Entrevista concedida pelo presidente Lula à Rádio Verdinha (CE)
Jéssica Welma – Olá, muito bom dia, quase boa tarde aqui em Fortaleza. Eu sou Jéssica Welma, editora de política da Verdinha FM 92.5, do Diário do Nordeste e da TV Diário. Eu estou agora, nesse momento, aqui em Fortaleza e vou conversar com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que cumpre a agenda hoje em Fortaleza. Presidente, seja muito bem-vindo ao Ceará. É um prazer recebê-lo para conversar com a nossa audiência.
Presidente Lula – Bom dia, Jéssica. O prazer é meu de estar outra vez aqui no Ceará, um estado que eu tenho uma relação extraordinária, sempre fui muito bem tratado aqui. E é um estado que eu aprendi a conhecer, sobretudo depois que os partidos mais progressistas voltaram a governar o estado, depois a experiência do Camilo [Camilo Santana, ministro da Educação e ex-governador do Ceará] e agora com o Elmano [Elmano de Freitas, governador do Ceará]. É um estado que nós estamos fazendo fortes investimentos, é um estado que nós queremos fazer fortes investimentos em educação, em hospitais universitários, e nós viemos hoje anunciar um pacote de coisas que vamos fazer aqui, tanto de hospitais universitários como novos campus universitários e novos institutos federais. Só para você ter ideia, Jéssica, quando eu cheguei na presidência em 2003, o estado do Ceará tinha cinco institutos técnicos. Quando eu deixar a presidência agora, vai ter 40 institutos. Por quê? Porque nós queremos acreditar que somente a educação é que pode salvar esse país e fazer esse país se transformar num país altamente desenvolvido, altamente competitivo, e um país capaz de disputar com qualquer outro país do mundo em tratando de competência tecnológica.
Jéssica – Presidente, e antes de a gente começar aqui com as perguntas, eu aproveito para convidar você que nos acompanha. Nós estamos ao vivo na Verdinha, 92.5, no FM, você pode nos acompanhar pelo rádio e também pela TV Diário, pelo YouTube do Diário do Nordeste, pelos canais da Empresa Brasil de Comunicação. Temos aí som e imagem para quem quiser acompanhar esse nosso bate-papo. E, presidente, aproveitando que o senhor inclusive já antecipou que hoje tem esse lançamento aqui no Ceará de obras relacionadas ao ensino superior, tem também entrega de habitação, eu gostaria de saber por que essas temáticas nessa visita, que é a terceira do senhor ao Ceará esse ano, por que essas áreas e por que aqui no Ceará?
Presidente Lula – Eu vou lhe dizer por que esse tema, por que essa área e por que o Ceará. Primeiro, porque nós assumimos o governo dia 1º de janeiro de 2023, com o estado brasileiro totalmente destruído. Ou seja, quase todas as políticas de inclusão social que nós tínhamos começado a fazer no meu governo, depois da Dilma [Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil] deu continuidade, foram paralisadas depois do impeachment da Dilma e durante o governo anterior. Nós percebemos de forma muito grande a quantidade imensa de escolas paralisadas, de creches paralisadas, de hospitais paralisados. Só para você ter ideia, eu vou inaugurar hoje um conjunto habitacional de quase 460 casas que poderia ter se inaugurado em 2018. Faltava 2% para acabar aquele conjunto habitacional. Simplesmente não foi feito nada. Então, nós estamos correndo atrás de duas coisas. Primeiro, tentar fazer com que todas as obras que estavam paralisadas sejam retomadas e às vezes é difícil, porque algumas já tinham vencido o contrato, algumas estão deterioradas, e você precisa fazer um novo contrato, uma nova licitação. E por isso demorou um pouco mais, mas nós estamos fazendo isso agora. E nós anunciamos um PAC de 1 trilhão e 700 bilhões de reais para o Brasil inteiro, dentre os quais o Ceará terá mais de 45 bilhões de reais. E o que é mais importante é que nós estamos começando agora a colher aquilo que nós plantamos em 2003. A gente começou a recuperar, por isso que o nosso lema é de reconstrução do Brasil. Por quê? União e reconstrução. Porque nós encontramos um país desmontado, você não tinha mais Ministério da Cultura, você não tinha Ministério da Pesca, você não tinha Ministério da Mulher, você não tinha Ministério dos Povos Indígenas. Nós tivemos que criar tudo outra vez. E criar a estrutura, e fazer concurso, e colocar gente, e tentar fazer com que a máquina voltasse a funcionar. Então, eu disse o seguinte, nós passamos o primeiro ano de 2003 semeando a terra, capinando, tirando tudo que é carrapicho que tinha, a terra está pronta, nós adubamos ela, nós plantamos a semente e agora é época da colheita. Então a minha viagem aqui já é a colheita daquilo que nós estamos anunciando de verdade no Ceará para acontecer. É mais seis de escolas técnicas, é mais, sabe, vários campus universitários e é mais dinheiro para o hospitais universitários. Além da inauguração de casa, porque além dessas 460, tem muitas outras casas para vir inaugurar no estado do Ceará até 2026.
Jéssica – Inclusive, presidente, você falou que essa já é uma etapa de colheita, mas ainda temos mais de dois anos de governo pela frente. E aí eu aproveito, inclusive, para saber se dentro de todo esse projeto do governo, para essas obras, essa expansão do ensino superior, há recursos também para manutenção desses equipamentos. Porque nos últimos anos, mesmo com as expansões que tivemos nos anos atrás, há hoje algumas críticas ainda pela precariedade de uma estrutura, pela dificuldade de manter. Porque é um custo, às vezes, tão alto quanto construir.
Presidente Lula – Mas, Jéssica, eu acho que as pessoas têm razão de reclamar. Eu acho que a imprensa está correta quando denuncia que tem universidade que não está recebendo o recurso adequado. Agora, é importante as pessoas saberem que nós voltamos há apenas um ano e seis meses e que esse governo foi governado durante três anos por aqueles que deram o golpe da Dilma e depois foi governado por quatro anos por outra pessoa que desgovernou esse país. Então, o que nós estamos fazendo é reconstruindo as coisas. Nós anunciamos na semana passada no Palácio cinco bilhões e meio [de reais] do PAC para que a gente possa dotar as nossas universidades de condições de funcionalidade. Nós colocamos dinheiro para construir laboratório, para construir nova sala de aula, porque muitas universidades que eu comecei a fazer em 2006, 2007, 2008, elas ficaram paralisadas. Os laboratórios não foram feitos, os refeitórios para os estudantes não foram feitos e nós agora estamos refazendo aquilo que já era para estar pronto há dez anos atrás.
Então as pessoas precisam compreender que muitas vezes reconstruir é mais difícil do que começar uma coisa nova. E nós estamos reconstruindo porque nós não vamos abandonar nenhuma obra, nenhuma obra que foi paralisada nesse país. Nós vamos recuperar todas, porque o povo brasileiro precisa disso. Então, nós estamos nessa fase extraordinária que eu acho, e nós temos uma preocupação com a educação. Veja, eu já convoquei duas reuniões com todos os reitores desse país. Antes de eu chegar na presidência, Jéssica, nenhum presidente da República, nenhum, você pode pesquisar, você que é uma jornalista bem informada, nenhum presidente da República se reunia com reitores. Pois eu todo ano convoco todos os reitores das universidades e todo o reitor dos institutos federais. Por quê? Porque eu quero ouvir reclamação. Eu quero que eles me digam o que está acontecendo, o que está bom, o que está ruim, porque na medida que eles cobram de mim, eu cobro deles também. Aí é uma via de duas mãos. Eles cobram e eu cobro. Eles me entregam e eu entrego. É assim que a gente vai fazer esse país se transformar num país altamente civilizado, num país moderno, num país em que as pessoas tenham perspectiva de vida. As pessoas nascem, ficam adultas, depois as pessoas casam com as suas famílias, muitas vezes sem nenhuma esperança. O que nós queremos é dar a seguinte esperança para o povo. Sobretudo para o pai e para a mãe. A gente vai garantir que o seu filho, independentemente do berço em que ele nasceu, ele vai ter a oportunidade de fazer um curso técnico, de fazer a universidade. Eu não tenho universidade, Jéssica, eu tenho um curso técnico que eu fiz no Senai. Graças a esse curso, eu aprendi a ganhar mais, eu tive mais estabilidade no emprego, eu fui para o sindicato e virei presidente da República. Então, o que eu quero é que a meninada de hoje tenha a oportunidade que eu não tive no passado, mas que eu acho que todo filho de brasileiro, independente da origem social, seja rico ou seja pobre, todos, não importa que seja preto ou seja branco, todos, sem distinção, têm o direito de ter a oportunidade de estudar, de trabalhar, de ter acesso à cultura, ao lazer, construir família e viver harmonicamente a sua vida.
Jéssica – Presidente, e pensando nessa meninada mesmo das universidades, nessa oportunidade, acho que é impossível a gente não falar dessa situação da greve atual, de professores e de servidores. Já são três meses de greve, a gente já está encerrando um semestre, seria aí uma conclusão de semestre no fluxo normal. Tem toda uma comunidade acadêmica que está prejudicada nesse processo. Eu gostaria de saber por que está tão difícil chegar a um desfecho? O que o governo pode ceder ou não pode ceder?
Presidente Lula – Ô Jéssica, deixa eu te dizer uma coisa. Se tem um assunto que eu gosto de discutir é greve. Porque eu nasci na greve. Veja, eu acho que todo e qualquer movimento de trabalhadores tem o direito de fazer greve e reivindicar. O que as pessoas não podem esquecer é o que já foi feito. É o que já foi oferecido. Veja, nós oferecemos, em média, entre 28% e 43% de reposição das pessoas. As pessoas acham... nós demos muitos benefícios que muita gente sequer acreditava que a gente fosse fazer. Então, nós apresentamos um pacote e nós demos 9% antecipado ano passado. Eu, às vezes, fico triste porque ninguém agradeceu os 9% e estão fazendo uma greve dizendo que é por 4,5 que nós não demos nada esse ano. Ora, mas a gente não deu do que a gente não pode dar isso não significa que a gente não possa nos anos seguintes dar mais do que os 4,5%. Eles só têm que entender que nós estamos apenas num ano e seis meses no governo. Que nós estamos fazendo, em tão pouco tempo, aquilo que os outros nos fizeram aqui no Ceará e no Brasil, desde 2016, quando a Dilma sofreu o impeachment. Então, foram quase oito anos de estagnação nesse país. E nós estamos retomando isso e vamos colocar as coisas no lugar.
Portanto, eu disse na reunião com os reitores, Jéssica, na reunião com os reitores não foram eles que falaram de greve. Fui eu e o Camilo que falamos da greve. Estava falando da necessidade. Era importante pensar o seguinte: é importante analisar o que vocês têm na mão. Eu até contei uma história. Eu, quando nasci no movimento sindical, eu era muito radical. Então, eu tinha o costume de fazer reivindicação e eu dizia 80% ou nada, 100% ou nada. Chegou um momento que eu aprendi que, muitas vezes, entre 100 e 0 tem muita coisa. Tem 40, tem 50, tem 60. E, muitas vezes, com a radicalidade, eu fiquei sem nada. Então, eu disse para os reitores, é importante que lembrem que vocês não estão prejudicando o governo. Vocês não estão prejudicando o Lula. Vocês estão prejudicando, na verdade, são os alunos que estão perdendo bons dias de aula, boas horas de aula. Eu espero que tenham compreensão e espero que eles saibam que, no meu governo, não falta oportunidade de conversar, de negociar.
Ô, Jéssica, quando eu convidei o Camilo para ser ministro da Educação, não tinha outra razão a não ser a qualidade da educação que foi feita no Ceará, sobretudo no ensino fundamental. Não foi pelos belos olhos do Camilo. Não foi pelos 80% de aprovação que ele tinha, de 85%. Ele teve mais votos aqui do que o Putin na Rússia. Ou seja, parece que era unanimidade no estado. Mas eu chamei ele porque todos os indicadores, de todos os indicadores, seja de iniciativa privada ou de IBGE, provava que o Ceará tinha conseguido fazer melhor educação no ensino fundamental. Então, o Camilo foi para ser meu ministro por isso. Porque aqui, no Ceará, a educação funcionou, ela deu resultado, e é isso que nós queremos que tenha resultado no Brasil, Jéssica. Que a educação do Brasil seja melhor do que aquela que vocês conseguirem implantar no estado do Ceará, que continua sendo o estado que tem os melhores indicadores educacionais do Brasil.
É impressionante, Jéssica. Eu vou lhe contar uma pequena história. Em 2005, eu recebi uma professora do IMPA, do Instituto de Matemática Aplicada, que foi me levar dez crianças que tinham ganhado medalha de ouro na Olimpíada da Matemática. Naquela reunião que eu fiz com essa professora, chamada Suely Druck, essa professora me contou que os estados que tinham mais gente na Olimpíada eram o Ceará e o Piauí. Dois estados do Nordeste, dois estados pobres. Não era São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais. E é muito engraçado que eles são campeões de medalha de ouro. São campeões de medalha de ouro. Ou seja, é impressionante. Eu não esqueço nunca na minha cabeça que o primeiro menino que ganhou a medalha de ouro do Ceará era um menino tetraplégico que o pai levava ele para trabalhar num carrinho de pedreiro. Ele deitado no carrinho, o pai levava ele para a escola. Esse menino ganhou duas vezes medalha de ouro.
Então, eu só sou obrigado a acreditar que a educação aqui funcionou mais do que em outros lugares. Então, é essa experiência de escola de tempo integral, essa experiência de um ensino médio mais robusto para ensinar o menino a aprender uma profissão e ajudar a desenvolver a cidade que ele mora. Qual é a aptidão de desenvolvimento daquela cidade? O que pode ser produzido naquela cidade? Esse menino tem que ficar um especialista para ajudar a cidade dele a crescer, a gerar emprego, gerar oportunidade de trabalho e gerar renda. É esse país que o Camilo está me ajudando a construir e é por isso que você, como jornalista, tem que ter orgulho. O Ceará está ensinando muita educação no Brasil.
Jéssica – Temos muitas grandes histórias aqui na área da educação que nos orgulham. E olha, pra você que nos acompanha na Verdinha FM 92.5, no Diário do Nordeste, na TV Diário, nós estamos ao vivo com o presidente Lula, que desembarcou há pouco aqui em Fortaleza. Presidente, infelizmente também essa viagem do senhor hoje coincide com uma tragédia, uma notícia muito triste na (educação) segurança pública, perdão, que é claro um problema que vem se avolumando ao longo dos anos. Hoje aqui no Ceará amanhecemos com a notícia de uma chacina que aconteceu em uma praça pública aqui no município de Viçosa. Eu gostaria de saber do senhor quais são as diretrizes do Governo Federal para auxiliar os estados pra tentar uma saída, uma novidade, uma inovação, algo que seja, porque precisamos de algo que faça a diferença nessa questão da segurança.
Presidente Lula – Você sabe que a segurança pública é, está sendo, já foi e será sempre um grande problema nesse país. Um grande problema. Mas vamos colocar as coisas no devido lugar. Primeiro, a segurança pública é uma coisa em que o estado tem praticamente o controle porque a polícia é estadual, tanto a polícia civil quanto a polícia militar. Nós, no Governo Federal, temos a Polícia Federal, temos a Polícia Rodoviária Federal e nós criamos a chamada Guarda Nacional. Quando eu propus, em 2006, criar a Guarda Nacional, eu estava querendo criar uma força auxiliar que ela só pode entrar em ação se os estados reivindicarem, se os estados pedirem, porque nós queríamos uma força com muita inteligência, uma força que tivesse um nível acima de formação da polícia tradicional que a gente conhece. Bem, depois, isso não foi aplicado, eu saí da presidência, voltei, e voltei com a ideia de criar o Ministério da Segurança Pública. Mas aí nós fizemos uma discussão muito séria, sabe, que tipo de segurança pública a gente vai propor, que grau que a gente vai envolver os governadores, porque não adianta fazer uma discussão sem a participação dos governadores. E eu disse ao ministro Lewandowski [Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública], que está com uma proposta para apresentar para mim já faz 15 dias, de que eu vou ouvir a proposta dele com a mesma, com a participação dos meus senadores, dos meus ministros que são governadores. Eu tenho o Camilo, eu tenho o Rui Costa [ministro da Casa Civil], eu tenho o Renan [Renan Filho, ministro dos Transportes], eu tenho o Waldez [Waldez Góes, ministro do Desenvolvimento Regional] , eu tenho o Wellington [Wellington Dias, ministro Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome], o que mais que eu tenho aí, companheiros? Eu tenho vários, vários ministros que foram governadores, e esses governadores tiveram experiência de oito anos aqui. O Camilo teve oito anos, o Cid [Cid Gomes, senador e ex-governador do Ceará] teve oito anos dele, o Rui Costa teve oito, o Wagner [Jaques Wagner, senador e ex-governador da Bahia] teve oito anos deles, o Wellington teve 16. Ou seja, então eu quero pegar essa experiência acumulada dos governadores, para que a gente possa chamar os governadores que estão exercendo o cargo hoje e fazer uma discussão.
Certamente o companheiro Elmano tem muita contribuição para dar. Tem muita contribuição. Aqui no estado de Ceará houve momentos em que a segurança era tida como satisfatória. Depois, houve momentos em que ela caía. Porque é um problema sério, que está ligado a muitas coisas, sobretudo ao crescimento do crime organizado. No caso, mais recente a liberação de armas, que quem comprou armas não é pessoa honesta e decente, que quer trabalhar, não. Muitos crimes, muitas organizações, sabe, criminosas compraram armas à vontade, porque todo mundo poderia comprar, todo mundo. E o Elmano é um cara que tem uma escolaridade nisso, não só antes de ser governador. Eu conversei com o Elmano sobre o atentado de hoje de madrugada. Ele disse que talvez tenham morrido os oito, porque tinham morrido sete, um tinha ferido, parece que o oitavo também morreu. Eles estão apurando, vendo as câmeras. Não se sabe se é briga entre o crime organizado, entre facções. O dado concreto é que nós temos que apurar isso e prender as pessoas que fizeram isso. E eu vou apresentar para o Brasil, depois dessa discussão com o ministro Lewandowski, com os governadores, e com a discussão com os governadores estaduais. Eu quero convidar todos os governadores, todos os partidos políticos...
Jéssica – Essa reunião acontece hoje, presidente? É que está prevista para acontecer aqui em Fortaleza? Já tem datas?
Presidente Lula – Não, essa reunião está prevista para acontecer aqui em Fortaleza, não está para acontecer em Brasília. E eu primeiro tenho que ouvir a proposta do ministro Lewandowski, depois ver o que os meus ex-governadores e atuais governadores têm para dizer, para depois a gente construir. Porque a gente não pode construir algo que seja ineficaz, anunciar algo que depois não funcione. Ou seja, nós só temos que anunciar uma coisa se for melhor do que o que tem, para fazer mais do que o que tem e para evitar mais violência do que a que tem hoje. Então, é preciso a gente pensar muito para a gente não fazer pirotecnia, anunciar uma coisa e depois não acontece nada. O Brasil está cansado de gente anunciar coisa que não acontece. Então, eu quero ser muito precavido para anunciar as coisas que vão acontecer.
Jéssica – E a gente vai estar aguardando. Presidente, essa semana o senhor fez algumas críticas também ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a alta taxa de juros. Ontem o Copom manteve por unanimidade a taxa de juros em 10,5%. Eu gostaria de saber como foi que o senhor recebeu essa decisão.
Presidente Lula – Ô Jéssica, veja, eu fui presidente oito anos. O golpista da República nunca se mete nas decisões do Copom e do Banco Central. O Meireles tinha autonomia comigo, tanto quanto tem esse rapaz de hoje. Só que o Meireles era uma pessoa que era um cara que eu tinha o poder de tirar, como o Fernando Henrique Cardoso tirou tantos, como outros presidentes tiraram tantos. Aí resolveram entender que era importante colocar alguém, sabe, que tivesse um Banco Central independente, que tivesse autonomia. Ora, autonomia de quem? Autonomia de quem? Autonomia para servir quem? Autonomia para atender quem? Porque, veja o negócio, eu estava na reunião do orçamento discutindo que nós temos possibilidade de ter um déficit de 30, de 40 bilhões de reais. Aí eu fico olhando do outro lado da folha que me apresenta, só de juros, no ano passado, foram 790 bilhões de reais que a gente pagou. Só de desoneração foram 536 bilhões que a gente deixou de receber. E toda vez que a gente fica discutindo, corta, a imprensa fala muito, a imprensa fala, a imprensa fala, ah, vai aumentar o salário mínimo, é gasto, vai aumentar o professor, é gasto, vai aumentar... E por que que não transforma em gasto a taxa de juros que nós pagamos? Se você pegar os investimentos de crédito nesse país, você vai perceber que os créditos, Jéssica, os grandes créditos são feitos pela Caixa Econômica Federal, pelo Banco do Brasil, pelo BNB e pelo BNDES, porque os bancos privados eles preferem, ao invés de fazer crédito, ganhar dinheiro com a alta taxa de juros de 10,5%.
Então, foi uma pena, foi uma pena que o Copom manteve, porque quem está perdendo com isso é o Brasil, é o povo brasileiro, porque quanto mais a gente pagar de juros, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro. E isso tem que ser tratado como gasto. Eu não vejo o mercado falar, sabe, dos moradores de rua, eu não vejo o mercado falar dos catadores de papel, eu não vejo o mercado falar dos desempregados, eu não vejo o mercado falar das pessoas que necessitam do Estado. Quem é que necessita do Estado? É o povo trabalhador. É a classe média, que é quem paga imposto nesse país. Esses dias você viu que eu fiquei meio nervoso, porque nós pagamos 45 bilhões de dividendos para os acionistas minoritários da Petrobras. Quarenta e cinco bilhões. E não paga um centavo de Imposto de Renda. E você, Jéssica, depois de trabalhar um mês inteiro no microfone da Verdinha, você vai receber o seu salário e vem descontado 27,5% de Imposto de Renda. O trabalhador ganha uma miséria de participação no lucro no final do ano e tem que pagar Imposto de Renda. E nesse país quem ganha dividendo não paga Imposto de Renda. Então, é preciso que a gente tenha um pouco de sensibilidade para as pessoas perceberem que o que nós estamos tentando fazer nesse instante histórico do país é elevar um pouco o padrão de vida das pessoas mais humildes para que eles se transformem em um padrão de consumo de classe média. Que as pessoas possam morar numa casinha melhor, possam ter uma escola melhor, possam, no final de semana, levar sua família para ir num restaurante, sabe, comer alguma coisa. É só isso que a gente quer. Agora, isso é muito difícil porque os que estão em cima não querem que os que estão embaixo subam um degrau na escada.
Jéssica – Presidente, inclusive, para o orçamento do próximo ano, o senhor já passou algumas diretrizes aí para os seus ministros, Tebet [Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento], Haddad [Fernando Haddah, ministro da Fazenda], sobre ter revisão de gastos no governo, essa expectativa, que diretrizes o senhor está dando aí nessa elaboração?
Presidente Lula – Ô Jéssica, deixa eu te dizer uma coisa. Eu digo pra todo mundo ouvir que eu tive com uma professora de economia, a dona Lindu, que era analfabeta. Mas ela tinha oito filhos que trabalhavam e a gente chegava todo final de mês, todo dia dez, que era o dia do pagamento, a gente chegava com o nosso envelope com o dinheiro dentro, todo mundo entregava o dinheiro pra ela, ela abria os envelopes, colocava todo o dinheiro junto e ficava dizendo: ‘esse aqui é pra pagar a bodega, esse é pra pagar a padaria, esse é pra vocês pagarem o transporte’, e ia fazendo a distribuição de dinheiro. E ela dizia: ‘a gente não pode gastar o que a gente não tem. Se a gente tiver que fazer uma dívida é pra comprar alguma coisa pra aumentar o nosso patrimônio, pra valorizar, mas a gente não pode jogar dinheiro fora’. É assim que eu governo o Brasil. Ou seja, eu não quero gastar o que eu não tenho e eu não quero gastar mal. Eu quero fazer gasto que seja uma coisa necessária. Pagar salário pro povo é um gasto necessário. Melhorar a qualidade da saúde é um gasto necessário. Melhorar a qualidade da educação é um gasto necessário. Você não vai melhorar a educação se você não contratar mais professor, não melhorar o professor, não fazer mais curso pros professores. Você não vai melhorar, sabe? Então o que nós queremos é fazer gasto de qualidade com o povo brasileiro e isso nós não abrimos mão. Nós vamos continuar aumentando o salário mínimo de acordo com o crescimento do PIB. Você sabe que eu tenho um compromisso de isentar de Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimo e eu ainda tenho três orçamentos pra fazer e nós vamos garantir isso.
Jéssica – A gente vai seguir acompanhando também aqui na imprensa...
Presidente Lula – Ô Jéssica, porque é o seguinte, veja, porque quando você fala em gasto, tudo o que o governo faz é gasto, fazer obra é gasto... O que nós temos que perguntar, Jéssica, uma pergunta que nós temos que responder é o seguinte: quanto custa não fazer as coisas necessárias? Quanto custou não fazer a reforma agrária no Brasil nos anos 40? Quanto custou não alfabetizar esse país nos anos 50? Sabe, custou muito. A transposição do rio São Francisco, Jéssica, que eu comecei a fazer, ela foi tentada por Dom Pedro II em 1846. Nunca deixaram ele fazer. Pois eu demorei quase 150 anos para fazer, para trazer água para 12 milhões de nordestinos que viviam no semiárido nordestino. Ah, é gasto? É gasto! E não é gasto você ver as pessoas morrendo de fome, ver a cabrinha morrendo de fome, ver o jumento morrendo de fome, ver a vaca morrendo de fome, e ver as pessoas saindo, andando a pé com a mochila, ou trabalhar numa frente de trabalho pra ganhar 30 reais por mês? Quanto é que custa isso pro Estado? Então o que nós temos que ter noção é que quando a gente faz uma coisa e aquilo resulta num benefício coletivo, na melhoria da qualidade de vida, aquilo é um investimento extraordinário que nós estamos fazendo. Nós estamos investindo no povo brasileiro. A decisão do Banco Central foi investir no sistema financeiro, foi investir nos especuladores que ganham dinheiro com os juros. E nós queremos investir na produção.
Jéssica – Nós estamos conversando com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre agenda nesta quinta-feira aqui em Fortaleza. Logo após o meio-dia ele estará no Palácio da Abolição para tratar de obras no Ensino Superior e à tarde também entrega casas populares no bairro José Walter, aqui em Fortaleza. Presidente, estamos em ano eleitoral. O senhor desde o começo deste ano tem cumprido uma agenda intensa também de visitas, especialmente aqui no Nordeste. A gente sabe que é uma região eleitoralmente muito importante, dado o histórico do PT aqui nos estados. E eu gostaria de saber como está a preocupação do senhor do governo com as bases eleitorais, dado que a oposição também tem focado bastante no Nordeste. Qual deve ser o papel do senhor nas campanhas? Aqui em Fortaleza o PT já deve ter candidatura. O que o senhor está planejando para esse período de eleições?
Presidente Lula – Ô Jéssica, o papel do presidente da República é um papel que exige mais cuidado e mais responsabilidade. Eu tenho que levar em conta que eu, embora pertença a um partido político, eu tenho uma base de apoio no Congresso Nacional que extrapola o meu partido político. Então eu tenho que levar em conta se nas cidades desse partido que me apoia estão disputando, eu tenho que levar em conta quem são os adversários. E aí, naquele que o adversário for o adversário ideológico, o adversário dos negacionistas, você pode ter certeza que eu vou fazer campanha. Pode ter certeza que eu vou fazer campanha. Vou cumprir meu horário de trabalho em Brasília, eu vou ficar trabalhando até as 6 horas, mas quando der as 6 horas, que todo mundo tem o direito de ir para casa, eu vou fazer campanha para os candidatos que eu acho que vão melhorar a vida do povo. Mas com muito cuidado, porque eu também não posso ser pego de surpresa. E depois ter um revés no Congresso Nacional de descontentamento.
Jéssica – Pois é, e temos daqui a pouco também 2026. Sei que tá longe, o senhor já falou essa semana também que não descarta ser candidato à reeleição, mas que também tem nomes no partido que poderiam encabeçar essa estratégia pra 2026. E a minha pergunta vai ser, quem são esses nomes?
Presidente Lula – Ô Jéssica, o problema é que eu não posso dizer, porque se eu insinuar dizer um nome, ou dois nomes, ou seja, eu vou começar a ter uma briga interna dentro do governo. Então, deixa eu lhe falar uma coisa, Jéssica. Primeiro, eu sou um cidadão que me considero jovem, aos 78 anos de idade. Tenho conversado com Deus e pedido para Ele que eu queira viver até 120 anos. Eu não quero sair, sabe, do planeta Terra agora. Eu quero ajudar a construir esse país. Eu tenho uma causa que move a minha mente, a minha alma e o meu coração, que é melhorar a vida do povo brasileiro.
Ora, o partido tem muito candidato. Se você pegar a qualidade dos ministros que eu tenho, nós temos ministros extraordinários, quase todos eles com muita experiência em prefeitura, experiência em secretariado, experiência em ministério, experiência em governo. Qualquer um deles está preparado. Agora, quando você vai definir a escolha de uma candidatura, você vai também medir o potencial dos adversários e você vai ver dentro dos candidatos quem tem mais chance ou não. O que eu disse na entrevista que eu não me lancei candidato? Que eu disse o seguinte, eu, sinceramente, não posso discutir a minha candidatura agora. Eu já fui abençoado por Deus de ter três mandatos. O único presidente com três mandatos sou eu na história desse país. Mais do que eu, só Dom Pedro, que ficou 69, porque era imperador, e Getúlio Vargas, que ficou, sabe, de 30 a 45, como um governo autoritário, e depois de 50 a 54, tá? Então, eu sou o que tem a maior longevidade na vida na Presidência da República. O povo já me deu demais. O que é que eu disse textualmente, Jéssica? Se chegar na hora de decidir, eu perceber que os negacionistas que destruíram esse país, que passaram a ideia para a sociedade de que o que vai melhorar esse país é vender arma para o povo, que o que vai melhorar esse país é fazer escola cívico-militar, que o que vai melhorar esse país é mentira na internet, que o que vai melhorar esse país é mentir sobre religião, eu, sinceramente, vou fazer um esforço incomensurável para não deixar um negacionista voltar a presidir esse país, porque esse país precisa de gente que tenha o coração, que tenha o compromisso, que tenha história, e que queira o bem do nosso povo. É isso, Jéssica.
Jéssica – Presidente, nossa entrevista vai ficando por aqui. Tenho que liberar o presidente para cumprir as agendas aqui em Fortaleza. Em nome da Verdinha FM 92.5, Diário Nordeste e TV Diário, nós agradecemos a disponibilidade e a participação do senhor nesse diálogo.
Presidente Lula – Ô Jéssica, eu quero dizer só mais uma coisa aqui, porque eu pensei que ia perguntar alguma coisa sobre o Elmano, você não perguntou, então também não falei muito sobre o Elmano. Deixa eu lhe dizer uma coisa...
Jéssica – Mas o microfone tá aberto, pode falar...
Presidente Lula – Deixa eu lhe dizer uma coisa de coração, Jéssica. Veja, eu tenho o orgulho de dizer em qualquer reunião de prefeitos, em qualquer, em qualquer reunião de governadores, pode estar o Tarcísio [Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo], pode estar o do Paraná, pode estar todos. Eu tenho orgulho de dizer: nunca na história do Brasil um presidente da República cuidou dos estados como eu cuido e cuidou das prefeituras como eu cuido. Pode quem quiser, meu adversário, fazer um levantamento se em algum momento da história desse país algum estado recebeu uma quantidade de recursos que recebeu no meu governo. Por uma razão muito simples. Eu não governo olhando quem é o meu adversário. Eu governo olhando quem é o povo brasileiro. E se o povo tiver necessidade e o governador for contra mim, o povo vai receber o benefício, porque eu não vou prejudicar o povo por conta de um governador. E aqui no Ceará eu tenho noção. Até falei pro Camilo. Foi uma pena que o Camilo governou num período que eu não estava mais na presidência, porque se ele governasse, ele ia saber quantos recursos teria vindo aqui pro estado do Ceará. Não só porque eu também, Jéssica, eu tenho na cabeça... Eu fui pra São Paulo muito pequeno, eu saí de Garanhuns pra não morrer de fome, em 1952, com uma mãe analfabeta, com oito filhos. Então, eu sei porque eu saí do Nordeste. E eu não me conformo de ver no noticiário, porque tem mais mortalidade infantil no Nordeste, tem mais desistência da escola no Nordeste, tem mais analfabetismo no Nordeste, tem menos universidade no Nordeste, tem menos mestre no Nordeste, tem menos doutor no Nordeste. Pô! Será que o Nordeste nasceu pra ser castigado? Será que nós não somos filhos de Deus? Então, eu quando fui eleito presidente da República assumi o compromisso. Eu quero colocar o Nordeste em igualdade de condições com qualquer outro estado da Federação. Eu não quero tirar nada de São Paulo, não quero tirar nada do Rio e de Minas Gerais, mas eu quero que o Nordeste cresça, se desenvolva, gere emprego e qualidade de vida para o nosso povo. Essa é a minha obsessão, Jessica, e eu tenho fé em Deus que eu vou concretizá-la.
Jéssica – Muito obrigada, presidente. Muito obrigada a você que nos acompanhou pela Verdinha FM 92.5, pelo Diário do Nordeste e pela TV Diário. Nós seguimos com a programação.