Conversa com o Presidente - Live do dia 4.jul.23
TRANSMISSÃO | Conversa com o Presidente #4
Jornalista Marcos Uchôa — Bom dia, todo mundo aí. Olá pessoal. Muito prazer. Aqui, olha, olha que lugar especial, gente. É diferente, a gente não tá no Palácio Alvorada, né?, que normalmente o programa a gente grava lá, em Brasília, é claro. Mas o presidente Lula viaja bastante. Estamos aqui para reunião do Mercosul, do lado argentino das Cataratas do Iguaçu, que eu acho um dos lugares mais espetaculares em termo de natureza do mundo, não é nem do Brasil só, e Argentina, quer dizer. O senhor se lembra a 1ª vez que o senhor viu as Cataratas? O impacto que teve pro senhor assim em termos de: “cara, que natureza incrível!?
Presidente Lula — Eu acho que não tem nada igual as Cataratas do Iguaçu. Acho que não tem nada igual. Pode ter próximo a isso, Niágara por exemplo, alguma coisa perto disso. E é impressionante porque o lado brasileiro é o lado que dá o maior volume de queda d'água. Eu não sei se você conseguiu conhecer Sete Quedas.
Marcos Uchôa — Não, eu não cheguei a ver.
Presidente Lula — Ah, Sete Quedas era uma coisa extraordinária que foi coberta pelo lago…
Marcos Uchôa — Sim…
Presidente Lula — Se fosse hoje não se conseguiria cobrir Sete Quedas…
Marcos Uchôa — Não se faria...
Presidente Lula — Mas em 74 eles conseguiram fazer o lago, cobriram Sete Quedas, que era um negócio extraordinariamente bonito. Mas, nós tamos aqui em Porto Iguazú numa reunião do Mercosul, tamos aqui, do lado argentino da nossa querida Tríplice Fronteira, para discutir o futuro do Mercosul, o aprimoramento das relações Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. E nós queremos também preparar aqui a proposta de acordo para a União Europeia. Você sabe que eles fizeram uma proposta, nós fizemos uma resposta. Eles mandaram uma carta pra nós impondo algumas condições, nós não aceitamos a carta, mas agora estamos preparando uma outra resposta porque nós vamos a Bruxelas discutir com a União Europeia e os países da América Latina. E nós precisamos ter uma resposta o que é que nós queremos para consolidar o acordo. Nós queremos fazer uma política de ganha ganha, a gente não quer fazer uma política que eles ganhem e que a gente perca.
Por exemplo, eles querem que a gente abra mão de compras governamentais. Ou seja, é aquilo que o Governo compra das empresas brasileiras. Se a gente abre mão das empresas brasileiras para comprar de empresas estrangeiras, a gente, simplesmente, vai matar pequenas e médias empresas brasileiras, pequenos e médios empreendedores e vão matar muitos empregos aqui no Brasil. Por isso, essa reunião é muito importante, muito importante. Eu tô voltando hoje, depois das 4 horas. Vou à Universidade da América Latina, na Unila. Nós vamos dar reinício às obras da Unila para que a gente possa ter mais alunos latino-americanos estudando na universidade latino-americana.
Marcos Uchôa — A gente vai chegar lá, mas eu queria perguntar uma coisa, presidente. Esse acordo, tamos falando de um mercado enorme que é da Europa, da União Europeia, e mais ainda todo o mercado da América do Sul, o lado Mercosul. É, o que eles estavam querendo eram as exigências assim ligadas a meio ambiente, né? E a gente tá aqui no lugar que talvez simbolize muito o meio ambiente. A questão era um pouco que ficava esquisito: eles exigirem coisas e nos punirem e não fazerem o dever de casa deles, né? Porque eles também têm problemas de meio ambiente.
Presidente Lula — Uchôa, eu tenho discutido com muitos amigos na Europa, e eu tenho mostrado pra eles o seguinte: ninguém no mundo tem autoridade moral de discutir a questão, sabe, conosco, sobre a questão de energia limpa. Ou seja, obviamente que nós tivemos a grosseria de um Governo que desrespeitava o desmatamento, que não respeitava a terra indígena, não respeitava as florestas, reservas florestais. Ou seja, tudo isso acabou. Nós, agora, vamos diminuir o desmatamento; nós, agora, vamos respeitar os indígenas; nós, agora, vamos cuidar das nossas reservas florestais, vamos respeitar as terras quilombolas. Então, é o seguinte: o Brasil da sua matriz energética de energia elétrica, 87% da energia brasileira é renovável…
Marcos Uchôa — É, tamos no lado de Itaipu aqui.
Presidente Lula — O mundo, o mundo só tem 27 e o Brasil tem 87. Se você pegar a matriz energética como um todo, envolvendo combustível, o Brasil tem 50% de energia limpa. O mundo tem 15. Então veja, o Brasil tem muita autoridade moral para se cuidar corretamente da preservação da nossa floresta por outra razão: para cuidar do planeta, para cuidar do ar que nós respiramos, para preservar o equilíbrio no planeta. O Brasil tem responsabilidade e nós assumimos um compromisso de chegar a desmatamento zero em 2030. Isso é um compromisso de Governo que nós vamos cumprir. E aí, sim, nós queremos discutir o acordo. Agora, não queremos imposição pra cima de nós. É um acordo de companheiros, é um acordo de parceiros estratégicos. Então, nada de um parceiro estratégico colocar a espada na cabeça do outro. Vamos sentar, vamos tirar nossas diferenças e vamos ouvir o que que é bom para os europeus, o que que é bom para os latino-americanos, o que que é bom para o Mercosul, e o que que é bom para o Brasil.
Marcos Uchôa — Recentemente o senhor teve com o presidente da França, o Macron, teve com a Úrsula von der Leyen, da Comissão Europeia, esteve aqui no Brasil visitando o senhor. Isso já era posterior a essa carta dessas exigências. Você sentiu por parte deles que eles compreenderam que desse jeito não dava?
Presidente Lula — Uchôa, para todos eles eu disse que a carta era inaceitável. Tal como ela foi escrita, ela era inaceitável e é inaceitável. Porque você não pode imaginar que um parceiro comercial seu pode te impor condições. "Se você não fizer tal coisa, vou te punir. Se você não cumprir o Acordo de Paris, eu vou te punir". Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos acordos. Eles não cumpriram o Protocolo de Kyoto, não cumpriram a decisão de Copenhague, não conseguiram cumprir a decisão do Rio 2022, Rio 2002, e não vão cumprir a questão do Acordo de Paris. Ou seja, na verdade eu estou fazendo agora, tô indo essa semana a Letícia, na Colômbia, discutir com cientistas a questão da floresta. Depois, nós vamos ter dia 12 um encontro lá no Pará, com todos os países amazônicos. Inclusive, nós estamos convidando a Indonésia, que tem muita floresta, e os 2, e os 2 Congos. O Congo XXXel Filho e Chichánis Sassou, Ou seja, para que a gente possa discutir efetivamente com os países que têm floresta de verdade o que é que a gente pode fazer e o que é que os países ricos podem doar, investir de recurso para que a gente possa manter a floresta em pé gerando emprego para os milhões e milhões de pessoas que moram nessa região.
Marcos Uchôa — Porque estimular o cuidado com a floresta significa o cuidado com as pessoas que moram na floresta, né?
Presidente Lula — É um problema quase que educacional. Ou seja, nós no Brasil não queremos que a floresta seja transformada num santuário da humanidade. O que nós queremos é explorar a riqueza da biodiversidade da floresta para ver se a gente pode fazer com crescimento na indústria de fármacos, na indústria de cosméticos, para gerar empregos mais qualificados para as pessoas que moram nessa região. E vale pra toda a Amazônia, mas nós temos mais biomas. Nós temos o Pantanal, que nós temos que cuidar; nós temos o Cerrado, nós temos a Caatinga, nós temos a Mata Atlântica. Tudo são áreas importantes que a gente vai ter que criar e cuidar com muito carinho porque disso depende o bom equilíbrio da temperatura da Terra.
Marcos Uchôa — Me diz uma coisa assim, voltando na história. Lá atrás não se falava de meio ambiente, era uma bandeira pra muito pouca gente, quando o senhor começou na política não era um assunto que se falava muito. Em que momento que o senhor foi chegando, digamos assim, a compreender – todos nós na verdade – a questão tão grave do meio ambiente? Foi através das tragédias, foi através de amigos, de gente que foi falando, como é que foi?
Presidente Lula — Eu vou contar uma história muito engraçada. O PT tinha um deputado estadual e este deputado estadual estava num debate com o Partido Verde na Assembleia Legislativa de São Paulo. E o companheiro do Partido Verde começou a defender a questão do meio ambiente, defender a questão do meio ambiente, e o deputado do PT, que já não tá mais vivo, preocupado com cara utilizando meio ambiente falou: "Ah, vocês do Partido Verde não sabem cuidar do meio ambiente. Nós do PT, não cuidamos do meio ambiente, nós cuidamos do ambiente inteiro". Então, era um pouco, a questão ambiental era um pouco coisa de bicho grilo, uma coisa de muita modernidade, de muita gente jovem avançada e graças a Deus eles foram persistente. Graças a Deus eles foram persistentes. Grupos como Greenpeace, que parecia radical, no fundo no fundo o que eles estavam era cumprindo com as suas obrigações para que a sociedade, sabe, a humanidade tivesse consciência da gravidade do problema. O que que é jogar lixo na rua, o que que é jogar garrafa pet na rua, o que que é jogar papel na rua, sabe, o que que é não cuidar do chão que você pisa, do chão que você mora, do teu quintal da tua rua do teu bairro, da tua cidade e do teu país. É isso que é fundamental. E, hoje, eu acho que inclusive deve fazer parte do currículo escolar, no ensino fundamental, a questão ambiental, para que uma criança de 6 7 8 anos possa chegar em casa e corrigir o pai. Tem que ter lixo reciclável dentro de casa, sabe? As pessoas precisam aprender que nós estaremos cuidando de nós mesmos. Quando você vê uma enchente no lugar pobre, você vai ver a quantidade de lixo que está jogado naquele rio. Então, é importante que o poder público cumpra com a sua função colocando, sabe, carros e caminhões para recolher o lixo e que as pessoas sejam educadas a não permitir que o lixo que ele produz seja seja o algoz dele. Porque é. Na verdade é o algoz dele, muita doença vem do lixo e se ele não cuida direito, ele pode ser vítima dessa doença. Então, eu acho que é um problema de legislação, um problema de atuação do poder público, mas é, sobretudo, um problema de educação da sociedade. Vamos cuidar de nós mesmos, porque nós não podemos continuar sendo o único animal do planeta que se autodestrói.
Marcos Uchôa — E essa consciência pro senhor foi chegando através do partido mesmo, do PT, foi uma coisa...
Presidente Lula — Ela foi chegando através do partido, através dos debates ou seja quando você quer criar um partido político você discute 800 temas e aí essas coisas todas vão aflorando. Ah, o PT virou um partido muito atuante nas universidades, no mundo sindical. Então, esse tema passou a ser um tema do cotidiano nosso. E, hoje, o PT é um partido que tem essa questão do clima como uma das suas prioridades, sabe, porque o Brasil não só pela quantidade de floresta que tem, pela sua capacidade de produção agrícola, nós temos que, que ter mais ter uma produção agrícola de baixo carbono. É rentável, não é para o presidente Lula, é rentável para o produtor, é rentável para aquele que plantou, colheu e quer exportar. Porque isso agora passa a ser um valor agregado na relação comercial de Brasil com o mundo. Então, eu penso que nós estamos evoluindo. Acho que o fato da gente ter chegado à Presidência da República, ter tirado aqueles malucos que destruíram o país, que achava que tinha que invadir a Amazônia, que tinha que invadir o Pantanal, que tinha que fazer queimada, que tinha que fazer derrubada, essa gente toda tá fora, estão por aí ainda, mas essa gente toda já não está mais no poder para continuar destruindo aquilo que eles tinham a obrigação de preservar.
Marcos Uchôa — O senhor fala em evolução, e é interessante porque não só na área de meio ambiente eu acho que a gente tem que evoluir e estamos evoluindo. Mas o senhor passou ontem e assinou três leis que estão muito ligados à questão da mulher, da proteção à mulher, do respeito à mulher, né? que é a lei da equivalência salarial pro mesmo trabalho, homem e mulher, tem que ganhar a mesma coisa. É uma obviedade na lógica, mas até então isso nunca foi feito, e isso é importante. O senhor também passou também uma outra coisa ligado à mulher na área de esporte, né? Muitas atletas relutam em ter filhos, em engravidar, porque têm medo de perder o seu emprego, de não receberem salário.
Presidente Lula — Quase que são proibidas de ter filhos…
Marcos Uchôa — Quase, praticamente, né?
Presidente Lula — Como se a gestação fosse uma doença.
Marcos Uchôa — Sim, sim
Presidente Lula — Ora, veja que engraçado. O jogador machuca o joelho, ele chega a ficar um ano e meio sem jogar e o clube paga o salário e não tem problema. Agora, porque com a mulher não pode ficar grávida e ficar em casa durante vários meses. Então, isso foi aprovado também, é muito importante a proteção da mulher desportista gestante.
E foi aprovado outra coisa importante, que é a questão da Lei do assédio. Essa é uma proposta da OAB, dentro da OAB, ou seja, no mundo do direito nesse país. Achei muito importante a posição da OAB, muito corajosa. Eu dei os parabéns ao presidente da OAB.
E a questão salarial. A questão salarial desde 1943 tá na CLT, acontece que você sempre arruma uma vírgula antes do “d” e depois do “d” pra você dizer que não pode pagar. Agora, nós definimos corretamente. E agora, nós vamos ver a questão da igualdade salarial e remuneratória, porque nem todo mundo recebe salário, tem muita gente que recebe trabalho por produção. No comércio, muitas vezes, o empresário registra o empregado por R$ 1,3 mil e depois paga pela quantidade de coisa que ele vender. Então, se a mulher tiver trabalhando igual ao homem e der pra empresar a mesma produtividade que dá o homem, ela tem direito de ganhar o mesmo salário. Eu acho que é uma coisa civilizatória. Ou seja, o Brasil está chegando à civilização plena na hora que ele vai permitindo a diminuição das desigualdades, que são muitas. Eu digo sempre: no Brasil nós temos desigualdade de tudo, nós temos desigualdade de gênero, racial, desigualdade salarial, desigualdade de oportunidade, desigualdade, sabe, na qualidade da educação, desigualdade na qualidade da comida. Ou seja, é preciso, então, a gente acabar com a desigualdade transformando a desigualdade numa coisa de indignação da sociedade. Por que nós temos que ser desiguais? Por que aqui a gente não pode ter uma sociedade mais próxima dos outros, mais igualitária?
Marcos Uchôa — Porque até nisso a noção de justiça é uma coisa muito básica, né? Você fazer o mesmo trabalho que a outra e ganhar mais, isso não tem muito sentido, né? Isso uma exploração da mulher pelo homem?
Presidente Lula — Mas daí a igualdade de oportunidades está até no fato de se você pode ou não ter uma advogado para te defender. Algumas pessoas conseguem contratar advogado, outras nem chega perto do advogado. Então, o que é que não temos que fazer. Cabe ao Ministério do Trabalho, cabe ao Ministério Público do Trabalho, e cabe ao Ministério das Mulheres esse processo de fiscalização. Ou seja, a lei existe, ela é para ser cumprida, e ela tem sido fiscalizada. E hoje, com a internet, fica muito mais fácil. As pessoas que forem fazer compras numa loja, sabe, forem comprar um carro, comprar um vestido, comprar sapato, comprar comida e perceber que há diferença de tratamento entre homens e mulheres dentro daquele negócio, a pessoa pode fazer a denúncia publicamente…
Marcos Uchôa — Pode denunciar, que nem que há com o racismo, contra o racismo…
Presidente Lula — … e também a lei vai exigir que os empresários prestem, sabe, explicações sempre. Porque é importante que haja essa lealdade. Eu acho que no Brasil, Uchôa, deve ter muitos empresários hoje com a disposição de fazer as coisas corretamente porque ele sabe que isso se volta contra ele, sabe. Então, essas denúncias não, não contribui pra…
Marcos Uchôa — Pra a imagem da empresa
Presidente Lula — Não contribui pra imagem da empresa, não contribui para o crescimento, sabe, do empresário. Ou seja, é importante que todo mundo cumpra a lei porque aí o Brasil vai estar no rol dos países civilizados em que as mulheres são efetivamente respeitadas. E a outra coisa é a questão do assédio. Ô, Uchôa, por mais que a gente leia, aumentou a violência contra as mulheres. Ou seja, tem horas que eu vejo notícia que eu não acredito, eu não acredito. O cara bate na mulher por qualquer coisa, o patrão canta a empregada. Que o mundo que a gente tá vivendo? Então, eu acho que nós precisamos adotar política da denúncia e não do denuncismo. Da denúncia correta, da denúncia com prova para que a gente possa investigar e punir quem está errando. O que não pode é o denuncismo, você enxovalha a vida da pessoa, depois não é verdade e você não tem como pedir desculpa.
Marcos Uchôa — O senhor falou em consciência, falou em educação. Que de certa maneira uma coisa de educação. De repente, em temos de meio ambiente, educar na escola. Essa questão do respeito do menino com a menina e depois do homem com a mulher, é uma coisa que também tem que mudar porque a gente tem Ministério de Mulher, o Ministério de Igualdade Racial, mas o problema é o homem, né? Tinha que ter o mistério do homem, de certa maneira, para ensinar ao homem a se comportar melhor, né?
Presidente Lula — Eu, eu acho que… eu sinceramente às vezes fico preocupado, sabe. Tem um filme muito famoso chamado “Assim caminha a humanidade”. Eu fico me perguntando como é que está caminhando o futuro da humanidade porque nós estamos virando algoritmo. O ser humano está ficando muito individualista por causa das redes digitais. Ele tá passando o maior parte do tempo dele conversando consigo mesmo. Ele está numa reunião e ele estava noutro mundo. Ele convida a namorada para jantar e chega na mesa e ele tira o celular e ela tira o celular e cada um fica conversando com quem não está na mesa, sabe. Isso vai individualizado as pessoas. Eu acho que vai tornando as pessoas com mais raiva, as pessoas ficam mais insuportáveis, as pessoas ficam mais exigentes, ou seja, as pessoas já não suportam ninguém perto dela, sabe. De manhã no elevador a pessoa se incomoda que alguém entra junto com ela. Nós precisamos mudar isso, e isso é mudado através da educação.
É por isso que eu acredito muito que, sabe, o quanto mais a gente investir na educação, mais a gente vai poder ter uma sociedade mais fraterna, mais humanista, porque o humanismo, ou seja, o ser humano, ele nasceu para viver em comunidade e se auto ajudar, sabe. Eu sou do tempo em que eu trabalhava na Villares, sabe. Quando chegava no sábado a gente ia para casa de um companheiro encher laje pra ele. A gente ia cavar poço na casa de um companheiro e a gente fazia isso com o maior prazer, sabe. No sábado ia na casa de um, noutro sábado ia na casa de outro, se no sábado você fazia um poço na casa de um, no outro sábado ele enchia a laje pra você ou cavar um poço ou fazer a parte elétrica. A sociedade, ela tem que ser assim, fraterna, solidária, companheira. Porque assim a gente é muito mais feliz, a gente vive muito melhor se a gente aprender a tratar o outro como parceiro e não como estranho. Ninguém precisa ser igual a você, ninguém pode gostar das coisas que você gosta. O que a gente precisa é se adaptar a gostar e a compreender as pessoas como elas são. Ora, se a gente aprender a fazer isso, o mundo vai ser muito melhor. E, isso me preocupa hoje porque eu acho que o mundo tá muito individualizado, muito, muito, muito individualizado. Você sabe que no meu gabinete na presidência ninguém entra com telefone celular. Por quê? O cara marca audiência com o presidente e daqui a pouco tá lá, o presidente sentado e o cara no celular conversando com um cara que não marcou audiência, sabe. Então, no meu gabinete não entra com celular. Celular fica na portaria e em nenhuma reunião eu permito celular, nenhuma reunião.
Marcos Uchôa — E o senhor, de certa maneira, conseguiu uma coisa importante. Mais ou menos evita o uso do celular na tua vida, pelo menos na proporção que a maioria usa, né? Quer dizer, que fica essa coisa de olhar o tempo todo, acorda de manhã já olhar celular, quer dizer, celular é um veneno.
Presidente Lula — Graças a Deus. Esse é um processo muito forte de educação. Eu me autoeduquei de não ficar dependente digital, tá? Então, eu não preciso saber de notícia às 5 hora da manhã, eu não preciso saber de notícias às 5, 6 hora da manhã. Não. Eu levanto, vou trabalhar às 8, quando chegar no meu serviço eu quero saber toda das notícias. Se eu tiver que ligar a alguém, eu ligo no horário de serviço. Quando eu saio de casa às 8 horas, eu também não quero telefonema. Se não tiver algo muito grave, não precisa me ligar. "Ah, ô Lula, vai sair uma matéria em tal jornal atacando você". Que saia! Eu não vou perder meu sono por causa daquela matéria. “Ah, mas a revista tal vai publicar matéria”. Que publique. Eu não vou perder meu sono, eu não vou pegar o telefone e ligar pra empresa. Que publique. Eu leio no dia seguinte.
Então, eu era assim ó: eu saia de casa, dentro do carro eu não telefonava pra ninguém, eu só telefonava quando eu chegava no escritório. E, quando eu saía às 8 hora da noite, a partir dali também encerra o meu expediente. Só começo a trabalhar no outro dia, quando, quando tiver funcionando a sociedade. Uma vez uma pessoa me ligou 3 hora da manhã pra me contar que tinha morrido um companheiro. Aí quando era – a pessoa me contou e eu falei: E agora? Você me acorda 3 hora da manhã, eu não tenho o que fazer, você vai voltar a dormir e eu vou ficar aqui acordado agora pensando no companheiro que morreu. Então, eu não preciso de notícias que não tem nada a ver comigo, sabe. Eu, não tem, não tem. É preciso ser seletivo no que você vê, porque a nossa cabeça, ela tem um certo limite, sabe, de processar notícia que você sabe. Ela não consegue processar tudo. Então, pra que é que eu quero saber mais do que a minha cabeça tem condições de processar? Eu, graças a Deus, me eduquei. Me eduquei. Não sou refém do celular, não sou refém, sabe. Não almoço com o celular, não janto com o celular, não, não, não vou ao banheiro com celular, não tomo banho com celular, ou seja, eu tenho meu tempo e celular tem o dele. Quando eu quero ligar eu peço pras pessoas que trabalham comigo ligar e eu converso com as pessoas.
Marcos Uchôa — É essa coisa de tecnologia como se fosse um pêndulo, né, exagerou demais pra um lado.
Presidente Lula — Não, tem gente, tem gente que é doente, tem gente que só tem 2 orelhas e anda com 3 celular na mão, 4. Antigamente, as pessoas ainda coçava a virilha e hoje nem isso coça mais, sabe, nem isso coça mais. As pessoas têm um monte de celular na mão, 2, 3, 4 celular na mão. Eu sinceramente acho que isso é doença. Doença ou prepotência porque acha que é muito importante, sabe o cara que se acha importante. “O mundo,o mundo não pode prescindir de mim, então eu tenho que tá atento.”
Marcos Uchôa — Ligado o tempo todo.
Presidente Lula — Não…
Marcos Uchôa — Não existe, né?
Presidente Lula — Nem todo mundo é tão importante assim. Eu sou daqueles que acha que a relação humana é coisa de pele, é química, é olhar, é abraçar. Eu fico muito nervoso com o pessoal que trabalha comigo. Eu falo: “o fulano me liga pra sicrano. "Ah, eu deixei recado". Eu não quero recado, eu quero que você ligue pra pessoa. “ah, mas eu deixei um zap”. Eu não quero um zap, ligue pra pessoa. Eu quero que você fale bom dia companheiro, o presidente quer falar com você. Eu quero que você converse com a pessoa porque, às vezes, você passa um zap e pensa que a pessoa viu e ela não viu. Você manda um e-mail pensando que a pessoa viu, a pessoa não viu. Aí chega na reunião, as pessoas não comparecem. "Você convidou?" "Ah, convidei, mandei um e-mail".
Então, comigo não tem isso, comigo é o seguinte: ligue, fale bom dia, fale boa tarde, fala boa noite e fale: o presidente tá querendo fazer a reunião, pode comparecer. Eu não quero que nem diga: “Eu não vi o celular, eu não vi, eu não vi o zap”. Não, eu não quero zap, eu quero que você fale. Ligue pra pessoa e fale: "o fulano, o presidente tá convocando você pra uma reunião, amanhã às 10 hora da manhã".
Marcos Uchôa — Lembrar, né?
Presidente Lula — porque senão não funciona. Fica tudo comodismo, sentado com a bunda na cadeira, só no computador. Levanta um pouco, respira um ar, conversa com as pessoas, abraça as pessoas. Recebe, levanta e dá um abraço nas pessoas. Entra alguém na sua sala e você está lá, sabe. Levanta e vamos humanizar a relação humana. Olha que legal. Vamos humanizar a relação humana,
Marcos Uchôa — Voltar ao que era…
Presidente Lula — voltar ao que era, voltar ao que era. Sorrir.
Marcos Uchôa — Presidente, nesse final de semana o senhor foi visitar a seleção feminina brasileira que vai disputar a Copa do Mundo. Agora em julho começa, daqui a pouco menos de 3 semanas. Deu um abraço e o esporte, de certa maneira, representa isso, né? Não só o momento do gol, mas o momento de estar junto, de abraçar, de olhar, de depender um do outro, né? Isso que o senhor falou que fazia lá na Villares, de um ajudar o outro no final de semana. O esporte é isso? É um ajudar o outro o tempo todo, né?
Presidente Lula — Sabe que quando eu tenho tempo, Uchôa, eu assisto o futebol feminino. E a CBF fez uma coisa importante, ela obrigou que todos os times da série A do Brasileirão, e da Série B, tenha futebol feminino, e agora vai obrigar também da Série D. É muito importante, eu assisto, o Corinthians tem um bom time, o Santos tem um bom time, o São Paulo tem um bom time, a Ferroviária tem um bom time, sabe, o Flamengo tem, tem bom time. Então, eu gosto de assistir o futebol feminino porque eu acho que a gente não pode olhar o futebol feminino com olhar de ver um futebol de um homem. "Ah, o futebol é mais lerdo". Não!” Você não tá vendo um homem jogar, você tá vendo uma mulher jogar, você tá vendo, é outro ritmo, mas eu acho que elas estão ficando muito, muito, muito, muito competentes. Acho que o Brasil, sabe ,vai crescer muito. Eu espero que a gente tenha sorte na Austrália e a gente possa ganhar a Copa do Mundo. E fiquei feliz que a Marta foi convocada, é a sexta Copa do Mundo que ela é convocada. Nunca antes na história ninguém foi convocado seis vezes pra uma Copa do Mundo.
Marcos Uchôa — Seis vezes, nem os homens, aliás, nem os homens
Presidente Lula — Ninguém, ninguém. Então, eu tenho, eu, inclusive, fiz um apelo no encontro das mulheres que é pras mulheres assistirem o jogo. As mulheres têm que comparecer no estádio. A gente fica defendendo a mulher, defendendo a mulher, quando tiver um jogo vamos lotar o estádio para ver, vamos botar aquelas mulheres que querem que as coisas aconteçam. Nos Estados Unidos, o futebol feminino tem tanta importância ou mais do que do homem, sabe. Na Alemanha, no Canadá, na China, na Suécia, no Japão. Então, a gente precisa também, sabe, valorizar as nossas meninas pra que elas possam, sabe, cada vez mais se aperfeiçoarem. É preciso que nas escolas as crianças tenham tempo e possibilidade de fazer a opção. O que eu quero fazer? Porque também nas escolas elas não têm campo de futebol. É preciso que a gente crie, através das prefeituras, oportunidade para essa menina que quer aprender jogar qualquer esporte, ela possa ter, sabe, lutar, jogar futebol, jogar vôlei, jogar basquete, natação. Qualquer esporte que ela que quiser fazer é importante que ela tenha oportunidade na sua cidade. E, aí eu acho que as prefeituras precisam criar condições.
Marcos Uchôa — As más línguas disseram que o seu interesse no futebol feminino tem a ver com o Corinthians, Corinthians feminino acho que tá melhor que masculino
Presidente Lula — Bem melhor, Bem melhor, a verdade é que tá bem melhor. Eu, às vezes, acho que se o Corinthians colocasse nossas meninas pra jogar no time principal eu acho que a gente poderia estar em uma situação melhor no Campeonato Brasileiro. Eu, sinceramente, não consigo compreender como é que o Corinthians chegou aonde chegou. O Corinthians tá no fundo do poço, tá no fundo do poço. É triste, sabe. É importante que a diretoria pense como é que vai levantar o time, sabe, porque o time está em 12º colocado. Ele está na verdade, ele, não, ele está em 14º, 15º, ele tá a dois pontos da zona, da zona de rebaixamento. Então, não é. O Corinthians é um time importante, eu sei. Mas ele não está numa fase boa, acho que não tem recursos para comprar jogador, não sei se fizeram coisa errada porque nós contratamos o Paulinho, Willian e o Renato Augusto. Desses só o Renato Augusto tá jogando, o William foi embora, o Paulinho vive machucado. Então, nós demos azar e é preciso então dá um jeito de renovar. Quando começa a renovar e o menino fica bom, já vendem o menino para pagar dívida, pra comprar outro. Agora mesmo o Corinthians vendeu 2 ou 3 jogadores da base, sabe. Esse é um problema do Brasil. Eu estava conversando com o presidente da CBF. O Brasil que já foi o melhor futebol do mundo, hoje não é mais. Não é mais. Por quê? O que é que acontece? O Brasil vende o menino com 14 anos, com 16 anos, com 17 anos, com 18 anos, e compra depois de 34, 35, 36. A pessoa volta a jogar no Brasil. Não é correto isso, era preciso que a gente tivesse condições desses meninos ficarem um pouco mais, sabe, jogando no novo time que foi criado, jogando no Brasil, até porque o salário no Brasil também não são tão ruins não, são bons.
Marcos Uchôa — Presidente a gente está encerrando aqui porque daqui a pouco o senhor tem que trabalhar. Vai começar a reunião e é muito importante essa reunião. Eu acho que a gente vai assumir, o Brasil assume a presidência do Mercosul por esses próximos 6 meses, que são 6 meses muito importantes, né? A gente vai depois pegar a presidência do G20, também para organizar o G20, tem um momento de confluência…
Presidente Lula — A presidência dos BRICS
Marcos Uchôa — e dos BRICS também, quer dizer: é um momento em que, muito trabalho, né?
Presidente Lula — Uchôa, primeiro quero te agradecer por ter falado de futebol. A gente só fala de política, então obrigado por ter falado de futebol. A segunda coisa é a seguinte: o Mercosul é uma coisa que foi criada pelo Sarney e pelo presidente Alfonsín, depois foi reforçada pelo presidente Collor, eu não sei se o Menem. O dado concreto é que o Mercosul é uma coisa muito importante para os países que fazem parte do Mercosul. Nós precisamos fortalecê-lo cada vez mais, nós precisamos criar cada vez mais condições das pessoas se sentirem bem participando do Mercosul, e eu quero fazer uma presidência exemplar. Eu quero me dedicar para que nesses 6 meses a gente possa, inclusive, concluir o acordo com a União Europeia e começar a pensar em outras coisas.
Marcos Uchôa — Sim, maravilha gente, obrigado pessoal, quem tá ouvindo pela rádio, quem aqui tá acompanhando pelos canais Youtube, pela internet, quem vai ver em casa depois. Enfim, vamos encerrar, eu acho que aproveitando que a gente tá num lugar tão espetacular que vamos mostrar as imagens que o Stuckert fez das Cataratas de Iguaçu, que realmente é um patrimônio da humanidade, não só um patrimônio do Brasil. Mas realmente, o muçulmano vai a Meca porque tem que ver a Meca. E quem for brasileiro, quem for do mundo, deveria vir a Foz do Iguaçu porque essa catarata realmente, essas cataratas são umas coisas mais incríveis da natureza…
Presidente Lula — Uchôa, quando a gente fala em preservar o meio ambiente seria importante que as pessoas tivessem condições de vir visitar, sabe, as quedas de Iguaçu, pras pessoas saberem o que que é beleza, beleza, sabe, nos oferecida pela natureza.
Marcos Uchôa — Enfim, natureza espetacular. Valeu presidente, obrigado pela conversa.
Presidente Lula — Obrigado, Uchôa.
Marcos Uchôa — Até semana que vem.