Entrevista concedida pelo presidente Lula ao Jornal da CBN
Jornalista Mílton Jung (CBN): Muito bom dia a você que está aqui no Jornal da CBN, edição desta terça-feira, 18 de junho de 2024, quando temos a oportunidade de entrevistar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A quem, desde já, agradecemos pela gentileza de ter aceitado o nosso convite. Bom dia para o senhor, presidente.
Presidente Lula: Bom dia, Mílton. Bom dia, Cássia. É um prazer imenso poder fazer essa entrevista com vocês. Estou à disposição.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente Lula, o senhor ontem participou da reunião com parte da equipe econômica, com a junta orçamentária, para ser mais preciso, para debater o orçamento do ano que vem. E a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que o senhor ficou muito mal impressionado com o aumento de subsídios no país. Com o que o senhor realmente ficou impressionado e o que muda na sua visão sobre a economia brasileira, a partir do que recebeu ontem?
Presidente Lula: Olha, eu fiquei impressionado, porque, normalmente, você tem uma guerra histórica de determinados setores, dos meios de comunicação e do mercado, sobre a questão da utilização dos recursos do orçamento. E eu tenho divergência profunda — e diria até conceitual — sobre o que é gasto e o que é investimento. E, de vez em quando, as pessoas jogam a responsabilidade dos gastos nas políticas sociais que você está implantando, que é para resolver a qualidade de vida do povo brasileiro. Ora, o que está acontecendo hoje? As mesmas pessoas que reclamam que tem gasto exagerado — e nós estamos investigando se tem gasto exagerado em alguns programas sociais, se tem abuso, se tem gente que está recebendo e que não deveria estar recebendo —, tudo isso está sendo estudado para que a gente possa apresentar uma proposta, daqui a uns 22 dias, para o Congresso Nacional.
Mas o que me deixa preocupado é que as mesmas pessoas que falam que é preciso parar de gastar, são as pessoas que têm R$ 546 bilhões de isenção, desoneração de folha de pagamento, isenção fiscal, ou seja, são os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país. E eles se queixam daquilo que você está gastando com o povo pobre. É por isso que eu disse que não me venham querer que se faça qualquer ajuste em cima das pessoas mais humildes desse país. Eu estou disposto a discutir o orçamento com a maior seriedade, com a Câmera, com o Senado, com a imprensa, com os empresários, com os banqueiros, mas para que a gente faça com que o povo mais humilde, o povo trabalhador, o povo que mais necessita do Estado, não seja o prejudicado como, em alguns momentos da história, foi. Qualquer coisa que você quer gastar, você gasta do povo pobre.
Então, é o seguinte: nós acabamos de aprovar uma desoneração para 17 setores da indústria brasileira. Qual é a contrapartida que esses setores dão para o trabalhador? Qual é a estabilidade no emprego que eles garantem? Qual é o aumento de salário que eles garantem? Nenhum. Apenas pega a isenção fiscal, não tem nenhum compromisso com o povo trabalhador, apenas para aumentar o lucro. E acham que isso é normal, Mílton? Nós achamos que não é normal e eu estou disposto a fazer essa discussão com os empresários, em qualquer lugar, para que a gente coloque a verdade em cima da mesa e a gente saiba quem é que está gastando.
Veja, nós temos quase que R$ 1 trilhão com a Previdência Social. Quase que R$ 1 trilhão. É muito? É muito. Agora, se tem muita gente para se aposentar vai sempre aumentar. Agora, o que é muito é você ter quase R$ 600 bilhões em isenção. Quase R$ 600 bilhões de desoneração. Então, isso não é possível. É preciso a gente consertar e vamos consertar dos dois lados.
Você sabe, Mílton, que tem uma coisa na minha vida que eu sempre prezei muito: primeiro, eu não gosto de gastar aquilo que eu não tenho. Eu aprendi com uma mulher analfabeta, que era minha mãe. "Você não pode gastar o que você não tem, você só pode gastar o que você ganha. Se você tiver que fazer uma dívida, você tem que fazer uma dívida para aumentar alguma coisa na sua vida". É assim que eu prezo a minha consciência política. Ou seja, nós não temos que gastar o que não temos, temos que gastar corretamente aquilo que nós temos. E é por isso que nós estamos fazendo um estudo muito sério sobre o orçamento de 2022, porque é o seguinte: você faz uma discussão reversa, uma discussão inversa. Ou seja, você tem um país que tem uma economia crescendo acima daquilo que o mercado imaginou. Você tem um país que está gerando mais empregos. Em 17 meses, foram 2,4 milhões de empregos formais no país. Você teve a massa salarial crescendo 11,5%. Você tem a situação muito boa do ponto de vista econômico, se você comparar o Brasil que nós pegamos, quando nós chegamos. A situação está tendo mais investimento, tem o PAC, são R$ 1,7 trilhão de investimento. O PAC está todo lançado, todo em andamento, e é por isso que eu digo que, esse ano, é o ano da nossa colheita. Ou seja, nós plantamos no ano passado, semeamos esse ano e agora nós vamos colher tudo aquilo que nós fizemos. E é por isso que eu digo para você, Mílton, não tenha dúvida que o Brasil vai terminar muito bem. Quando eu terminar o meu mandato, o Brasil vai estar muito bem — como esteve em 2010. Como esteve em 2010. A economia vai continuar crescendo, o emprego vai continuar crescendo, o salário vai continuar crescendo, a inflação vai estar controlada. Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil nesse instante: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país. Porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Então, presidente, aproveitando que o senhor tocou nessa questão do Banco Central. Começa hoje a reunião do Copom que vai decidir a nova taxa básica de juros. Expectativa do mercado financeiro é que a taxa Selic vai parar de cair. O governo já está esperando por isso e qual é o impacto na economia, na avaliação do senhor, diante da previsão de o Copom manter a taxa de juros em 10,50%.
Presidente Lula: Eu acho triste, Cássia. Eu acho muito triste, porque o Brasil não precisa disso, o Brasil não precisa disso. Há um grau de confiança no Brasil extraordinário. Eu tenho viajado o mundo, eu tenho conversado com muitos presidentes, eu tenho recebido presidentes. Eu tenho recebido presidente do FMI, tenho recebido presidente do Banco Asiático, tenho recebido presidente do CitiBank, tenho recebido presidente do Santander. Todos os bancos que eu recebo demonstram que não há país com mais otimismo do que o Brasil. Nós somos o segundo país em receber investimento externo. Ora, então, nós temos uma situação que não necessita essa taxa de juros. O Brasil não pode continuar com a taxa de juros proibitiva de investimentos no setor produtivo. Como é que você vai convencer um empresário de investimento se ele tem que pagar uma taxa de juros absurda? Então, é preciso baixar a taxa de juros, compatível com a inflação. A inflação está totalmente controlada. Agora fica se inventando discurso de inflação do futuro, que vai acontecer, que vai acontecer. Vamos trabalhar em cima do real. Realmente, o Brasil está vivendo um bom momento. A economia está andando, os empregos estão crescendo, o salário está crescendo, a inflação está caindo. Ou seja, o que mais nós queremos? O que mais nós queremos é atrair mais investimento para o Brasil e que o Banco Central se comporte na perspectiva de ajudar esse país, e não de atrapalhar o crescimento do país.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente, o senhor deixou muito claro, já na sua primeira fala, e é uma fala que o senhor sempre repete, quando o senhor diz que não vai fazer cortes e não vai prejudicar a população mais pobre. Eu quero retomar essa questão para tentar entender do senhor o seguinte: onde ocorrerão os cortes para esse ajuste necessário, que é a preocupação que a equipe econômica tem.
Presidente Lula: Olha, veja, a equipe econômica tem que me apresentar a necessidade de corte. Ontem, quando eu vi a demonstração da ministra Simone Tebet, ou seja, eu disse para ela que eu fiquei perplexo. A gente discutindo corte de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões, R$ 12 bilhões aqui e, de repente, você descobre que você tem R$ 546 bilhões em benefício fiscal para os ricos desse país. Como é que é possível? Como é que é possível? Você pega, por exemplo, a Confederação da Agricultura, que tem uma isenção de quase R$ 60 bilhões. Você pega o setor de combustível, que tem isenção de quase R$ 32 bilhões. Ou seja, você vai tentar jogar isso em cima de quem? Do aposentado, do pescador, da dona de casa, da empregada doméstica? Então, eu quero discutir com seriedade.
Eu pretendo, primeiro, ter as informações corretas. Se eu tiver as informações corretas e tiver alguma coisa errada, o que tiver errado vai ser consertado. Eu vou repetir: se tiver alguém recebendo o que não deve receber, vai parar de receber. Se tem alguém colocando dinheiro em lugar que não deva colocar, vai parar. Mas eu quero ver, porque eu acho que o problema do Brasil não é esse. O problema do Brasil é que a parte mais rica do Brasil tomou conta do orçamento. Porque é muita isenção. É muita desoneração. É muito benefício fiscal sem que haja a reciprocidade para o mundo do trabalho.
Quando eu fui presidente, em 2008, que veio a crise nascida nos Estados Unidos, nós fizemos a primeira isenção nesse país. R$ 47 bilhões de desoneração. Como é que a gente fazia a desoneração? Você juntava os empresários do setor que você queria beneficiar, você sentava os trabalhadores daquele setor e você discutia uma contrapartida. "Tudo bem, nós vamos dar a desoneração, mas você vai ter que garantir que, durante tanto tempo, você não vai mandar trabalhador embora ou você vai garantir que você vai contratar um grupo de trabalhadores". Aí você tinha uma compensação, mas, simplesmente, desonerar sem nenhuma contrapartida, é dar dinheiro para quem já tem muito dinheiro. É encher o bolso de quem já está com bolso cheio. E não é isso que o Brasil precisa. O Brasil precisa que a gente determine, de uma vez por todas, eu vou repetir, Mílton, muito dinheiro na mão de poucos, o resultado do país é miséria, fome, desnutrição e violência. Pouco dinheiro na mão de muitos significa distribuição de renda e significa elevar o nível de participação da sociedade no bolo que ele próprio ajudou a construir.
Eu vou lhe dar um exemplo, Mílton. Quando teve a questão climática no Rio Grande do Sul. Você acha que é fácil você discutir, com base no orçamento apertado, como é que você vai ajudar o Rio Grande do Sul? Qual foi a minha decisão? A minha decisão foi a seguinte: primeiro, a gente tem que tratar o Rio Grande do Sul como uma coisa totalmente anormal. E, se é uma coisa anormal, a gente vai ter que passar por cima da normalidade que a gente está habituado a trabalhar. Então, nós vamos ter que arrumar dinheiro para ajudar o Rio Grande do Sul, porque o Rio Grande do Sul é um estado importante para o Brasil e foi vítima de uma catástrofe que ninguém imaginava que pudesse ser. E nós estamos fazendo para o Rio Grande do Sul aquilo que jamais alguém imaginou que a gente pudesse fazer. E aquilo que jamais foi feito na história do Brasil.
Você que é um jornalista bem informado, Mílton, você pode tentar se informar para saber o seguinte: se, em algum momento de algum desastre climático, houve o comportamento do governo que está havendo com o Rio Grande do Sul. Nós assumimos o compromisso de construir a casa, assumimos o compromisso de reconstruir as escolas, assumimos o compromisso de recuperar a questão da saúde, assumimos o compromisso de dar R$ 5.100, assumimos o compromisso de adiantar dois salários mínimos. Ou seja, tudo que foi possível fazer, a linha de crédito do BNDES, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil. Ou seja, foi muita coisa que nós estamos fazendo e ainda acho que a gente tem que fazer mais, porque o Rio Grande do Sul é um estado importante, é um povo trabalhador, é um povo que ajudou a construir o Brasil e nós precisamos cuidar do Rio Grande do Sul com muito carinho. Se a gente fosse olhar o orçamento, a gente não podia fazer. Mas a gente resolveu fazer, porque é uma necessidade vital para o Brasil.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Quando o senhor se referiu agora à questão da desoneração, passa também porque entraram as prefeituras nesse processo. E aí precisaria convencer o Senado Federal a mudar esse cenário, se fosse o caso. Agora, há outros temas quando se fala sobre cortes que, pelo que o senhor falou, estão, aparentemente, descartados. Desvinculação da previdência ao salário mínimo, mudança de piso de saúde e educação, reforma de aposentadoria dos militares. Isso tudo está descartado?
Presidente Lula: Não, nada é descartável, Mílton. Nada é descartável. Eu sou um político muito pragmático. Na hora que as pessoas me mostrarem as provas contundentes que de as coisas estão equivocadas ou estão erradas, a gente vai mudar. Você se esquece, você não pode se esquecer, que fui eu, logo em 2003, que fiz a reforma da Previdência Social, uma situação muito difícil. E eu não tenho nenhum problema de mexer nas coisas que estão erradas, mas nós precisamos discutir com muita seriedade, porque, neste país, toda vez que você tenta discutir algum assunto de orçamento, você joga as custas nas costas do povo. E eu não sou assim.
Eu vou dizer para você uma coisa: eu quero muita serenidade para governar esse país. Eu tenho consciência do que nós já passamos, eu tenho consciência do que nós enfrentamos, eu tenho consciência de como eu enfrentei esse país, porque é muito engraçado, Mílton, quando eu peguei esse país de volta, o nosso antecessor tinha gasto o equivalente a R$ 300 bilhões na perspectiva de ganhar as eleições, distribuindo dinheiro para todo mundo. Nós estamos tentando consertar, você lembra que nós pegamos o governo sem orçamento. Nós precisamos fazer uma PEC da Transição. Foi a primeira vez, na história do Brasil, que um governo começa a governar antes de tomar posse. E, aí, teve a contribuição do Congresso Nacional, que foi muito valiosa, para que a gente pudesse chegar onde nós chegamos. E, daqui para a frente, a perspectiva minha é só melhorar. Eu digo todo dia, Mílton: "se tiver dois brasileiros otimistas, eu sou um deles". E vou provar. Eu vou provar, como eu provei em 2010. Como eu provei em 2010 que a economia ia crescer. E vou provar agora que nós vamos terminar o governo com economia crescendo. O Brasil vai se transformar na 7ª ou 6ª economia do mundo, outra vez. O nosso PIB vai crescer, a massa salarial vai crescer. E, se sobrar, Cássia, até você e o Mílton vão receber um reajuste de salário, por conta que a CBN vai estar ganhando mais dinheiro, vai estar vendendo mais publicidade e vai poder pagar um pouco mais para vocês.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Agora, presidente, queria ouvir o senhor a respeito de um outro tema que mexe bastante com a economia do país, que é a taxa que ficou conhecida como taxa das blusinhas. Nós sabemos que, inicialmente, o senhor já tinha se manifestado contrariamente, mas quero saber agora se o governo vai manter o compromisso que assumiu com o Congresso Nacional e sancionar essa cobrança.
Presidente Lula: Ô, Cássia, essa é uma briga muito esquisita, porque é coisa do Brasil. Como que quem governa o Brasil, a maioria dos deputados, a maioria dos senadores, é todo mundo de classe média, de classe média alta, ou seja, veja o que está acontecendo: quando alguém viaja, de classe média, e vai para o exterior, ele tem direito a gastar até 2.000 dólares sem pagar imposto. Se ele viajar doze vezes por semana — e 24 milhões de pessoas viajam —, nós vamos ter aí um déficit de cento e poucos bilhões de reais. O que eu fico meio boquiaberto é o seguinte: ou seja, quem é que compra essas coisas de 50 dólares. Eu não sei se você compra, Cássia. A minha mulher compra. Eu falei para o Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços]: "a sua mulher compra". Eu falei para o Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda]: "a tua filha compra, a tua mulher compra". Porque são coisas que estão aí, baratinhas, coisa para pintura, para cabelo e um monte de coisa. Sabe, 50 dólares? Ora, por que taxar 50 dólares? Por que taxar o pobre e não taxar o cara que vai no free shopping gastar 1.000 dólares? É apenas uma questão de consideração com o povo mais humilde desse país. A pessoa gastar 50 dólares ter que pagar imposto e o cara que gasta 2.000 não paga? Gasta 2.500 e não paga. Então, essa foi a minha divergência, por isso eu vetei. Eu vetei. Depois, houve uma tentativa de fazer acordo, houve um acordo e eu assumi o compromisso com o Haddad de que eu aceitaria colocar o PIS e Cofins para a gente cobrar, que dá mais ou menos 20%. Isso está garantido, isso está garantido. Eu estou fazendo isso pela unidade do Congresso Nacional e do governo. E das pessoas que queriam, porque eu, pessoalmente, acho equivocado a gente taxar as pessoas humildes que gastam 50 dólares.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Os empresários brasileiros do setor de varejo reclamam que isso gera uma desigualdade, se não haveria, então, um benefício para as empresas brasileiras para compensar qualquer tributo não cobrado dessas compras no exterior.
Presidente Lula: Eu, às vezes, fico meio preocupado, Mílton, porque os empresários precisam provar que isso está acontecendo, apenas discurso. Porque as coisas que são vendidas nesses 50 dólares, normalmente, não estão nas lojas que estão se queixando. Normalmente, não estão. Eu não vou citar nome de loja aqui, mas, normalmente, não estão. Normalmente, não estão. Então, na verdade, é o seguinte: teve um período em que as pessoas se queixavam dos camelôs. "Os camelôs estão atrapalhando a vida do comércio varejista, precisa expulsar os camelôs". E aí a gente descobriu que, muitos camelôs, eram eles próprios que colocavam para vender na frente da empresa. Agora vem com essa história de prejuízo. Tem que provar que tem prejuízo. Agora, eles nem discutem com o governo, eles vão diretamente para o deputado e pedem para fazer uma emenda. Essa emenda da blusinha entrou no Programa Mover, que não tinha nada a ver com isso. Foi um jabuti colocado no Congresso Nacional. E aí você tem que ficar transformando esse jabuti em realidade, sem nenhum critério. Então, isso me deixou irritado, profundamente irritado.
Eu conversei com o Haddad, conversei com o Lira [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados], conversei com o Pacheco [Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal], conversei com o Alckmin. É preciso que a gente leve mais a sério essas questões das queixas de alguns setores empresariais, porque, veja, eu tô recebendo, Milton... A indústria automobilística faria 40 anos que não fazia um investimento nesse país. A indústria automobilística agora anunciou R$ 129 bilhões até 2028, R$ 129 bilhões. Quando eu deixei a presidência, em 2010, esse dado eu faço questão de contar, é o seguinte: quando eu deixei a presidência, em 2010, a indústria automobilística brasileira vendia 3,8 milhões carros. Quando eu voltei, a indústria brasileira vendia apenas 1,8 milhão. Metade. Aí quando o pessoal do aço vem dizer para mim que "é preciso taxar o aço chinês, porque está atrapalhando a nossa venda", eu disse para eles: "o que está atrapalhando a vida de vocês é que a gente está produzindo hoje metade dos carros que a gente produzia há dez anos atrás". E carro significa aço. A gente não está fazendo mais plataforma da Petrobras no Brasil. Significa aço. A gente não está fazendo mais sonda. Significa aço. E vocês vem se queixar da China? Você tem é que brigar para esse país crescer, para produzir mais carro, produzir mais geladeira, produzir mais fogão, produzir mais plataforma, produzir mais navio. Aí vocês vão perceber que vai ter aço para vocês venderem. E também a construção civil voltar a crescer, porque a construção civil voltou a crescer outra vez com o Minha Casa Minha Vida e, se Deus quiser, não para mais.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Presidente, quero voltar uma última vez à questão dos juros e do Banco Central, que é um tema bastante caro a todos nós. A mudança no Banco Central, com a saída de Campos Neto, na avaliação do senhor, reverte a política de juros? O governo, de alguma maneira, vai ter maior interferência? O Gabriel Galípolo [diretor de Política Monetária do Banco Central], que é cotado para a presidência do Banco Central, é um nome com o qual o governo acredita que estará mais bem sintonizado?
Presidente Lula: Cássia, sabe qual é a vantagem que eu tenho sobre você nessa pergunta? É que eu tenho muito tempo de experiência, então já lidei muito tempo com o Banco Central. E o [Henrique] Meirelles era o meu presidente do Banco Central. E eu duvido que esse Roberto Campos [presidente do Banco Central] tenha mais autonomia do que tinha o Meirelles. Duvido. Duvido. O que é importante é saber a quem que esse rapaz é submetido. Como é que ele vai em uma festa em São Paulo, quase que assumindo a candidatura a um cargo do governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele? Então, veja, eu trato com muita seriedade, muita seriedade. Eu vou escolher um presidente do Banco Central que seja uma pessoa que tenha compromisso com o desenvolvimento desse país, com o controle da inflação, mas que também tenha na cabeça que a gente não tem que só pensar no controle da inflação, nós temos que pensar também em uma meta de crescimento. Porque é o crescimento econômico, é o crescimento da massa salarial, que vai permitir que a gente possa controlar a inflação com uma certa tranquilidade.
Então, como eu já fui presidente por oito anos — e é importante, viu, Cássia, você saber que só tem duas pessoas com mais experiência do que eu em governar o Brasil: Dom Pedro, que governou 60 anos, e Getúlio, que governou 30, de 30 a 45 e, depois, de 50 a 54. No restante, eu sou o que mais tem experiência em lidar com essas coisas. Eu já vivi esse nervosismo. O mercado, muitas vezes, sinceramente, muitas vezes o mercado não contribui com o país, porque especulam, porque tem mentira na imprensa, porque vende coisas falsas. Eu tava dizendo que eu me reuni com quatro bancos internacionais que vieram para o Brasil. Vieram para o Brasil. Eu me encontrei com a presidenta do FMI, em Hiroshima, e ela me disse: "o Brasil vai crescer só 8%". Eu falei: "a senhora está equivocada, a senhora não conhece o Brasil. O Brasil vai crescer mais". Quase crescemos 3%, 2,9%. Agora, nós vamos crescer outra vez. Vamos crescer, porque nós estamos fazendo com que a economia cresça. Criamos um programa de Nova Indústria Brasil para fazer investimento em indústria, estamos tentando fazer investimento na bioeconomia. Estamos tentando trabalhar a transição energética com uma força extraordinária. Nunca um país teve tanta possibilidade no setor energético como nós temos agora. E nós não vamos jogar fora essas oportunidades. Então, na hora que eu tiver que escolher o presidente do Banco Central, vai ser uma pessoa madura, calejada, responsável, alguém que tenha respeito pelo cargo que exerce, que tenha respeito, e alguém que não submeta às pressões de mercado. Alguém que faça aquilo que for de interesse dos 203 milhões de brasileiros.
Jornalista Mílton Jung (CBN): O senhor fez uma citação agora a Roberto Campos Neto, a propósito de uma reunião ou de uma atividade, uma cerimônia que aconteceu em São Paulo, com a presença do governador de São Paulo, governador Tarcísio, e até citou que ele parece estar quase que se lançando para um cargo no governo Tarcísio. Você acredita que o governador Tarcísio tenha interferência nas decisões do Roberto Campos Neto no Banco Central?
Presidente Lula: Olha, eu, sinceramente, tem mais do que eu. Porque veja, não é que ele encontrou com o Tarcísio em uma festa, a festa foi do Tarcísio para ele, foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez pra ele. Certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhoso a taxa de juro de 11,25 ou de 10,50. Certamente está achando maravilhoso. Então, quando ele se auto lança a um cargo eu fico imaginando, nós vamos repetir o [Sérgio] Moro? O presidente do Banco Central está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez? O paladino da justiça, com o rabo preso a compromissos políticos. Então, o presidente do Banco Central tem que ser uma figura séria, responsável e ele tem que ser imune aos nervosismos momentâneos do mercado. Ele tem que dirigir a política monetária desse país levando em conta que nós precisamos controlar a inflação e crescer.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Presidente, nós recebemos muitas perguntas de ouvintes, perguntas que eles gostariam de fazer ao senhor. Quero trazer uma delas aqui, nosso ouvinte Silvio de São Paulo, aproveitando a oportunidade do senhor ter falado aí e já teve muita experiência em estar à frente do governo aqui no Brasil. E aí o que o Silvio pergunta, que eu imagino que seja a pergunta de muita gente também. Comparando os seus outros mandatos com o atual, quais são as principais diferenças que o senhor identifica como claras? E aí pensando, por exemplo, no contexto dos Três Poderes no Brasil, na relação que hoje o senhor tem com o Congresso Nacional.
Presidente Lula: Ô Cássia, obrigado pela pergunta e obrigado pelo ouvinte que fez essa pergunta porque me dá a oportunidade de explicar algumas coisas. Quando eu peguei o governo em 2003, eu peguei um governo com sinal de crise econômica, mas era um governo que tinha passado por um momento também de crescimento depois de um momento de queda e depois estava no processo de recuperação. Nós levamos um tempo, colocamos a casa em ordem e conseguimos fazer o país crescer. Agora não. Agora nós pegamos o país semidestruído. Nós encontramos esse país como se fosse a Faixa de Gaza. Totalmente destruído, todas as políticas públicas, nós tivemos que reconstruir ministério por ministério. Nós, até hoje, temos ministério que tem 30% dos funcionários que tinha em 2010 quando eu deixei a presidência. Então, não é possível você pensar em reconstruir o Brasil, cuidar do meio ambiente, cuidar da Amazônia, cuidar do Pantanal, cuidar do Pampa, cuidar do Cerrado, cuidar da Caatinga, cuidar do pobre, cuidar da educação, se você está com o governo desmontado. Então, nós passamos um tempo montando o governo. Um tempo muito grande montando o governo. Abrindo concurso, fazendo concurso, tentando construir. Agora, as coisas estão mais ou menos alinhadas. Ainda faltam algumas coisas. A companheira Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], por exemplo, ela tem 700 funcionários a menos no Ibama para poder controlar as coisas.
Então, eu encontrei o governo dessa vez muito pior e vou deixá-lo muito melhor. Qual é o meu compromisso? O meu compromisso é fazer com que o país volte a crescer de forma serena, madura e consistente. É que a massa salarial volte a crescer de forma consciente, madura e consistente, é que a gente recupere o salário mínimo a cada passo que a gente puder para que o salário mínimo melhore a qualidade de vida das pessoas. Se a gente conseguir fazer isso, o que vai acontecer? Todo mundo vai ganhar. O empresário vai ganhar porque o povo vai virar consumidor dos seus produtos. O trabalhador vai ganhar porque vai viver melhor. Agora, qual é a coisa extraordinária que eu tenho? É que eu tenho um governo, dessa vez, um governo mais experiente. Esses ministros que foram governadores de estado eles prestam um trabalho incomensurável ao governo. A agilidade, a rapidez de fazer as coisas. Então, eu estou mais tranquilo. E vou dizer uma coisa para você, Cássia. Eu já fiz, nesses 16 meses, mais política de inclusão social do que eu fiz durante os oito anos passados. Eu não vou ficar citando as políticas aqui, Mílton, mas eu vou pedir para a minha assessoria mandar para você todas as políticas de inclusão social que nós já lançamos. Agora, o fato de ter lançado não significa que ela já chegou na ponta. Ela vai chegar na ponta, mas leva um período para ela chegar na ponta. E nós estamos trabalhando isso. Então, nós fizemos muita coisa. Eu posso dizer pra vocês uma coisa que eu utilizava nos outros mandatos. Nunca antes na história do Brasil um governo fez em tão pouco tempo a quantidade de coisa que nós fizemos nesse país. Nunca antes na história do Brasil.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente, essa pergunta que o ouvinte acabou fazendo pra nós aqui por nós, passa por uma outra dimensão, que o senhor não chegou a citar na sua resposta, que é a forma de relação com o Congresso Nacional. Mudança na forma de se relacionar com o Congresso Nacional. E aí eu aproveito, inclusive, uma fala de um dos seus líderes, Jaques Wagner (senador), quando ele falando do senhor disse, entre outras coisas, que “você teve um presidente Lula, agora tem outro, o pique é o mesmo, a disponibilidade pode não ser a mesma”. O senhor estaria cansado desse varejo da política, mudou a forma de ter que negociar com esse Congresso?
Presidente Lula: Mudou muito, Mílton. Mudou muito.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Para melhor ou para pior?
Presidente Lula: Obviamente que... Deixa eu te contar uma coisa. No governo passado, é que estão pedindo para eu não citar o nome do governo anterior. Então, no governo passado, na verdade, como ele não governou o país, como ele não governou porque ele governou a indústria de mentira, de fake news, o que ele fez? Ele deixou o Guedes (Paulo Guedes, ex-ministro da Economia) fazer o que quisesse na economia e ele deixou o Congresso fazer o que quisesse. Ele não se preocupava com o orçamento, o orçamento era do Congresso. Então, o Congresso se apoderou do Congresso. O Congresso quando criou o orçamento secreto era a mesma quantidade de dinheiro que o governo tinha para fazer investimento, o Congresso tem em emenda. O que nós conseguimos mudar? Nós conseguimos primeiro conversar muito com o Congresso. Os ministros têm conversado muito com o Congresso. Os líderes têm conversado muito com o Congresso. Eu tenho conversado, o Haddad tem conversado. Nós temos, fazendo a coisa andar. Nem sempre com a rapidez que a gente queria, mas é importante a gente levar em conta também que o Congresso, muitas vezes, tem contribuído.
Aprovar a PEC da Transição foi uma coisa extraordinária. Aprovar a política tributária com a pressa que o Congresso aprovou foi extraordinário para nós. E nós, agora, esperamos que haja a regulamentação. Então, veja. Você tem problema, ainda mais na política você tem problema. Eu conto sempre uma história, Mílton, que vocês se lembram. O Sarney (José Sarney, ex-presidente do Brasil) foi presidente da República e o Sarney tinha 326 constituintes e tinha 23 governadores de estados. Ele tinha muita dificuldade com o Congresso Nacional. Você está lembrado que foi o Congresso que reduziu o mandato dele. Então, veja, se você tem 326 deputados de um partido e você tem dificuldade. Imagina eu, que tem um partido que tem 70 deputados em 513, que tem nove senadores em 81. Então, você tem que exercitar a arte de conversar, a arte de conversar, de conversar, de convencer, de convencer. Nem sempre você consegue 100% do que você quer, às vezes você consegue 80%, consegue 85%, consegue 90%, às vezes você perde. Não adianta, faz parte do jogo. O Obama (Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos) foi presidente por oito anos e não aprovou nada. Então, faz parte do jogo democrático. Agora, a verdade nua e crua é que depois da experiência do governo passado, o Congresso se empoderou demais e, na minha opinião, o Poder Executivo tem ficado fragilizado na arte de exercer o orçamento da União. Esse é um dado concreto e todo mundo sabe disso.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Agora, presidente, em relação a essa questão do orçamento, que é superimportante na relação Executivo-Legislativo, existem também outras questões que acabaram se tornando evidentes recentemente. Por exemplo, o senhor acredita que de alguma maneira o Governo Federal subestimou a capacidade do Congresso, especialmente da Câmara dos Deputados, de trazer à tona pauta de costumes conservadoras, como o PL antiaborto legal?
Presidente Lula: Olha, eu não subestimei não. Não subestimei porque eles estão fazendo o papel que eles sempre souberam fazer. Nós não tínhamos a experiência nesse país de uma extrema-direita ativista como nós temos hoje. E uma extrema-direita pouco, pouco, pouco pragmática na política, e muito pragmática nas mentiras. Então, nós estamos vivendo um outro mundo, é uma outra realidade. Mas eu não subestimei o Congresso não, porque eu sei quantos partidos elegeram cada deputado, eu sei o perfil de cada partido político e eu sei do nosso tamanho. Então, nós construímos uma maioria para nos garantir governança e estamos lidando com isso. Ora, eu acho que essas pautas de costumes eu até nem gosto de discutir isso, Cássia, porque não tem nada a ver com a realidade que nós estamos vivendo, não tem nada a ver esse negócio de ficar discutindo aborto legal. O que nós temos que discutir é o seguinte: quem está abortando, na verdade, são meninas de 12, 13, 14 anos. É crime, é crime hediondo um cidadão estuprar uma menina de 10, 12 anos e depois querer que ela tenha um filho. O filho de um monstro. Então, é preciso de forma civilizada a gente discutir.
As crianças estão sendo violentadas dentro de casa, muitas vezes por padrasto. Então, como é que a gente pode achar que esse debate é um debate cru? Esse é um debate maduro que envolve a sociedade, nós temos que respeitar as mulheres. Elas têm o direito de ter um comportamento diferente e não querer. Por que que uma menina é obrigada a ter um filho de um cara que estuprou ela? Que monstro vai sair do ventre dessa menina? Então, essa discussão é um pouco mais madura. Não é banal como se faz hoje. O cidadão disse que fez o projeto para testar o Lula. Eu não preciso de teste, quem precisa de teste é ele. Eu quero saber se uma filha dele fosse estuprada, como é que ele iria se comportar. Eu quero saber como ele iria se comportar. Então, eu quero muita maturidade nessa discussão, Cássia, porque não é um tema simples. Eu disse textualmente o seguinte: eu sou pai de cinco filhos, avô de oito netos e bisavô de uma bisneta, eu, Luiz Inácio Lula da Silva, sou contra o aborto. Sabe, para ficar bem claro. Agora, enquanto Chefe de Estado o aborto tem que ser tratado como uma questão de saúde pública, porque você não pode continuar permitindo que a madame vá fazer um aborto em Paris e que a coitada morra em casa tentando furar o útero com uma agulha de tricô.
Esse que é o drama que nós estamos vivendo. Uma menina de 10 anos, 11 anos, 12 anos, ela primeiro esconde, ela não quer que o pai saiba, não quer que a mãe saiba. Ela esconde de todo mundo e quando vai cuidar já está adiantado. Então, eu acho que nós precisaríamos estar discutindo outra coisa, a gente vai ter ou não que levar educação sexual nas escolas, a gente vai ter ou não que ensinar meninas e meninos como é que deve se comportar. Porque é o seguinte: nós estamos no século 21 e nós estamos retrocedendo nessa discussão, estamos voltando atrás. E o que é triste é o seguinte: o que é triste é que um deputado apresente um projeto de lei em que o estuprador pode pegar uma pena menor do que a estuprada. O que é isso? Eu, sinceramente, achei que essa coisa não deveria nem ter entrado em pauta. Se entrou, não sei por que, mas não deveria ter entrado em pauta, porque o tema do Brasil não é esse.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente Lula, partidos que estão no seu governo não estão entregando os votos que se esperavam. Qual é o motivo disso? O que será necessário para transformar essa presença em apoio no Congresso?
Presidente Lula: Olha, veja, ô Mílton. Há muito disse me disse. Porque como há muitos comentaristas, cada um comenta o que quer. É o seguinte.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Mas nós estamos falando de voto concreto. Nós não estamos nem falando de comentários.
Presidente Lula: Deixa eu contar. O dado concreto, Mílton, é que nós aprovamos tudo que nós mandamos para o Congresso Nacional, Mílton. Não houve um projeto do Governo que foi recusado. Nós aprovamos tudo, inclusive a política tributária que estava há 40 anos no arquivo morto. Ela foi votada. Então, ô Mílton, muitas vezes as pessoas pegam uma divergência. Você sabe que eu tenho ouvido assim: “ah, porque uma pessoa próxima do Lula, que é próximo de mais alguém que é mais próximo do Lula falou tal coisa. Ah, porque alguém que conhece o Lula falou tal coisa”. Isso, na política, não existe. Quando o jornalista não tem informação ele não precisa mentir. Ele só diga que não tem informação. Ontem eu vi uma matéria, uma matéria assim: “Lula já acertou com Alcolumbre a presidência do Senado”. Eu nunca conversei com Alcolumbre sobre presidência do Senado, nunca conversei com a Câmara sobre a presidência do Senado. É um problema deles, não é do presidente da República. Mas então as pessoas vão vendendo essas boatarias e essas boatarias vão ganhando corpo, por falta de veracidade.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Mas a gente tem algumas questões. Por exemplo, aquela discussão sobre saidinha de preso era um interesse que havia, foi voto contrário. Teve vetos derrubados, teve a devolução agora dessa MP dos créditos PIS/Cofins. A desoneração, a própria desoneração da folha, né?
Presidente Lula: Mílton, vamos apenas, para os nossos ouvintes saberem de verdade o que aconteceu. A questão da saidinha. A questão da saidinha a unanimidade dos deputados era contra a saidinha. Quando ela chegou para eu sancionar, eu tomei a decisão de vetar por uma questão de princípios. Porque se a família é a base da sociedade brasileira, como é que você pode proibir um cidadão que está preso pagando uma pena, que não cometeu um crime hediondo, que não cometeu estupro, como é que você pode proibir esse cidadão de encontrar com a sua família, se a família pode ser a base de recuperação dele? Então, por isso eu tomei a decisão de vetar, foi uma decisão minha. Inclusive, a bancada do PT era favorável que eu não vetasse e eu vetei, sabendo que quando fosse para lá eu ia perder, não tem nenhum problema. Mas eu queria que ficasse para a história: “O Lula vetou a proibição da saidinha, porque o Lula acha que a família é a base da sociedade e a família é o que pode recuperar as pessoas”. É isso. Essa medida provisória agora, deixa eu lhe falar uma coisa.
Eu vetei a medida provisória da desoneração. Aí ficou acordado, que o Haddad foi lá, conversou com as pessoas e ficou acordado que ia ter uma compensação, tá? Então, o Haddad pensou uma compensação. Ora, quem é que se revoltou contra a compensação do Haddad? Os que foram desonerados. Então, na segunda-feira eu chamei o Haddad e falei: “Haddad, eu acho que é o seguinte, a melhor coisa que nós temos que fazer é retirar essa medida provisória e a gente, então, estabelecer o seguinte. A obrigatoriedade de apresentar uma saída agora não é sua Haddad, a obrigatoriedade de apresentar a saída agora são dos empresários que foram beneficiados e do Senado. Porque tem uma decisão da Suprema Corte que daqui uns dias vai cair a desoneração e vai morrer a desoneração, não vai existir mais. A única possibilidade é de existir um acordo”.
Então eu falei pro Haddad: “deixe, deixe o Senado e deixe os empresários fazerem uma proposta, não fique preocupado com isso”. A nossa preocupação é saber o seguinte. Se não tiver a proposta, cai a desoneração. É isso que vai acontecer. Eu espero que eles sejam maduros o suficiente e preparem o acordo. Eu sei que o Pacheco está muito preocupado, está muito trabalhando nisso.
Ontem à noite eu sei que houve reunião, e eu quero que eles encontrem um acerto. Mas foi por isso que eu mandei tirar a medida provisória, porque não tinha nenhum sentido você mandar uma coisa que você tinha sido, tinha apanhado na sexta, no sábado e no domingo de umas coisas que não ia resolver o problema. Mas na essência, Mílton, na essência nós aprovamos tudo que a gente queria. E aí é que você tem que perceber um milagre. Nós só temos 70 deputados. A minha base de esquerda deve ter 140 e nós temos 513 deputados. Tem que negociar? Tem. O Padilha (Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais) tem que conversar mais? Tem. Jaques Wagner tem que conversar mais? Tem. Zé Guimarães (José Guimarães, deputado federal) tem que conversar mais? Tem. Randolfe (Rodrigues, senador) tem que conversar mais? Tem. Mas é assim. Quem não gostar de conversar não faça política.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente, só duas perguntas finais pro senhor aqui. Cássia Godoy.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Lamentar o desastre climático que aconteceu no Rio Grande do Sul e, ao mesmo tempo, tentar investir na exploração de petróleo em área de importância ambiental, como a Margem Equatorial, não é contraditório?
Presidente Lula: Olha, não tem contradição, Cássia. Veja, nós temos ali perto da Margem Equatorial nós temos Guiana, nós temos o Suriname explorando o petróleo. Ali próximo de nós. Quando a gente fala Margem Equatorial, e a gente pensa que é foz do Amazonas, você sabe a que distância quilométrica está a possibilidade de ter petróleo? A 575 quilômetros da margem. Não é uma coisa que está ali na Amazônia. É uma distância maior do que quase metade do trecho Brasília-São Paulo.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Mas mesmo com essa distância, presidente. O Ibama ainda não aprovou.
Presidente Lula: Veja, deixa eu lhe falar uma coisa. Isso nós vamos ter que discutir. O problema é esse, Cássia, é que é o seguinte. O Ibama tem uma posição, o governo pode ter outra posição, em algum momento eu vou chamar o Ibama, a Petrobras e o Meio Ambiente na minha sala para tomar uma decisão. Esse país tem governo e o governo reúne e decide. Que as pessoas podem ter posições técnicas, vamos debater tecnicamente. O que não dá é pra gente dizer a priori que vai abrir mão de explorar uma riqueza que, se for verdade as previsões, é uma riqueza muito grande para o Brasil. É contraditório? É, porque nós estamos avançando muito na transição energética. Mas enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo. E tem mais uma coisa, Cássia, que a gente tem que lembrar quando a gente fala do Brasil. O Brasil é um país que tem 15% de mistura de biodiesel no óleo diesel. O Brasil tem 30% de álcool misturado na nossa gasolina. Nós já somos o diesel mais limpo e uma gasolina mais limpa, antes de qualquer inovação. E por que que a gente está apostando na transição energética? Porque entre eólica, entre solar, entre biomassa, entre hidrelétrica e entre o hidrogênio verde, o Brasil é imbatível, Mílton e Cássia. O Brasil é imbatível. E nós não vamos jogar fora essa oportunidade. Pode ter certeza.
O Brasil de 1950 a 1980 foi o país que mais cresceu no mundo. Ele cresceu uma média de 7% ao ano. Quando terminou esse crescimento o povo continuava pobre. E eu tenho fé em Deus de que nós vamos terminar fazendo esse país ter o povo menos pobre. Eu quero uma sociedade de classe média baixa, eu quero que as pessoas tenham escola de qualidade, eu quero que as crianças possam estudar. É por isso que nós fizemos um programa que alguns podem achar gastos, chamado Pé-de-Meia. Nós descobrimos que 500 mil alunos do ensino médio desistem da escola, por ano, para poder trabalhar e ajudar a família. Então, nós criamos o Pé-de-Meia para dar para essas pessoas uma bolsa de R$ 200 durante 10 meses e R$ 1 mil no final do ano para que essa gente possa, durante três anos, ter R$ 9 mil para eles seguirem a vida deles. Nós estamos incentivando essas crianças a estudarem, não desistirem da escola. Porque se ele desistir da escola com 13, 14 e 15 anos, depois o dinheiro que eu não gastei na educação eu vou gastar fazendo cadeia, contratando policial. É isso que vai acontecer, e eu tenho opção pela educação. Tenho opção. Por isso, nós anunciamos mais 100 institutos federais. E aí, Cássia, eu falo com muito orgulho.
Eu sou o único presidente da República que não tem diploma universitário, mas sou o presidente da República que mais fiz universidade, mais fiz extensões universitárias, e mais fiz institutos federais e mais coloquei dinheiro na Educação. Sabe por quê? Porque eu quero que os filhos dos trabalhadores tenham o que eu não tive. Se eu não pude estudar, eu tenho que, ao invés de ficar reclamando e lamentando que eu não consegui estudar, eu tenho que fazer com que os filhos das pessoas que têm o mesmo padrão de vida que eu tinha quando eu tinha 14 anos de idade tenham o direito de estudar. Esse é o meu sonho e a minha obsessão e ninguém me para. Até porque não existe na face da terra nenhum país do mundo desenvolvido que não tenha investido antes na educação. E o Rio Grande do Sul é um exemplo, Mílton.
O Rio Grande do Sul é um exemplo. O nosso querido e saudoso Brizola investiu muito na educação no Rio Grande do Sul. Eu lembro que um dia eu estava conversando com aquela apresentadora de televisão que depois virou senadora. Agora me foge o nome dela. Ela dizia para mim: “Presidente, sabe que eu devo o que eu sou ao doutor Leonel de Moura Brizola, porque ele me fez ter uma escola para estudar quando eu era criança. É isso que eu quero para todo povo brasileiro, Cássia. É isso que eu quero, Mílton. Eu quero que as pessoas tenham oportunidade de serem igual a vocês. Eu não quero que as pessoas sejam inferiores. Eu não quero que as pessoas durmam na rua. Eu não quero que as pessoas fiquem mendigando um prato de comida todo santo dia. Esse país pode ser construído e eu vou construí-lo com ajuda de vocês e do povo brasileiro.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente, para fechar, então, essa nossa conversa aqui. 2026. Em 2026 a previsão é de que nós vamos ter uma disputa eleitoral tão acirrada quanto a de 2022. O que nos leva a imaginar que, ao contrário da sua campanha de reeleição anterior, uma nova vitória será muito mais difícil do que foi, por exemplo, em 2006, quando, aliás, tínhamos Geraldo Alckmin do outro lado. O senhor estará com 81 anos. O senhor está disposto a mais essa disputa? Não teme ali encerrar uma trajetória...
Presidente Lula: 81 não. 80, Mílton. Não me envelheça. Eu estarei com 80, estarei no auge da minha vida.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Então, o senhor está disposto a disputar mais uma eleição mesmo sabendo que o risco é muito maior?
Presidente Lula: Veja, deixa eu lhe falar uma coisa. Eu, primeiro, não quero discutir reeleição e eleição em 2026 porque eu tenho apenas um ano e sete meses de mandato. Eu quero cumprir aquilo que eu prometi ao povo brasileiro. Quando chegar o momento de discutir, tem muita gente boa para ser candidato. Eu não preciso ser candidato. Agora, presta atenção no que eu vou te falar. Se for necessário ser candidato para evitar que os trogloditas que governaram esse país voltem a governar, pode ficar certo que meus 80 anos virará em 40 e eu poderei ser candidato. Mas não é a primeira hipótese, nós vamos ter que pensar muito. Eu sei que eu vou estar com 80 anos.
Eu tenho que medir qual é meu estado de saúde, qual é minha resistência física. Porque eu quero ter responsabilidade com o Brasil, mas não vou permitir que esse país volte a ser governado por um fascista. Não vou permitir que esse Brasil volte a ser governado por um negacionista como nós já tivemos. Esse país precisa de muita verdade para se transformar o país maravilhoso que nós temos que construir.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito obrigado pela sua gentileza de nos atender aqui no jornal da CBN, um bom dia para o senhor.
Presidente Lula: Obrigado, Mílton. Obrigado, Cássia. E até a próxima oportunidade, se Deus quiser.
Jornalista Cássia Godoy (CBN): Muito obrigada, presidente.
Jornalista Mílton Jung (CBN): Muito obrigado. Conversamos, portanto, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.