Entrevista coletiva do presidente Lula à imprensa, em Nova York
Presidente Lula: Bem, amigos e amigas da imprensa brasileira, da imprensa estrangeira. Eu acho que mais uma vez a participação do Brasil na Conferência da ONU foi um momento de marcar posição com relação às coisas que nós estamos reivindicando há algumas décadas. Todo mundo sabe que o Brasil tem falado, insistido e tentado articular com outros presidentes a necessidade de a gente renovar as Nações Unidas para que ela possa resolver conflitos que, hoje, estão simplesmente à deriva porque não tem governança global no mundo.
Se a gente não renovar a ONU, colocando mais representatividade e mais continentes... Vocês viram que eu disse no meu discurso que, quando a ONU foi criada em 1945, tinha 51 países. Hoje tem 193 países na ONU. A geopolítica de hoje é diferente da geopolítica de 1945. A importância dos países também é diferente para mais ou para menos. Então, o que nós estamos defendendo é que haja uma nova geopolítica, uma nova conformação geopolítica para que a gente possa ter a totalidade dos continentes representados na ONU, inclusive no Conselho de Segurança, acabando com o direito de veto e aumentando o poder de comando das Nações Unidas.
Se isso acontecer, eu penso que a gente poderia evitar muitos conflitos que tem hoje. Não sei se vocês estão acompanhando, mas o número de conflitos nos dias de hoje são maiores do que em qualquer outro momento. Golpes de Estado em vários países, tentativas de golpes em outros países, conflitos de guerra civil em vários países, e o mais visível que nós estamos vendo, porque o Sudão e o Iêmen parece que são esquecidos pela imprensa mundial. Mas o que nós vemos é o que está acontecendo em Israel, na faixa de Gaza e agora no Líbano, é uma coisa que não tem precedentes.
E, por mais que a ONU tenha discutido, por mais que tenha tomado decisão, não há nenhum cumprimento de nenhuma decisão da ONU. A mesma coisa é a guerra da Ucrânia e da Rússia, ou seja, é uma guerra que nem precisaria ter começado. Ao começar, a minha ideia é que não existe nenhuma possibilidade de uma solução militar naquela guerra. É preciso que haja uma solução diplomática. E, por isso, o Brasil tem insistido na discussão da paz. E que seja convocado quem os dois países entenderem que possa ajudá-los a encontrar um caminho de paz, a encontrar um denominador comum para que a guerra termine e os dois países voltem a viver fora do barulho de tiros.
Não é uma coisa fácil, porque na vida, até na vida de jornalismo, vocês sabem que tudo começa de um jeito e a gente não sabe como termina. A guerra é a mesma coisa. Quem começou a guerra imaginava que ia ganhar na semana seguinte. Ou seja, acontece que, na realidade, a guerra já está durando quase dois anos, três anos, e me parece que não tem nada previsto para que haja uma negociação.
O meu ministro Celso Amorim, que hoje é meu assessor especial, esteve a meu pedido na China, já esteve a meu pedido na Rússia, já esteve a meu pedido na Ucrânia, na tentativa de discutir se há um caminho em que a gente possa tentar fazer uma proposta de paz. Há uma proposta da China, sabe, que tem sido elogiada por algumas pessoas junto com o Brasil, e nós estamos aí dispostos a saber se os dois países estão interessados em conversar. Porque se os dois não quiserem, não tem conversa.
Então, acho que a gente deixou isso claro no nosso discurso. A gente deixou clara a necessidade da ONU, sabe, voltar a ter um papel muito importante. A ONU teve muita força quando ela foi criada para criar o Estado de Israel, e, agora, não tem nenhuma força para criar o Estado Palestino. Ou seja, é importante criar para que os dois vivam em paz, de forma harmônica, como vivem outras centenas de países no mundo.
Bem, fora disso, o Brasil tem uma representatividade importante por conta do G20. O Brasil pretende fazer um G20 muito, muito especial. Não só porque vai ser feito no Rio de Janeiro, e por isso só já é um pouco especial, mas porque nós vamos ter no dia 16, me parece, um fórum, um G20 Social, em que está sendo convocado gente do movimento social de vários países do mundo inteiro.
E, depois, eu acho que vai ter uma participação apenas entre membros fixos e convidados muito importantes, porque além de discutir a desigualdade, além de voltar a discutir a convergência da ONU, além de discutir a questão da transição climática, a gente tem que discutir outros temas que estão na ordem do dia e que não era possível colocar na pauta quando nós fizemos a pauta.
Eu estou muito feliz nessa viagem porque, mais uma vez, eu pude contar com a presença do presidente do Senado ([Rodrigo Pacheco] e do presidente da Câmara [Arthur Lira] , que eu fiz questão de convidá-los, porque é muito importante a imagem que a gente possa passar, para o mundo e para o Brasil, de que no Brasil a gente consegue exercer a democracia na sua plenitude, mesmo em situações adversas.
Eu queria que os dois presidentes soubessem que a coisa mais extraordinária quando eu converso com os outros países é quando eu falo para eles que eu fui eleito presidente da República com um partido que só tem 70 deputados, de 513; que só tem 9 senadores, de 81, e que a gente consegue votar as coisas com a maior tranquilidade, construindo a maioria em cada votação, discutindo com os partidos políticos, ou seja, fazendo da forma mais civilizada possível as coisas acontecerem, até aprovar uma política tributária que era uma coisa impensável no nosso país.
Então, eu sou grato à presença de vocês dois aqui. Acho que é importante a gente ter em conta, companheiro Lira e companheiro Pacheco, que quem sabe vocês tenham que tomar a iniciativa daqui para frente para que a gente comece a fazer reunião de parlamentares do mundo inteiro no Brasil, de América do Sul, da África, porque a política é exatamente isso.
A política é a arte da convivência democrática entre opostos, entre contrários. E é isso que dá dinamismo à democracia. Eu também tive a oportunidade de, junto com o Pedro Sánchez, [presidente] da Espanha, convocar uma reunião com alguns presidentes que nós consideramos democratas – não convidamos todos porque era uma coisa muito precipitada –, para a gente discutir a revitalização da democracia, o surgimento da extrema direita. Sabe, esse extremismo que nós estamos vendo, com um suporte muito grande na indústria da fake news que está monetizada, tem gente ficando rica com a quantidade de mentiras, com a quantidade de leviandades. Eu chamei os democratas para a gente discutir, ou seja, onde é que a democracia errou?
Porque em algum momento a democracia cometeu uma falha que permitiu que pessoas extremistas e de extrema direita pudessem questionar a própria democracia, questionar o sistema, questionar uma série de coisas que, 50 anos atrás, era culpa da esquerda.
Então, é uma discussão muito séria, porque eu considero a democracia o sistema de governo mais extraordinário que se inventou, porque somente num processo democrático é que um metalúrgico pode chegar à presidência de um país que é a oitava economia do mundo. Somente na democracia a gente pode conseguir negociar votações em um Congresso que, teoricamente, depois das eleições era adverso e que até agora tem contribuído para a gente votar todas as coisas de interesse do Brasil.
E também eu fiz algumas reuniões empresariais. Eu fiz reunião, sabe, com as agências de rating. Eu jantei, ontem à noite, com um grupo de empresários a convite do companheiro Josué [Gomes], presidente da Fiesp. Fiz reuniões com outros empresários individualmente, porque são pessoas que querem fazer investimento no Brasil. São pessoas que estão trabalhando com o sentido de fazer investimento, são pessoas que estão acreditando que as coisas, agora, estão dando certo. E como eu sou um presidente de muita sorte, eu estou dizendo para as pessoas: “aproveitem”. Porque eu tenho tanta sorte que o Corinthians começou a ganhar, sabe, e já ganhou três jogos seguidos. Então, isso é sorte.
E como eu acho que a economia brasileira está surpreendendo positivamente, essa é a maior sorte que eu tenho, é que a economia brasileira está surpreendendo os homens do mercado externo, os homens do mercado interno, os pessimistas de plantão. As pessoas estão percebendo que a economia vai crescer no Brasil, que o salário mínimo vai continuar crescendo no Brasil, que as políticas de inclusão social vão continuar acontecendo no Brasil e que a gente vai continuar a levar o Brasil para viver um padrão de vida que seja respeitável.
Ou seja, quando as pessoas conseguem subir um degrau na escala social, a gente precisa fazer com que ele suba o segundo, que suba o terceiro, para que nunca retroceda, porque o Brasil está dando uma chance a si mesmo e, exatamente, nesse momento em que a gente está discutindo muito a transição energética que o mundo inteiro está falando e que nenhum país do mundo tem as condições que o Brasil tem para ser um país exemplo de fazer a energia mais limpa do planeta Terra em quase toda a sua plenitude.
Para jornalista estrangeiro que está aqui, é importante lembrar que o Brasil já tem 90% da sua energia elétrica renovável. É importante lembrar que nós temos etanol há 50 anos, e já misturamos 30% de etanol na nossa gasolina. É importante lembrar que a gente já tem biodiesel desde 2013, quando eu fui eleito presidente da República, e que, agora, vamos colocar 15% de biodiesel no óleo diesel. Além do que, o potencial de fazer hidrelétrica continua forte, o potencial de eólica é extraordinário, o potencial de solar é extraordinário e o potencial de hidrogênio verde é muito grande.
O Brasil tem uma chance que a gente não vai jogar fora. E eu sempre que tenho oportunidade nesses fóruns internacionais, eu faço questão de dizer o que a gente quer fazer. Eu vivi um período do Brasil de muita incerteza. Quando eu cheguei na Presidência da República, em 2003, esse país não tinha dinheiro para pagar as suas importações. O presidente do FMI não recebia o ministro da Fazenda. Nós fizemos uma inversão de valores: nós não só pagamos a dívida, como nós fizemos uma coisa inédita na história do Brasil, que foi se transformar na quarta reserva internacional do mundo, com US$ 370 bilhões, que é o que sustenta o Brasil até hoje de não ter quebrado nas suas crises.
Então, o Brasil passou a ser um país respeitado. Vocês se lembram que nós tínhamos saído do Mapa da Fome em 2014, e, quando eu voltei agora, em 2023, a gente tinha 33 milhões de pessoas em condições de fome, outra vez, no Brasil. Nós já acabamos com 24 milhões e 400 mil pessoas saindo da fome, e, até o final do mandato, eu quero entregar o país com todas as crianças tomando café de manhã, almoçando e jantando.
É esse país que eu quero construir e é esse país que está ao nosso alcance. Está na mão dos deputados, dos senadores, dos meus diplomatas, da imprensa e na minha. Porque, sinceramente, eu digo todo dia, eu não tinha outra razão para voltar a ser presidente da República se não fosse para fazer mais do que eu fiz as outras vezes. Com mais experiência, com mais maturidade, sabendo das dificuldades, sabendo que nós estamos vivendo uma situação muito complicada, porque você tem uma extrema direita atuante, sobretudo no chamado mundo digital, que vocês costumam tratar de rede social, e eu trato de rede digital, que tem muita coisa além do social.
Então, é esse país que eu vim aqui apresentar na ONU, é esse país que eu apresentei em todas as bilaterais, é esse país que eu apresentei aos empresários e é desse país que eu estou falando com vocês agora. Dito tudo isso, eu me coloco à disposição de vossas excelências para perguntas. Não adianta olhar para mim porque eu não vou dar a palavra. Quem vai dar a palavra é o companheiro…
Repórter: Senhor presidente, muito obrigada por esta oportunidade. Eu sou Sherifa Zuhur, da agência Anadolu. Gostaria de fazer uma pergunta sobre a situação no Líbano. Foi relatado que em apenas um dia mais de 500 civis foram mortos. E agora os militares israelenses também anunciaram que estão se preparando para uma ofensiva terrestre no Líbano. Como você avalia isso, e o você acha que é hora de pedir um embargo global de armas a Israel? Muito obrigada.
Presidente Lula: Olha, é só importante a gente lembrar que, no Líbano, o número total de mortos é de 620 pessoas. É o maior número de mortes desde a guerra civil que durou entre 1975 e 1990. É importante lembrar também que morreram 94 mulheres, 50 crianças, 2.058 pessoas feridas e, na verdade, 10 mil pessoas forçadas a esvaziar suas casas. Ou seja, esse é o mundo, além do que na Cisjordânia também já morreu bastante gente. Nós temos 5.700 pessoas feridas. Nós temos, na Cisjordânia ocupada, 9 mulheres que morreram, 160 crianças. E nós estamos percebendo que 716 pessoas morreram, segundo o Ministério da Saúde do país e Al Jazeera. Além daquilo que eu chamo de genocídio na Faixa de Gaza. É importante lembrar que o primeiro-ministro [de Israel] Netanyahu foi julgado pelo Tribunal Internacional que julgou [Vladimir] Putin [presidente da Rússia], e ele está condenado da mesma forma que Putin.
É importante lembrar que já foram feitas várias discussões aqui no Conselho de Segurança da ONU. Várias tentativas de paz e de cessar-fogo foram aprovadas e que ele não cumpre. Simplesmente não cumpre.
E é, por isso, que estamos nessa briga de fortalecer a ONU como um instrumento que tem a força para tomar uma decisão e fazer as coisas acontecerem. Eu, sinceramente, acho que os países que dão sustentação ao discurso do primeiro-ministro Netanyahu precisam começar a fazer um esforço maior para que esse genocídio pare. Porque nós estamos em uma situação, de um lado cuidando do planeta para ver se a gente tem melhor qualidade de vida, para ver se a gente reduz os gases de efeito estufa, para ver se a gente diminui as queimadas, para ver se a gente preserva as florestas, para ver se a gente cuida da água. E, de outro lado, o ser humano se matando. Não tem nenhuma explicação.
Portanto, eu condeno, de forma veemente, esse comportamento do governo de Israel, que eu tenho certeza de que a maioria do povo de Israel não concorda com esse genocídio. Eu tenho certeza. É importante lembrar que, quando tudo começou, Israel dizia que tinham 1.405 pessoas mortas. Segundo o governo de Israel, ou seja, caiu o número para 139, sabe? Das pessoas mortas.
E também nós estamos brigando para libertar os reféns do Hamas. Não tem sentido. Não tem sentido fazer reféns pessoas inocentes. E é importante que o Hamas contribua para que haja mais eloquência e exigência sob o governo de Israel e liberar os reféns para que as coisas voltem ao normal.
É isso. Eu acho que a humanidade não pode conviver e aceitar com normalmente o que está acontecendo em Israel, o que está acontecendo na Faixa de Gaza, o que está acontecendo no Líbano, o que está acontecendo na Cisjordânia ocupada.
Repórter: Presidente, Mariana Sanches, da BBC Brasil. Presidente, aqui na ONU, o senhor repetiu sobre a urgência e a necessidade da descarbonização das economias, inclusive do Brasil. Mas aqui em Nova York, o senhor teve uma reunião fora da agenda com a Shell, que tem interesse em explorar petróleo na margem equatorial. Isso causou desconforto em integrantes do seu próprio governo, que veem contradição nas duas mensagens. O que o senhor diz sobre isso?
Presidente Lula: Primeiro, eu não estou vendo nenhuma contradição. Eu recebi um empresário que está simplesmente há 100 anos no Brasil. Eu só tenho 78 anos, significa que quando eu nasci, a Shell já estava no Brasil há 22 anos. E é uma empresa que tem contribuído dentro da lógica das exigências da política energética do Brasil.
Primeira coisa. Então, eu conversei com uma empresa que tem investimentos há 100 anos no Brasil, que continua investindo no Brasil, é sócia da Petrobras em 60% dos postos leiloados, e ela só vai ir para a margem equatorial quando o governo brasileiro autorizar a Petrobras a fazer a pesquisa na margem equatorial. É só isso.
Agora, o que nós precisamos ter consciência é que a gente não está num mundo em que a gente pode dizer que pode acabar o combustível fóssil, que vai ter combustível alternativo. É preciso que quando a gente fale isso, a gente aponte como é que vai viver o planeta Terra sem energia fóssil até a gente se dotar de autossuficiência de outro tipo de energia.
O carro elétrico é muito bom, mas é uma coisa muito incipiente. O carro a hidrogênio pode ser uma coisa boa, mas ainda é muito incipiente. O que nós temos é a solução e o Brasil, diga-se de passagem, é o único país que há muito tempo tem possibilidade de você ter carro a etanol, de você ter carro a gás e de você ter carro a combustível fóssil.
E quando nós fazemos a mistura de 30%, e também o combustível da Shell recebe 30% de etanol, a gente está vendendo gasolina menos poluente do que o resto do mundo. E a mesma coisa vale para o biodiesel. Então, a gente vai utilizar o potencial de exploração de petróleo do Brasil para que a gente possa transformar a Petrobras numa empresa de energia e não numa empresa de petróleo. Quando o petróleo acabar, a Petrobras tem que estar produzindo outras energias que o Brasil e o mundo precisam. Portanto, eu não vejo nenhuma contradição.
Repórter: Sou da mídia da Índia. O Brasil tem a presidência do G20. Você tinha proposto uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e também uma das duas metas da ODS. Esse documento foi endossado pelos países do G20 e a aliança vai ser lançada na Cúpula, em novembro. Bem, o que eu queria saber de você, presidente, qual a sua visão da Aliança e, particularmente, aqui, algumas alianças não têm condicionalidade. Você vai impor aos países como distribuírem fundos? E a segunda parte da pergunta é: você propôs um projeto, o Bolsa Família, como um projeto do nosso país que pode ser escalado e ir para outros países, na Ásia, na África. Você podia nos dar algumas ideias? E quantos países que já se juntaram à Aliança até agora, presidente?
Presidente Lula: Olha, para a minha alegria, a Aliança Global contra a Desigualdade, a Fome e a Pobreza tem sido um sucesso e, até agora, todos os países que nós temos conversado têm tido a posição extraordinária de aceitar participar dessa aliança global. Eu não acredito que tenha um presidente de qualquer país que recuse a participar de uma magnitude de bandeira como essa que é a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza. Olha, e por quê? Porque não tem como obrigar os países a contribuir, não tem como obrigar os países a dar dinheiro.
O que o Brasil pode dar no G20 é mostrar os exemplos de políticas bem-sucedidas no Brasil e também estudar outras políticas bem-sucedidas em outros países. E a gente, com um conjunto de políticas bem-sucedidas, a gente vai poder provar que a única possibilidade que a gente tem de cumprir essa meta é a gente colocar o povo pobre no orçamento de cada país.
Não é fazer quando puder. Não é fazer quando sobrar dinheiro. É fazer de forma prioritária. É colocar no orçamento as pessoas pobres para que a gente possa, quando estiver fazendo o orçamento de um país, a gente saber que os pobres vão ter ali a segurança de que vão ser cuidados. E nós temos exemplos no Brasil. Nós temos exemplos, ou seja, não é só Bolsa Família. Bolsa Família é apenas um ingrediente.
Mas nós temos o aumento do salário mínimo. Nós temos o aumento do financiamento do micro, pequeno e médio produtor rural. Nós temos o financiamento para o pequeno empreendedor. Nós temos o programa chamado Luz para Todos. Nós temos o programa chamado Cisternas, que no governo da presidenta Dilma [Rousseff, ex-presidenta do Brasil e atual presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento] foi feito um milhão e quatrocentas mil cisternas.
Ou seja, a gente pode fazer N coisas. O que a gente não pode é ficar parado e constatar que é apenas um dado de resultado de pesquisa, que é um dado estatístico. Não.
O mundo produz alimento suficiente para acabar com a fome. É preciso que a gente crie condições das pessoas terem o mínimo de recurso para comprar esse alimento. Então, eu acho que é uma bandeira extraordinária. É uma bandeira muito, muito extraordinária. Eu acho que vai ser a coisa mais importante que a gente tem que fazer cumprir. Eu estou muito otimista, porque até agora todos os países foram favoráveis.
Deixa só eu dar um reparo aqui, que vieram me dizer que eu dei uma informação errada aqui. As autoridades de Israel revisaram o número de mortes dos ataques de 7 de outubro de 1.405 para 1.139. Foi isso que eu falei. Se eu não falei com essa precisão, é porque eu não li direito. Mas aqui está escrito. As autoridades revisaram o número de mortes dos ataques de 7 de outubro de 1.405 para 1.139.
Repórter: Boa tarde, presidente. Ismar Madeira, da TV Globo. O senhor citou agora, logo na abertura, problemas como as guerras e a dificuldade das governanças e tal. E, ontem, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, citou o Brasil no Conselho de Segurança. No discurso, ele reclamou de uma visão colonial sobre a Ucrânia, criticou a proposta que o senhor, inclusive, citou agora há pouco, da China e Brasil, e disse que a Ucrânia não vai aceitar propostas de solução alternativa a uma paz plena, deixando claro que não vai abrir mão da integridade territorial e soberania. Como é que o senhor vê essa fala do Volodymyr Zelensky? Especialmente porque a crítica veio também citando o nome do Brasil, citando o país.
Presidente Lula: Acho que ele só falou o óbvio. Que ele tem que defender a soberania é obrigação dele. Que ele tem que ser contra a ocupação territorial é obrigação dele. O que ele não está conseguindo fazer é a paz. E o que nós estamos propondo não é fazer a paz por eles. O que nós estamos é chamando a atenção para que eles levem em consideração que somente a paz vai garantir que a Ucrânia sobreviva enquanto um país soberano. E a Rússia sobreviva. É isso que nós estamos falando.
Eles não precisam aceitar a proposta da China e do Brasil porque não tem proposta. Tem uma tese de que é importante começar a conversar. E eu vou dizer para você mais: ele, se fosse esperto, ele diria que a solução é diplomática, não é militar. Isso depende de capacidade de sentar e conversar. Ouvir o contrário e tentar chegar a um acordo, sabe, para que o povo ucraniano tenha sossego na vida. É isso.
Vamos fazer um negócio em comum. Como eu sou um cidadão altamente democrático, eu vou dar uma colher de chá para mais duas perguntas. Agora, por favor, gente, façam perguntas mais inteligente do que eu possa responder.
Repórter: Boa tarde, presidente. Eu sou a Simone Iglesias da Bloomberg. Eu vou ter que fazer um sanduíche de perguntas para depois os meus colegas do Brasil não reclamarem. O senhor pediu uma reunião com as agências de risco, aqui em Nova York, conversou com as três. Entendemos, pelo ministro Fernando Haddad, que para o senhor entender se o Brasil consegue voltar ao grau de investimento ainda dentro do seu mandato. Então, a gente quer ouvir sobre isso.
E o presidente do Chile [Gabriel Boric] fez uma reclamação muito agressiva ontem no encontro do Pacto pela Democracia, cobrando que o senhor e os outros presidentes usassem a mesma régua para medir ditadores e presidentes que cometem violações dos direitos humanos. Ele listou nominalmente o Putin, o [Nicolás] Maduro [presidente da Venezuela], o [Daniel] Ortega [presidente da Nicarágua] e o Netanyahu. Eu gostaria que o senhor, por gentileza, comentasse as críticas do Boric. Muito obrigada.
Presidente Lula: Você sabe qual é a essência da democracia? É as pessoas falarem o que querem falar. E a gente escutar o que a pessoa falou. Ele falou o pensamento dele. E jamais eu vou contestar. Se ele pensa aquilo que ele falou, ótimo. Eu não vi nenhuma coisa agressiva que o presidente Boric falou. Ele tem falado isso sistematicamente há alguns meses. E é importante que ele continue falando, porque só ele pode falar o que ele pensa. Não eu.
A segunda coisa é que eu chamei as agências para conversar, porque essas agências têm um histórico no Brasil. Elas vão sistematicamente ao Brasil. Elas têm escritório no Brasil. Tem escritório em São Paulo, tem escritório no Rio de Janeiro. Elas pesquisam. E eu brinquei com eles dizendo que eu sou tão azarado nesse negócio que eu nunca respondi uma pergunta, sequer eleitoral. Nunca encontrei ninguém que parasse na rua e falasse: "Oh Lula, em quem você vai votar?", nunca. E também nunca tive o IBGE na minha casa. Nunca. Acho que nunca foram, porque acho que eles já sabem o que eu sou antes de eu falar.
Então, eu chamei as agências de rating pelo seguinte, é importante que vocês saibam da boca do presidente da República o que está acontecendo naquele país. Não precisa ouvir só a Faria Lima. Não precisa ouvir só os empresários. Ouça os trabalhadores e ouça o presidente da República. E eles têm sido decentes, porque tem conversado com o ministro da Fazenda, o [Fernando] Haddad, e tem conversado com as pessoas do Tesouro.
Mas eu quis mostrar um pouco para eles o que está acontecendo no Brasil. O que é que está acontecendo no Brasil? O mercado dizia, em janeiro de 2023, que a gente ia crescer 0,8%. Nós crescemos 3%. Poderia ser 2,9999. Pois bem, o mercado começou dizendo que a gente ia crescer 1,5%. Agora, o mercado já eleva a possibilidade de crescimento para 3,5%.
Então, eu quero que as pessoas lembrem o que aconteceu no Brasil, que muitas vezes eu acho que a imprensa também não lembra. Vamos lembrar algumas palavras mágicas que eu dizia durante a campanha. Eu dizia: para que um país dê certo, é preciso que a gente garanta algumas coisas importantes.
Primeiro, a gente dizia: é preciso que a gente tenha estabilidade fiscal. É preciso que a gente tenha estabilidade econômica. É preciso que a gente tenha estabilidade política. É preciso que a gente tenha estabilidade jurídica. E é preciso que a gente tenha estabilidade social. E, por último, é preciso ter previsibilidade, que é o que nós fazemos.
Nada acontece a partir da meia-noite. Tudo é à luz do sol. E é esse país, com todas essas marcas de estabilidade, que a gente está oferecendo. E nós estamos oferecendo mais, agora, com a aprovação da reforma tributária. Uma coisa que parecia impossível.
E vocês se lembram do que nós estamos vendo de investimento no Brasil. Há quanto tempo vocês não ouviam falar de investimento da indústria automobilística? Pois bem, anunciaram investimentos de R$ 130 bilhões até 2028. Há quanto tempo vocês não ouviam falar da indústria de alimentos? R$ 120 bilhões. Indústria de papel e celulose? R$ 105 bilhões. E indústria de aço, R$ 100 bilhões. Além da nova indústria, que já tem R$ 142 bilhões de financiamento público e privado.
Isso não acontecia no Brasil há muito tempo. E ainda é pouco, porque a gente precisa de mais investimento público e privado. Mais estabilidade para as coisas acontecerem. O que eu quero mostrar é que tem poucos países que se comportam com a seriedade que nós nos comportamos.
E eu faço questão de dizer para eles o que eu dizia, em 2005, para o presidente do FMI. Eu fui alfabetizado economicamente por uma mulher analfabeta que não sabia fazer um O com o copo. Aprendi com a minha mãe pegando o salário meu e dos meus irmãos e dizendo o que a gente tinha que fazer com o dinheiro.
E eu faço na economia a mesma coisa. Eu não posso gastar o que eu não tenho. Se eu tiver que fazer uma dívida para fazer alguma coisa nova, essa dívida jamais será feita para custeio. Essa dívida pode ser feita para um investimento novo, que significa um crescimento de ativos do país. E quando você faz isso, você não está gastando, você está investindo.
E é esse país que eu quero que o mundo conheça. É esse país. Eu já fiz isso uma vez. E já entreguei o país crescendo 7,5% ao ano, o comércio crescendo 13%. E o povo vivendo um dos melhores momentos da sua vida, com a indústria automobilística vendendo 3,8 milhões de carros por ano. E, agora, quando eu voltei, só vendia 1,8 milhão.
O que aconteceu com esse país? Aconteceu que ele estava desgovernado. E governar o país é você saber para quem que você quer governar. E eu tenho uma marca clara. Eu governo para todo mundo, mas os pobres, as pessoas mais necessitadas, serão sempre prioridade nas minhas decisões políticas. E agora tem mais. Agora nós temos mais a questão do povo negro. Nós temos agora a questão da LGBTQIA+. Nós temos as mulheres que estão ocupando um espaço importante na política, cada vez crescendo mais. E cada vez mais a gente tem que dar atenção.
Eu até acho grave. Nós aprovamos uma coisa no Brasil, que muito país desenvolvido não aprovou, que é salário igual para trabalho igual. Eu até reivindiquei esse dia que as mulheres jogadoras do Corinthians devem ganhar mais do que os jogadores homens. Porque nós somos hexacampeão feminino do futebol brasileiro. Então, já que essas mulheres jogam mais que os homens, elas têm que ganhar mais.
É isso que eu mostro para as pessoas. E eu tenho muito orgulho. Ontem, eu fui ao jantar à noite para dizer isso. Quase não comi. Porque quando eu vejo pessoas, eu tenho vontade de convencê-las. Aí, eu utilizo todo o potencial de argumento que eu tenho para tentar mostrar: “o Brasil vai ser isso”. “Porque vai acontecer isso, porque o povo brasileiro precisa disso”.
Eu queria que vocês soubessem, nós temos uma chance nessa segunda metade do século 21 extraordinariamente fantástica. E a gente não pode jogar fora. O Brasil tem que ser o país celeiro da energia renovável. De toda e qualquer energia renovável. E é isso que vai dar ao Brasil a grandeza que o Brasil precisa para se transformar numa economia justa, sustentável, com qualidade de vida de seu povo.
Repórter: Senhor presidente, eu sou da U.S. News & World Report. Já que você respondeu muitas perguntas sobre o mundo e você mencionou o seu time de futebol, Corinthians, no Brasil, eu gostaria de saber que o futebol americano, qual é a sua opinião, começou a ganhar forças em São Paulo. Será que o futebol brasileiro e o futebol americano podem ficar lado a lado?
Presidente Lula: Eu confesso à jornalista que me fez a pergunta, que eu fiquei surpreso com a quantidade de brasileiros e brasileiras que admiram e gostam do futebol americano. Eu, como sou formado em futebol, eu não entendo nada daquele jogo. Eu vejo um bando de homens correndo atrás de uma bola, se agarrando, caindo, uma trave muito alta, que a bola nunca passa por cima da trave, ou seja, tem que passar no meio. Mas eu acho fantástico, eu acho que o que ficou provado naquele jogo no estádio do Corinthians é que o futebol americano pode ser praticado no Brasil com muito sucesso. E eu espero que seja, porque como eu tenho netos e pretendo ter bisnetos, quem sabe eles sejam um jogador de futebol americano bem-sucedido. É isso. Eu fiquei feliz. É uma experiência inédita, sabe, extraordinariamente positiva para o Brasil.
Agora, eu tenho que ir. Ó, eu vou dar uma colher de chá aqui para a Rádio Itatiaia. Vamos lá.
Repórter: Obrigada, presidente. Aqui, eu queria que o senhor falasse um pouco sobre as reuniões que o senhor teve. Enfim, avançou algo em relação ao acordo do Mercosul, das reuniões que o senhor teve com o Pedro, com o Macron, com a presidente da Comissão da União Europeia. E a presidência da COP? Tinha a expectativa de que o senhor anunciasse aqui em Nova York. Tem nome?
Presidente Lula: Eu tenho tempo para anunciar a presidência da COP. Eu vou para Baku para participar da COP29. De lá eu saio com a presidência, sabe, da COP 2025. E aí eu vou no Brasil escolher quem vai ser presidente da COP.
Presta atenção no que eu vou falar. Deixa o seu gravador aí. Eu nunca, nunca estive tão otimista com o acordo União Europeia-Mercosul. Ontem, eu disse a Ursula von der Leyen, que é a companheira que negocia junto com meus ministros, de que o Brasil está pronto para assinar o acordo. Que agora a responsabilidade é toda da União Europeia e não do Brasil. Porque durante 20 anos se jogava a culpa nos países do Mercosul. Nós estamos prontos. Estamos prontos para fazer o acordo. E eu ainda disse para ela: “Se vocês se prepararem, nós poderemos assinar durante a reunião do G20. Ou quem sabe, uma reunião até com champanhe na sede da União Europeia.” Estamos prontos e eu acho que vai sair o acordo.
E nós precisamos que saia o acordo, porque nós temos muitos outros acordos para fazer. Eu preciso fazer acordos estratégicos com a Índia, porque a Índia é um país muito grande. O nosso comércio bilateral é muito pequeno, se você imaginar as duas economias. Nós queremos trabalhar melhor a questão da China. Nós queremos trabalhar melhor a questão da União Europeia. Nós queremos voltar a trabalhar a nossa política na América do Sul, na América Latina.
Estou indo para o México, vou chegar ao Brasil amanhã de madrugada. Já vou no domingo para o México. Segunda-feira tem uma reunião de empresários brasileiros e mexicanos no México. Eu vou tentar convencer os mexicanos a investirem mais aqui, os brasileiros a investirem lá. Vou tentar convencer os brasileiros a comprarem mais do México, e eles comprarem mais de nós. Porque a política de comércio exterior é isso, é comprar e vender. Não é só vender, é comprar e vender. E depois eu vou participar da posse da presidenta Claudia [Sheinbaum], depois eu regresso e só vou viajar depois para Baku, depois vou para Kazan, depois aqui no Brasil, com o G20.
Vocês estão convidados para o G20 no Rio de Janeiro.
Muito obrigado.