Entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a TV Chinesa CCTV
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, seja bem-vindo a China, essa é a sua quinta visita. Bem vindo de volta, presidente.
PRESIDENTE LULA: Mais uma vez eu estou muito feliz de estar na China, porque temos muitos interesses comuns entre China e o Brasil, e eu acho que essa visita pode aperfeiçoar a relação Brasil e China. E, ao mesmo tempo, o Brasil ficou isolado do mundo durante os últimos seis anos e nós estamos retomando a participação da política do Brasil na política internacional.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, o senhor está liderando uma grande delegação para a China. A qual é maior do que aquela que viria em março. Quais as suas expectativas em atingir seus objetivos nessa visita e nos encontros com o presidente Xi Jinping?
PRESIDENTE LULA: Olha, nós temos vários interesses nessa visita à China. Primeiro, eu gostaria de estabelecer com a China uma parceria estratégica que pudesse durar muitas e muitas décadas. Segundo, é preciso avançar na relação do Brasil com a China, não apenas na questão econômica e na questão comercial. É importante que a gente avança um pouco na questão, sabe, científica e tecnológica. É preciso que a gente avança um pouco, sabe, nos convênios entre as universidades. É preciso mais chineses estudantes no Brasil e mais brasileiro estudando na China. Nós precisamos estabelecer uma política em que a China se transforma em parceiro de investimentos no Brasil. Não queremos ser vendedor nem só de commodities ou vendedor de empresa estatal. O que nós queremos é construir parcerias para construir coisas novas que precisam ser feitas no Brasil, e também eu quero discutir com o presidente Xi Jinping a questão da guerra da Rússia e da Ucrânia, que é uma guerra que está incomodando as pessoas que não estão participando da guerra. Estão muito incomodadas e está causando prejuízo em grande parte do mundo e esses, eu acho, que são assuntos importantes. Eu quero discutir, a parceria espacial com os chineses, quero discutir, sabe, o investimento por exemplo da China na indústria automobilística brasileira. Ou seja, portanto, nós temos muitos assuntos, eu acho que vai ser uma visita muito proveitosa e eu espero logo em seguida poder recebe o presidente Xi Jinping no Brasil.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, nos seus dois primeiros mandatos, o senhor visitou a China não apenas como um parceiro de troca de conhecimento, mas também como um parceiro geopolítico, elevando o status e elevando a “voz”, para o Sul Global. Qual a importância da China, nesta visita, em seu terceiro mandato?
PRESIDENTE LULA: É importante lembrar que, a primeira visita em que eu recebi, do presidente Hu Jintao no Brasil, eu reconheci a China como economia de mercado e muita gente que participava do G7, muita gente que participava do (trecho inaudível) não concordava que eu tivesse reconhecido a China como economia de mercado. A partir desse momento, a gente estabeleceu uma relação mais afinada com a China. Nós começamos a participar dos Brics e, China e Brasil juntos, participava da reunião do G7, nós elaborávamos um documento junto e a China passou a ser um país que fazia bastante investimento. Eu lembro que no meu primeiro mandato, nós tínhamos a construção de um gasoduto no Brasil, que ia ser financiada pelo Japão e, nós tomamos a decisão política do governo, econômica, de que seria mais vantajoso para o Brasil a gente fazer a parceria com a China. E nós então fizemos a parceria com a China para construir o gasoduto chamado Gasene, que foi construído pelos chineses. A partir daí, os chineses viraram um parceiro extremamente importante do ponto de vista político, do ponto de vista econômico, do ponto de vista comercial e nós queremos que seja também do ponto de vista cultural. É preciso estabelecer uma certa afinidade entre a cultura chinesa a cultura brasileira. Porque é isso que vai dando mais liga, isso que vai dando mais aperfeiçoamento na nossa relação e nós temos na China. Eu lembro que na COP 15, em Copenhagen, havia toda uma programação para culpar a China pela poluição do planeta Terra. E eu lembro que foi Brasil, Índia e África do Sul, que nós nos colocamos contra e colocamos que a China estava poluindo o planeta naquele instante, mas tinha países que tinha uma dívida histórica com a poluição do planeta, era preciso saber se eles iam pagar a dívida histórica. Bom, por conta dessa discussão, a reunião acabou não aprovando nada. E nós, estabelecemos com a China também uma discussão mais refinada sobre a questão ambiental, sobre a questão climática. Porque a questão do clima envolve todos nós, envolve todo mundo e é importante agora, o Brasil quer que a China participe no Brasil da construção de um grande programa de renovação industrial, sabe, que seja uma coisa de empresas limpas, uma economia limpa, seja energia por exemplo. O Brasil tem um potencial energético extraordinário, 80% da energia brasileira limpa, ou seja, nós agora, estamos entrando era do hidrogênio verde, ou seja, uma coisa importante que a China pode participar conosco. Nós estamos crescendo muito na questão do biodiesel, do etanol. E tudo isso, a China pode ser parceira do Brasil, não apenas no consumo mas na construção de coisas para que se venda para outros países. Então, eu estou na China com muito otimismo, com muita vontade de que a gente possa avançar. Eu tive uma extraordinária relação com a China nos meus dois primeiros mandatos, eu espero ter uma extraordinária relação com a China nesse meu terceiro mandato. Agora que a presidenta Dilma vai ser a presidenta do banco do Brics, eu acho que ela vai contribuir para aperfeiçoar essa nossa relação com a China.
ENTREVISTADOR: A respeito dos BRICS, Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil, será a nova presidente do banco. O que o senhor pensa a respeito dessa posição e o que o senhor pensa que os BRICS farão, pois ao longo dos anos ficaram sob diversos debates e muita controvérsia, no cenário mundial.
PRESIDENTE LULA: Olha, primeiro é normal que tenha tido essa controversa, essa discussão toda, porque é uma coisa nova. E tudo que você cria novo, você cria impacto positivo de um lado, impacto negativo dos outros. Por exemplo, os nossos amigos americanos eles têm sempre uma preocupação contra qualquer coisa nova que se crie em se tratando de banco ou de moeda, porque ele acha que a gente tem que acabar com o dólar, como moeda referência no comércio exterior. Foi assim quando se criou o euro na Europa, os Estado Unidos ficou muito ofendido e quando eu falava de que era preciso criar uma nova moeda, que um país do tamanho da China e do tamanho do Brasil não precisa negociar com base no dólar, você pode ter uma moeda criada, sabe, que pode ser organizada pelos bancos centrais dos dois países e a gente fazer a nossa troca comercial nas nossas moedas. Isso é uma novidade, é uma coisa a ser estudada, é uma coisa a ser pensada, e eu acho que o Brasil e a China são duas potências, ou seja, se a gente colocar mais a Índia, se a gente colocar mais a Rússia, se a gente colocar mais a África do Sul, agora entrou Bangladesh, entrou os Emirados Árabes. A gente vai ter metade da população mundial participando dos Brics. A gente têm um potencial econômico muito grande, um potencial comercial. Então, você causa dúvida, causa incerteza e que nós temos que discutir. Eu, estou convencido que nós não temos que ter pressa de transformar o banco dos Brics num extraordinário, num grande banco. Temos que trabalhar com muita tranquilidade, sem atropelos, não cometer erro nenhum, para que o banco de Brics seja uma referência muito importante para os países em via de desenvolvimento.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, eu vejo a paixão que falamos em elevar o status do sul global. Em diversas ocasiões, o senhor falou de uma forma muito apaixonada, na necessidade, na urgência em elevar a voz do Sul global. De onde vem essa paixão? Por que o senhor é desta forma, considerando a questão da democracia e as relações internacionais que o senhor se refere?
PRESIDENTE LULA: Olha, eu tenho já praticamente doze anos, tentado mostrar, dentro das Nações Unidas, que a geopolítica de quarenta e cinco não existe mais. A razão pela qual foi criada as Nações Unidas, com a formação que ela tem, já não existe mais, o mundo é outro. A geopolítica mundial mudou. Então veja, você não pode continuar com cinco países sendo, sabe, os principais mandantes das principais decisões do mundo. Ao mesmo tempo, você não pode ter uma coordenação da ONU, em que os países tenham direito a veto e os países que fazem parte do Conselho de Segurança às vezes fazem guerra sem discutir no Conselho de Segurança. Os Estados Unidos invadiram o Iraque, sem discutir no Conselho de Segurança. A Inglaterra e a França, invadiram a Líbia sem discutir no Conselho de Segurança. Agora a Rússia invadiu a Ucrânia, sem discutir no Conselho de Segurança. Então, é preciso dar mais representatividade ao Conselho de Segurança. Eu acho que tem que ter países da América do Sul, América Latina, países da África. Não é possível, que o continente africano com cinquenta e quatro países não possa ter representante no Conselho de Segurança da ONU. Nós defendemos a entrada da Alemanha. Quando eu coloquei a entrada dos chineses, os meus amigos chineses, quando eu coloquei a entrada dos japoneses, os meus amigos chineses não gostaram, porque não querem. Quando você coloca a Alemanha, às vezes os italianos não concordam. Ou seja, mais o dado concreto é que se dá mais credibilidade e mais força porque o mundo está precisando de uma governança global mais forte, sobretudo quando se trata de discutir dois temas: a paz e a questão climática. Se você não tiver um Conselho de Segurança da ONU, com autoridade de decidir, e os países signatários cumprirem, a gente não vai resolver o problema climático no mundo. A gente não vai resolver, porque cada país pensa apenas em sí. Cada empresário pensa apenas nos seus interesses. E a gente não consegue fazer uma política climática correta, para que a humanidade sobreviva respirando ar puro, bebendo água pura e tendo um mundo melhor para sobreviver. Esse é o desafio que está colocado para a China, que está colocado para o Brasil, que está colocado para os Estados Unidos, que está colocado para a União Europeia. E nós temos que buscar. Por isso, eu vou continuar brigando. Eu não quero ser líder de nada. Não quero ter hegemonia sobre ninguém. A única coisa que eu quero é o seguinte: é preciso criar uma nova forma de governança mundial. A China tem um papel muito importante no mundo hoje. A China tem que ser levado em conta. O Brasil tem que se levar em conta. Um país de como a Nigéria, como o Egito, como México, tem que ser levado em conta. A Índia tem que ser levado em conta. Ou seja, então, não dá para você ter uma governança que não representa aquilo que é o espetro político da sociedade mundial. Então, eu vou continuar brigando por isso. Vou continuar fortalecendo a nossa relação com a China, e quando eu digo o fortalecer a relação com a China, eu não estou querendo romper com os Estados Unidos. Eu quero também fortalecer a relação com os Estados Unidos. Como é que a gente vai conseguir paz na Rússia e na Ucrânia, se ninguém tá falando em paz? Todo mundo só tá falando de guerra, todo mundo só está falando de dar mais armas para a Ucrânia, sabe, atacar a Rússia ou a Otan colocar a fronteira no território russo. Então, o que nós precisamos encontrar, países que querem paz. A China quer paz? O Brasil quer paz? A Indonésia quer paz? A Índia quer paz? Então, nós temos que juntar esses países e fazer uma proposta de paz para a Rússia e para a Ucrânia.
ENTREVISTADOR: Na Ucrania, a China fez uma proposta de 12 pontos para a paz. E as expectativas são altas, em que o senhor possa sugerir um trabalho em conjunto com a China, para resolver a situação na Ucrânia. Que planos específicos o senhor quer propor à Pequim?
PRESIDENTE LULA: Eu não tenho um plano específico. Eu não tenho uma coisa produzida. A proposta, ela vai sair de muitas conversas entre muitas pessoas. Eu estou convencido, que a União Europeia, que sempre jogou um papel importante, porque a União europeia sempre foi um ponto de equilíbrio, ela nunca participava diretamente dos conflitos, ela agora entrou diretamente no conflito. Quando o companheiro Olaf Scholz, chanceler da Alemanha foi ao Brasil, pedir para que o Brasil vendesse, sabe, mísseis para que ele pudesse entregar para a Ucrânia. Eu disse que não ia vender os mísseis porque o Brasil não quer entrar na guerra. O Brasil quer paz. Então, eu estou obcecado em conversar com as pessoas, para encontrar um jeito de paz. Eu acho que os russos querem paz. Eu acho que a Ucrânia quer paz. Mais do que querer, o mundo precisa de paz. Afinal de contas nós ainda temos um bilhão de seres humanos passando fome. A desigualdade ainda é muito grande. Então, o ser humano, os dirigentes não tem o direito de fazer guerra. Quando o mundo está precisando de paz, de emprego, de distribuição de riqueza. É isso que nós precisamos fazer no mundo. E é isso que eu quero conversar com meu amigo Xi Jinping, porque a China tem um peso importante. Eu fiquei feliz ainda não sei o resultado da conversa da visita do presidente Xi Jinping à Rússia. Eu ainda não sei o resultado da conversa do Macron com o presidente Xi Jinping, mas eu acho que só o fato das pessoas estarem conversando, sabe, já começa a parecer uma ponta de esperança entre os países que querem paz.
ENTREVISTADOR: Que tipo líder, o presidente Xi Jinping parece ser para o senhor?
PRESIDENTE LULA: Ora, eu acho que a China, ela chama atenção pela capacidade que os chineses tiveram de estabelecer um modelo de crescimento, sem abrir mão da concepção ideológica, da concepção de organização partidária que eles acreditavam. Eles construíram, então os chineses conseguiram construir uma economia forte, uma economia participativa, ou seja, hoje se discute se a China é a primeira ou a segunda economia do mundo, a depender do jeito que você vai medir o crescimento. E eu fico feliz porque eu conheci a China mais pobre, eu conheci o momento em que o Brasil pagava salário mais alto do que a China, de que a economia brasileira parecia ser mais forte do que a chinesa. E os chineses deram um salto de qualidade extraordinário. Isso significa competência política. Significa muita maturidade política. Ou seja, quando a globalização, achou que poderia explorar a mão de obra barata na China, a partir dos anos 80, os chineses souberam utilizar as empresas estrangeiras, que aqui vieram, para que formasse os chineses, preparassem os chineses. Milhões foram estudar fora, para que a China se transforma-se na potência científica e tecnológica que ela é hoje, na potência econômica, na potência industrial. Então, é uma coisa extraordinária, por isso que eu sou admirador, sabe, da forma com que a China soube cuidar da sua adversidade. Não foi brincadeira tirar a quantidade de milhões e milhões de pessoas pobres que tínhamos na China, e fazer as pessoas ascenderem a um padrão social mais elevado. Se bem que ainda tem muitos pobres, mas tem muitos pobres em muitos países do mundo. No Brasil por exemplo, nós tínhamos acabado com a fome em 2012 e a fome agora voltou, numa demonstração de que houve irresponsabilidade política e econômica no Brasil, coisa que não aconteceu na China. Então veja, eu acho que a gente tem que o estudar a China com muito carinho, com muito cuidado e com muita humildade. A gente não é obrigado a concordar com tudo o que a China, mas a gente também não pode ser contra por ser contra. É importante a gente saber o que é que foi feito, como foi feito e porque é que deu certo. E isso, eu acho que assusta um pouco outros países, porque durante séculos, só alguns países foram ricos, só alguns países mandaram no mundo. Então, na hora que surge a China, na hora que vai crescendo a Índia, na hora que vai crescendo o Brasil, na hora que os países em via de desenvolvimento, vão dando um salto de qualidade, do ponto de vista industrial, do ponto de vista do conhecimento científico e tecnológico, obviamente que começa a assustar aqueles que se sentiam o dono do mundo. E aí o que nós temos que dizer para essas pessoas? Nós não queremos ser melhor do que ninguém. Nós queremos apenas ter o direito de sermos iguais. Essa é a verdade. E é essa a parceria construtiva, sabe, que eu quero construir com a China.
ENTREVISTADOR: Falando a respeito de percepção em relação a China, alguns países descrevem a presença econômica, a influência da China, incluindo o Brasil, entre a América Latina, como neocolonialismo. O que o senhor pensa, a respeito disso?
PRESIDENTE LULA: Na relação com o Brasil não acho a China tem se comportado no Brasil, de acordo com aquilo que os empresários brasileiros têm aceito. Eu por exemplo, quero dizer para os meus amigos chineses, o seguinte: o Brasil não vai vender mais empresa estatal. O que o Brasil quer propor à China é que nós precisamos construir uma centena de coisas novas. Que passa por rodovia, que passa por ferrovia, que passa por portos, aeroportos, que passa por novas indústrias, que passa por empresas de químicas, que passa por investimentos novos, sobretudo na formação educacional do nosso povo. Por isso que eu penso trabalhar com a China, uma troca de informação entre as nossas universidades para que a gente possa ter um trânsito maior de chineses estudando no Brasil e de brasileiros estudando com chineses, sabe, sinceramente não tenho, não vejo e não tem relação colonial com a China. Há muita gente que fica incomodada, porque os Estados Unidos poderia estar investido na África, a Europa poderia estar investido na África, mas não investiram. Na verdade, colonizaram a África durante quase que mais de um século, ou seja, quando os chineses aparecem fazendo investimento nos países da América Latina, nos países da África, incomoda porque a China vai crescendo. A China já tem uma boa participação na economia brasileira. E eu quero que tenha, eu quero que participe, quero que participe de um jeito construtivo, de um jeito de construção de parceria. Que os nossos empresários sejam sócios dos empresários argentinos, dos empresários chineses. Que os empresários chineses possam ir produzir no Brasil. É assim que a gente constrói uma parceria, sabe, uma parceria de verdade entre países que pensam o mundo mais ou menos igual. E eu acho que a China tem um pensamento do mundo, muito, muito semelhante àquilo que eu particularmente penso do mundo. Eu quero um mundo mais humanista, eu quero um mundo mais justo, eu quero um mundo mais fraterno, eu quero um mundo mais solidário, eu quero um mundo sem guerra, eu quero um mundo com mais emprego. Por isso, é que nós temos uma certa afinidade e daí a minha admiração pelo sucesso da China, sabe, nesse período.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, o que o senhor pensa sobre a iniciativa da China, que marca o décimo aniversário do PRI (Principles for Responsible Investment)? O Brasil irá se juntar ao PRI?
PRESIDENTE LULA: Deixa dizer uma coisa, o Brasil vai se juntar a tudo aquilo que nós entendermos que contribui para o desenvolvimento do Brasil e da região. Eu espero, que nessa conversa com o presidente Xi Jinping, a gente possa nos colocar de acordo, sabe, com novas coisa que a gente possa fazer. O Brasil está disposto a participar de tudo o que favorecer o Brasil. E não apenas o Brasil, o Brasil tem fronteira com quase todo os países. O Brasil precisa efetivamente construir, sabe, ligar o Oceano Atlântico ao Pacífico. Nós temos interesse, nós temos muito interesse de ligar ao Oceano Pacífico pelo Chile, ligar pelo pelo Peru, sabe, nós temos condições tranquila de fazer isso. E, obviamente que se os chineses quiserem participar junto conosco, com a América Latina, com o Caribe seria muito importante. Nós estamos precisando fazer no século XXI mais coisa do que foi feita no século XX. E menos Guerra, menos guerra. Não tem explicação, não tem explicação quando o mundo está precisando de paz, quando o mundo está ficando mais violento, sabe, o comportamento antidemocrático, de muitos países e dos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, no Brasil nós temos, um comportamento de pessoas fascistas. Agora, não sei se você está acompanhando, tem gente matando crianças de escola e parque infantil. Essa é uma, é um comportamento, sabe, impensável num ser humano. É impensável. Então, tudo isso exige que os líderes políticos, tenham um outro comportamento. Eu vi aqui em Hong Kong, essas manifestações contra a política chinesa para Hong Kong. O dado concreto é que se conseguiu estabelecer um processo de tranquilidade, de compreensão, à medida que o país tem que estar paz. O mundo tem que estar em paz, pra gente poder crescer economicamente, culturalmente e socialmente. Não existe outro jeito, a guerra não ajuda, a guerra atrapalha.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, o senhor fala, diversas vezes em afinidade. Eu adoro essa palavra, afinidade chineses e brasileiros e posso lhe dizer, que o senhor ficaria surpreso com quantos chineses são entusiastas, apaixonados pelo time brasileiro durante a Copa do Mundo de Futebol. Vários chineses choraram com a eliminação do Brasil, pela Croácia, na última copa. Como o senhor descreveria o sentimento de fraternidade entre chineses e brasileiros?
PRESIDENTE LULA: Eu, por incrível que pareça, eu às vezes, acompanho os jogos de futebol aqui da China. Eu acompanho os jogos do Campeonato chinês, que passa na televisão brasileira, porque tem muito jogador brasileiro jogando aqui na China, e tem canal de televisão que transmite. Eu acho que os chineses estão evoluindo e o Brasil tem uma coisa caraterística, o Brasil é um país em que o povo é um povo alegre, é um povo festivo. O Brasil é um país que não tem (trecho inaudível) no mundo. Então, não só as pessoas gostam do Brasil como o Brasil gosta dos outros, sabe, nós gostamos, nós queremos tratar bem, nós queremos ser agradáveis com as pessoa, nós queremos ser simpático com as pessoa. Esse é o resultado, mas este é o resultado de um povo que é resultado de uma mistura, de uma mistura entre indígenas, africanos que foram escravizados, e os europeus, sabe, que foram pro Brasil no começo do século passado. Ou seja, então essa mistura, essa miscigenação do povo brasileiro, deu esse povo alegre. Que gosta de música, que gosta de futebol, que gosta de carnaval, que gosta de tratar bem os outros. Sabe, os brasileiros também gostam dos chineses, se o chineses forem jogar contra uma potência qualquer, pode ficar certo que o povo brasileiro, vai torcer pelos chineses. Se o Brasil for jogar com uma outra potência, o povo vai torcer pelo Brasil. O povo tá sempre escolhendo, sabe, aqueles que parecem que são mais frágeis. E eu acho que a China, ela soube conquistar o espaço no mundo. No mundo político, no mundo cultural, no mundo esportivo. A evolução da China no esporte é muito grande, é muito grande. Sabe, e eu acho que os brasileiros acompanham isso com muito carinho e com muito respeito. Se tem uma coisa que o povo brasileiro, sabe, e gosta é de respeitar os povos de outros países.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, o papel da China no mundo é um assunto muito debatido. Como o senhor vê o crescimento da China, considerando as iniciativas que a China propôs em relação a segurança global, desenvolvimento global e as iniciativas de civilização global. Que papel o senhor acha que a China tem no cenário global?
PRESIDENTE LULA: Olhe, primeiro eu acho que a existência da China, tal como ela é, é necessário ao mundo de hoje. O mundo, tem que ter debate. O mundo tem que ter disputas econômicas, disputas científica, disputas tecnológicas, sabe, e os chineses vieram e despontaram como a grande potência. Há 50 anos atrás ninguém acreditava que a China pudesse chegar em 2023 com a potência que a China é. A China é uma potência em quase todas as atividades econômica. A China é uma potência hoje em ciência, em tecnologia, em produção, em engenharia. Eu acho que isso é importante para o mundo, porque o mundo não tem só um lado, a gente não tem que ficar olhando só uma voz ou um país. O mundo ficou muito tempo dependendo dos Estados Unidos e da União Europeia. Depois, veio a 2a Guerra Mundial, o mundo ficou dependendo, sabe, de uma outra potência que era a Rússia, que polemizava, sobretudo com a criação da Guerra Fria. Agora não, agora a China aparece no cenário mundial, não falando de guerra, mas falando de desenvolvimento, falando de investimento em educação, formando engenheiros, formando bioquímico, formando do médico, formando engenharia espacial, competindo com aqueles que eram campeões. Isso é muito importante, isso é saudável para o mundo. Eu quero te dizer que eu fico satisfeito e prazeroso que a China faz investimento na África, que a China faça investimento na América Latina. Quando teve a crise em 2008, na primeira reunião que nós tivemos do G20, em Princeton nos Estados Unidos, a discussão que nós fazíamos é que deveria aproveitar a crise de 2008 e os países ricos fazer investimento nos países pobres, para que os países tivesse acesso ao financiamento, para que pudesse crescer economicamente, construir pequenas e médias indústrias, melhorar a sua agricultura e ser menos dependente do mundo rico. ninguém fez isso, a China fez. Então, a gente não tem que ficar, sabe, com ciúmes da China. A gente tem que acreditar, que outros países deveriam fazer o que a China está fazendo. Outros países, porque assim o mundo fica melhor. Então, eu acho que os chineses hoje representa um certo equilíbrio no debate econômico mundial, no avanço científico mundial. Então, isso é importante para o mundo.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, você é muito conhecido na China. E muitos são interessados na sua história pessoal. O senhor largou a escola na segunda série, sustentou sua família senhor trabalhou aos oito anos como vendedor na rua, engraxate e metalúrgico. O que, todas essas experiências, significam para você e para o homem que lidera um país?
PRESIDENTE LULA: Olha, eu penso que a vida me ensinou a ser o que eu sou hoje. Eu fui criado numa família muito pobre, só para você ter ideia meu pai teve vinte e seis filhos por duas mulheres. Minha mãe teve doze. E minha mãe teve doze filhos, todos com parteira nenhum foi no hospital, todos em casa. Depois, a minha mãe se separou do meu pai, com oito filhos, que quatro tinham morrido e ninguém trabalhava na época. Eu fui vender pipoca, fui vender amendoim, fui ver laranja, o outro ia vender carvão, vender sardinha. (entrevista interrompida e depois é retomada). O que é importante na minha vida, é que eu tive uma mãe que se tornou minha heroína, porque ela conseguiu criar oito filhos, todos viraram trabalhadores, todos construíram família. Ou seja, eu tive a oportunidade de fazer um curso técnico, numa escola profissional, fui para sindicato e virei presidente da República. Então a minha cabeça sempre funciona, não esquecendo da onde eu vim. Eu nunca esqueço da onde eu vim e nunca esqueço para onde eu vou voltar, quando eu deixar a Presidência. A Presidência não é uma profissão, a Presidência é um exercício do mandato, delegado por uma parcela da sociedade brasileira, que acredita que eu vá fazer as coisas que eles precisam. Também esse é o meu papel. Só tem uma razão de ser presidente do Brasil: é melhorar a vida do povo mais pobre. É garantir que ele possa tomar café, almoçar e jantar todo dia. É garantir que ele tenha um emprego. É garantir que ele possa criar a sua família. Esse é o papel de um presidente da República. Dar acesso à saúde, a esse povo mais humilde. Então, é para isso que eu governo e essa é a educação que eu recebi de berço.
ENTREVISTADOR: Falando sobre Saúde, eu sempre o quis perguntar isso, senhor presidente. Com 17 anos, o senhor perdeu um dedo trabalhando como metalúrgico, lamento por isso. O senhor foi para diferentes hospitais que não puderam lhe atender, pois o senhor não tinha plano de saúde, naquela época. Como foi? O como essa experiência fez que o senhor trabalhasse pela Saúde do seu povo e do seu país, quando o senhor foi presidente?
PRESIDENTE LULA: Na verdade, quando eu cortei o dedo, era praticamente 2 hora da manhã, 3 hora da manhã, e eu só fui ser atendido no hospital às 7 hora da manhã. Ou seja, porque naquele tempo, no Brasil era muito difícil você ter acesso ao médico. Não tinha Posto de Saúde, não tinha tanto hospital, hoje tem mais. Hoje tem mais facilidade, hoje tem o SUS. O SUS é um grande programa de Saúde. O Brasil, é o único país com mais de 100 habitantes no planeta Terra, quem tem um plano de saúde universal. É o plano que salvou o país na pandemia, e hoje, então, se uma pessoa ao cortar o dedo será tratado com muito mais rapidez do que eu fui. Eu acho que a Saúde é um bem imprescindível para a humanidade, e o Estado tem que oferecer para o povo, como um todo, Saúde de qualidade e de graça. No caso do Brasil, nós oferecemos, inclusive, remédio de graça. Porque, se você faz o diagnóstico da doença, dá uma receita, e a pessoa não tem dinheiro, a pessoa vai morrer com a receita na cabeceira da cama. Então no Brasil, para as pessoas pobres, nós damos remédio para as pessoas sobreviverem. E eu quero melhorar a Saúde. Nós agora, estamos fazendo um plano de saúde muito mais arrojado do que nós já tínhamos, para que cada município brasileiro possa ter um médico para atender as pessoas com respeito, com dignidade. Para que as pessoas não morram por falta de tratamento. Então, essas coisas é um aprendizado que a gente vai tendo na vida. E aí, é a única razão, pela qual, eu voltei a ser presidente, é a única razão. Eu acredito que é possível recuperar o Brasil. É preciso fazer o Brasil voltar a crescer economicamente. É preciso o Brasil voltar a ter um protagonismo internacional mais forte. É possível a gente melhorar a qualidade da Educação, porque nesses últimos seis anos, o Brasil, e todas as políticas sociais que nós fizemos, foram praticamente destruídas. Então, nós agora estamos reconstruindo tudo outra vez para que o povo seja tratado com decência e dignidade. É isso.
ENTREVISTADOR: Presidente Lula, as histórias foram emocionantes, obrigado pelo seu tempo e por ter feito essa entrevista em sua agenda, na visita a China.
PRESIDENTE LULA: Olha, eu quero agradecer a oportunidade e dizer que é com muita alegria que eu venho visitar à China. Eu espero que não seja a única visita nesse mandato. Eu espero voltar mais vezes, porque Brasil e China tem que trabalhar muito. A gente vai se encontrar nos Brics em 2024. A gente também vai se encontrar no G20, também que o Brasil vai em 2025, e eu pretendo continuar tendo encontros diversos, sob diversos temas com a China, sobretudo sobre a questão energética que o mundo precisa tanto. E a gente pode construir muitas coisas juntos, por isso, obrigado.