Conversa com o Presidente - Live do dia 27.jun.23
TRANSMISSÃO | Conversa com o presidente #3
Presidente Lula — [ início da transmissão com problema técnico no áudio ] Você me conheceu na porta de fábrica, ou seja, eu levantava às 4h30 da manhã e tava meia-noite fazendo assembleia na porta de fábrica e isso não me preocupava. E quando eu paro eu descanso. Se eu sentar no sofá pra ver televisão eu vou dormir. Mas se eu tiver em atividade, tiver gente ou tiver um microfone perto de mim, eu tô trabalhando.
Jornalista Marcos Uchôa — Terceira vez aqui, no Palácio do Alvorada. Terceiro mandato. Você tem a sensação de estar em casa? É possível estar num lugar assim e se sentir em casa? O que que é “em casa” para você? Aqui...
Presidente Lula — Não, não. Não tem nada, não tem nada. Porque em casa é tudo pequeno, é tudo aconchegante, em casa até o banheiro é perto do quarto. Aqui é tudo muito muito longe. Aqui pra você comer você anda quase 200 metros, pra você tomar café você anda mais 200 metros, pra ir no banheiro você anda 40 metros, 20 metros, 30 metros. Ou seja, é tudo mais difícil. Não tem, não tem nada com casa. A casa não. A casa é aquela coisinha pequena, tudo pertinho um do outro. A cozinha pertinho, o quarto, o banheiro pertinho. A sala de televisão pertinho. É muito mais aconchegante a casa.
Ontem eu estava me queixando com a Janja que eu tô com saudade da minha casa. Tô com saudade, faz tempo que eu não vou na minha casa. Eu estou precisando ir pra ver meus filhos, inclusive.
Mas aí, chegou a viagem para ir para a Bahia. Eu tenho que viajar 2 de julho na Bahia e depois tem uma coisa da Ferronorte, na Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia, lá em Ilhéus. E eu vou, então, fazer uma atividade domingo e segunda-feira. Mas eu acho que na próxima semana eu vou pra casa.
Marcos Uchôa — Você consegue uma vez por mês ir pra casa.
Presidente Lula — Uma vez por mês que eu vou pra casa e tento juntar todos os filhos e os netos pra comer, pelo menos pra almoçar junto e conversar um pouco, porque senão não aguenta, não aguenta.
Marcos Uchôa — Família é super importante, né?
Presidente Lula — Não, e dá saudade, saudade dos filhos, saudade da molecada, saudade das brincadeiras, das bobagens que se fala. A única coisa que eu vou proibir é chegar em casa e pegar o celular e ficar jogando joguinho na internet.
Marcos Uchôa — Celular deixa na porta
Presidente Lula — Ou vai lá pra conversar comigo, pra tomar uma cervejinha, beber alguma coisa ou é melhor não ir também. O que eu quero é conversar fora da política.
Marcos Uchôa — É muita gente, né? Quando você junta é quantas pessoas?
Presidente Lula — São cinco filhos, oito netos e uma bisneta.
Marcos Uchôa — E aí as mulheres e os maridos.
Presidente Lula — E as mulheres e os maridos. Tem muita gente, mas é bom. É bom porque a Janja conversa com muita gente, eu converso com muita gente. A Janja adora ir pra cozinha ajudar a fazer as coisas. E as coisas vão, vão, vão bem. Eu fico feliz quando eu vou.
Marcos Uchôa — Nesses encontros tem uma comida de lei, que tem que ter, que não pode faltar?
Presidente Lula — Não. Nem sempre, nem sempre. Se for de sábado, a gente como sempre, em São Paulo, a gente pede uma feijoada. A gente não faz, a gente compra uma feijoada feita. Mas, se for de domingo, a gente faz umas coisas diferentes, faz um macarrão, faz um risoto. Mas se eu disser para você que eu posso viajar o mundo inteiro, posso comer o mundo inteiro, mas se eu chegar em casa e tiver um pouquinho de feijão com arroz, um bife e dois ovos fritos, pra mim é o melhor prato do mundo.
Marcos Uchôa — Uma vez eu fiz uma reportagem do Luiz Gonzaga lá em Paris. O único lugar que o Luiz Gonzaga visitou fora do Brasil foi Paris. Ele detestou muito pela comida. Ele detestou a comida francesa e sentiu maior falta do feijão com arroz. Foi muito engraçada, até, a reportagem. E essa coisa do feijão com arroz é muito nossa mesmo.
Presidente Lula — É muito nossa. Mas é nossa e é nossa, gostosa mesmo. Porque nada supera um feijão com arroz. Não é todo dia, você pode variar. Mais que uma vez por semana você comer um feijãozinho com arroz, um ovinho frito e um bife acebolado, vale qualquer preço do mundo porque é muito gostoso e muito prazeroso comer isso.
Marcos Uchôa — Olha, e ele tá falando isso e ele acabou de voltar de uma viagem à Itália e à França, que são dois países que vamos, né, admitir que realmente a comida é maravilhosa. Mas você come bem nessas viagens?
Presidente Lula — Não. Eu vou te dizer porque a gente não come bem. Primeiro, porque em Palácio você não come bem em lugar nenhum do mundo. Essa é a primeira coisa. A segunda coisa é que eu não vou em restaurante, então a minha comida é de hotel e a comida de hotel também não é boa, tá. Não é das melhores. Eu não tenho liberdade de ir pra um restaurante e ficar escolhendo o que eu vou comer, então, eu fico no hotel. A minha vida é comer no hotel ou comer onde eu for convidado. Eu almocei com o Macron e almocei com o presidente Mattarella. Duas comidas de Palácio, sabe, que não é essas coisas. Em lugar nenhum do mundo a comida...
Eu tenho brigado com o Itamaraty pra melhorar a comida porque tem dia que a comida não tá boa. Você traz um convidado aqui e vamos oferecer. Eu lembro que quando veio a princesa Letizia com o príncipe das Astúrias, na época ele era príncipe, eu cismei de dar feijoada. E o pessoal começou: "Lula, feijoada é muito forte. A princesa não vai se acostumar, pode dar um mal estar nela". E eu: "que mal estar, comer feijoada".
Olha, a princesa Letizia, hoje rainha, comeu três vezes. Repetiu três vezes. Depois ela deu entrevista pra a Tereza Cruvinel dizendo: "Olha, foi a melhor comida que eu comi fora da Espanha". Então, pode ser que de vez em quando as pessoas gostem. Mas eu, normalmente, não consigo comer bem em Palácio. Porque é tudo pequenininho, é tudo restrito, sabe? Não tem uma bandejona para você escolher e pegar o que você quer, não. Aqui é aquele pouquinho ali e você come. E tem gente que come pouco, não sei se é francês. Uma vez eu vim comer com o Fernando Henrique Cardoso aqui (foi na despedida do Fernando Henrique Cardoso) e ele convocou os presidentes da América do Sul. E eu vim aqui e tinha uma chefe de cozinha francesa que era tudo os pouquinhos de comida assim, sabe?
Marcos Uchôa — Pra gente tem que ter quantidade, né?
Presidente Lula — Eu, sinceramente, eu não me acostumo com isso. Eu preciso um pouco de quantidade. Pode ser guloseima da minha parte, mas eu gosto de quantidade. Uma rabada por exemplo. Não tem nada...
Marcos Uchôa — Rabada com agrião, né?
Presidente Lula — Uma galinhada, não tem nada melhor. Um frango com quiabo, não tem nada melhor. Então, uma costelinha de porco frita não tem nada melhor. Então, eu gosto dessas coisas. E lá fora a gente não encontra muito dessas coisas. Lá é tudo muito sofisticado. Às vezes a gente fica até sem saber o que é. Mas de qualquer forma sobrevivemos.
Marcos Uchôa — Vamos aqui, já falamos de comida e comida é um assunto maravilhoso. Agora, vamos falar dessa viagem. Itália. Eu me lembro do senhor falar muito dessa coisa esquisita que é. Nós somos 30 milhões. Eu mesmo tenho um nome italiano e a Itália tem uma relação muito rara, ninguém vem, um líder italiano há muito tempo que não vem ao Brasil. Isso foi uma coisa que o senhor tentou recuperar falando com o presidente Mattarella e com a Giorgia Meloni também.
Presidente Lula — É engraçado, porque é uma coisa engraçada, porque é uma paixão maior do Brasil pela Itália do que dos italianos por nós. Eu fiquei pensando: o presidente Mattarella já tem 77, 78 anos, ele nunca veio ao Brasil, a primeira-ministra nunca veio ao Brasil e vários outros políticos importantes nunca vieram ao Brasil. Eu acho isso ruim, porque nós temos 30 milhões de descendentes de italianos aqui. Só naturalizados nós temos 600 mil pessoas naturalizadas. Eu lembro que quando nós fomos disputar as Olimpíadas, eu fui falar com a delegação italiana. Eu falei pra eles: "eu não estou pedindo voto pra vocês, eu estou dizendo que vocês têm a obrigação de voltar no Brasil porque a maior cidade (italiana) fora da Itália é o Brasil.
Marcos Uchôa — É São Paulo
Presidente Lula — O segundo país italiano do mundo é o Brasil. Então vocês têm que ir lá votar no Brasil, pro Brasil fazer a Copa do Mundo e os italianos do Brasil assistirem melhor as Olímpiadas. Não sei se eles votaram, mas quando terminou que deu Brasil, eles vieram me abraçar.
É engraçado. Eu também já convidei o Macron para vir ao Brasil. Eu acho que era muito importante que essa gente conhecesse o Brasil. Por isso é que nós vamos fazer a COP 30, sabe? A questão do clima nós vamos fazer em Belém do Pará, que é um estado amazônico, um estado muito grande, com muita diversidade cultural, com muita diversidade ambiental. Então, eu quero que as pessoas que gostam da Amazônia, que admiram a Amazônia, vá na Amazônia para ver o que que é a Amazônia.
E tem que saber que lá tem muita árvore, tem muita fauna, tem muito tudo, mas tem muita gente. E a gente da Amazônia precisa melhorar de vida. Precisa ter mais qualidade de vida, ter mais saneamento básico, ter moradia de mais qualidade, ter melhores empregos, ter melhores salários, ter melhor educação. É isso que é cuidar do clima, é cuidar do povo, junto com o cuidado da natureza.
Marcos Uchôa — Por que essa é uma área que ficou meio afastada, né? Aí, seguindo um pouquinho o discurso que o senhor fez em Paris, que foi um discurso até curioso. Pra quem não sabe, ele recebeu um discurso, papel, e em cima da hora você decidiu não discursar, não usar o discurso e falou de improviso e foi muito forte. E foi muito forte, particularmente, no momento em que o senhor falou da desigualdade. E foi a questão de que se fala no clima, mas não se fala nas pessoas. Que é um pouco isso que você tá falando da Amazônia.
Presidente Lula — Eu fico sempre pensando assim: a questão climática é muito séria. Mas a questão climática não é só cuidar da Amazônia e cuidar de manter a floresta em pé. A questão climática tem que cuidar do esgoto a céu aberto, tem que cuidar da qualidade de água potável, tem que cuidar da qualidade da rua, com a qualidade das casas. Então, é preciso analisar um conjunto inteiro da qualidade de vida da sociedade pra gente pode chegar na Amazônia e mostrar que a nossa floresta ficando em pé a gente pode melhorar e dar sustentabilidade e qualidade de vida do ser humano no planeta Terra. Isso é ponto pacifico.
Mas, a gente não pode discutir separadamente só a questão climática e não a questão da desigualdade porque o clima pode ser maravilhoso, mas o cara tem que ter comida para comer. O cara tem que ter água potável para beber, o cara tem que ter qualidade de educação, qualidade de saúde. Nós precisamos acabar com a desigualdade e elas são muitas. Eu tinha falado com o Papa quando eu saí da Polícia Federal, eu fui a Roma e falei com o Papa de fazer a campanha da desigualdade junto com ele.
Depois eu fui ao Conselho Mundial de Igreja, em Genebra, discutir também a questão da desigualdade. Aí veio a pandemia, parou. Eu agora, quando voltei a Roma, fui falar com o Papa da desigualdade, porque o Papa Francisco, quer queira, quer não queiramos, qualquer religião que concordar ou discordar dele é obrigada a reconhecer que o Papa Francisco é o grande líder que nós temos hoje na face da Terra.
Ele, embora não seja um político militante, as falas dele direcionadas ao povo são palavras de conteúdo político muito forte, como a questão da paz, como a questão da desigualdade, como a questão de cuidar dos pobres. Porque é exatamente isso que nós temos que fazer. Nós temos 800 milhões de pessoas que vão dormir toda noite sem ter o que comer e isso não toca na nossa consciência. Quando o cara quer fazer um foguete para ir pro espaço passear, ver se tem um lugar melhor pra ele morar, ele não se toca que poderia melhorar a qualidade de vida, melhorando a qualidade de alimento daquele, de emprego, da casa, da moradia. Não seria possível?
Então, a minha tese e a do Papa é a mesma. É o seguinte: nós precisamos transformar a questão da desigualdade, uma coisa pra indignar a sociedade. Nós seres humanos, humanistas, temos que ficar indignados com a desigualdade. A desigualdade salarial, a desigualdade de gênero, a desigualdade racial, de desigualdade na educação, a desigualdade na saúde, a desigualdade na moradia, a desigualdade na oportunidade.
Nós temos que ficar indignados, todo mundo tem direito. É coisa de quem? É coisa da nossa Constituição. Pega o capítulo social da nossa Constituição que tá dito tudo lá. O povo tem direito à moradia, à educação, ao transporte. Tudo está lá. É só cumprir a Constituição. Eu sou um homem indignado com isso. Isso faz parte da minha vida, eu não estou inventando isso agora, porque a minha vida inteira foi por conta disso. E eu estou na Presidência porque eu quero acabar com a desigualdade nesse país.
Fizemos muita coisa. Nós já estruturamos a base para a gente diminuir as desigualdades. Agora, nós esperamos daqui pra frente fazer a economia crescer. Pense bem, a economia crescendo e distribuindo crescimento. Porque se a economia crescer e o crescimento for só pros donos, sabe? do capital, o povo vai continuar desigual. Então, é preciso que a gente faça a economia crescer e ela cresce com o nosso trabalho e o resultado desse nosso trabalho ser distribuído em forma de salário para que a gente possa usufruir daquilo que a gente produz, pra gente comer aquilo que a gente quer, pra gente morar num lugar melhor.
É muito o que eu quero? Não. O que eu quero tá na Constituição Brasileiro, o que eu quero está na Bíblia, o que eu quero tá na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É só as pessoas cumprirem. Então, se quem mandar nos países não querem cumprir, o povo precisa começar a se mexer, começar a se mexer para que a gente cumpra.
Não é explicável que um país que produz a quantidade de comida que o Brasil produz, vai produzir esse ano mais 300 milhões de toneladas de grãos. O país que é o primeiro protetor de proteína animal do planeta Terra, tenha gente passando fome. Uma empresa só, mas eu não vou dizer o nome pra não fazer merchandising, uma empresa só mata 15 milhões de frangos por dia. Quinze milhões! Como é que tem gente que não pode comprar nem um pé de frango? Não pode nem comprar um pescoço de frango?
Então, esse mundo desigual nós precisamos olhar de forma indignada. Eu vou deitar toda noite, encostar a cabeça no travesseiro, sabendo que tem uma criança morrendo de fome, sabendo que tem uma pessoa querendo ser melhor tratada, sabendo que tem uma criança que quer ter uma escola de qualidade e não tem. Então, nós temos que ter um compromisso com a decência. É um compromisso com a moral, é um compromisso com a nossa fé. Nós precisamos ser seres humanos diferentes, humanistas, solidários, fraternos e não algoritmos, como alguém quer transformar a nossa sociedade.
Marcos Uchôa — Isso é muito forte, é muito diferente, quando você houve as opiniões e os discursos lá fora. Porque o nível de discurso, primeiro que não tocam nesses temas de uma maneira geral. Isso é uma coisa que foi te incomodando aos poucos, de participar de reunião atrás de reunião, e como se uma parte imensa do mundo, e no caso do Brasil que a maioria do nosso povo é mais pobre mesmo, é como se não existisse?
Presidente Lula — Deixa eu te dizer uma coisa que ontem eu fiquei indignado. Ontem, eu fiquei indignado. Ontem, eu estava discutindo o Plano Safra. O Plano Safra será R$ 364 bilhões. Há uma média, eu não sei o total, de 10% de juro ao ano. É caro, é muito caro. Este juro poderia ser mais barato. Mas é que tem um cidadão no Banco Central, que a gente não sabe quem pôs ele lá, que traz o juro de 13,75. Pois bem. Então, eu fiquei pensando, nós vamos emprestar R$ 364 bilhões para os agricultores do agronegócio a 10% de juros.
Amanhã vamos lançar o Programa da Agricultura Familiar e parece que é 75 bilhões, também a uma taxa de juro menor do que essa. Correto. Agora, o que me deixou indignado é o seguinte: o juro, o juro consignado, o crédito consignado, que é dado pra pessoa que tem emprego garantido, que é descontado no salário, portanto não tem como perder, é um e noventa e sete. Um e noventa e sete vezes um e noventa e sete, juros sobre juros, dá quase 30% ao mês.
Então, a minha pergunta é a seguinte: como é que o cara que ganha R$ 2 mil, que pega 1 mil no crédito consignado, pra pagar 30% ao mês, e eu tô emprestando dinheiro para os grandes a 10% ao mês? O deles também é caro, quero deixar claro, o dele também é caro. Mas aqui é triplamente caro.
Marcos Uchôa — E pra quem tem menos.
Presidente Lula — Isso aqui eu vou conversar com o Haddad, vou conversar com o presidente dos bancos pra saber como é que a gente tá levando o povo pobre nisso. A gente tá dando como garantia a folha de pagamento e a gente ainda paga mais caro que pago o empresário pelo empréstimo. O cara vai no BNDES, pega empréstimo mais 14% ao ano, é muito caro. É um roubo. Mas é metade do que paga o crédito consignado que dá garantia. Esse aqui não tem como dar cano, porque esse aqui desconta na folha. Então, algumas coisas que eu tô pensando. A gente vai ficando velho, vai ficando mais esperto.
Outra coisa que eu lembrei, sabe? Eu falei com o ministro Paulo Teixeira esses dias. “Ô, Paulo, por que que a gente tem que esperar o movimento invadir uma terra pra gente mandar o Incra avaliar se ela é produtiva ou improdutiva pra gente desapropriar? Porque que o estado não monta …
Marcos Uchôa — Estudo...
Presidente Lula — ... uma prateleira de projetos de terras improdutivas? Faz um convênio com a secretaria dos estados que cuida da terra. Cada estado e a União apresentam um banco de terras disponível. Nós temos tantos milhares de hectares aqui em tal lugar, e tal. Ao invés das pessoas invadirem a gente oferece.
Marcos Uchôa — Organiza?
Presidente Lula — ... Organiza. Essa é uma novidade que eu não pensei no primeiro e no segundo mandato, pensei agora e nós vamos fazer. Nós vamos fazer, nós vamos uma prateleira da chamada terras improdutivas desse país e terras devolutas, que a gente pode fazer assentamento agrário para quem quiser trabalhar no campo sem precisar brigar com ninguém.
Marcos Uchôa — Porque a agricultura familiar atende muito mais gente do que o agronegócio no sentido de emprego. Estamos falando aí num universo de quase 10 milhões de pessoas e agronegócio é muito tecnológico. Mas é muito importante o Plano Safra na questão de falar do agronegócio que hoje é um dos pilares, digamos assim, da economia da gente.
Presidente Lula — Mas a gente precisa apenas ter cuidado no que a gente fala. Eu sou contra as pessoas acharem que a gente tem que ser contra um, contra o outro. Não. Os dois são importantes para o Brasil. Porque o agronegócio ele não só planta para exportar. O nosso frango é sustentado com ração de soja, com ração de milho. Então, a carne que nós comemos tem resultado do agronegócio, a carne do boi que nós comemos tem.
Então, é importante saber que a gente tem que valorizar. O que é importante é a gente ajudar o pequeno e médio produtor rural. E eu digo propriedade até 100 hectares, nós temos mais de 4,6 milhões propriedades até 100 hectares. Essas pessoas são responsáveis pela produção de muita coisa que nós comemos, de feijão, de arroz, cria porco, galinha. Mas essa gente precisa ter uma ajuda melhor porque essa gente pode baratear o custo da comida que a gente come. Pode baratear se o governo tiver capacidade de ter estoque regulador.
Por isso é que nós estamos fazendo com que o MDA, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, possa agora, junto com o MAPA, administrar a Conab para que a gente faça o estoque regulador. Para que o estoque regulador? Ora, se você tiver no momento de uma crise e um determinado produto começa a subir muito de preço, você coloca aquele mercado que está estocado no mercado para baratear. Se o preço cai demais e o pequeno produtor não tem preço, você garante um preço mínimo para aquele produtor não ter prejuízo na sua roça. E assim nós vamos fazer essa pequena revolução no agronegócio, na agricultura brasileira, para que a gente viva em paz, para que a gente possa produzir mais, de mais qualidade, mais saudavelmente produzir esses alimentos e o povo viver com muito respeito.
Porque quem exporta, quem exporta sabe que cada vez mais é uma exigência com a qualidade do produto, com o rastreamento do produto. Os caras querem saber em que terra foi plantado, que veneno que foi colocado, como é que foi colhido, aonde foi guardado. Tem uma exigência maior e nós precisamos garantir essa exigência para o pequeno e médio produtor para que ele possa vender os seus produtos também em cadeia. Por exemplo, um pequeno agricultor que trabalha em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, que ele produz um salaminho, por que que ele não pode vender no supermercado? Ele produz, qualquer outro produto que ele produzir de frios ele pode vender, basta que a gente facilita o monitoramento da qualidade. E a gente vai dar possibilidade das pessoas ganharem mais dinheiro, viver mais dignamente e viver bem. É isso que a gente quer.
Acabou o tempo daquela história de fixar o homem no campo. Quem gosta de ser fixado no campo é estaca. O homem gosta de ser livre. Ele pode trabalhar no campo e morar na cidade. Ele pode trabalhar no campo e cuidar da sua família na cidade, numa vila. O que é importante é garantir que os bens essenciais ao ser humano estejam acessíveis a ele: educação, transporte, sabe?, escola de qualidade, saúde. Se a gente garantir isso, a gente vai ter um país sem violência, sem precisar fazer apologia de armas, sem precisar fazer, porque também pra coisa tá em paz no campo não precisa ter arma, o que a gente precisa é ter gente de barriga cheia, é gente comendo e gente trabalhando e gente ganhando. Aí esse país vai virar um país de classe média em que a gente vai viver feliz pro resto da vida.
Marcos Uchôa — Essa vontade de mudança, essa vontade desse mundo, que o mundo que já teve, que lá atrás a gente tinha saído do Mapa da Fome, era uma conversa que não existia mais. Isso talvez seja uma das coisas que motivam mais essa indignação. Saber que foi feito, foi resolvido e que agora, de certa maneira, a gente andou pra trás, né?
Presidente Lula — Sempre, Uchôa, é sempre muito difícil você querer universalizar as coisas. No Brasil, quando foi universalizado o ensino fundamental, se esqueceu do ensino médio. Eu lembro que quando eu tomei posse, quase nenhum estado do Nordeste tinha ensino médio. A gente teve que fazer escola porque depois do ensino fundamental vai pro ensino médio, depois do médio vai pra universidade.
Então, o que que eu acho que a gente precisaria fazer. Nós precisamos levar em conta que, na hora que a gente quer cuidar de todos e dar qualidade de vida a todos, alguém precisa ganhar menos para que a gente possa repartir melhor o resultado do produto que a gente tem nesse país. Então, a gente vai ter que convencer a sociedade brasileira que na hora que o pobre cresce um pouco, eu vou dizer uma coisa pra você que é mais prática. Imagine uma cidade em que pouca gente tem muito dinheiro e os outros não tem nada. Aquela cidade vai representar miséria, desemprego, prostituição, analfabetismo.
Agora, imagina outra em que todo mundo tem um pouco de dinheiro, ninguém tem muito, mas todo mundo tem um pouco. Essa cidade vai representar progresso, qualidade de vida, emprego. Por quê? Porque é preciso que todo mundo tenha um pouco daquilo que ele produz pra poder a sociedade ver a distribuição ser justa para todo mundo. É isso que nós temos que fazer.
Ninguém precisa comer dez vezes ao dia, enquanto o outro passa dez dias sem comer. Se todos comerem um pouco todo dia, todos estarão de barriga cheia, todos estarão felizes. Ninguém precisa roubar, ninguém precisa assaltar, ninguém precisa fazer nada. É esse mundo que nós temos que colocar na cabeça das pessoas que esse mundo é possível. Eu não sei como é que as pessoas dormem confortável sabendo que ele tem tudo e sabendo que os outros não têm nada. Eu não sei como é que as pessoas dormem tranquilas?
É difícil falar isso, é difícil fazer, mas nós já quase fizemos, entre 2003 e 2015. Nós quase fizemos. Esse país foi mais justo, gerou mais emprego, pagou mais salário, melhorou a saúde. A gente pode fazer e a gente vai fazer. Nós temos três anos pela frente, três anos e meio, pra fazer aquilo que foi destruído apenas em quatro anos. Fazer cuidando do povo. A palavra correta é: cuidar do povo. Não é governar, é cuidar do povo, cuidar das mulheres, cuidar das crianças, cuidar dos homens, cuidar do adolescente, e dar para o adolescente a visão de oportunidades, aquela visão de esperança, aquela coisa de que é possível.
Porque um menino de 17, 18 anos ele tem 100% de energia para gastar. Se você não ocupa ele com coisa boa, ele pode ir pro lado errado. Então, o Estado precisa se preocupar com isso. Por isso é que tem a minha preocupação com a educação, a educação, a cultura e a oportunidade. É coisa que a gente tem que garantir para a nossa juventude viver num mundo melhor, que é aquele que nós vivemos e herdamos do nosso pai.
Marcos Uchôa — Essa esperança é uma coisa que está muito clara pra essa juventude que é difícil arrumar um emprego, difícil pensar em comprar, de repente, uma casinha e obviamente casar e ter filho. Porque casar e ter filho também é um plano caro de longo prazo.
Presidente Lula — Hoje as pessoas não querem nem casar, se o cara tiver o pai e a mãe que pode sustentar. É muito diferente, veja. Eu fico, sempre que eu posso conversar com a juventude eu conto a minha experiência de vida, porque eu já tive 14 anos, já tive 18 e eles nunca tiveram 70. Então, o que eu falo pra eles: a expectativa de futuro no meu tempo de criança era outro. O que que eu sonhava, eu sonhava ter uma carteira profissional, aprender uma profissão, casar e construir minha família. Era o meu sonho.
Marcos Uchôa — A felicidade estava ali.
Presidente Lula — Hoje, a meninada com 18 anos, com mais estudos que eu tinha, eles não têm perspectiva de futuro, eles não têm emprego, não têm oportunidade. Então, é preciso que o Estado se preocupe como motivar essa gente, sabe?, na economia diferenciada, terceiro setor, nessa questão de micro e pequeno empreendedorismo. O que nós temos é que colocar nossa criatividade, utilizar a universidade, para que a gente crie como oferecer uma bandeja de oportunidade para essa juventude não perder a esperança, porque um jovem sem esperança ele, efetivamente, vai sofrer muito. Ele pode ser desencaminhado.
É preciso a gente cuidar. Cuidar com carinho como se todos fossem os nossos filhos para que todos pudessem ter uma expectativa de futuro e brigar por esse futuro. Brigar. Estudar no momento certo. Tentar ser o melhor da classe e tentar ser sempre o melhor, tentar passar nas coisas. Porque é o seguinte: essa disputa quem ganhar vence, quem não ganhar fica pra trás. E o jeito de todo mundo andar um pouco pra frente é a gente criar oportunidade igual para todas as pessoas.
Eu estou muito preocupado porque a meninada de hoje está mais desesperada do que eu estava quando eu tinha 17, anos, 20 anos, 25 anos. Eu, quando tinha 23 anos já estava casado, já tinha profissão, já tinha emprego, já estava pensando em comprar minha casinha. Eu digo sempre o seguinte: eu fui o primeiro filho da minha mãe que tive uma casa, tive uma televisão, uma geladeira e ganhava mais que um salário mínimo. Tudo isso porque eu aprendi uma profissão.
Então, você que está me ouvindo, faça alguma coisa pra você se transformar em alguém. Em alguém que produz alguma coisa, em alguém que cria alguma coisa. Você pode, é só você querer.
Marcos Uchôa — Esse estilo, porque tem uma coisa que é nova. Imagino que a questão de saúde mental, de depressão, não era um assunto na época em que o senhor era jovem. Não era um pânico, ataque de pânico, são coisas que são muito reais hoje e não...
Presidente Lula — É porque tinha pouco diagnóstico.
Marcos Uchôa — Também...
Presidente Lula — Hoje tem muito mais diagnóstico. Se for pegar o autismo, por exemplo. O autismo hoje tem muito diagnóstico e é uma coisa que eu fico encantado em tentar encontrar uma saída para os autistas, ou seja criar um mundo. Eu não sei se você lembra? Na minha posse a Janja pediu para que não tivesse a salva de tiros porque o barulho assusta o autista. Então, é o tipo de coisa que a gente vai aprendendo.
Você tá num evento qualquer, se tiver muito barulho você pode criar uma confusão na cabeça do autista. Então, são várias coisas que nós precisamos tratar com mais respeito e com mais carinho, que é a questão das pessoas sabe?, com deficiência. Temos que cuidar. Esse é um mundo novo para nós. Essa é uma exigência nova da sociedade que está cobrando.
As pessoas não querem ser tratadas como se fossem coitadinhos, não. As pessoas querem ser respeitadas no seu direito. As pessoas querem ter oportunidade de trabalhar de acordo e do jeito que ela pode trabalhar. E é isso que o Estado precisa garantir. O Estado não tem o que inventar. É só garantir que as pessoas exerçam livremente, da forma que sabem exercer as suas funções.
Marcos Uchôa — Presidente, a gente começou falando sobre essa questão do cansaço, né? Agora, eu tô vendo um entusiasmo tão enorme. Eu acho que, de certa maneira, a indignação move a energia também, porque a indignação é querer mudar, é querer melhorar. E isso tá muito presente na sua vida, né?
Presidente Lula — Isso na verdade faz parte da minha vida. Eu fui assim quando moleque, eu fui assim quando adolescente, eu fui assim no sindicato, eu fui assim na criação do meu partido, eu fui assim na Presidência da República. Eu vou ser assim até enquanto tiver vida. É que você, quando tem um papel de representação, você não pode passar frouxidão, você não pode passar moleza. Então, eu tenho que estar sempre animado, sempre ativo, como diria o Celso Amorim: sempre ativo e altivo; sempre mostrando que é possível fazer as coisas, sempre querendo mais e sempre tendo uma força a mais. Eu te confesso uma coisa: pra trabalhar eu não canso. Me dê tarefa que eu não canso. Eu trabalho. As pessoas que trabalham comigo sabem. Quase todos eles cansam e eu não canso.
Marcos Uchôa — Eu tô sabendo disso
Presidente Lula — Agora, é o seguinte, mas isso faz parte da minha vida. Isso faz parte da minha vida e vai ser assim, Foi assim desde pequeno. Quando eu jogava bola era assim, quando eu comecei a trabalhar na fábrica era assim. Eu nunca dei mole pra mim mesmo. Eu pego as coisas pra fazer eu faço. Porque se você quiser ser líder de alguma coisa você precisa cativar os liderados a te ter como exemplo. Porque se você é um cara preguiçoso, se você é um cara que não trabalha, se você é um cara que fica em casa, se você é um cara que não tem motivação, o que que você vai passar para os seus liderados? Nada. Então você tem que passar entusiasmo. E se depender de mim todos eles terão muito entusiasmo.
Às vezes eu até fico bravo com eles, mas eles sabem o que que eu quero. Nós precisamos fazer esse Brasil dar certo. Esse país merece uma chance, esse país não pode. Esse país já foi a sexta economia do mundo, esse país já acabou com a fome, esse país dava aumento do salário mínimo todo ano. Tudo isso a gente vai voltar agora, Uchôa. Vai voltar porque é isso que o povo tem como expectativa. E, se Deus quiser, a gente vai concluir o nosso mandato com o povo brasileiro vivendo melhor, mais feliz, mais alegre, rindo mais, rindo mais e cuidando melhor dos seus. É esse o país que eu quero.
Até porque o que todo mundo quer é isso. Todo mundo quer ter uma casinha, todo mundo quer ter o emprego, todo mundo quer ter a sua família vivendo bem, todo mundo quer ter acesso a um carrinho. Todo mundo quer aquilo que é elementar pra todo mundo: viver bem, viver dignamente. Toda mãe quer ver seus filhos comendo três vezes ao dia, com a bochechinha vermelha, bem roxinha. Ninguém quer ver um filho doente. Toda mãe quer que o filho esteja numa escola de qualidade.
Então, nós temos que garantir isso. Essa é a nossa briga nesse instante e eu tenho fé em Deus que a gente vai conseguir realizar isso.
Marcos Uchôa — Presidente, obrigado. Esse foi o terceiro programa Conversa Com o Presidente. A gente vai ter toda semana. A gente às vezes precisa mudar o dia, por conta da agenda dele. Terça-feira que vem já tem uma viagem, enfim, a gente vai ter que acertar, mas toda semana a gente tem esse encontro. Ou ao vivo ou, claro, em casa, na hora que você quiser pra assistir com calma tudo que o presidente tem a dizer, todo esse entusiasmo e essa esperança de um Brasil diferente, né. Então, muito obrigado pela participação de vocês. Quando vocês ouvirem a gente pelas rádios também, não só na internet, e tem muitas rádios repetindo esse programa, enfim. Presidente, muito obrigado. É sempre um prazer.
Presidente Lula — E quem sabe, Uchôa, a gente possa daqui a uns dias estar preparado para fazer um programa com pergunta de ouvintes.
Marcos Uchôa — Vamos fazer sim. As pessoas vão mandar as perguntas e a gente vai aqui perguntar. O Brasil todo vai participar dessa conversa aqui. Até lá.