Entrevista coletiva do presidente Lula após reunião com o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, no Palácio do Planalto
Jornalista do Telecinco da Espanha: Presidente Lula, obrigado por nos acolher. O senhor falou há pouco de uma associação estratégica entre a Espanha e o Brasil, e que nós não podemos evitar os desafios globais do nosso tempo. Então, sobre Gaza, o senhor fala que o que está ocorrendo ali é um genocídio e que é preciso uma aliança para frear isso. Então eu gostaria de saber se o senhor acha que pode contar com o Pedro Sánchez, o presidente de Governo espanhol para essa aliança e o que vocês podem fazer juntos para frear esse genocídio que o senhor qualificou dessa forma? Então eu gostaria de saber se as mudanças que vão ocorrer na lei afetam os delitos de terrorismo e, se for assim, de que forma isso poderia cruzar alguma linha vermelha? Obrigado.
Presidente Lula: Eu vou tentar ser muito sintético na resposta para dizer o seguinte: O Brasil tem tido um comportamento muito ativo na perspectiva de encontrar um caminho de paz, não só para Gaza, mas também para a Ucrânia e a Rússia. Quando o Brasil presidiu o Conselho de Segurança da ONU, o nosso ministro Mauro Vieira fez uma proposta de votação e essa proposta de votação teve doze votos favoráveis, teve duas abstenções, a Inglaterra e a Rússia, e teve o voto contra dos Estados Unidos que vetou a proposta.
Ou seja, então todo o trabalho que nós estamos fazendo é na perspectiva de ver se o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que hoje representa muito pouco ou quase nada, porque todos os membros do Conselho se metem em guerra sem discutir em nenhum fórum, em nenhuma instância, leva em conta de que é preciso ter uma parada humanitária para que a gente possa resolver o problema de milhares de mulheres e crianças que são vítimas de uma violência brutal na Faixa de Gaza.
Se alguém tinha dúvida, as últimas imagens do que aconteceu em Gaza mostram para que todos nós, seres humanos, não percamos o humanismo que ainda tem dentro de nós. Não sejamos algoritmos, sejamos seres humanos de verdade. E percebamos que o que está acontecendo lá é um verdadeiro genocídio que já matou mais de 30 mil pessoas, dos quais 80% mulheres, oito mil crianças, além de quase 10 mil pessoas desaparecidas.
Não é possível continuar essa matança sem que o Conselho de Segurança da ONU pare essa guerra. E permita que chegue alimento, que chegue remédio, tem mais de 30 toneladas de alimentos lá estocadas para chegar e não consegue chegar.
Então, se isso não é um ato de desumanidade, eu sinceramente não sei mais o que é. Eu sinceramente não sei. A brutalidade é de tal envergadura, que eu acho que todas as pessoas que assistiram as últimas imagens devem ter ficado horrorizadas, porque poucas vezes se viu aquilo. Veja, o Brasil no primeiro dia, no dia do acontecimento, a primeira coisa que o Brasil fez foi condenar o ato terrorista do Hamas. Mas nós não podemos deixar de condenar a atuação do Governo de Israel com relação aos palestinos. É uma coisa brutal, então eu continuo achando que o Conselho de Segurança da ONU tem a obrigação de tomar atitude, abrir um corredor humanitário e permitir que chegue alimento, permitir que chegue água, permitir que chegue remédio e permitir que as pessoas sejam tratadas. Não sei se você acompanhou matérias divulgadas pela imprensa de crianças com seis, sete anos pedindo para morrer porque não queriam ser operadas, ter as pernas amputadas sem anestesia. Quando uma criança chega a pedir que prefere morrer do que esse sofrimento, eu acho que deve mexer com o coração das pessoas que têm o poder de decisão nas Nações Unidas.
Então o que o Brasil continua brigando é por isso, que se faça uma pausa para que se encontre uma solução para as milhares de pessoas que estão feridas e que estão precisando de ajuda. É isso.
Jornalista Mariana Hollanda, da Folha de S. Paulo: Ontem o presidente Maduro marcou as eleições para o dia 28 de julho na Venezuela. Eu queria saber se há hoje condições para que a gente tenha eleições justas lá. E presidente Lula, o senhor falou há pouco com a gente ali rapidinho, e fez um paralelo entre a oposição do Brasil e da Venezuela. Queria que o senhor explicasse um pouquinho melhor isso, obrigada.
Presidente Lula: Primeiro, eu não fiz uma ligação entre a situação da Venezuela e do Brasil. Eu só disse a vocês que houve, aqui nesse país, eu fui impedido de concorrer às eleições de 2018, ao invés de ficar chorando, eu indiquei um outro candidato que disputou as eleições. Na Venezuela, estão marcadas as eleições no dia 28 de julho que eu fiquei sabendo ontem, e hoje pela manhã.
A pergunta de vocês é se as eleições vão ser honestas ou não. Eu espero que as eleições sejam as mais democráticas possíveis. E segundo o presidente Maduro me disse na reunião em São Vicente e Granadinas, ele vai convocar todos os olheiros do mundo que quiserem assistir o processo eleitoral na Venezuela. Além disso, o que que eu posso esperar? Que haja as eleições pra gente saber se foram democráticas ou não.
Você sabe que aqui no Brasil, até hoje um presidente que perdeu as eleições não aceita o resultado da eleição. Ele continua dizendo que as eleições foram fraudadas, ele continua dizendo que a eleição valeu para os deputados e senadores dele mas não valeu para ele, ele continua jogando dúvida com relação a urna eletrônica.
Eu espero que na Venezuela, eu não sei qual é o modelo de eleição na Venezuela. A primeira coisa que me deixa feliz é o seguinte: está convocada a eleição na Venezuela, tem data, 28 de julho. Tem data para a inscrição dos candidatos, tem data para disputa política, tem data para fazer a campanha. Tá tudo marcado, tá? Acho que a comunidade internacional certamente tem todo o interesse em acompanhar para saber se vai ser a mais democrática eleição da Venezuela, e eu espero que seja, porque acho que a Venezuela precisa disso, acho que o Maduro precisa disso, e acho que a humanidade precisa disso.
Agora, a gente não pode já começar a jogar dúvida antes das eleições acontecerem, porque aí começa a ter um discurso de prever antecipadamente que vai ter problema. Nós temos que garantir a presunção de inocência, até que haja as eleições, para que a gente possa julgar se ela foi democrática, se ela foi decente. Obviamente que nem todo candidato que perde a eleição aceita o resultado.
Só eu, que perdi três eleições nesse país, e todas as que eu perdi eu aceitei o resultado tranquilamente, voltei para casa, me preparei, perdi outra vez, voltei para casa, me preparei, perdi outra vez, até que um dia eu ganhei. Então, quando eu perdi eu aceitei, quando as pessoas perdem aceitam.
Eu acompanho a eleição na Venezuela desde 2000. Presidente Pedro Sánchez, houve um tempo, eu tinha tomado posse dia 1º de janeiro de 2003, dia 21 ou 25 de janeiro eu fui na posse do presidente do Equador, e lá, em uma conversa com o presidente Chávez, eu propus a criação dos Amigos da Venezuela. Para que? Para a gente tentar coordenar o processo eleitoral, para que coubesse todo mundo dentro do processo eleitoral, da oposição e da situação.
Foi muito engraçado, porque dentre os Amigos da Venezuela, eu coloquei dois que eram considerados inimigos. Eu coloquei a Espanha, que era o presidente Aznar, que era o presidente da Espanha, e ele tinha sido o primeiro presidente a reconhecer o empresário golpista que tomou o lugar do Chávez, e o presidente Bush, que era tido pelo Chávez como responsável pelo golpe.
Então quando nós indicamos os dois para fazer parte do grupo de Amigos da Venezuela, houve uma grita. Eu vou lhe contar um episódio aqui. Era quase uma hora da manhã, o presidente Fidel Castro bateu na porta do meu quarto para me chamar atenção e dizer: "Companheiro Lula, o que estão haciendo? Estão entregando a Venezuela para o imperialismo", e falou, falou, falou. Eu falei: "Ô presidente Fidel, deixa eu lhe dizer uma coisa, eu não estou criando um grupo de amigos do Chávez. Eu estou criando um grupo de amigos da Venezuela. Eu estou querendo um grupo de pessoas que tenha gente que mereça respeito da oposição, e gente que mereça respeito da situação".
E colocamos mais o Brasil, Canadá, eu não sei se a França. Bem, eu sei que constituímos o grupo de amigos, esse grupo de amigos teve uma boa participação do Colin Powell, que era secretário de Estado (dos Estados Unidos), teve uma boa participação da Fundação do presidente Jimmy Carter. Eu sei que houve uma construção extraordinária e houve a eleição tranquila na Venezuela. Ah, teve uma que a oposição não participou, se recusou a participar. Ainda assim os adversários diziam que não havia sido democrática, que havia sido roubada. Isso acontece no Brasil em muitas eleições.
No Brasil, tem muitas cidades ou estados que quem perde nunca aceita o resultado. Nunca aceita. Então eu espero, respondendo a pergunta sábia da jornalista da Folha de S. Paulo. Eu espero que a Folha de S. Paulo esteja lá, não com os olhos de condenação prévia, mas com os olhos de investigação para mostrar para a humanidade o resultado das eleições, o que aconteceu lá. Eu tenho certeza que a Venezuela sabe que ela precisa de uma eleição altamente democrática para poder reconquistar o espaço de participação cidadã nos fóruns mundiais que ela tanto precisa, e para que a gente possa ver o fim do bloqueio americano cessar na Venezuela, e, quem sabe, se estenda para Cuba e a gente pare com o bloqueio de 60 anos. É isso.
Eu estou feliz. Pode dizer assim na Folha de S. Paulo: "O presidente Lula está muito feliz que finalmente está marcada a data das eleições na Venezuela". E eu espero que as pessoas que estão disputando as eleições não tenham o hábito do ex-presidente desse país de negar durante todo o processo, o processo eleitoral, a lisura das urnas, a respeitabilidade à Suprema Corte, e porque não dizer, até uma ofensa nos eleitores que não votaram nele. Pronto, espero que tenha sido entendido.
Presidente Lula: Dizer uma coisa para o presidente Pedro Sánchez. Não sei se você teve conhecimento. Aqui neste país, há dois anos atrás, o presidente da República teve a insensatez, a falta de pudor e a falta de vergonha de convocar todos os embaixadores, todos os embaixadores, inclusive, todos da União Europeia, estiveram reunidos com o presidente da República para ele insinuar aos embaixadores do mundo inteiro que as eleições no Brasil não eram honestas, que ele ia ser roubado, que as eleições não eram confiáveis. Só para você ter ideia da qualidade da pessoa que governava esse país.
Jornalista espanhola: Obrigada, em nome da imprensa espanhola, que acompanha o presidente Sánchez nessa visita ao Brasil. Então, obrigada aos dois presidentes pela oportunidade de formular perguntas. Para os dois presidentes, eu gostaria de perguntar o que os senhores podem aportar e em que condições as empresas espanholas competem dentro desse programa de parceria com o Brasil.
Presidente Lula: Olha, vamos supor que a companheira jornalista que me fez a pergunta tivesse mil euros. E ela levantasse, na segunda-feira, de manhã, querendo aplicar os mil euros dela. O que que ela iria fazer? Ela iria tentar procurar um banco que, primeiro, lhe desse muita garantia de que esse banco não fosse quebrar. Segundo, ela ia ter que ver qual é a melhor taxa de juros que ela ia ter que arrecadar nos seus investimentos. Aí, ela iria aplicar o seu dinheiro. O empresário faz a mesma coisa.
O que que o Brasil tem que oferecer aos empresários? Primeiro, nós temos que oferecer uma sociedade com um certo poder aquisitivo, com capacidade de comprar aquilo que é produzido pelos empresários. Segundo, a gente tem que ter mão de obra qualificada para poder produzir aquilo que os empresários querem produzir no Brasil.
Terceiro, a gente tem que ter estabilidade política. Quarto, a gente tem que ter estabilidade jurídica. Quinta, a gente tem que ter estabilidade fiscal. A gente tem que ter estabilidade econômica. E, por último, a gente tem que ter estabilidade social.
Um país que apresenta um rosário de boas qualidades assim é um atrativo extraordinário para que os empresários venham investir, com a certeza de que os empresários vão ter um retorno, um lucro, do capital investido no Brasil. É isso que o Brasil oferece. Por isso, eu posso dizer para vocês, sem conversar com os donos das empresas.
Algumas empresas que estão aqui, a Telefônica, ela sabe que valeu a pena e vale a pena investir no Brasil. O Santander sabe que valeu a pena investir no Brasil, porque o Brasil é, possivelmente, o lugar de melhor rendimento do Santander no mundo. E, terceiro, outras empresas sabem que investindo no Brasil estão tendo retorno e querem oportunidade de fazer novos investimentos.
Então, o meu papel e o papel do Governo brasileiro é convidar as pessoas para sentar em um banco confortável, não ter medo de nenhuma coisa grave e saber que, aqui, vão investir, aqui vão lucrar, aqui vão pagar salário, aqui vão desenvolver a economia brasileira e ainda vão levar uma parte de seus dividendos para aplicar na Espanha. E tudo vai ficar muito feliz e tudo muito bom. É isso que nós estamos fazendo. Eu queria só lembrar a jornalista que, essa semana...
Eu já fui presidente por oito anos e estou no primeiro ano do meu terceiro mandato. Eu nunca tinha recebido a quantidade de banqueiros que eu estou recebendo. Muito banqueiro. Esses dias eu recebi até a presidenta do FMI. Ela esteve no Brasil. É importante lembrar que, há dez anos atrás, há quinze anos atrás, o FMI era credor do Brasil e, todo ano, vinha dois representantes do FMI fiscalizar as contas do Governo brasileiro. E que o Governo brasileiro não tinha dólar nem para pagar as suas importações.
Hoje, o Brasil é credor internacional, temos uma razoável reserva internacional. E o Brasil, inclusive, é credor do FMI porque, na crise de 2009, nós emprestamos 15 bilhões de dólares para o FMI. Então eu recebi aqui a presidenta do FMI, a diretora-geral mundial do Citybank e recebi, ontem, o presidente do banco asiático aqui. Todos com uma perspectiva de fazer investimento no Brasil.
O que eu ouvi de todos esses banqueiros aqui é a seguinte frase: "Presidente Lula, nós nunca vimos tanto interesse de fazer investimento no Brasil como agora". Eu não vou nem contar a cifra que as pessoas disseram que poderia vir para o Brasil, para não causar uma certa ciumeira no meu amigo Pedro Sánchez. Não vou. Então, eu vou ficar em segredo de Estado aqui. Mas a nossa perspectiva é muito grande, eu até diria para a jornalista que, poucas vezes na história, o Brasil teve a oportunidade que ele está tendo nesse momento histórico. Essa questão do clima e essa questão da transição energética, se apresentam como uma oportunidade para o Brasil, porque não tem lugar nenhum do mundo capaz de competir com o Brasil na área de energia eólica, na área de energia solar, na área de biocombustível, na área de etanol, na área de biodiesel e na área de hidrogênio verde.
Portanto, se Deus era brasileiro, ele agora está agindo.
Jornalista Simone Iglesias, da Bloomberg: Presidente Lula, presidente Sánchez, boa tarde. Eu sou a Simone Iglesias da agência Bloomberg. Eu pergunto em nome dos colegas que cobrem a presidência do Brasil. Vocês, como presidentes do Mercosul e da União Europeia, no ano passado, quase conseguiram fechar o acordo. E, agora, parece que a gente voltou alguns degraus nesse acordo que a gente espera há mais de 30 anos. Voltou-se realmente muitos degraus. O quanto a França continua bloqueando e sendo um dificultador para que esse acordo aconteça? E qual é a percepção dos senhores de fechar um acordo em um curto prazo? Obrigada.
Presidente Lula: Eu queria até pedir para falar primeiro que o presidente Pedro Sánchez. Primeiro, eu acho que há um equívoco na tua pergunta, nós não voltamos atrás. Acho que nós nunca avançamos o tanto que nós avançamos. O Brasil se preparou com a discussão com a União Europeia. Dificuldades que tinham foram acertadas com a União Europeia. Nós estamos, hoje, prontos para firmar o acordo com a União Europeia. Estamos prontos.
O que acontece é que a França, já há muito tempo, não é de hoje, traz um problema com relação aos seus produtores agrícolas. Qual é a minha tranquilidade? A minha tranquilidade é que, segundo informações, a União Europeia não depende do voto da França para fazer o acordo. A União Europeia tem procuração para fazer o acordo e a França pode não gostar, mas paciência, faz parte do acordo. A França faz parte da União Europeia.
Eu quero lhe dizer que eu lamentei profundamente que o acordo não tenha sido firmado quando o presidente Pedro Sánchez era presidente da União Europeia e eu era presidente do Mercosul. Foi uma falta de oportunidade, mas eu penso que ele ainda está na presidência, eu estou na presidência, e nós ainda vamos assinar esse acordo, para o bem do Mercosul e para o bem da União Europeia.
Eu vou dizer para você uma coisa: a União Europeia precisa desse acordo. E o Mercosul precisa desse acordo. Não é mais uma questão de querer ou não querer, de gostar ou não gostar. Nós chegamos na situação que nós precisamos, politicamente, economicamente e geograficamente, fazer esse acordo. Nós precisamos dar um sinal para o mundo de que nós queremos andar para a frente. Por isso, eu estou otimista.