estavam fazendo o quebra-quebra. Então nós vamos apurar com muita paciência. Eu não quero ser precipitado. Eu não quero cometer o erro que foi cometido na década de 70 contra a esquerda que você prendia, torturava. Não, não. Nós não vamos fazer nada disso. As pessoas que foram presas vão ser ouvidas e as pessoas vão ter direito a defesa. As pessoas vão ser punidas se a gente provar que eles foram o culpado e que eles fizeram alguma coisa de anormal. Fora disso, eles serão liberados. Quem for inocente. Nós não queremos fazer nada que não garanta a presunção de inocência para as pessoas, nós não queremos fazer nada. Mas você... Eu tenho uma tese que é o seguinte: toda vez que você entra num bar - nunca aconteceu comigo porque eu não frequento bar nem restaurante - mas toda vez que uma pessoa famosa entra no bar e alguém xinga, aquele cidadão que xingou é 171. Você pode ter certeza que ele é alguma coisa de errado na vida, quando ofende o Chico, quando ofenderam o Chico, o Gilberto Gil lá no Catar, na Copa do Mundo, o cara xingando ele... Pode saber que esse cara que xinga tem um passado nebuloso. Essa gente tem algum crime cometido na vida. Essa gente está ligada ao tráfico e essa gente tem processo de sonegação. Pode saber que tem alguma coisa, porque um ser humano normal, mesmo que seja de direita, se ele ver a Natuza entrando num restaurante com o namorado dela, por menos que ele goste, ele não vai xingar ela e não vai ofende-la.
É isso que acontece no mundo civilizado e é isso que eu quero reconstruir no Brasil. Eu quero reconstruir o direito de as pessoas viverem com tranquilidade. É para isso que eu ganhei as eleições, para recuperar o processo civilizatório desse país.
Natuza
Presidente, na sexta-feira a gente está falando na quarta e na sexta o senhor vai encontrar novamente com os comandantes das Forças Armadas. Como é que o senhor imagina essa conversa? O que o senhor quer dessa conversa? O que o senhor vai dizer para os comandantes?
Presidente
Antes de falar dos militares eu queria te dizer que, no mesmo dia oito à noite, quando eu cheguei aqui, eu vim visitar e o pessoal tentou me aconselhar a não vim ao Palácio do Planalto porque poderia ter bomba dentro e eu resolvi vir visitar o Palácio do Planalto. E no dia seguinte eu fui visitar a Suprema Corte. À noite, os 27 governadores vieram aqui, nós descemos a rampa junto, foi um gesto muito forte em defesa da democracia, à Suprema Corte, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, sabe, foi uma coisa muito forte.
Natuza
A repercussão internacional também foi.
Presidente
Sabe, foi uma coisa muito importante e muita repercussão internacional. Eu espero que daqui para frente a gente volte à normalidade. A gente apurando com correção e nós não vamos permitir que continue essas ofensas bárbaras que existe, de ameaça, de xingar pessoas em qualquer lugar. A pessoa tem que ser punida. Esses dias eu vi uma foto, uma gravação do cidadão chamando o Cristiano Zanin aqui no aeroporto de Brasília. O rapaz escovando dente e um cidadão chamando ele de vagabundo, chamando de vagabundo, chamando ele de vagabundo o tempo inteiro. Ou seja, como o Zanin é muito educado, é um gentleman. Ou seja, ele não reagiu, ficou escovando o dente até mais tempo do que o necessário. Mas eu falei pra ele fazer uma queixa na Polícia Federal, para a gente ir atrás desse cidadão. Esse cidadão não pode continuar achando que ele tem o direito de xingar uma pessoa no aeroporto e ficar impune. Este cidadão tem família. A família dele tem que saber que tipo de espécie de ser humano que ele é. Então, daqui para a frente vai ser assim. Até que a gente atinja a normalidade democrática desse país. Bem, eu estou chamando os comandantes para conversar, porque a primeira vez que eu conversei com os comandantes eu disse para eles que eu gostaria de discutir o fortalecimento da indústria de defesa nesse país. O Brasil é um país muito grande, o Brasil tem uma fronteira muito grande, tanto marítima como a fronteira terrestre. O Brasil tem uma população grande e nós precisamos então ter umas forças armadas preparadas e fortalecidas para que a gente cumpra aquilo que está na Constituição: a defesa do povo brasileiro contra qualquer possível ataque externo. Nós estamos tranquilos. Então, o que eu quero conversar com eles? Eu pedi para que cada força me apresentasse a dificuldade que eles estão vivendo do ponto de vista da estrutura funcional de cada força. O que é que falta na Aeronáutica? O que falta na Marinha? O que é que falta no Exército? Para que a gente possa ter um processo de reconstrução da capacidade produtiva... Sabe, inclusive, utilizar a tecnologia militar para fazer uma indústria de defesa mais forte, mais moderna. E eu acho que isso vai ser importante para o Brasil. Só para você ter ideia, eu pedi para o Josué, o presidente da Fiesp, eles têm um projeto para a indústria de defesa. Eu pedi para ele vir na reunião, não agora nessa reunião. Quando eu voltar da Argentina, eu vou ter uma conversa com o Josué e os comandantes militares que a gente quer efetivamente colocar em prática o funcionamento da indústria de defesa, para que a gente possa dinamizar as patentes que nós temos já pronta dos militares, dinamizar o submarino nuclear e dinamizar outras coisas que o Brasil precisa dinamizar para que a gente seja um país respeitado. As nossas forças armadas têm que estar preparada. E a outra coisa que eu quero conversar é o seguinte: é não politizar as Forças Armadas.
Natuza
Ou despolitizar....
Presidente
Despolitizar. O não politizar que eu digo é o seguinte: é preciso os comandantes assumam a responsabilidade de dizer “o soldado, o coronel, o sargento, o tenente e o general, ele tem o direito de voto. Ele tem direito de escolher quem ele quiser para votar. Agora, como ele é um cargo de carreira, ele defende o Estado brasileiro. Ele não é o Exército do Lula, não é do Bolsonaro, não foi do Collor, não foi do Fernando Henrique Cardoso. A Suprema Corte não é do Lula.” Essas instituições que dão garantia a esse país não precisam ter partido, não precisa ter candidato. Eles têm que defender o Estado brasileiro e defender a Constituição. E eu quero conversar com eles abertamente, porque da mesma forma que eu escolhi eles, quando eu escolhi eles teve critério para escolher.
Natuza
O primeiro da lista.
Presidente
E teve o critério de ouvir pessoas que conhecem cada um deles e eu quero manter uma relação civilizada. Eu já fui oito anos presidente da República e eu convivi muito dignamente com as forças. Com as três forças. Eu não quero ter problemas com a força. Não quero que eles tenham problema comigo e eu quero que a gente volta à normalidade, é isso. As pessoas estão aí para cumprir as suas funções e não para fazer política. Quem quiser fazer política tira a farda, renuncie ao seu cargo, crie um partido político e vá fazer política. Mas enquanto tiver servindo às forças armadas, enquanto estiver na Advocacia Geral da União, enquanto estiver no Ministério Público, essa gente não pode fazer política. Essa gente tem que cumprir com a sua função constitucional pura e simplesmente, está escrito na lei e é isso que eu quero que aconteça. E por isso eu vou ter uma nova conversa com os comandantes. Vou ter uma conversa com o José Múcio. Eu tenho dito, tenho dito para todo mundo, o Zé Múcio é meu amigo de muitos anos, é uma pessoa que eu confio. É uma pessoa de muita habilidade política, por isso que ele foi escolhido, porque ele é um homem que, sempre que possível, ele tenta evitar qualquer conflito. E tem gente que não gosta disso.
Natuza
Ele foi alvo de fogo amigo...
Presidente
Tem gente que não gosta disso. Tem gente que quer sair logo de cara na porrada. Não é assim. Eu acho que se a gente puder conversar, se a gente puder acordar, se a gente puder contemporizar, para que a coisa melhore para amanhã, nós temos que fazer. E é isso que eu vou fazer com muita tranquilidade.
Natuza
O senhor falava da questão militar e eu estou entendendo que o senhor quer abrir um novo capítulo nessa relação, ou pelo menos que o senhor está disposto a abrir um novo capítulo dessa relação, apesar dos atos golpistas dos acampamentos que ficaram na frente dos quartéis...
Presidente
Veja todos que participaram do ato golpista serão punidos. Todos, não importa a patente, não importa a força que ele participe. Todos que a gente descobrir que participaram dos atos serão punidos, terão que ser afastados das suas funções e vão responder perante a lei.
Natuza
Agora eu queria passar pela Amazônia, porque essa reestruturação da indústria de defesa, essa modernização das Forças Armadas que é uma das pautas do seu encontro, passa por uma atribuição que é das forças, que é preservação do Exército, que é a preservação das nossas fronteiras e da Amazônia. E que hoje está sob a guarda do crime organizado. O que fazer especificamente para isso, para proteger a Amazônia?
Presidente
Primeiro, eu acho que nós temos que criar um agrupamento da Polícia Federal que vai agir mais fortemente na questão da Amazônia, na questão da preservação do clima, e vai investir mais forte na questão do narcotráfico nas nossas fronteiras.
Natuza
Ou seja, colocar mais, mais polícia lá.
Presidente
Mais gente. Segundo a gente vai trabalhar durante esse mandato a perspectiva de criar uma força, um Ministério da Segurança Pública, sabe, com uma missão de muita responsabilidade, cuidando das nossas fronteiras e dos nossos biomas. E por que a gente quer fazer isso? Porque hoje a questão do clima não é mais uma coisa de estudante da USP ou uma coisa de intelectual, não. A questão climática hoje é uma necessidade de você preservar a espécie humana no planeta e todo mundo tem que ter responsabilidade. Então, nós vamos fazer. Nós vamos discutir com as Forças Armadas o trabalho que a gente deve fazer muito mais eficaz do que está sendo feito hoje, sabe? Nós, inclusive, vamos fazer uma fiscalização mais contundente, mais forte, para que a gente possa tomar conta da nossa floresta. Um compromisso que nós temos é, até 2030, ter um desmatamento zero na Amazônia. E eu vou buscar isso a ferro e fogo e vou precisar das Forças Armadas. Vou precisar da Polícia Federal, vou precisar da força que nós vamos criar para que a gente possa resolver esse problema definitivamente no Brasil. Inclusive, eu estou tentando marcar uma reunião com os governadores, com os presidentes da Amazônia, com o Equador, com Colômbia, com o Peru, com a Venezuela, com a Bolívia e com a Guiana Francesa para que a gente discuta uma política continental para preservar nossa Amazônia e saber se esse famoso crédito de carbono existe mesmo para poder você ter dinheiro para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem na Amazônia. Só no Brasil são 25 milhões de pessoas que precisam trabalhar, que querem ter acesso a bens materiais e essa gente precisa ganhar dinheiro e a indústria não pode ser poluidora. Então nós vamos brigar muito para que o mundo desenvolvido coloque o dinheiro que existe, para que a gente possa preservar de fato e de verdade, a Amazônia. Nós não queremos transformar a Amazônia num museu, um santuário da humanidade. Nós queremos fazer com que a Amazônia seja preservada, a bem do povo da Amazônia, a bem do povo brasileiro e a bem da humanidade. É isso que nós queremos, Natuza.
Natuza
Eu queria jogar luz um pouco sobre a extrema direita. O senhor mencionou Trump ao longo da primeira parte da nossa entrevista. O senhor vai aos Estados Unidos agora em fevereiro, se encontrar com o presidente americano, Joe Biden. O senhor tem intenção de, ou pedir algum tipo de colaboração, ou até mesmo um Conselho, porque lá já aconteceu o que aconteceu aqui... há dois anos, de como enfrentar a extrema direita e como governar com uma extrema direita?
Presidente
Olha a primeira coisa que nós temos que ter claro, Natuza, é que a extrema direita, ela existe hoje no mundo inteiro. Ela existe na Hungria, ela existe na Itália, ela existe na Alemanha, ela existe na Espanha, ela existe em Portugal, em todo lugar está nascendo agrupamento de extrema direita, convocações nazistas, convocação de stalinistas, com as mais diferentes formas de agir. Eu tive com o primeiro ministro grego, o ex primeiro ministro grego, e ele me disse que na Grécia o discurso é o mesmo. É pátria amada, é a questão da família e de costumes, e a questão religiosa. Na Grécia é quase que um discurso universal. Então o que aconteceu? Aqui no Brasil nós ganhamos as eleições e derrotamos o Bolsonaro. Agora, o que nós precisamos é derrotar essa narrativa fascista que tem no Brasil. E ainda vamos ter que exigir que as forças democráticas se manifestem. Não importa que partido político a pessoa pertença, não importa qual é a origem social das pessoas. O que nós queremos é que todas as pessoas, do mais humilde brasileiro ao mais importante brasileiro, seja o mais importante jornalista e o mais importante intelectual, que todos se manifestem em defesa da democracia porque a democracia é a única possibilidade da gente construir uma nação forte e soberana. Então eu vou lá e vou conversar com o Biden. Eu quero saber como é que ele está vivendo, porque pela imprensa que eu leio, me parece que o pessoal dos republicanos está ficando mais forte. Parece que o discurso radical está ficando mais forte e me parece que os democratas estão tendo um pouco de dificuldade, ou seja, aí vai ter eleições daqui a dois anos.
Natuza
É exatamente essa pergunta, porque lá há uma certa reabilitação de Trump, tanto que ele é pré-candidato à Presidência da República novamente com alguma força. A minha pergunta é se esse enredo pode se repetir. Se o senhor acha que esse enredo pode se repetir aqui em relação, não só à extrema direita, mas também em relação a Bolsonaro. Se o senhor considera Bolsonaro carta fora do baralho ou esse ainda é um processo que não dá para não dá para concluir nesse sentido.
Presidente
Vai depender... se o Bolsonaro é ou não carta fora do baralho, vai depender da investigação da participação dele nesse processo todo. Em todas as provocações que ele fez, vai ter muito processo contra ele. Ou seja, vai depender muito da Justiça. Eu não considero ninguém carta fora do baralho. Não considero ninguém. Aqui nesse país, você sabe que muita gente me considerava carta fora do baralho e eu estou presidente da República outra vez. Então, eu não considero ninguém carta fora do baralho. O que eu acho é que nós esperamos que haja mais celeridade da Justiça na apuração e no julgamento dessas pessoas. Eu quero que todo mundo tenha o direito à presunção de inocência que eu não tive. Mas eu quero que todas as pessoas sejam investigadas, porque se o Bolsonaro tiver participação direta no que aconteceu, ele tem que ser punido. E se ele for punido, ele é inelegível. Isto vale para ele, vale para mim, vale para qualquer pessoa. Então eu vou devagar com o andor, eu não vou querer dizer o que é que vai acontecer em 2026. Eu vou aos Estados Unidos conversar com o Biden e eu espero que a gente possa discutir um pouco a democracia no mundo, o que está acontecendo lá e o que está acontecendo aqui, porque é muito parecido. Então, é preciso que os democratas digam o que vão fazer para ganhar as eleições, porque a gente não pode voltar à anormalidade que o Trump criou nos Estados Unidos. Eu tinha visto uma pesquisa que antigamente você perguntava para um republicano se ele permitiria que a filha dele casasse com democrata. Apenas 4% dizia que não podia. Hoje é quase 80% que não pode casar. Mas não é possível. A política não existe para isso. A política existe para você estabelecer cordialidade, debate político, divergência e consolidar o processo democrático. Depois em março eu vou para China. Eu vou conversar com o presidente XI Jinping, que também sabe porque também na China tem movimentos e a gente sabe menos porque as nossas informações são mais limitadas. Eu vou receber dia 30 agora o chanceler alemão, Olaf Scholz. Ou seja, eu quero conversar com ele também sobre o que está acontecendo na Alemanha, porque é um movimento internacional essa extrema direita.
Natuza
E aí exigiria uma resposta e até uma articulação internacional como resposta.
Presidente
Por isso que eu vou propor. Eu já conversei com gente francesa, com gente espanhola, com gente alemã. Nós precisamos fazer uma unidade do pessoal progressista e democrático do mundo, fazer uma reunião para estabelecer uma ação de enfrentamento para não permitir o ressurgimento do nazismo ou do fascismo. Nós precisamos ter competência para convencer a sociedade de que o regime democrático é melhor. Nós temos que estabelecer e a democracia que a gente vai defender, Natuza, ela só vai ser respeitada pelo povo se você não tiver gente passando fome, se você não tiver gente... muita gente desempregada morando na rua. Se você não diminuir o feminicídio, então a pessoa fica pensando “que democracia é essa que eu estou com fome? Estou sem emprego. Estou vendo as mulheres apanhar. Estou vendo os meninos negros morrer na periferia. Que democracia é essa?” Porque tem muitas favelas que as pessoas admiram mais o bandido do que a polícia. Porque a gente não resolve o problema da violência nas comunidades com a polícia, a gente resolve com a presença do Estado. Se o Estado estiver nas comunidades, com saúde, com educação, com lazer, com trabalho, com esporte, a gente consegue diminuir a violência. E é por isso que nós vamos apostar muito na escola de tempo integral, porque o tempo que esse jovem tiver dentro de uma escola a gente vai ter garantia que essa pessoa não vai ser vítima de uma bala perdida como acontece muitas vezes, que a bala nem é tão perdida, mas já se criou o estigma de bala perdida. Ou seja, e muita gente morre e, de preferência as pessoas pobres e negras da periferia brasileira. Então vamos trabalhar muito, muito, para que a gente reconstrua a democracia e a democracia ela só vai vingar se a gente cuidar do povo. Nós temos que cuidar do povo, nós temos que cuidar da família, as pessoas têm que acreditar no governo. O governo tem que ser verdadeiro. O governo não pode mentir para a sociedade. A gente vai ter que dizer e fazer aquilo que a gente disse que vai fazer. É por isso que eu não faço muitos rompantes durante a campanha. Eu lembro sempre de 2003 que eu falei “quando eu terminar meu governo se cada brasileiro tiver tomando café e almoçando, jantando, eu terei cumprido a missão da minha vida.” E aqui no Brasil a mesma coisa eu vou começar a recuperar o salário mínimo das pessoas, porque o salário mínimo é a melhor forma de distribuição de riqueza. Quando o PIB cresce, só tem sentido esse PIB crescer, se o crescimento dele for distribuído entre as pessoas que fizeram ele crescer. Não são os empresários que fazem ele crescer, são os trabalhadores e muitas vezes os trabalhadores não participam. Esse país chegou a crescer a 10% ao ano e o povo continuou pobre.
Natuza
Quando o senhor fala em recompor, o senhor fala em recompor já agora, ou ao longo do período do mandato?
Presidente
As pessoas compreendem que a minha situação é delicada. Faz 18 dias que eu tomei posse. Eu nem casa para morar eu tenho ainda.
Natuza
Eu vou chegar lá...
Presidente
Acho que é o único caso na história do mundo em que o presidente da República não tem onde morar. Eu fui ao Torto saber se eu podia ficar lá depois que o Guedes saiu. O Torto, sinceramente, não dá. Eu conheci o Torto. Eu morei lá um ano e meio. Depois eu morei lá quando o Fernando Henrique Cardoso era presidente, eu fiquei lá 40 dias. Depois eu morei um ano e meio, quando eu estava reformando o Palácio do Alvorada, e, sinceramente, aquilo foi abandonado. Embora o Guedes morasse lá, eu acho que o Guedes só fazia entrar dentro de casa, dormir, trabalhar, atender, mas aquilo não foi cuidado. E o Alvorada. É uma pena. Você esteve lá... é uma pena, porque eu morei lá e herdei aquilo do mandato de oito anos do Fernando Henrique Cardoso. Eu recebi aquilo limpinho, cuidado. Do jeito que estava eu fui morar, morei oito anos e deixei aquilo limpinho, bem cuidado para a Dilma, reformado inclusive. Uma reforma que eu pedi para a ABDIB fazer, ela juntou 25 empresários e fizeram aquela reforma que era uma doação deles à União, ao patrimônio público. Fizeram uma bela de uma reforma naquilo lá e agora quando nós fomos lá ver eu, sinceramente, não sei o que foi feito no Alvorada. Eu sinceramente não sei como é que pode. Eu cheguei no Alvorada não tinha cama no quarto. Estava semidestruído aquilo, não sei se eles levaram embora, o que eles fizeram. Mas quando eu saí eu deixei tudo. Quando a Dilma saiu, ela deve ter deixado tudo. Quando o Fernando Henrique Cardoso saiu, ele deixou tudo. Você não precisa mudar nada. Você entra e mora. Você pode até comprar uma roupa de cama. Mas você foi lá ver, não tem nada, não tem nada e muita coisa estragada. A impressão que se dá é que não tinha limpeza naquilo lá. Essa é a impressão que se dá, então tá sendo arrumado aquilo e espero que, dentro de dez ou 15 dias, eu possa voltar a trabalhar no Alvorada, porque eu quero exercer esse mandato na sua plenitude total e isso passa por morar no Palácio em que o presidente da República tem que morar, porque tem lugar para fazer muitas reuniões.
E eu quero cuidar desse país. Eu voltei, Natuza, com o único objetivo. É uma obsessão minha, é uma obsessão. Não é um programa de governo. Eu acho que é possível cuidar desse povo. É possível fazer as famílias brasileiras voltarem a ser felizes. É possível voltar os irmãos a conversar, pai, mãe conversar, sogro, sogra conversar com o seu genro, porque está tudo dilacerado, tá tudo semidestruído. Então esse país não tem essa vocação do ódio. Esse país eternamente é o país do samba, é o país do carnaval, é o país do futebol, nós conseguimos transformar nos meus oito anos de mandato o Brasil em protagonista internacional. O Brasil passou a ser uma espécie de coqueluche. Todo mundo queria conversar com o Brasil, todo mundo gostava do Brasil. E isso eu vou reconstruir. Eu vou tirar o Brasil do isolamento e vou fazer com que esse país volte a ser respeitado no mundo e protagonista internacional. Pode ficar certa disso.
Natuza
Presidente pra entrar em economia eu só não queria deixar de abordar com o senhor um ponto do assunto antigo dos atos golpistas. O senhor apoia a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que foi já....
Presidente
Não
Natuza
Por quê?
Presidente
Quero te dizer o seguinte, nós temos instrumentos para fiscalizar o que aconteceu nesse país. Uma comissão de inquérito, ou seja, ela pode não ajudar e ela pode criar uma confusão tremenda. Não precisamos disso agora.
Natuza
Tem uma clássica de que governos não gostam muito de CPI porque você sabe como começa mas não sabe como termina, é isso?
Presidente
Isso é verdade, isso é verdade. Porque eu reivindiquei muita CPI. Isso é verdade, você sabe como ela começa, mas não sabe como ela termina.
Natuza
Quando o senhor era oposição?
Presidente
O que é que nós podemos investigar em uma CPI que a gente não possa investigar aqui agora? Nós estamos investigando. Tem 1300 pessoas presas. Nós estamos ouvindo o depoimento e estamos pegando o telefone celular. Nós temos filmagem das câmeras que mostra quem participou, quem não participou. Nós sabemos quem foi negligente e quem não foi negligente. Nós já temos uma coisa, ou seja, o que você pensa que a gente vai ganhar com a CPI? Eu, sinceramente, é uma decisão do Congresso Nacional, não é minha. Portanto, os partidos políticos na Câmara e no Senado é que vão decidir. Mas, se por acaso eles me pedissem um conselho, o que é difícil pedir conselho, eu dizia “não façam CPI porque não vai ajudar”.
Natuza
Presidente rapidamente, porque o senhor me deu 50 minutos para essa entrevista e a gente já está chegando bem perto do fim.
Presidente
Eu tenho tempo.
Natuza
O seu governo vai apresentar em breve um novo regime fiscal, já que o senhor enxerga que a política do teto de gastos, o senhor já disse que é uma política burra. O que será colocado no lugar? O senhor já tem alguma ideia?
Presidente
Deixa eu te dizer uma coisa, qual é a minha divergência. A minha divergência é o seguinte: nesse país se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que vai melhorar o que? Eu posso te dizer com a minha experiência: é uma bobagem achar que um presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente é quem indicava. Eu duvido que esse presidente do Banco Central seja mais independente do que foi o Meirelles. Duvido. Porque é que o Banco é independente e a inflação está do jeito que está e o juro está do jeito que está? Veja você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz isso você é obrigado a arrochar ainda mais a economia para poder atingir aqueles 3,7%. Porque precisa fazer 3,7%? Porque não fazer 4,5% como nós fizemos? O que nos precisamos nesse instante é saber o seguinte: a economia brasileira precisa voltar a crescer e nós precisamos fazer distribuição de renda. Nós precisamos fazer mais política social. Se você pegar todos os dados econômicos, você vai ver que durante a pandemia, quem era rico, ficou mais rico. Os poderosos ficaram muito mais rico, o povo ficou mais pobre. Então eu fico irritado às vezes, quando se discute muito qualquer problema, se discute estabilidade, estabilidade fiscal, estabilidade fiscal, ninguém, Natuza, ninguém foi mais responsável do ponto de vista fiscal do que eu fui. Eu queria só relembrar você do seguinte eu, quando peguei esse país, a inflação estava 12% e a taxa de juros estava 12%. A gente devia R$ 30 bilhões ao FMI. O Brasil tinha uma dívida interna bruta de 60,5% do PIB. O Brasil, o Malan ia todo final de ano em Washington ver se conseguia um dinheirinho para fechar o caixa aqui, atrás do FMI. O que nós fizemos nesse país? Nós entramos, estabelecemos a meta de inflação de 4,5% e cumprimos. Nós geramos em oito anos quase 14 milhões de empregos. Depois, com o mandato da Dilma, foram 22 milhões de empregos. Nós reduzimos a dívida de 60,5% para 37,7%. E nós fizemos uma reserva que o Brasil nunca tinha tido de 370 bilhões de dólares. E vou dizer mais para você, o único país do G20 que cumpriu o superávit primário todos os anos que nós governamos nesse país, então não peçam para mim seriedade fiscal. Não peçam. O que eu quero é que as pessoas que querem estabilidade fiscal deem estabilidade social. Assume compromisso com o social, porque não é possível este país ter gente na fila do osso para pegar carne. Não é possível esse país ter 30% de pessoas passando fome, não é possível este país ter... Sabe quantos anos faz que funcionário público federal não recebe aumento? Sete anos.
Natuza
Essas ideias, a responsabilidade social e a responsabilidade fiscal são frequentemente apresentadas. E às vezes eu tenho impressão que o que o senhor pensa assim e eu queria que o senhor me dissesse se é isso mesmo, como se elas fossem antagônicas, como se uma fosse inimiga da outra. Mas há quem entenda que elas não são necessariamente antagônicas. Para o senhor, elas são inimigas?
Presidente
Elas são antagônicas por causa da ganância das pessoas mais ricas. Ou seja, as pessoas não querem. O empresário não ganha muito dinheiro porque ele trabalhou. Ele ganha muito dinheiro porque os trabalhadores dele trabalharam. O que nós queremos é que apenas haja contrapartida no social. Não interessa a gente ter uma sociedade de miseráveis. Nós queremos ter uma sociedade de classe média. Nós queremos que a pessoa tenha poder de consumo. Nós queremos que as pessoas possam viajar. Nós queremos que as pessoas possam comprar uma casa. Nós queremos que a pessoas possam comprar um carro é o mínimo necessário que nós precisamos garantir para as pessoas que eles consumam aquilo que eles produzem. Agora, o que tem acontecido no Brasil? Se você pegar o relatório da economia, você vai ver que muita gente que era rico ficou muito mais rico e o povo ficou mais pobre. Hoje são 105 milhões de pessoas com algum problema de insegurança alimentar, além dos 33 milhões que passam fome. Hoje, o salário, a massa salarial caiu muito e nós temos milhões de trabalhadores trabalhando em aplicativos sem nenhum direito. Nós vamos fazer com os dirigentes sindicais... Eu vou ter uma reunião com dirigentes sindicais para discutir uma nova reformulação. A nova reestruturação do movimento sindical. A gente não quer voltar ao passado. A gente quer estabelecer uma nova relação entre capital e trabalho. Para isso, nós vamos criar uma comissão com os sindicalistas com o empresário, com o governo, para ver se a gente cria uma estrutura sindical em que as pessoas se sintam representadas e a gente possa garantir que as pessoas tenham direito. Ou seja, porque esse trabalhador que trabalha em aplicativo, ele pensa que ele é microempreendedor, ele não é microempreendedor porque ele não tem um programa de seguridade social. Quem tem que garantir isso é o Estado brasileiro.
Natuza
E a carga tributária, presidente? O Brasil é um dos países com maior carga tributária. É possível aumentar a arrecadação sem aumentar imposto?
Presidente
Natuza, a vantagem de ser candidato muitas vezes é que eu já discuti esse assunto em 89, 94, 98, 2022, 2006, 2010, 2014, 2018, mesmo na cadeia eu discuti isso. E agora nós precisamos fazer uma reforma tributária de verdade para que as pessoas mais ricas, para as pessoas que vivem de dividendos, para as pessoas que ganham mais dinheiro, paguem mais imposto de renda e as pessoas que ganham menos paguem menos imposto de renda. Não sei se você sabe que 60% das pessoas que pagam imposto de renda ganham até R$ 6.000 por mês. Essas pessoas são consideradas ricas. Você sabia? Essas pessoas que ganham R$ 6.000 são consideradas ricas. Eu fico imaginando um cara que ganha R$ 6.000, se ele pagar R$ 2.500 de aluguel, sobra R$ 4.500 para ele. Se ele pagar escola para o filho, sobra três e pouco para ele fazer todas as despesas de casa e para ele cuidar da família. Então, as pessoas tem que entender, por isso que eu defendi durante a campanha e vamos tentar colocar em prática na proposta de reforma tributária, que até R$ 5.000 a pessoa não paga imposto de renda. Não é possível que a gente não faça.
Natuza
E para isso precisa de apoio no Congresso. Hoje, o que o senhor tem de base, pelo menos do que foi negociado, não dá conta de Emenda à Constituição. Deu, no caso do novo, do novo modelo da PEC que o senhor conseguiu aprovar ainda na transição que foi, foi de fato, algo inédito, mas o Congresso que vai chegar é um Congresso mais custoso. Como é que o senhor vai aprovar a Emenda à Constituição, reforma tributária ou outros... ?
Presidente
Eu começo a governar acreditando que eu tenho uma base mínima de 513 deputados e 81 senadores.
Natuza
É muito otimismo, presidente...
Presidente
A partir dessa crença eu vou tirando aqueles que eu sei que não vão votar em mim e eu espero ficar com a maioria para votar. Veja, eu não vou aprovar... eu não vou, não vou mandar a proposta do meu interesse pessoal. Eu quero montar propostas que possam convencer os deputados de que a gente pode mudar esse país para melhor. Você imagina uma pessoa, uma pessoa que tem uma empresa que ele retira R$ 140.000 para sobreviver, sabe ele paga menos de imposto de renda do que um cara que ganha um salário mínimo, ou melhor, que ganha R$ 2.000 por mês. Proporcionalmente, ele paga menos. Então, o que nós queremos é que as pessoas que ganham mais paguem mais, a pessoa que ganhem menos, paguem menos e que a classe média brasileira não seja tão sacrificada. Porque todas as pessoas que recebem salário têm que descontar na folha de pagamento. Isso a gente tem certeza que ele está pagando o imposto de renda. E a sonegação? Ontem um cara me disse o seguinte: “presidente tem três empresários sabe que vende combustível nesse país que sonega R$ 20 bilhões por ano”. Eu não sei quem é, mas nós vamos fazer fiscalização para saber quem é que sonega nesse país e denunciar. Nós temos que denunciar os sonegadores, nós temos que denunciar aqueles que têm dívida com a Previdência Social. Você sabe que no Carf que julga a dívida das pessoas com a União, você sabe que tiraram o um voto, o voto que decide, ou seja, o chamado voto...
Natuza
Voto de minerva.
Presidente
Vamos supor que seria o voto de minerva. Ou seja, agora senta cinco empresários, cinco do governo. Se der empate é tudo para o empresário. Não tem ninguém que decide. São 1 trilhão e 300 bilhões de reais. Ora, nós temos que ter um voto de minerva, um voto qualificado para decidir onde vai esse dinheiro. O Estado não pode abrir mão disso. Então, o que é que eu estou pensando? Eu estou pensando assim: nós precisamos discutir, fazer a política fiscal que ela possa ser seguida. A gente tem que ter a garantia para a sociedade brasileira de que a gente não vai gastar mais do que a gente ganha. Mas, ao mesmo tempo, nós temos que mudar o discurso. A gente não pode dizer que o dinheiro para a educação é gasto, nós temos que dizer que é investimento. O dinheiro para saúde não é gasto, dinheiro para saúde é investimento. O dinheiro que você cuida das pessoas para melhorar a vida dele não pode ser tido como gasto. Gasto é o dinheiro jogado fora, gasta é o dinheiro... Eu vou pegar o seguinte: venderam a Eletrobrás, arrecadaram R$ 36 bilhões e alugaram o gasoduto pagando R$ 3 bilhões por ano. A pergunta que eu faço é o seguinte: o que foi feito com esses R$ 36 bilhões? Sabe o que foi? Pagamento da dívida. Ou seja, então você vende uma empresa que foi construída pelo povo brasileiro, arrecada R$ 36 bilhões e esse dinheiro vai para quem? Vai para os credores. Esse dinheiro não poderia ter ido para fazer o Minha Casa Minha Vida? Esse dinheiro não poderia ter ido para o SUS? Esse dinheiro não poderia ter ido para melhorar a escola de tempo integral? Ou será que a única coisa que não é gasto nesse país é o pagamento de juros? Porque tudo o mais é gasto.
Natuza
Eu já vi o senhor, inclusive...
Presidente
Se eu for fazer uma estrada é gasto, se eu for fazer uma ponte é gasto, se eu for fazer uma ferrovia é gasto. Agora, a única coisa que não é gasto é pagar quase 600 bilhões de juros todo ano nesse país.
Natuza
Presidente eu fiz um roteiro aqui de 19 perguntas, consegui fazer 15 e nosso tempo acabou. E eu sei que o senhor tem uma agenda.
Presidente
Vamos fazer outro programa.
Natuza
Vamos! Quando o senhor quiser falar, nós queremos ouvi-lo, naturalmente.
Presidente
Ou Natuza, deixa eu dizer uma coisa para você, aproveitando essa oportunidade. Esse é o mandato da minha vida. Eu só voltei a ser presidente da República porque eu acredito que a gente pode recuperar esse país. Eu acredito que a gente pode fazer com que as pessoas possam voltar a viver bem. Eu você sabe, eu casei em maio do ano passado. Eu não precisaria ter voltado à presidência. Eu poderia viver minha vida com muita tranquilidade. Eu voltei, primeiro porque as pesquisas mostravam que eu era a única pessoa capaz de derrotar o Bolsonaro. E isso aconteceu. Você sabe a quantidade de dinheiro que eles gastaram no ano da eleição? Você sabe a quantidade de dinheiro que foi jogado nesse país? Pois bem, nós ganhamos as eleições. Então, agora eu tenho quatro anos. Eu quero me dedicar 24 horas por dia e a Janja sabe disso. A Janja é a minha parceira, ela sabe que ela tem que trabalhar também. Ela vai fazer o que ela quiser fazer. Ela não é obrigada a ter uma agenda comigo. Ela vai comigo quando ela quiser ir comigo, mas ela vai fazer o que ela quiser, porque nós dois queremos ajudar a reconstruir esse país. É minha profissão de fé. É uma coisa que eu trago na minha consciência, é meu compromisso com o povo brasileiro e eu vou me dedicar, pode ficar certa que eu vou me dedicar como jamais me dediquei a alguma coisa para tentar consertar esse país. Se isso acontecer, aí eu terei cumprido outra vez a missão da minha vida. Esse é meu compromisso com o povo brasileiro. A imprensa vai ser bem tratada por mim, sabe? Vai ser muito bem tratada. Vou ter o interesse de conversar com a imprensa, porque é preciso a gente desmentir e desmistificar o que aconteceu no Brasil de 2019 a 2022. Essa mentira tem que desaparecer. Isso é um período turvo da nossa história que nós precisamos apagar.
Natuza
Presidente, muito obrigada pela entrevista. Muito obrigada por me receber na sua primeira entrevista exclusiva.
Presidente
Obrigado a você, Natuza. Obrigado!