Conversa com o Presidente - Live do dia 19.dez.23
Marcos Uchôa — Bom dia. Mais um Conversa com o Presidente. Dessa vez, diferente. O último do ano e com a ilustre presença da Janja, que veio aqui para, de certa maneira não se permite colorir, mas explicar um pouquinho um lado muito curioso e importante. Porque ela, e dessa vez, presidente, já falou muito esse ano, eu vou começar com ela. Você tem o privilégio um pouquinho de ver o começo do dia, o final do dia e a conversa de trabalho e a conversa também pessoal de vocês. Como é que, você lembra um pouquinho, ano passado, quando vocês chegaram e agora, no final desse ano, era o que você imaginava?
Janja (primeira-dama) — Não. Não era. Eu tinha... Bom dia, Uchôa, bom dia a todo mundo que está aí assistindo a gente hoje. 8:30 da manhã e esse é o encontro da Conversa com o Presidente com Papo de Respeito. Entendeu?
Marcos Uchôa — Muito importante.
Janja — Estamos fazendo um encontro das duas lives. Ontem eu estava caminhando, cheguei 17h da tarde, fui caminhar com a Resistência e com a Paris ali fora e estava tão bonito o Alvorada. Até fiz um vídeo e postei no Instagram. E eu fiquei pensando exatamente isso. Está fazendo um ano que a gente chegou em Brasília. Um pouquinho mais por conta da transição. E aconteceram tantas coisas, a vida deu uma volta.
Quando ele estava em Curitiba, que a gente começou a namorar, nunca na minha cabeça passou estar aqui nesse lugar e tal. Pensei da gente construir uma vida, mas hoje a gente está construindo uma vida juntos e pelo Brasil. Ontem eu fiquei caminhando e pensando nisso. É muito, muito, muito diferente de uma vida normal, de um casal normal, obviamente. Mas é uma vida feliz. Então, isso é o que importa, uma vida de muito amor.
Marcos Uchôa — É, amor, mas você tem o amor, mas você tem o trabalho. Porque você pensa o Brasil, você se incomoda com o Brasil, quer um Brasil melhor e você tem ideias. Como é que você lida com ele quando o assunto dá trabalho demais, que ele já está cansado. Como é que você enxerga nele, porque não dá pra falar disso, como falar de outras coisas. Como é que você acelera ou freia?
Janja — Ah, eu conheço muito bem ele. Eu sei os tempos dele, sei os tempos em que pra não falar de trabalho e sei o tempo que é pra também conversar um pouco sobre trabalho. Quando, no ano passado, a gente conversou um pouco, quando ele me disse assim: “você vai fazer o que você quiser fazer”. Então, eu vou fazer o que eu sei fazer, que eu estudei pra isso, que trabalhei durante a minha vida toda, com alguns programas de responsabilidade social, sustentabilidade, alguns temas.
Então, é sobre isso que eu sei falar, e é sobre isso, basicamente, que a gente conversa, troco muito com ele. Final de semana a gente sempre está sentado ali na piscina, conversando e tal, tomando um ar fresco porque a semana é sempre muito agitada. Mas tem momentos que é pra falar de trabalho e tem momentos que é pra extravasar e falar de outras coisas. Então, eu sei bem separar esses momentos.
Marcos Uchôa — Presidente, como é que foi essa parceria, de certa maneira, porque, 20 anos atrás, você entrava aqui numa outra situação, um outro Brasil, um outro Lula também. Agora, esse último ano, quando você olha para trás e com a parceria com a Janja, como é que você se sentiu?
Presidente Lula — Olha, Uchôa. Deixa eu te falar uma coisa bem sincera. Eu acho que a gente está terminando o ano de uma forma excepcional. Não poderia existir nenhum cientista político, nenhum analista político que pudesse imaginar que a gente fosse chegar no final do ano na situação promissora que nós estamos chegando.
Uma situação bonita, o povo mais alegre, o povo com mais esperança, o Brasil crescendo, o desemprego caindo, o salário aumentando, o preço da comida baixando, o Brasil voltando a ser respeitado no mundo. Tudo isso é uma coisa muito prazerosa para quem herdou o Brasil que eu herdei, destroçado, vindo de uma pessoa negacionista que não acreditava em nada e que não fazia nada de bom. Essa é a verdade.
Eu estabeleci com a Janja uma política de convivência que pode ser duradoura se a gente souber lidar com isso. Eu não gosto de trazer pra casa problemas do trabalho, eu não gosto de sair do Palácio, nove horas da noite, com a cabeça cheia de discussão e trazer pra casa e descarrega no travesseiro. Eu, às vezes, fico quieto, ela pergunta “o que você tem, o que você está pensado”. Eu sempre falo: “tô pensando em nada”. Porque também eu não vou trazer para dentro de casa a discussão.
O que é importante nessa relação? Essa relação é importante porque a Janja me passa confiança, ela me passa certeza, ela dá palpite nas coisas que eu vou fazer, ela fala, ela dá conselho. Isso é importante, você ter alguém com quem você compartilhar as tuas angústias diárias. E o que eu disse pra Janja é o seguinte, ela não pode ser uma primeira-dama, tradicionalmente, como sempre foi as primeiras-damas. Aquela mulher que acompanha o marido e que faz as coisas certinhas, faz uma política de visitação.
Não. Ela é uma agente política. Ela era antes de eu conhecer, continuou sendo quando eu conheci, era agente política quando eu estava na prisão, foi quando eu estava na campanha. Ela tem que ser agente política. Por isso que eu disse “faça o que você quiser”. Cada um de nós sabe a nossa tarefa, as nossas missões, ela não precisa de cargo para ser importante, não precisa de cargo para fazer o trabalho que ela quiser fazer. Se ela quiser visitar alguém, visitar um estado, fazer visita a hospital. Ela faz o que ela quiser. Discutir os problemas das mulheres, das minorias.
Então, eu acho que até agora eu poderia dizer o seguinte. Como eu sempre digo que Deus sempre foi muito generoso comigo, Deus foi muito generoso, e me dar a Janja foi muito generoso. E da compreensão que ela tem, do tipo de governança que eu faço, e às vezes ela critica, às vezes ela fica aborrecida, ela não torce para o mesmo time que eu — ela torce para o Flamengo, e é uma torcedora chata pra caramba. Chata, fala palavrão, xinga. E eu torço pro Corinthians, e está sempre por baixo. O Corinthians esse ano tá muito...
Marcos Uchôa — Passou raspando de ano.
Presidente Lula — Eu acho que a gente vive bem. Eu acho que a gente poderia ser modelo, exemplo.
Janja — Mesmo de times diferentes, a gente vive bem.
Presidente Lula — A gente poderia, quando a gente tá assistindo o jogo, eu torço pro Flamengo, às vezes com o dedo fazendo figa, porque eu sou vascaíno no Rio de Janeiro. Mas eu respeito. Ela fica nervosa. E ela, às vezes, não tem coragem de ver o jogo. Às vezes ela vai pro banheiro, fica lá pra não ver a televisão. Eu que fico gritando “gol, gol do adversário”.
Janja — Eu não assisto o jogo.
Presidente Lula — Eu, sinceramente, agradeço a Deus por esse ano. Acho que o governo tem ido bem, os ministros estão todos muito dedicados. Acho que o trabalho que os líderes fizeram, que o Haddad fez no Congresso Nacional, foi extraordinário para a gente conseguir aprovar tudo que está sendo aprovado. Fazer uma política tributária no regime democrático não é novidade no Brasil. E nós conseguimos isso.
Isso não resolve todos os problemas, mas é um passo gigantesco para que o Brasil volte a ser um país civilizado, com crescimento econômico, com distribuição de riqueza e com melhoria na qualidade de vida das pessoas, que é o que eu quero, que ela quer e que o povo brasileiro deseja.
Por isso eu estou feliz. Não poderia ter acontecido alguma coisa melhor pra mim do que aconteceu esse ano no governo.
Janja — Deixa eu só complementar, Uchôa, desculpa. Tem um detalhe bem importante do meu marido, que ele gosta de “dormir as coisas”. Você tem uma coisa importante para falar para ele, não espera, às vezes, uma resposta imediata. Ele não trabalha assim, ele gosta de processar, pensar muito bem, pra saber muito bem o que vai fazer. Isso é de uma grandeza maravilhosa para não trabalhar no impulso, né.
Presidente Lula — É porque na política tem uma coisa que é seguinte, tem gente que acha, que fica refém do celular. Porque ele acha que o mundo não pode prescindir dele 30 segundos, 5 segundos, se ele não tiver ali. Eu acho que nada precisa ser feito de forma precipitada.
Se você tiver tempo de pensar, repensar, contar até dez, não precisa tomar decisão com 39 graus de febre, deixa baixar pra 36, e quando você estiver tranquilo você toma a decisão.
Assim que a minha cabeça funciona, é assim que eu acho que a gente pode fazer o Brasil dar certo. Eu não gosto de coisa precipitada, dessa coisa de tem que fazer agora, tem que ser agora, ou é agora ou não é mais. Não tem nada disso.
Marcos Uchôa — De certa maneira, é a experiência. O terceiro mandato te deu, talvez quando a gente ficou, o Brasil ficou assim “ah, quem vai ser o ministro do STF” no primeiro semestre, depois no segundo semestre, depois o cargo aqui. Havia uma pressão de escolher, mas que você preferiu exatamente fazer o que a Janja falou. Deixa o tempo passar para você pensar, repensar. Tempo pra pensar é uma coisa que você precisa de qualquer maneira. Não interessa a tecnologia. Tempo para pensar é igual hoje, como era 50 anos atrás.
Presidente Lula — É a melhor maneira de você tomar decisão. Não tem jeito. Às vezes a gente toma café, ela vai falando das coisas que ela ouve, porque ela também vive na internet, ela vive no celular. Então, ela fica vendo um monte de notícia, fica passando pra mim.
Janja — Mas eu tô aprendendo por você a não ter ansiedade. Às vezes eu tenho, mas eu tô aprendendo a não ter ansiedade da internet.
Presidente Lula — Às vezes eu falo pra ela: “ô Janja, você não precisa ficar nervosa com coisas que não são do teu interesse imediato, não vai resolver você ficar nervosa, ficar agitada. Então eu não veja o que você não precisa ver, querida”. Eu me controlo muito porque, quando você chega no governo você já tem problema. Você pensa que é fácil aturar o Pimenta [ministro Paulo Pimenta] na Secom? Você pensa que é fácil aturar o Stuckert [secretário Ricardo Stuckert]? Você pensa que é fácil aturar o Marcola [assessor Marco Aurélio Ribeiro]? Agora, você pensa que é fácil eles me aturarem também?
Então, se eu não tiver paciência, se eu não me controlar e eu for precipitado as coisas saem muito erradas. Eu sempre deixo pra pensar bem, às vezes eu converso com outras pessoas. Tem coisas que eu não sei, então vou consultar pessoas que sabem, eu vou pegar referências para poder tomar decisão.
Eu tô muito tranquilo com relação a isso. Se tem um ser humano tranquilo com relação ao que quer, com relação aos sonhos que tem para esse país, sou eu. Eu te confesso que nunca estive tão tranquilo, tão sereno, tão calmo como estou agora.
Janja — E quem quer falar de coisa séria de manhã com o homem que levanta preocupado em dar o mamão e a melancia para as cachorras, né? Resistência e Paris já saem...
Marcos Uchôa — Elas passam... mamãozinho e melancia.
Janja — Antes dele tomar café já está cortadinho, pra cada uma. Não é, amor?
Presidente Lula — As cachorras acordam e vão no banheiro me chamar. Elas não param de latir enquanto eu não vou na cozinha. Na cozinha eu dou o mamão, dou melancia. E agora que eu tô comendo batata doce, que eu não tô comendo mais pão.
Janja — Tá fit.
Presidente Lula — Eu tô comendo batata doce com leite, que era uma coisa que eu comia quando era criança, com sete anos.
Janja — Hoje ele lembrou da Dona Lindu.
Presidente Lula — Então eu começo, faço um mingauzinho, amasso a batata, coloco o leitezinho e tomo. E não como pão porque dizem que é o carboidrato mais saudável, aquele negócio. Então tô fazendo isso. E elas também adoram batata.
Janja — Não sei se vocês repararam como o meu marido está bem mais elegante depois da cirurgia, voltou para a esteira, está correndo quase cinco quilômetros por dia.
Marcos Uchôa — Essa é uma das coisas boas do ano, né? Porque você vivia com dor há um ano, dois anos. E de repente termina o ano com uma perna nova.
Janja — Eu vou dizer uma coisa. Teve momentos que eu não sabia mais o que fazer, me dava até um desespero de eu não saber o que fazer por conta da dor que ele estava passando. Não tinha creme, não tinha pomada, não tinha remédio, nada que passasse a dor. Ele passou meses com essa dor.
O discurso que ele fez na ONU — um discurso brilhante — ele fez com muita dor, que já foi um pouquinho antes da cirurgia. Isso me deixava muito angustiada. E agora eu estou muito feliz. Ontem eu falei pra ele: “tô muito feliz, amor, porque você tá correndo”, que é o que ele gosta, de correr na esteira. Não sei se você sabe que em 580 dias ele corria 4 horas por dia, ele ficava na esteira, eu acho que estragou esse fêmur muito lá. Mas, enfim, hoje ele está outro homem.
Presidente Lula — Há uma coisa que é interessante se dizer quando você tá bem com a vida, você tá bem com a sua parceira, você tá bem com teu mundo. Eu tenho consciência da importância que nós temos nesse momento histórico do Brasil. Tenho consciência das falhas, tenho consciência das virtudes. As pessoas se acostumaram a dizer outra vez que eu tenho sorte.
Ou seja, toda vez que eu ganho as eleições as pessoas falam “ah, o Lula tem sorte”. Porque as coisas vão dando certo. Se é verdade que eu tenho sorte, o povo deveria me eleger para sempre. Porque esse país está precisando de tanta sorte, que a gente não poderia sair mais.
Mas eu acho que, assim, eu vivo com a minha cabeça muito leve, muito feliz. Eu tenho na cabeça tudo que eu quero fazer para esse país. Eu tenho na cabeça tudo que eu acho que o povo precisa. Eu já conversei demais, eu já escutei demais. Eu gosto de abraçar as pessoas.
Ontem eu fui ao Amapá e teve uma senhora, uma afrodescendente, uma mulher negra, bonita, alegre, a mulher do pulinho, mas ela falou tão bonito. Ela ganhou a casa, ela estava numa emoção. Aquela mulher, eu pensei que ela fosse explodir de emoção. E ela falava em Deus toda hora, falava da fé dela, falava da alegria dela. Eu fui visitar a casa da outra mulher, com dois filhinhos, grávida do terceiro, marido desempregado, mas a alegria dela, de ter o ninho dela.
Janja — Olha ela lá, amor.
Presidente Lula — Essa mulher foi espetacular.
Janja — Chegou em casa ontem eu falei “pulando já, já está dando pulinho”.
Presidente Lula — Ela me fez dar um pulinho.
Janja — Que bom que deu pra dar esse pulinho.
Presidente Lula — Então o país está nesse nível. Eu acho que as coisas estão tudo se encaixando. E a Janja é muito importante nesse processo pra mim, a tranquilidade que ela me passa. Mesmo quando faz cobrança, faz cobrança que eu sei que são pertinentes.
Na hora você sabe que o marido sempre reage à cobrança. A gente sempre acha que a gente tá certo.
Janja — Mas eu também vou contar que ele também sempre, às vezes, quando acontece isso, eu sei o momento de me calar e eu sei que ele vai refletir o que eu falei e o que foi que ele falou. E a gente sempre volta num tom mais ok.
Marcos Uchôa — Você planta uma ideia e deixa germinar.
Janja — Porque imagina o tanto de gente que fica na orelha do meu marido.
Presidente Lula — Eu, sinceramente, não quero duvidar da vida de ninguém — eu não convivi pessoalmente com os outros presidentes — mas vou contar uma coisa pra você. Acho que essa casa aqui, onde a gente está agora, Palácio do Alvorada, nunca teve a porção de amor que está tendo agora pra governar.
Acho que nunca... daqui dessa casa, o que sai pra fora é felicidade, é esperança, é amor, é carinho, que é assim que a gente se trata. Porque senão não tem jeito de sobreviver. O mundo está muito perverso, tá muito violento. O mundo está muito bruto. As pessoas se xingam por qualquer coisa, as pessoas divergem por qualquer coisa.
Aqui em casa, eu e a Janjinha estamos em paz. Em paz, abençoados por Deus, admirando a natureza e cuidando do nosso povo. Eu tenho certeza que vai ser quatro anos de muita alegria, de muita felicidade. Eu, às vezes, fico muito puto da vida, estou falando a palavra puto de verdade. Fico muito com as pessoas que atacam ela pela internet. Eu fico puto porque eu nunca falei da mulher de um presidente, da mulher de um deputado, da mulher de um vereador.
Então, eu acho que é uma canalhice a pessoa que faz isso. Então eu fico puto por ela. Às vezes nem falo pra ela que eu estou puto pra ela não ficar achando que eu estou fazendo alguma crítica. Mas as pessoas são muito desagradáveis, as pessoas baixam muito o nível, estão virando desumanos.
Então, eu e ela vamos servir de exemplo na concordância, nas divergências, esse país precisa que a gente esteja bem. Se eu estiver mal dentro de casa, eu estarei mal lá fora. Se eu estiver bem dentro de casa eu estarei bem lá fora.
Marcos Uchôa — Janja, vamos falar disso, porque eu acho que é importante, porque há um consenso, eu acho que não só no nosso país, mas em outros também, de que as redes sociais de certa maneira perderam a mão. Ficou um lugar em grande parte de muita agressividade, muito ódio, muita violência.Uma coisa que o presidente já tocou aqui em outro momentos. Mas, assim, chega uma hora que tudo é regulado, tudo tem um limite, e parece que ali não tem limite. Há uma “sem cerimônia” em se sair xingando as pessoas, sem o mínimo de respeito, que é o que a sua caneca mostra, o seu programa mostra, que é uma coisa que a gente tem que lidar, a gente tem que conversar sobre isso: se a gente quer uma sociedade que permita esse nível de violência.
Janja — Eu acho incrível porque, até falando um pouco como socióloga, a gente aprendeu a criar regras de convivência na sociedade na evolução da humanidade. E hoje, quando a gente fala em regular um sistema que faz parte do nosso mundo hoje em dia, as redes sociais, a internet, o que seja, as pessoas reagem: “por que?”, “como regular?”
Mas a gente vive numa sociedade toda regulada, por que esse nicho ficaria fora disso, né? Uchôa, o que aconteceu semana passada, eu já estou, como eu disse na nota que eu fiz, é ruim, mas a gente se acostuma a receber ódio pelas redes.
As mulheres se acostumam a receber ódio pelas redes. Mas o que aconteceu na semana passada foi muito mais invasivo. Foi... eu não consigo nem te dizer. Aí de manhã cedo, na terça-feira, eu passei quase que à madrugada trocando senha de quase todas as minhas coisas, por segurança e tal.
Quando eu acordei, olhei para o meu marido. Apesar de tudo, eu falei: “não é no ombro dele que eu tenho que chorar”. Aí, eu só consegui chorar quando as meninas que trabalham… minhas amigas que trabalham comigo, chegaram, e aí eu consegui chorar. Porque só outra mulher para entender o que eu estava sentindo naquele momento.
Então, eu fico imaginando, eu, por conta de estar nesse lugar onde estou, eu sou uma pessoa pública, foi tão difícil para a gente, que o Twitter derrubasse, congelasse a minha conta por uma hora e meia. Eu falo que, por uma hora e meia, o seu Elon Musk ficou muito mais milionário com aquele ataque. É essa que é a questão!
A gente precisa, não só da regularização das redes, mas a gente precisa discutir a monetização dessas redes sociais, porque hoje — não importa se é do bem ou do mal — eles ganhando dinheiro, está tudo bem.
As redes sociais estão acima de qualquer coisa, acima de regras, acima do famoso mercado; então, elas estão lá flanando. Eu acho que a gente precisa de alguma forma. Esta semana tenho conversado bastante com as pessoas, o governo está com uma proposta de um plano de combate à violência contra as mulheres nas redes, digital. Acho que precisa focar um pouco nisso, acho que precisa discutir isso de uma forma mais forte.
Presidente Lula — O que aconteceu com a Janja foi importante porque chama a atenção da gente para outras coisas. Um dos moleques que hackearam ela, e que ficaram uma hora e meia brincando com as informações dela, é um moleque de 17 anos, que certamente está dentro de casa sentado. O pai e a mãe acham que é um santinho: “nossa, como meu filho é bonzinho, como meu filho é educado, ele não sai da frente do computador”. Mas não sabe o que o filho está fazendo.
Então, é importante! A violência contra meninas é uma coisa absurda. O abuso de fotografias, de filmes de meninas é um negócio criminoso, não dá para gente não tratar isso como uma coisa criminosa. E tem menina se cortando, tem gente se matando, tem gente se violentando. Então, nós vamos ter que fazer uma regulação séria — eu eu vou dizer mais: não só uma regulação só para um país, é uma regulação para o mundo.
A União Europeia já fez uma regulação, a gente vai ter que olhar bem o que foi feito. Vamos ver o que está acontecendo na China, nos Estados Unidos, mas é preciso que o mundo tome cuidado com isso. O mundo já era preconceituoso contra mulher, o mundo já era preconceituoso contra o negro, o mundo já era preconceituoso contra o pobre. Agora, com a internet, virou hiper preconceituoso, porque as pessoas transformam o seu preconceito pessoal para milhares de pessoas ou milhões de pessoas. Como a gente trata isso sem fazer censura? É um desafio.
Mas você veja um negócio: a televisão tem limite, tem regulação; rádio tem regulação. Então é preciso criar outra regulação para esse cidadão que não paga nem imposto no Brasil. Todos eles são dos Estados Unidos, todos eles ganham uma fortuna, não pagam nenhum imposto e falam o que querem, e ainda não obedecem sequer às decisões do governo.
Janja — Eu não sei nem onde processá-los. Se eu processo no Brasil ou se eu processo nos Estados Unidos, porque processá-los eu vou. De alguma forma, a gente fez uma pesquisa, as meninas fizeram uma pesquisa, tem muitas pessoas públicas que têm suas contas invadidas... o primeiro ministro da Austrália. Então, a gente tem que, de alguma forma, processar essas plataformas e regulá-las. O problema não é só do Brasil, o problema é global.
Marcos Uchôa — É a gente não pode deixar que essas pessoas se escondam por trás de uma ideia de liberdade de expressão. Eles estão ganhando muito dinheiro com ódio.
Janja — A gente viu que é um menino de 17 anos que fez, que invadiu o meu Twitter, que escreveu aquelas barbaridades, mas fomentado por um adulto, sabe? Então, a gente precisa investigar, não criminalizar só esse menino, tentar reeducá-lo para viver em uma sociedade com um pouco mais de solidariedade e empatia. Mas a gente precisa também investigar quem são esses adultos por trás desses adolescentes, porque existem adultos por trás desses adolescentes fomentando esse ódio nas redes. Não é do nada que acontece. Então, a gente precisa olhar com muita calma isso, sabe?
Presidente Lula — Vamos virar um pouco a página. A gente começou falando de coisa boa, de coisa boa. Vamos voltar para coisa boa. Ou seja, como você está vendo a evolução da participação das mulheres na vida política?
Janja — É uma pergunta difícil de responder porque está ligado a tudo isso que a gente tem falado, né? A gente teve um momento de muito mais mulheres na política. Eu acho que a gente teve um retrocesso muito grande. Com toda violência que a gente tem assistido, a pandemia ajudou muito isso, uma violência dentro de casa, uma violência nas redes. As mulheres, por conta disso, têm desistido um pouco da política.
A gente tem companheiras nossas do nosso partido que não querem mais se candidatar ano que vem: “não quero mais ser vereadora, porque eu estou lá em uma cidade de 3 mil habitantes, uma Câmara só com homens e uma única mulher. O que eu vou fazer? Eu consigo, mas eu estou sendo muito agredida, muito exposta”.
A gente precisa criar uma rede de proteção para as mulheres poderem participar da política. O Brasil, na América Latina e Caribe, é penúltimo em participação feminina nos parlamentos. A gente precisa mudar isso. A gente precisa de alguma forma mudar isso. As cotas já não bastam mais. As cotas já não atendem. A gente precisa mudar a legislação eleitoral e brigar por cadeiras nos parlamentos. Temos cadeiras para as mulheres, é 50% a 50%.
Aí eu estava conversando com uma companheira nessa viagem agora e ela falou assim: “não pode ser 50/50 porque se as mulheres tiverem 50%, a gente está com problema, porque as mulheres estão sendo mais eleitas que os homens”. A legislação diz: “não, vocês é só 50%, então é o número mínimo”. Então a gente precisa, tem que equilibrar isso, porque as leis que nos protegem, elas são necessariamente propostas por mulheres. E se a gente não tiver mulheres no parlamento, como que vai acontecer?
Presidente Lula — Eu tenho a compreensão do seguinte: não há possibilidade de a gente achar que os avanços serão garantidos por lei ou pela Constituição. Você pode definir como princípio básico na Constituição, sabe? As pessoas vão ter isso e vão ter aquilo. Mas entre você propor e as coisas acontecerem, leva tempo. Eu vou te dar um exemplo concreto.
Quantos partidos de trabalhadores têm no mundo? Quantos operários chegaram à Presidência da República no mundo? Veja que não é pouca coisa não. O PT nasceu, com oito anos o PT foi o segundo colocado em 89, o segundo colocado em 94, o segundo colocado em 98, o primeiro colocado em 2002, o primeiro colocado em 2006, o primeiro colocado em 2010, o primeiro colocado em 2014, o segundo colocado em 2018, o primeiro em 2022. Esse é um fenômeno que pode acontecer com qualquer segmento da sociedade.
Eu tenho dito o seguinte: as mulheres só vão ocupar os espaços quando você tiver centenas e milhares de mulheres convencidas de que têm que brigar. Porque as conquistas jamais são concedidas. Em nenhum momento da história, uma conquista foi concedida, é conquistada na base da luta.
E vai ter um dia em que as mulheres serão maioria, elas já são maioria na sociedade. O problema é que nós temos milênios de cultura machista. E, lamentavelmente, é isso, temos milênios de cultura machista. Nós temos séculos de cultura escravagista. Essas coisas você não consegue mudar do dia para a noite ou com uma lei. A lei ajuda.
Nos Estados Unidos, quando houve em 1785 a conquista dos direitos civis. Mas ainda hoje, o preconceito está lá. Ainda hoje, o soldado branco se ajoelha no pescoço do negro e mata ele. Então, é uma coisa mais profunda que está na mudança, sabe? Eu acho que é até genética do ser humano.
Janja — Eu concordo com você, amor. Mais um pontinho de discordância que eu tenho é: “sim, nós mulheres precisamos lutar e sabemos lutar as nossas lutas”. Não precisa ninguém dizer para a gente o que tem que fazer. Mas enquanto os homens não entenderem que essa é uma luta de todos, enquanto os homens não forem parceiros na luta das mulheres com relação à participação delas, e não é que os homens estão concedendo os passos, é serem parceiros mesmo, para convencer outros homens. Porque é muito difícil uma mulher convencer um homem. É muito difícil, sabe?
Presidente Lula — Eu sou fácil de ser convencido.
Janja — Então, a gente precisa muito dos homens do nosso lado. A ministra Cida, numa reunião ministerial, ela falou isso. Ela falou assim: “olha, enquanto vocês não estiverem do nosso lado nessa luta, vai ser muito difícil”. Então é claro, nós mulheres sabemos lutar a nossa luta, mas somos homens e mulheres na sociedade. Então, a gente precisa muito caminhar lado a lado. Os homens precisam entender, sabe, que isso é importante, que a gente precisa de uma sociedade diferente.
Presidente Lula — Deixa eu contar uma experiência bem-sucedida para Janja. Nas greves de 78, 79 e 80, a gente convocava só os trabalhadores para assembleia. Você deve ter ido em alguma assembleia, era em 99% homem. A gente começou a perceber que a mulher, dentro de casa, estava virando adversária do marido que estava em greve.
Por quê? Porque ela recebia informação na rádio, na televisão, de que o marido vai ser mandado embora, de que o marido vai ser prejudicado, de que vão cortar a conta da luz dele, de que vão cortar a conta d’água.
Então, ela passava a chegar em casa... o marido chega e ela falava: “pô, você tem que parar com essa greve, nós vamos nos prejudicar”. Aí o que eu resolvi? Eu resolvi nas assembleias fazer uma convocação para que as companheiras mulheres fossem para essas assembleias junto com os maridos, para elas perceberem que a luta era delas também e elas tinham que ser parceiras do marido, elas não podiam enfraquecer os maridos. E o resultado foi extraordinário.
Janja — É igual agora! É a mesma coisa que estou falando. Por que na Marcha das Margaridas a gente não podia ter um bloco de maridos e companheiros marchando ali juntos com elas, a Marcha é das Margaridas? Mas por que eles não estão ali apoiando?
Presidente Lula — Acho que elas não deixam. Eu já te falei o seguinte: eu vou ver o jogo do Corinthians e do Flamengo das mulheres. Quando o futebol feminino do Corinthians for jogar com Flamengo, eu e você vamos assistir porque eu quero ver o Corinthians levar uma surra.
Janja — Vamos, mas você fica lá na torcida do Corinthians e eu na torcida do Flamengo. Amor, não vamos entrar nessa discussão porque o Uchôa é carioca e, possivelmente, não é flamenguista.
Marcos Uchôa — Sou
Janja — 2 a 1, perdeu.
Presidente Lula — Mas olha, nós estamos chegando no final do ano, um ano muito, muito trabalhoso. Estou muito feliz também porque fiz a cirurgia. Essa cirurgia, eu vou te contar uma coisa... Se eu tivesse mais maturidade, eu teria feito a cirurgia um ano antes. Não sei se você lembra, na campanha, quando estava dando aqueles pulinhos em cima do caminhão, era para motivar o Haddad e o Alckmin a pular também, sabe, para passar tesão na campanha. Esse era o fato.
Mas quando parava aquilo, que eu chegava em casa, era uma dor infernal. Eu não conseguia dormir, eu não conseguia ficar sentado, eu não conseguia dormir. Eu não conseguia dormir de barriga para cima, de barriga para baixo, de lado esquerdo ou direito. Ou seja, eu não tinha jeito. E fui aguentando.
Aí eu pensei: “vou operar antes da posse”. Aí falei: “não vou operar”. Fiquei naquele hotel até fevereiro porque o inquilino que ficou aqui não cuidou disso aqui. Se a casa onde ele mora for cuidada como isso aqui foi cuidado, nem vá. Então, a gente ficou dois meses lá, com dor, com dor, com dor, com dor. Falei: “não, eu vou tomar posse primeiro”. Aí tomei posse.
Aí, tem que reconstruir o país, então, tem que ficar trabalhando para reconstruir. Aí, tem que viajar para o exterior para recuperar a imagem do Brasil. Depois que isso terminou, eu falei: “quer saber de uma coisa, agora é hora de parar minha dor”. Eu fiz a minha cirurgia, foi como se Deus colocasse a mão e tirasse a dor, sabe? E me deixasse inteiraço aqui, forte, bonito, animado, com muita vontade de lutar. E agora que eu tenho...
Janja — Tá bonito, os meus potinhos de “skin care” estão divididos, está durando menos tempo.
Marcos Uchôa — Presidente, a gente tá terminando, tá chegando, você tem muito trabalho ainda hoje, nesse final de ano. Essa semana é uma semana importante no Congresso também. Eu gostei muito da participação da Janja também, mas eu queria perguntar pra você: Papai Noel, Deus, esse final de ano aí... o que você pensa para o ano que vem? O que você quer mais para o ano que vem? Claro que é uma coisa que começou muito bem. Quando a gente fala de economia, então se imaginava 0,7% no começo do ano. A gente está praticamente com 3%, a inflação baixando, a bolsa muito bem. Tudo isso, de certa maneira, foi uma surpresa muito boa e já está consolidado isso. Mas, para o ano que vem?
Presidente Lula — Olha, para o ano que vem eu espero que as coisas melhorem. Você fica vendo manchetes e hoje eu vi uma manchete que me deixou irritado. Eu fiquei muito irritado. É bom que o Pimenta ouça eu falar, porque eu fiquei muito irritado. Eu vi uma manchete da OCDE fazendo o julgamento da economia brasileira.
Eu quero até aproveitar essa gravação aqui para dizer para o pessoal da OCDE que quando chegar no final do ano que vem, eu vou convidar vocês para tomar café para provar que vocês erraram com relação à previsão que vocês têm do Brasil. “Ah, porque o Brasil vai crescer pouco, é porque não sei das quantas vai crescer pouco”. Como é que vocês dão o palpite se vocês não sabem?
Em janeiro deste ano, eu estava em Hiroshima e a presidente do FMI falou: “Ah, o Brasil só vai crescer 0,8%”. Eu falei: “Ah, você está enganada, o Brasil vai crescer mais”. Agora, quando estava na Índia, eu falei para ela: “eu não te falei”. Eu queria falar para o pessoal que fica pessimista: “ah, mas a China não vai crescer, não sei quem não vai crescer..." o Brasil vai crescer, o Brasil vai crescer. Os dados que eu tenho e as possibilidades de investimentos que nós temos são muito grandes. O dinheiro está circulando aos poucos nas mãos das pessoas.
Se você quiser ter ideia, o Banco do Brasil emprestou esse ano mais que o dobro de tudo que foi feito no ano passado. O transporte investiu esse ano quatro vezes... mais do que foi investido nos quatro anos do governo passado. A Caixa Econômica emprestou esse ano mais do que foi emprestado no governo passado.
Ou seja, esse dinheiro está circulando, esse dinheiro vai chegar no povo, vai fazer produzir alguma coisa, vai gerar emprego, vai gerar um salário. Então eu estou muito otimista com 2024. Não peçam para eu ficar pessimista porque aqui não cabe. Nessa cabeça aqui... Eu fiquei otimista quando deixei de morrer, até cinco anos de idade, de fome em Pernambuco. Quando eu escapei da fome, eu falei: “agora nada me segura”.
E quando eu falo para Deus que eu quero viver 120 anos, é porque eu tenho disposição de fazer com que esse país, o povo consiga subir a escada inteira. Esse país não pode continuar assim. O povo sobe um degrau, cai outro degrau. A gente nunca chega no fim da escada, e eu quero que esse povo chegue ao fim da escada.
Quero que esse povo chegue, que esse povo conquiste direitos. Eu quero transformar esse país em um país de classe média, em que as pessoas possam comer bem, se vestir bem, viver bem, passear bem, cuidar da sua família. Eu quero que a família viva em harmonia, e nós vamos construir esse país. Em 2024, é um desafio para mim.
Agora, se prepare, porque eu viajei muito para o exterior em 2023. Mas no ano que vem, quem estiver com saudade do Lulinha, se prepare, porque eu e a Janja vamos percorrer esse país. Vou dar muito pulinho por aí, porque o Brasil precisa de ânimo e motivação. E eu quero abraçar cada pessoa, beijar cada pessoa e dizer: “vamos que vamos”. Quem estiver com ódio, fica para lá. Vamos colocar para escanteio.
Esse país vai se transformar em um país de muita harmonia, muito carinho e muita fraternidade, e esse vai ser o ano de 2024. O ano de 2024 vai ser o nosso ano. Se preparem, porque as coisas vão acontecer mais forte nesse país. E aqui, deste Palácio, o que sai daqui para fora é carinho, amor, amor e muito amor.
Nós temos um compromisso de vida, não apenas conosco mesmo. O nosso compromisso de vida é passar a felicidade que a gente tem para o povo brasileiro. Por isso, eu queria desejar um feliz Natal a todos vocês que vão assistir esse programa, que estão assistindo. A todas as pessoas idosas, um beijo no coração; às crianças, um beijo na testa; às mulheres, um beijo no coração e felicidade a todos vocês. Aqui, eu e a Janja, juntos até o fim.
Janja — Um beijo, gente! Bom Natal, feliz Ano Novo. Que todo amor que vocês sentem aqui, a gente possa espalhar pelo Brasil e pelo mundo.
Presidente Lula — Uma “bicotinha” aqui! Pronto, fim!