Conversa com o Presidente - Live do dia 8.ago.23
TRANSMISSÃO | Conversa com o Presidente #9
Jornalista Marcos Uchôa - Bom dia, bem-vindo a mais um Conversa com o Presidente. Uma conversa, essa é muito especial, vocês estão até vendo pelo fundo aí, nós estamos em Belém, no Pará, em um encontro histórico de importância amazônica, não simplesmente pra nós do Amazonas, do Brasil, da América do Sul, mas na verdade pro planeta inteiro, né? Realmente é uma ocasião muito especial esse encontro, são dois dias, hoje e amanhã, com os outros sete países que têm parte, também, da Amazônia. Mas antes da gente chegar e conversar do encontro em si, gostaria que o Senhor falasse um pouquinho sobre esse começo da sua viagem pela Amazônia, que começou lá em Parintins, ainda na semana passada, sexta-feira, depois você esteve em Santarém, e foi uma questão de ver energia, internet. As pessoas realmente na Amazônia, muitas vezes, não têm aquela coisa que a gente acha mais básica, né?
Presidente Lula - Olha, primeiro esse encontro aqui não vai começar hoje ou amanhã, esse encontro aqui, ele já começou antes, porque por aqui passaram centenas de milhares de pessoas que foram discutir, representando o movimento social organizado. A informação que eu tenho aqui é que por aqui já passaram mais de 27 mil pessoas discutindo a questão do clima, discutindo a questão do desenvolvimento sustentável, discutindo a questão indígena, a questão da terra. Ou seja, esse encontro, na verdade, eu acho que é um marco. Eu, se entendo um pouco de política, poderia te dizer que a história da defesa da Amazônia, da defesa da floresta, da questão da transição ecológica, vai ter dois momentos: antes e depois desse encontro, porque esse encontro é a coisa mais forte já feita em defesa da questão do clima.
Eu fui a Parintins dar sequência a inauguração do Programa Luz para Todos, e também o Linhão que vai de Tucuruí até, até Roraima, terminando a interligação do Brasil, colocando Roraima pra dentro do Brasil, e depois nós vamos recuperar a linha de Guri, da Venezuela, que foi inaugurada por Fernando Henrique Cardoso [ex-presidente do Brasil ], Chávez [Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela] e Fidel Castro [ex-presidente de Cuba], que está totalmente desativada. Nós vamos recuperar pra fazer uma ligação entre a América do Sul e o Brasil. E depois eu fui fazer um passeio no rio Tapajós. Foi uma coisa fantástica. Eu não tinha noção do que são as praias do Tapajós, não tinha noção da largura do rio, e não tinha noção da beleza. Ou seja, muitas vezes as pessoas gastam muito dinheiro pra viajar do Brasil pra outro país pra ver beleza. Eu acho que se as pessoas fossem ao rio Tapajós e outros rios que eu não pude visitar, as pessoas iriam se encantar e voltar muitas vezes. Eu fiquei dois dias no rio Tapajós.
Depois eu voltei pra Santarém pra inaugurar a telemedicina e inaugurar a Infovia, porque a gente vai ter já mais de 87 barcos transitando pelas águas brasileiras levando médico, dentista e enfermeira pra cuidar do povo que mora às margens dos rios. Então, o fato inusitado é uma coisa que foi criada em 2006, ainda no meu primeiro mandato, mas que agora a gente está aprimorando isso, e vai, então, inclusive, ter o Mais Médicos participando desse trabalho.
Aos poucos a gente vai colocando a casa no lugar, vai colocando a casa em ordem, e aos poucos a gente vai suprir todas as necessidades que o povo que mora em lugares mais distante tem. E cuidar da Amazônia, cuidar do povo que mora na Amazônia... Nós temos dito o seguinte: o problema da Amazônia não é só ficar olhando a copa, é olhar o que tem embaixo. Embaixo tem gente, tem fauna, tem, tem, tem, tem todo tipo de flores que você possa imaginar, tem muita água, mas tem na Amazônia toda quase 50 milhões de pessoas morando, que precisam ter acesso ao mínimo necessário pra sobreviver.
Então, dessa viagem eu vim pra Belém. Vim pra Belém fazer essa conversa com você, e daqui a pouco nós vamos abrir o encontro com a presença de oito presidentes, mais a presença da República Popular do Congo, da República do Congo, do primeiro-ministro, do ministro da Indonésia, tem gente da Holanda, tem gente da Noruega, tem gente da Alemanha, tem gente da França. Ou seja, para fazer um encontro que vai marcar, definitivamente, a questão da discussão sobre o clima. Aqui a ideia básica é a gente sair daqui preparado para, de forma unificada, todos os países que têm floresta ter uma posição comum nos Emirados Árabes, na COP-28, e a gente mudar a discussão. E quando for em 2025, todas as pessoas que defendem a Amazônia, que falam da Amazônia, mas que não sabem o que é a Amazônia, terão o direito, o prazer de vir à Amazônia ver de perto o que que é isso que tanto encanta o mundo.
Jornalista Marcos Uchôa - Esse encanto claramente você está dizendo sobre essas praias maravilhosas do Tapajós. Agora, pra quem é pobre muitas vezes a natureza fica distante né? Muitas vezes a pessoa não tem acesso a um lugar bonito, a um lugar que dê pra gente como ser humano, e ao mesmo tempo inserido na natureza, aquele prazer da sombra da árvore, da flor, da água, do rio, enfim. Foi muito diferente pro senhor? Quando o senhor era muito pequeno, o que era natureza?
Presidente Lula - Não era nada. O maior divertimento que eu tinha quando eu tinha sete anos era caçar tanajura. Sabe, quando chovia a gente ia ficar pegando tanajura, pra comer tanajura. Você não sabe o que é tanajura, sabe?
Jornalista Marcos Uchôa - Aquela formiga grandona, né?
Presidente Lula - É, a gente pegava, fritava e comia. Aquilo era uma coisa extraordinária. Mas a gente não tem noção. A verdade, a verdade é que as pessoas que moram, sabe, na Amazônia, tem muita gente pobre. Muita gente que vive de pesca, muita gente que vive de caça, muita gente que vive de trabalho manual, artesanal, muita gente que vive trabalhando colhendo castanha, sabe, colhendo coco, fazendo qualquer coisa. São pessoas pobres, mas são pessoas que vivem num mundo muito melhor do que o mundo que a gente vive num grande centro urbano, apinhado de gente e de carro. O dado concreto é que é preciso levar a essas pessoas as oportunidades de estudar, de ter acesso à educação, essa pessoa ter acesso ao lazer, essa pessoa ter acesso a uma boa qualidade de saúde. E é pra isso que a gente foi fazer essa inauguração do barco escola, que é uma coisa excepcional. Eu, particularmente, estou convencido de que é preciso o Brasil conhecer essas coisas, para que a gente possa se contrapor à destruição. Ou seja, não é possível alguém imaginar que é possível fazer garimpo perto do rio tapajós, de que é possível poluir aquela água, de que é possível jogar mercúrio, não é possível. As pessoas têm que saber que é proibido fazer isso e que não pode fazer isso. As pessoas têm que saber disso. Então, nós vamos trabalhar com muita força, eu voltei de lá com muito mais vontade de falar o seguinte: "Olhe, a árvore em pé, os rios limpos, é uma necessidade da população, sabe, que mora nessa região, e da população que mora a milhares de quilômetros de distância. Porque nós temos o direito de cuidar, preservar, compartilhar com os outros, e não podemos permitir que haja destruição”. Por isso é que nós vamos ter mais Polícia Federal, mais Forças Armadas cuidando das nossas fronteiras, combatendo o narcotráfico, combatendo o garimpo ilegal, combatendo os madeireiros ilegais.
Ou seja, quem quiser trabalhar com madeira faça uma plantação de madeira, compre uns alqueires de terra degradada e planta o que quiser, e corte e faça o que quiser. O que não dá é permitir que as pessoas destruam aquilo que não é deles. O cidadão invade uma floresta e vai cortando as coisas sem pedir licença, vai, vai, vai garimpando sem pedir licença, vai pegando minério sem pedir licença. Não é possível, isso tem que acabar~. Ninguém venha dizer que é radicalismo. Não. Isso é defesa da floresta, defesa da Amazônia, defesa do planeta, e defesa do nosso direito de respirar ar puro e beber água limpa.
Jornalista Marcos Uchôa - O senhor está falando muito das pessoas que moram aqui, né? Que vivem e que sobrevivem muitas vezes aqui. E a gente tem uma pergunta naquele quadro da gente O Povo Quer Saber, pro senhor. É dessa região aqui, do Maranhão, e que fala exatamente em nome das pessoas que querem se organizar. Porque a gente viu nesses Diálogos Amazônicos tanta gente querendo participar também e passar a sua mensagem para os líderes que começam o encontro. Vou colocar aqui pra você dar uma olhada agora.
O povo quer saber - Olá, eu sou Gracinha Donato da Via Campesina Brasil, sou do Maranhão. Bom dia presidente Lula, é um prazer estar aqui conversando com o senhor. Eu gostaria de saber quais são as preocupações e quais são os organismos de participação popular do seu governo para os povos da Amazônia, para os povos da floresta, para os povos organizados?
Presidente Lula - Olha, Gracinha, o que não falta na verdade é lugar para participação do movimento popular. Primeiro porque nós temos o Ministério do Meio Ambiente, que cuida, que cuida de tudo aquilo que se fala do clima, tudo aquilo que se fala de floresta e tudo aquilo que se fala, sabe, de água. Depois nós temos o Ministério da Igualdade Racial, depois nós temos o Ministério dos Direitos Humanos, depois nós temos o Ministério da Mulher, e depois nós temos o ministro chefe da secretaria-geral, que cuida de todas as entidades populares que participam do fórum dentro do governo. São mais de 70 entidades que participam, organizaram parte da participação aqui, desse encontro amazônico, e nós vamos fazer ainda esse ano e ano que vem todas as conferências necessárias de participação popular. O que nós queremos é que o povo esteja cada vez mais organizado, cada vez mais participativo, para que a gente não veja a destruição que aconteceu nesse país. Nós passamos 13 anos construindo coisas e em apenas quatro anos eles conseguiram demolir, destruir tudo que a gente fez. Agora, a gente já reconstruiu as coisas que nós tínhamos que reconstruir que significavam inclusão social, que significavam preservação ao ambiente. Eu vou dar um dado a você, Gracinha: só o Ibama tinha 1.700 pessoas quando eu era presidente da República, quando voltamos só tinha 700 pessoas. Com 700 pessoas não têm capacidade de fiscalização, não têm capacidade de acompanhamento do projeto, então, nós precisamos ter consciência que não é gasto, é fazer investimento. Fazer concurso e colocar as pessoas adequadas em quantidades adequadas pra gente continuar fiscalizando esse país.
O movimento popular, pra nós, ele será a vanguarda e o instrumento da execução das nossas políticas públicas. Por isso, Gracinha, você vai ter muito mais serviço que você imaginava, vai ter muita coisa pro movimento popular fazer no Brasil para que a gente possa construir os alicerces da democracia nesse país.
Jornalista Marcos Uchôa - Presidente, uma das dificuldades históricas sobre a conversa do meio ambiente é que muitas vezes as pessoas mais pobres se sentiam distante desse tema. Brincavam, vamos dizer assim, mas com um fundo de verdade, que o pessoal do meio ambiente estava falando do fim do mundo, e as pessoas estavam preocupadas com o fim do mês. Como exatamente convencer a pessoa mais pobre de que esse tema do meio ambiente, que tem a ver com criação de emprego, mas ao mesmo tempo transformação do mundo empresarial, também de certas matrizes energéticas que têm que ser mudadas, como trazer essa gente pra um tema que no começo, pelo menos, parecia distante?
Presidente Lula - Olha, deixa eu entender uma coisa, Uchôa. Todas as coisas que aparecem novas, elas são de difícil compreensão da população. A questão ambiental, hoje, não é mais uma questão que é discutida na universidade, que é discutida por intelectuais, que é discutida por especialistas, não. A questão ambiental hoje, ela está dentro da casa das pessoas. Você tem muita gente hoje discutindo. Eu, inclusive, estou defendendo que o ministro da Educação coloque no currículo escolar a questão do debate sobre o clima. Nós temos que ter aulas para as crianças sobre a questão do clima, o significado das pessoas cuidarem das coisas, de fazer coleta seletiva de lixo. Se você não colocar na escola você não cria uma geração de pessoas preparadas para educar os mais velhos, e para educar as futuras gerações. Nós vamos colocar no currículo escolar, essa é uma discussão que eu vou ter com o ministro Camilo [Camilo Santana, ministro da Educação], pra ele fazer junto com o pessoal da educação, porque eu acho fundamental. E a questão do clima hoje não é mais uma coisa trivial, não é mais uma coisa de gente que é lunático, não. A questão do clima hoje é uma questão muito séria.
Nós estamos vendo chover demais onde nunca choveu, sabe, chover pouco onde chovia muito, nós estamos aumentando as queimadas em todos os lugares, e nós vamos ter que trabalhar com muito mais força, com muito mais carinho, com muito mais esforço, pra que a sociedade aprenda a se cuidar. Nós não temos o direito de continuarmos a ser o único animal do planeta Terra a destruir o seu lugar. Porque a questão é muito séria. Nós temos ilhas que podem desaparecer, nós estamos vendo. Aqui no Brasil mesmo a gente vê o mar avançar nas praias de Boa Viagem, em Recife, em Olinda...
Jornalista Marcos Uchôa - Essas chuvas horrorosas, né?
Presidente Lula - Chuva, furacão que a gente não tinha experiência aqui no brasil. Então, nós temos que cuidar, e nesse aspecto é que entra a Amazônia. Se a Amazônia é importante pra questão da água, se a Amazônia é importante pra questão do ar, se a Amazônia é importante para a questão de descarbonização do planeta Terra, nós temos que utilizar a Amazônia pra isso. Embora o Brasil seja soberano, o Brasil precisa compartilhar, do ponto de vista da ciência, com o mundo, que queira estudar, que queira investir, para que a gente possa cuidar da Amazônia gerando emprego, gerando oportunidade. Eu não trabalho com a ideia de ver a Amazônia ser um santuário da humanidade. Eu quero que a Amazônia seja um lugar em que o mundo tire proveito pra poder experimentar a riqueza da nossa biodiversidade, pra gente saber que que a gente pode fazer a partir dessa riqueza da biodiversidade.
Então, não tem outro jeito se não compartilhar com o mundo. Cientistas do mundo inteiro serão convidados a participar. Mas nós precisamos primeiro valorizar os cientistas brasileiros, os institutos que já cuidam disso no Brasil e que, muitas vezes, não têm dinheiro pra fazer as pesquisas corretas. A partir desse encontro as coisas vão mudar.
Jornalista Marcos Uchôa - São treze ministros que passaram aqui esses dias, até a Luciana Santos [ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação] anunciou, também, mais de três bilhões para essa parte da ciência, que é super importante em relação à Amazônia. Agora, se a gente lembrar bem, 50 anos atrás o mundo tinha essa crise do petróleo e criou a OPEP, que era a organização que juntava os principais produtores de petróleo. De certa maneira, esse encontro pode também ser um divisor de águas no sentido de criar a OPEP das florestas, no sentido de a gente transformar isso em um ativo financeiro, porque, obviamente, pra ajudar no desenvolvimento da região precisam os ricos pagarem também, né?
Presidente Lula - Olha, eu acho que pode. Veja, é a primeira vez que reúne-se os oito presidentes dos países amazônicos, já houve outras reuniões, mas essa é a primeira vez que os oito estão participando, mais dois países africanos e um país asiático, que é a Indonésia. E a gente pode juntar mais gente pra fazer essa discussão. Na medida em que o mundo desenvolvido que já destruiu a sua floresta, que já destruiu aquilo que eles tinham, sabe, no passado, valorizam a floresta, nós precisamos, então, cobrar. Cobra deles recursos para que haja investimento e cobrar a participação científica deles, porque nós não sabemos o que a gente pode utilizar na indústria de fármacos aqui na floresta amazônica, a gente não tem noção do que a gente pode utilizar na indústria de cosméticos.
Ou seja, falar da palavra desenvolvimento precisa colocar a palavra sustentável junto. Você não pode ter nenhum modelo de desenvolvimento que signifique destruir uma árvore. Você tem que mostrar à humanidade que preservar a árvore, preservar a floresta, preservar a água, é uma necessidade de sobrevivência humana. Não é radicalismo, não é imbecilidade, não é uma coisa menor de alguém que, sabe, tá inventando essa história. É a pura realidade.
Jornalista Marcos Uchôa - Não é ser radical, é ser racional, né?
Presidente Lula - O mundo está mudando. O mundo está mudando. Nós estamos vendo a temperatura sendo a mais quente da história da humanidade. Ou seja, então nós precisamos cuidar disso. Nós temos chance. O Brasil pode ser liderança, o Brasil tem gente muito competente. O Brasil é um país que já fez isso. Em outro mandato, nós chegamos a preservar, a diminuir o desmatamento em 83%, a gente reduziu a emissão de gases de efeito estufa em 36.6%, a gente pode fazer muito mais. Ontem, por exemplo, eu fui na inauguração da Infovia, e eu vi o número lá: a ligação da Infovia, sabe, de Santarém a Manaus pelo rio, ela está evitando que a gente faça as torres, e se a gente fosse fazer por torre, levando fio, a gente teria que derrubar 58 milhões de árvores. Então, você veja o que você ganha na preservação ambiental. Essas coisas que o Brasil faz e que dá muita credibilidade para o Brasil na mídia internacional. Então, o que nós precisamos é fazer com que a nossa ministra do Meio Ambiente, a companheira Marina [Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], visite mais o mundo, fale mais do Brasil, traga mais gente aqui pra conhecer o Brasil, visitar o Brasil, pra ver as coisas de perto, pra gente conseguir mostrar que nós não estamos brincando nisso.
Quando eu acertei com o Flávio Dino [ministro da Justiça e Segurança Pública] que a gente ia colocar a Polícia Federal pra tomar conta disso, é porque nós vamos colocar mais policiais, fazer mais concursos, porque senão não se combate o crime organizado, você não combate o narcotráfico, essa gente está por aí matando índio, matando ribeirinho, matando seringueiro, matando gente que trabalha com extrativismo. Ou seja, então nós precisamos cuidar. Não é só porque o território é nosso, é porque é importante preservar a Amazônia para manutenção da espécie humana. Isso que é a verdade.
Jornalista Marcos Uchôa - Essa sensação de urgência na verdade é antiga. Porque a gente, lembrando bem, em 92 fez o primeiro grande encontro, teve um em 72, mas o grande encontro com líderes de Estado, o primeiro que se falou sobre o meio ambiente, foi em 92, no Rio de Janeiro. Era a ECO-92. E naquela época já se falava que em 2000/2010 a gente vai fazer... E o tempo foi passando, foi passando e vários cientistas já falaram: não. Aí você vê a China falando de 2060, você vê o Biden [Joe Biden, presidente dos Estados Unidos] falando 2050. A gente tem esse tempo todo? Não parece, né?
Presidente Lula - Ó, o que que é participação popular. Acabei de receber aqui uma carta de uma pessoa. Não, um bilhete da companheira Marina. Ela diz o seguinte: "Mesmo só com 700 fiscais já alcançamos uma redução de 42% no desmatamento da Amazônia". Isso é participação popular direta. Deixa eu falar uma coisa: esse encontro, quando o governador do Pará foi a Brasília sugerir pra mim que a gente fizesse aqui, no estado do Pará, eu achei a ideia extraordinária, e o mundo se convenceu muito rapidamente porque em todas as COP o povo fala da Amazônia. Aí eu falei: “Então, por que não fazer uma COP na Amazônia? Por que não levar o debate sobre o clima pra Amazônia pras pessoas verem, pra eles conhecerem até o mosquito chamado carapanã, quando começar a picar, pra eles saberem como o povo daqui vive? Conhecer o povo, não só conhecer a floresta. As pessoas precisam conhecer a grandiosidade do rio Amazonas, do rio Tapajós, e outros rios que tem, porque eu fiquei assustado quando me disseram que o rio Tapajós tem um lugar que tem até 36 quilômetros de largura, isso é um rio maior que qualquer mar aí em outro lugar do mundo.
Então, eu acho que o que nós queremos fazer é o seguinte: os países ricos acham que tudo se resolve prometendo dinheiro, e não é só dinheiro. O que nós queremos é participação, sabe, científica, o que nós queremos é contribuição, o que nós queremos é poder ter os recursos necessários pra salvar uma espécie que está morando na Amazônia, que são ribeirinhos, que são pescadores, que são extrativistas, que são indígenas, que são quilombolas. Essa gente nós precisamos salvar e dar a eles sentido de vida, sabe, de qualidade. O cara, o cara não quer viver, sabe, de esmola, o cara não quer viver só vivendo comendo um peixinho, não. O cara quer comer outras coisas, o cara quer passear, o cara quer ter um televisor, o cara quer ter uma geladeira, e nós precisamos garantir que ele tenha isso.
Pra isso tem que ter empregos, pra isso tem que ter cuidado do Estado – do município, do estado e da União – e nós estamos construindo essa parceria que eu acho fantástica. É por isso que eu tenho certeza que a discussão sobre a questão da Amazônia será medida, a partir de agora, entre antes e depois desse encontro. Ou seja, 27 mil pessoas participaram aqui. Sábado, domingo, sexta. Ou seja, a vontade de participação popular é uma coisa extraordinária que pouca gente já tinha visto isso. Então, que que a sociedade está nos dizendo: me chame, me chame que eu quero participar, e eu acho que vai ser a COP mais importante da história de todas as COPs. Ou seja, de todas as discussões do clima eu tenho certeza que essa será a mais importante, a mais motivadora, e aquela que vai ficar marcada para sempre na cabeça das pessoas.
Eu fui agora na COP, no Egito, é muito bonita, é maravilhosa, as pessoas tratam a gente bem, mas você não tem o contato que você vai ter direto. O cara vê o rio Amazonas na frente dele, o cara vê o rio Tapajós na frente dele, o cara vê como é que vive o povo. Porque Belém é uma cidade que tem, tem necessidade de muito saneamento básico, e nós, do Governo federal, queremos contribuir para que a gente dê ao povo que mora em Belém o mínimo de direito de cidadania, morando num lugar que não encha d'água – o que é difícil aqui porque as casas, às vezes, são até mais baixas do que o rio –, mas eu quero, eu quero que o mundo veja. A gente não vai esconder as casas, não. A gente não vai demolir as casas pro mundo ver, nós queremos que o mundo veja como é que a gente vive, como é que é a Amazônia, como é que vive o povo.
E daqui eu espero que a gente tenha condições de colocar condições básicas à disposição pra quem quiser passear, pra quem quiser visitar, visitar. O que nós queremos é que daqui saia uma grande decisão e é por isso, Uchôa, que o Brasil tem exigido uma nova governança mundial. E por que uma nova governança mundial? Porque se você tirar uma decisão aqui, em Belém, sobre a questão do clima e não houver uma decisão de cumprimento, volta para o Estado Nacional e os congressos nem sempre aprovam, e aí as coisas não funcionam. Então, nós precisamos ter uma governança global. A ONU precisa ser remodelada, a ONU não pode continuar com a mesma estrutura que ela foi criada em 1945. É preciso que a gente integre mais países, países africanos, países da América Latina, países asiáticos, é preciso que países como a Índia esteja dentro da ONU, que a Alemanha esteja dentro da ONU, que o Japão esteja dentro da ONU. Por que não? É preciso mais gente no Conselho de Segurança como membro permanente e é preciso acabar com o direito de veto. Não sei se você percebe que as últimas três guerras que você viu foram feitas por gente que é membro do Conselho de Segurança, membro permanente: Estados Unidos com Iraque; Inglaterra e França com, com a Líbia; e agora o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] com a Ucrânia.
Olha, essa gente são membro do Conselho de Segurança, membros permanentes, e fazem guerra sem discutir. Qual é o respeito que eles vão ter dos outros? Então, o que nós queremos é que pelo menos na questão climática haja uma governança, que quando a gente decidir, seja lei para os países cumprirem.
Jornalista Marcos Uchôa - Olha, agora essa governança. Em 2008, a gente teve aquela crise, em dias os governos arrumaram trilhões pra salvar os bancos. Na covid a gente também viu, durante a Covid, uma mobilização de governos pra resolver o problema super importante para o mundo. O meio ambiente ia salvar o planeta, quer dizer não existe maior problema do que salvar o planeta. Agora, essa urgência a gente não tem visto, não tem visto. O senhor tem realmente cobrado, cobrado, mas …tá cansado, né?
Presidente Lula - Você sabe o quanto foi gasto nas guerras nos últimos tempos? Dois trilhões, 220 bilhões de reais, só pra comprar arma. Enquanto isso, nós temos, segundo a FAO, 735 milhões de pessoas passando fome. Enquanto isso, nós temos milhões de desempregados. Esse dinheiro poderia estar circulando na mão do povo mais humilde, gerando pequenos consumidores, que iriam gerar mais emprego, surgimento de mais fábricas, mais produção, mais salário, mais desenvolvimento, e tudo isso cuidando do meio ambiente. Por que que esse dinheiro não é aplicado? O dinheiro existe, o dinheiro existe. O Biden, quando aconteceu aquilo da Covid, os Estados Unidos arrumou 5 trilhões. O Banco Central da União Europeia arrumou 700 bilhões de euros, sabe, de um dia pro outro. O dinheiro existe, o que precisa é que esse dinheiro seja colocado a serviço de melhorar a vida da humanidade, de cuidar do clima, de preservação ambiental, e não de destruição.
Qual é a ajuda que uma guerra pode dar para a questão do clima? Nenhuma. Nenhuma. Ou seja, então nós precisamos convencer os líderes disso. É por isso que cada conversa que eu tô tendo com cada líder eu tô pedindo pra eles comparecerem, sabe, nos Emirados Árabes. Vai ser no final do ano. É bom que apareça o Biden, é bom que apareça a Alemanha, França, Inglaterra, é bom que apareça, sabe, a China, todo mundo, para que quando tirar o documento todo mundo seja responsável por aquele documento. Porque senão você vai representante da China, representante de não sei de quem, representante, e aí toma decisão que ninguém cumpre. Então é preciso mais seriedade.
Eu lembro, lembro que na COP, na COP-15, em Copenhague, se dizia muito que a Europa iria em 2020 ter 10% de etanol na gasolina. Mais de 90 empresários vieram visitar o Brasil na perspectiva de produzir etanol pra exportar pra Europa. Não se aconteceu nada. Eu lembro que o Japão queria 3% de etanol na gasolina, não aconteceu nada. Ora, essa gente precisa ter em conta, sabe, que a responsabilidade de cuidar do planeta não é só do Brasil que tem a Amazônia, que tem o Cerrado, que tem o Pantanal, que tem a Caatinga, não, que tem a Floresta Atlântica. A responsabilidade é de todos. Se eles já destruíram pra se industrializar, eles agora têm uma dívida do passado que é preciso repor para ajudar os países que ainda podem fazer manutenção da floresta.
Aqui no Brasil eu digo em todo discurso meu: nós temos quase 40 milhões de hectares de terras degradadas, não precisa derrubar uma árvore para fazer, aumentar a produção de soja, de milho, pra criar gado, não precisa, é só recuperar essa terra degradada. "Ah, mas o cidadão é madeireiro, ele fabrica móveis, ele exporta pra Itália, ele exporta pra ir pra Espanha". Tudo bem, esse cidadão que é madeireiro e que gosta de exportar madeira, ele faz uma fazenda, faz o que ele quiser, planta o que ele quiser, se ele quiser plantar mogno, se ele quiser plantar jacarandá, se ele quiser plantar seringueira, ele planta o que ele quiser, e quando tiver no ponto ele pode cortar o tanto que ele quiser. O que não pode é mexer naquilo que não é dele. Você tem uma árvore de 300 anos que a natureza nos deu, o cidadão chega lá pega um motosserra ou pega uma máquina dessa e derruba pra ele. Pra ele ganhar dinheiro às custas de algo que não é dele, e vai jogando fora e destruindo o patrimônio ambiental da humanidade.
Então, meu caro, isso vai mudar, isso precisa mudar.
Não precisa mudar porque o governo Lula quer, porque a Marina quer, não. Vai mudar porque o mundo exige que mude, porque a espécie humana precisa sobreviver. É isso que vai acontecer. A gente tá vendo todo dia surgir uma praga nova, surgir uma doença nova, sabe, nós precisamos tomar cuidado que isso é pela mudança do clima, é pela mudança, então nós temos que cuidar enquanto é tempo. Eu acho que a minha obrigação é dizer pra todo mundo que o Brasil fará sua parte, o Brasil cumprirá aquilo que nós prometemos na campanha: até 2030 nós teremos desmatamento zero nesse país. E não vamos fazer uma coisa na marra, não. Já falei pra Marina. Nós temos que chamar todos os prefeitos e governadores que tão dentro da floresta, dentro da Amazônia legal, e ter uma discussão, compartilhar com eles uma solução. Nós não queremos ficar xingando prefeito, multando prefeito, não. Nós queremos dizer: olha, se você cuidar direito, se houver menos desmatamento, se houver menos queimada, a sua prefeitura vai ter um prêmio por isso. Um prêmio vai ser, quem sabe, mais benefício para o povo da sua cidade, um pouquinho mais de recurso. Quem sabe assim a gente consiga ter todos os prefeitos como aliados pra gente evitar que os chamados bandidos façam as queimadas, que façam as queimadas e as derrubadas que eles fazem todo santo ano. Isso é possível acabar. Então, esse compromisso nós assumimos publicamente em 2000, na COP do Egito, e eu acho que nós temos que repetir esse discurso sempre.
Nós agora estamos lançando o PAC, que é um programa de desenvolvimento, e dentro desse programa de desenvolvimento tem a questão da transição energética, transição ecológica, transição climática, transição de tudo que você pode imaginar. E nós queremos apresentar pro mundo, nós queremos apresentar pro mundo. "Olha, o Brasil vai ser assim, o Brasil quer ser assim, e o Brasil está convidando vocês para serem parceiros. Querem participar? Querem fazer investimentos? Sejam bem-vindos”. É assim que o Brasil vai dar a volta por cima.
Jornalista Marcos Uchôa - Obrigado presidente Lula. A entrevista tá ótima, mas tem que trabalhar. Daqui a pouquinho vai começar o encontro com os presidentes da América do Sul e dos países que vieram também participar dessa Cúpula da Amazônia. E claro, da prefeitura até o planeta a importância é enorme. Esse programa você pode ver ao vivo, mas pode ver nas redes sociais, no Spotify agora também, quer dizer tem todas as opções pra você ouvir as propostas do presidente Lula. Presidente, muito obrigado. Aliás, um recadinho: programa na semana que vem na segunda-feira, porque na terça-feira tem a posse do presidente do Paraguai, e a agenda lá é muito lotada, enfim, então a gente vai fazer na segunda-feira o programa.
Presidente Lula - Uchôa, apenas um dado pra terminar esse programa. Eu quero que a sociedade brasileira, os especialistas, os cientistas, se engajem nessa luta da questão do clima. É importante que todo mundo que tenha interesse fale, escreva, publique alguma coisa, mande mensagem pro governo, sabe, participe de debate na sua universidade, na sua escola, na sua cidade. Não é um problema só do governo, é um problema da humanidade, daqueles que vivem na floresta e querem compartilhar essa floresta com o restante do mundo. As pessoas sabem o seguinte: a Amazônia é um território soberano do Brasil, tem um território soberano da Bolívia, do Equador, do Peru, da Venezuela, da Colômbia, da Guiana, do Suriname, da Guiana Francesa. Mas o território soberano do Brasil não estará fechado. A ciência do mundo inteiro que quiser compartilhar conosco pesquisa, pesquisa pra gente conhecer uma riqueza incomensurável, que nem nós temos dimensão de como ela é.
Esse convite eu queria fazer pra você: Se você tem alguma ideia, pense; se tem alguma sugestão, não fique com ela pra você. Tire da sua cabeça e coloque ela pro mundo discutir, discutir coisa boa. Porque o ódio nós já derrotamos, o fascismo nós já derrotamos, já derrotamos. Agora é preciso derrotar as sequelas do fascismo que foi derrotado no golpe de janeiro de 2008, do dia 8 de janeiro. Então, agora é só reconstruir o Brasil, reconstruir o Brasil pensando na qualidade de vida do povo brasileiro e na qualidade de vida da humanidade. Um abraço, Uchôa.
Jornalista Marcos Uchôa - Obrigado presidente
Presidente Lula - Obrigado, meu querido.