Conversa com o Presidente - Live do dia 18.jul.23
TRANSMISSÃO | Conversa com o Presidente #6
Jornalista Marcos Uchôa — Bom dia a todos. É um prazer estar com vocês, novamente, para essa conversa com o presidente Lula, que está uma correria danada. Nós estamos em Bruxelas, capital da Bélgica, e certamente a capital da Europa, pelo menos a capital da União Europeia, né? Reunião da Celac [Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos] com a União Europeia, aqui é o segundo dia já. O presidente Lula tá arrumando um 'horariozinho' para nos atender aqui, porque está no corre-corre. Reunião antes e vai ter reunião ainda mais pra frente também. Muita coisa acontecendo. O Stuckert [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual] arrumou aqui uma salinha para gente, só faltou a batata frita que a gente tinha conversado. Pô, da Bélgica, né? Tinha que ter tido uma batatinha frita, até porque o presidente ainda nem almoçou. Mas, a gente vai no copo d'água por enquanto, né? Como que está sendo essa reunião, como é que está sendo tudo?
Presidente Lula — Uchôa, primeiro: é importante dizer pro povo brasileiro que havia oito anos que esta reunião não acontecia. Por irresponsabilidade do golpe e, depois, pelo que aconteceu depois de 2018 no Brasil. E é muito importante porque aqui você tá numa reunião que participam todos os presidentes da Europa e participam todos os presidentes da América Latina e Caribe. É a oportunidade não só apenas de você fazer acordo, discutir ações conjuntas dos dois continentes, discutir política de investimento, como é extremamente importante você fazer reuniões bilaterais com os presidentes, para que você discuta a aproximação do Brasil com o mundo. Eu tenho feito muitas bilaterais. Ao todo, eu acho que vai dar oito bilaterais, ou seja, com os presidentes dos partidos que a gente tem interesse de conversar e outros que têm interesse em conversar com o Brasil. E é extremamente importante para o futuro da nossa política.
Nós concluímos a pauta do Mercosul, já enviamos para os presidentes do Mercosul. Ela não vai ser discutida aqui porque não é a Celac que tem que fazer o acordo, é só o Mercosul. Mas eu estou achando a reunião extraordinária. Eu fico muito feliz com o carinho que as pessoas tratam a volta do Brasil. É como se fosse uma coisa nova que tivesse chegando a participar da reunião. Todo mundo muito feliz e eu sinto muito orgulho de ser brasileiro, por conta disso. Ou seja, as pessoas gostam do Brasil, as pessoas querem estar com o Brasil, as pessoas querem visitar o Brasil, as pessoas querem que o Brasil visite os seus países e, portanto, eu acho que nós vamos fazer encontros extraordinários e vamos fazer com que a imagem do Brasil melhore diante do mundo. Inclusive, tivemos a reunião com França, com Colômbia, com Argentina, com representante do negociador das oposições da Venezuela, com a vice-presidenta [Delcy Rodríguez], para discutir um pouco a possibilidade de normalizar a situação na Venezuela. Tudo isso aconteceu dentro de um espaço em que a gente não precisa sair pra lugar nenhum.
Eu já visitei o rei da Bélgica, o rei belga. Eu já visitei o primeiro-ministro, ou seja, é uma coisa extraordinária. Uma curiosidade para dizer pro povo brasileiro, que eu sempre falo, é o seguinte: eu visitei o rei da Bélgica e eu lembrei que o primeiro rei a visitar o Brasil foi o rei belga, em 1920. Ele foi o primeiro rei a reconhecer o Brasil, a independência do Brasil, e ele foi ao Brasil para receber um título de doutor honoris causa, por isso que foi criada a Universidade do Brasil. A gente não tinha universidade. Juntou várias faculdades que a gente tinha e criou a Universidade do Brasil para dar o título para o rei belga. Então, eu tive com o rei – não aquele, o avô desse aqui – e foi muito importante a vontade de conhecer o Brasil, de voltar a visitar o Brasil. Então, eu acho que é uma reunião muito produtiva para o futuro das relações internacionais do Brasil.
Marcos Uchôa — Agora, parte dessas reuniões, dessas reuniões bilaterais, mas, é claro, o Brasil é enorme, maior país em termos de território, em termos de população também, dessa reunião. São sessenta países, né? Agora, parte também é o que o senhor fala que é aquela relação pessoal, que você conheceu o líder de um país, olhar, conversar, olho no olho, que isso faz muita diferença na política e nas relações de países, mas também vira uma coisa pessoal também?
Presidente Lula — Faz a diferença. Faz a diferença porque a relação humana é uma reação química: você tem que tocar na pessoa, você tem que sentir a pessoa, você tem que olhar na cara da pessoa. E o Brasil, que já era importante, o Brasil agora com a questão, sabe, da transição energética que o mundo está atravessando, o Brasil tá virando mais importante ainda, porque todo mundo tá de olho na Amazônia. E, agora que nós decidimos fazer uma reunião entre os países amazônicos, dia 8 e 9 de agosto, em Belém do Pará, todos os países da América do Sul que têm território amazônico vão participar.
Inclusive, eu convidei a França, porque tem a Guiana Francesa; eu convidei a Indonésia, porque tem grande florestas; e convidei os dois países Congos, sabe, para participar, pra que a gente tome uma decisão conjunta dos países que têm floresta para a gente levar na COP 28, que vai ser o debate do clima nos Emirados Árabes, em... no final do ano. Então, é extremamente importante o carinho e a preocupação que as pessoas têm com o Brasil. Eu tenho dito que a gente não quer transformar a Amazônia no santuário da humanidade. A Amazônia é um território que, sabe, do qual o Brasil tem poder soberano sobre ele, mas o que a gente quer compartilhar é exploração científica da riqueza da biodiversidade, para saber se dali a gente pode extrair produtos fármacos, se a gente pode trazer coisa para fazer indústria de cosmético, mas, sobretudo, pra gente tentar pesquisar como melhorar a vida do povo que mora na selva. Como é que a gente pode melhorar a vida dos indígenas, a vida dos pescadores, a vida dos ribeirinhos, a vida dos extrativistas e a vida do conjunto da sociedade na Amazônia da América do Sul, que são 50 milhões de pessoas e na Amazônia brasileira, que são 28 milhões de pessoas. Nós precisamos pensar em cuidar da floresta, mas temos que pensar em cuidar do povo, porque o povo é que faz a nossa nação.
Marcos Uchôa — Essa reunião, de Belém, quando se fala dessa reunião aqui, pros outros países, as florestas são um bem da humanidade que foi sendo destruído tudo. Aqui na Bélgica tinha floresta, tudo quanto é lugar tinha floresta. Essas florestas foram acabando e hoje é um patrimônio de poucos países, florestas realmente muito grandes. A gente pode transformar essas florestas numa, num bem para a humanidade? A humanidade reconhecer isso como se fosse petróleo, como se fosse um minério, como se fosse algo assim... uma reserva de algo muito especial?
Presidente Lula — Pode. Pode e devemos fazer isso. Aliás, a humanidade toda precisa levar em conta que cada gesto nosso daqui pra frente, cada atitude nossa, ela pode melhorar ou piorar a situação do planeta.
Marcos Uchôa — De todos.
Presidente Lula — Todo mundo já percebeu que há mudança de clima. Todo mundo já percebeu que tá esquentando o clima, todo mundo já percebeu que está chovendo muito em lugar que não chovia, que tem seca aonde chovia bastante, todo mundo tá percebendo o furacão, todo mundo tá percebendo uma série de coisas, sabe, desastres...
Marcos Uchôa — Incêndios...
Presidente Lula — (...) que está acontecendo, então, todos nós temos responsabilidade. Como o Brasil ainda tem milhões de hectares ou milhões de quilômetros da Amazônia preservada, nós precisamos transformar isso num patrimônio efetivamente brasileiro, mas que gere melhoria da qualidade de vida para o povo brasileiro. É por isso que nós vamos ter que colocar as universidades pra pesquisar, os institutos de pesquisa, fazer convênio com outros países para que a gente possa, definitivamente, sabe, dependendo do Brasil, a gente cuidar da nossa floresta para cuidar do planeta. E, é mais importante saber que a floresta em pé pode render mais para o Brasil do que derrubar floresta. Nós temos 30, 40 milhões de hectares de pastos degradados que pode ser recuperado para plantar o que quiser, sem precisar derrubar uma única árvore. Nós temos que dizer pras pessoas que cortam madeira para fazer móveis que quem quiser cortar a madeira para fazer móveis, plante. Compre uma área de terra, planta madeira e ele, então, fica cortando a hora que ele quiser. Mas aquilo que a natureza nos deu é de todo mundo. Ninguém tem o direito de cortar uma árvore que tem 300 anos. O mogno com 250 anos, 300 anos, pra que cortar? Aquilo é um patrimônio da humanidade. Vamos plantar o mogno em outro lugar e vamos cortar na hora que for possível cortar. Então, este processo de educação, Uchôa, é que nós vamos ter que fazer com o povo brasileiro, ou seja, nós somos a única espécie animal capaz de destruir o mundo que a gente vive. É, é, é, extraordinário. Nós não cuidamos do lixo da nossa casa, nós não cuidamos do lixo do nosso bairro, nós não cuidamos do lixo. Vai se jogando lixo em tudo quanto é lugar, não tem lixo seletivo na maioria dos lugares, ou seja, a irresponsabilidade nossa é muito grande. Então, nós precisamos ser mais responsáveis. Por isso, eu defendo, inclusive, que isso deve fazer parte do currículo escolar. A criança tem que aprender a questão ambiental na escola, da mesma forma que ele vai aprender história de que Cabral descobriu o Brasil, ele tem que aprender as serventias, sabe, do cuidado com aquela sujeira que a gente produz, com o lixo que a gente produz, sabe, qual a necessidade de preservar a nossa fauna, de preservar nossa água, de preservar, sabe, as nossas reservas florestais. É isso que nós temos que educar as crianças, é isso que ela tem que saber. Nós temos que, a partir daí, começar a saber: o mundo que a gente quer criar pro futuro tem que ter a participação do povo brasileiro, desde a criança. A criança numa creche, ela já tem que aprender pra ensinar a mãe. Ela tem que dizer para a mãe: "não jogue tal coisa no lixo, não faça assim", sabe. Porque, assim, a gente vai ter o mundo muito melhor e todo mundo vai conseguir viver bem. E eu acho que o Brasil tem uma chance excepcional. Nunca antes na história do Brasil eu vi o Brasil com a oportunidade que ele tem de conquistar aliados, conquistar espaço, conquistar investimento, sobretudo, nesta questão da transição energética, energia eólica, energia solar, biomassa, etanol, biodiesel e, agora com hidrogênio verde. A chance do Brasil é extraordinária e eu acho que a gente não pode jogar fora essa oportunidade. Eu acho que o século 21, definitivamente, vai ser o século da independência verdadeira do Brasil do ponto de vista econômico, cultural, social e também geopolítico.
Marcos Uchôa — Esse otimismo que o senhor mostra e, obviamente, o senhor tem batido esse tambor do meio ambiente muito fortemente, mas, por outro lado, a gente vê, lembra Rio 92, a gente tá falando de 31 anos atrás, a gente já se falava dessa preocupação com o meio ambiente. E você vê os países falando: "Olha, não, metas para daqui a 2050, 2060”, quando, em 92, se falava de metas de 2010, 2020 e muito pouco foi feito. O senhor sente essa urgência, que o senhor vê em outros líderes também? Ou muita coisa é de boca para fora?
Presidente Lula — Olhe, ainda tem muita coisa da boca pra fora. A primeira COP que eu participei para discutir a questão ambiental foi em 2009, na Dinamarca. Naquela COP havia uma, uma comunhão de interesses dos países ricos para culpar a China pela poluição do mundo. E, naquele dia, eu conversei com Obama [Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos] , conversei com Angela Merkel [ex-chanceler da Alemanha], conversei com o Gordon Brown [ex-primeiro-ministro do Reino Unido], conversei com o primeiro-ministro da Itália [Silvio Berlusconi], conversei com o Sarkozy [Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França]. Todo mundo queria culpar a China e o Brasil disse: "não". A gente não vai culpar a China porque teve gente poluindo o planeta antes da China. Não foi a China que fez a Revolução Industrial. Então, a Revolução Industrial que poluiu o planeta vem de 200 anos atrás. Eu quero saber se as pessoas estão pagando a dívida que tem com o planeta Terra. Por que culpar a China? E aí foi interessante porque nós fizemos uma reunião com a China, com a Índia, com o Brasil, com a África do Sul. E o Obama entrou - depois de muito esforço para ele entrar – e nós não tomamos decisão, mas, ali, as pessoas prometeram que iam dar mais de 100 bilhões de dólares, por ano, para ajudar a cuidar do planeta. Até agora não deram e me parece que não querem dar. E eu disse na reunião: "É melhor dizer a verdade. Não quer dar o dinheiro, diga que não vai dar". Não fique alimentando ilusões em países pobres. Um país como o Brasil não tem que ficar implorando dinheiro. Nós temos que fazer aquilo que é nossa tarefa e o Brasil é um país grande. O Brasil precisa parar de se tratar como se fosse um "paisinho" pobre, pequenininho. O Brasil não é um país pobre, o Brasil é um país rico. Tem um orçamento grande, tem riqueza, acontece que a minoria se apoderou dessa riqueza. Então, nós temos que tomar decisões. Colocar dinheiro para preservar a Amazônia é uma obrigação nossa. Obviamente que se o mundo tem interesse, pode nos ajudar, mas não apenas o Brasil, outros países pequenos. Nós temos um monte de ilha que pode ir pra baixo d’água se houver, sabe, um esquentamento do planeta e o mar aumentar de volume. Então, é preciso que a gente cuide disso.
Eu estou convencido que nós estamos vivendo esse momento de ouro, eu sou otimista, acho que o mundo tá muito otimista. Tá tendo um discurso novo na União Europeia que é importante as pessoas prestarem atenção. Na União Europeia, agora, o discurso da moda é o seguinte: os países que têm materiais críticos ou minérios, por exemplo, urânio, lítio, mesmo quem tem minério de ferro, que tem bauxita, que tem, sabe, eles tão, agora, com o seguinte discurso: esses países não podem exportar minério, eles precisam fazer a transformação no seu país para poder ter indústria, para poder gerar emprego, para poder melhorar, sabe, a capacidade de rentabilidade do país. Então, agora, qual é o nosso discurso para a União Europeia? Então, agora, nós queremos que vocês financiem a construção das fábricas que nós precisamos para fazer esse processo de transformação. Eu achei uma evolução no discurso, porque antes você pega, no caso do Brasil, as empresas tiram minérios e exporta, tira minério e exporta, tira minério e exporta e deixa o buraco lá. Agora, não. Eles estão dizendo: "ao invés de exportar, só; faça uma indústria lá. Faça uma siderúrgica, sabe, pra você fazer emprego acontecer no seu país". Esse é um discurso novo na União Europeia, que eu acho que o mundo precisa aproveitar para que os países pobres ou os países em desenvolvimento que têm minérios possam se desenvolver.
Marcos Uchôa — Bom, isso, de certa maneira, a gente tá vendo no meio ambiente, uma certa enrolação. E, vamos um pouquinho para o Brasil? Porque ontem começou um programa do governo, o Desenrola, que é um programa que é um alívio para muitos milhões de brasileiros, né? Inclusive para o pessoal já de classe média, gente que ganha até R$ 20 mil e que tem dívida de 2019, 2022, que pode, diretamente, ir aos bancos para poder já negociar essa dívida. É muito importante, eu acho que, pra pessoa, a sensação de que não devo nada, né? É um alívio. Você dorme melhor, de certa maneira.
Presidente Lula — Você, por acaso, já teve no Serasa?
Marcos Uchôa — Não.
Presidente Lula — Você já caiu na falha mínima de dever R$ 150 e você pegar um crédito?
Marcos Uchôa — Detesto dever, detesto dever.
Presidente Lula — Então, veja, o que está acontecendo é uma revolução extraordinária. Eu até brinquei com [Fernando] Haddad, falei: "Haddad, se isso der certo como você tá dizendo, você vai ter que ganhar, junto com a sua equipe econômica e mais quem propôs isso, um prêmio Nobel, sabe, da "desenrolação". Porque é o seguinte, tá começando assim: todo mundo que tem uma pequena dívida, de R$ 100, esse já vai ser, sabe, facilmente, os bancos já vão isentar e ele já não vai dever mais nada e já vai sair do Serasa. Quem tem até R$ 20 mil, quem ganha até R$ 20 mil por mês já pode negociar sua dívida com os bancos. Ontem, houve uma grande procura nos bancos e teve banco anunciando redução de 96% na dívida, né? E depois vai ter o seguinte: depois, quando chegar em setembro, vai entrar o aplicativo das pessoas que devem no varejo. Da pessoa que deve pra loja. Então, vai ser a mesma coisa: os bancos vão ter que oferecer. O cara vai entrar lá no aplicativo e os bancos vão oferecer desconto. Eu acho que vai ter uma coisa excepcional, se der certo, isso, a gente vai salvar, no mínimo, 72% da população brasileira que tá endividada e vai permitir que essa gente possa voltar ao mercado de consumo, porque todo mundo sempre tem uma coisinha para comprar. E, agora que vai se aproximando o fim do ano, Dia da Criança, não sei das quantas, é muito importante que as pessoas estejam libertas das suas pequenas dívidas para fazer outra dívida, sempre de forma muito responsável. Ninguém pode gastar o que não tem. Se tiver que fazer uma dívida, você tem que saber se ela cabe dentro do seu orçamento. Se ela couber, você faça. Depois que você pagar uma, você faz outra para não ficar sufocado no Serasa, como tem muita gente hoje no Brasil.
Marcos Uchôa — Você se lembra – na tua juventude – de ter dívida, do incômodo que era essa coisa de dever? Ou, ou você evitava isso?
Presidente Lula — Deixa eu te dizer uma coisa. Eu tenho uma coisa que eu tenho certeza e convicção: quando você deve pro banco, você não passa perto do banco, mas você vai pro Serasa se você não tiver mais crédito. Mas, antigamente, a gente comprava por caderneta e quando a gente devia R$ 50, R$ 30, R$ 20, R$ 100, a gente não tinha nem coragem de passar na frente do bar, da padaria, do supermercado, que a gente comprava. Porque pobre não gosta de dever, pobre gosta de pagar aquilo que ele deve. Por isso que está havendo uma grande procura para tentar resolver o problema da dívida, porque todo mundo quer andar de cara limpa, todo mundo quer entrar em qualquer lugar de cabeça erguida, alegre, porque não tá devendo. Quando a pessoa deve e não pode pagar, a pessoa fica cabisbaixa. Só quem gosta de dever muito é rico. Tem um ditado que diz que rico tem duas alegrias: uma quando toma dinheiro emprestado e outra quando não paga, sabe. O pobre tem duas tristezas: ele não pode tomar dinheiro emprestado e quando ele toma, ele não pode pagar. Então, sabe, mas eu, eu acho que, eu acho que esse programa Desenrola vai ajudar o povo brasileiro. Eu tenho fé em Deus que, se der certo, essa primeira fase, quando chegar o aplicativo do varejo, em setembro, eu acho que nós vamos libertar milhões de brasileiros que vão poder voltar ao consumo livremente, alegre, sorrindo, podendo comprar aquela coisinha que eles forem comprar.
Marcos Uchôa — Uma outra coisa que foi dessa semana também, muito importante, foi o Mais Médicos, né? Quer dizer, que foi muito anunciado com os detalhes todos do programa – já chegaram mais de 5.000 – o Mais Médicos também é, de certa maneira, uma certa libertação para muita gente, né? Você poder ter um médico próximo da tua cidade que te atenda; que era algo que existia, que funcionava, que tiraram e que agora está voltando. Eu acho que é fundamental pra uma família saber que vai ter um acesso, né?
Presidente Lula — Até o final do ano, nós vamos colocar mais 28 mil médicos. Isso é uma coisa pra atender 96 milhões de pessoas. O que é importante é que esses médicos não vão ficar na Avenida Paulista; não vão ficar na Avenida Copacabana; na Avenida Boa Viagem; não vão ficar em nenhuma avenida importante, eles vão para a periferia e para as cidades do interior, para aquela cidade mais longínqua aonde ninguém quer ir. Esses médicos vão. Por isso que é importante a gente valorizar, porque as pessoas que se dispõe a ir, essas pessoas vão ter que ser remunerada, vão ter que ser reconhecida pelo governo e a gente precisa valorizar muito essa gente, porque essa gente vai para a cidade que, às vezes, sabe, não pega nem bem uma antena de televisão. Vai para uma cidade que, muitas vezes, não tem nem sequer um restaurante para ele jantar. Às vezes, ele tem que se separar da família para poder ir para um lugar desse. Então, é uma revolução que a gente tá fazendo na saúde. Eu quero dar meus parabéns à nossa ministra e todo o pessoal da saúde, porque ela conseguiu fazer, sabe, o edital, a maioria de brasileiros, a maioria de brasileiros, o que é extremamente importante. E isso eu acho que vai melhorar a qualidade da saúde. Depois nós temos que fazer uma outra coisa que é cuidar dos especialistas. Nós precisamos fazer um convênio com todos os especialistas para que uma pessoa, quando vai ao médico que ele detecta que você tem uma especialidade, um ortopedista, um oftalmologista, um dermatologista, qualquer coisa, sabe, você possa ir por conta do SUS. Para isso, a gente vai ter que arrecadar um pouco mais de recurso do SUS, porque o SUS virou uma coisa muito respeitada depois da pandemia. Quando todo mundo pensava que o mundo ia acabar, apareceu o SUS e fez uma revolução de coragem, de competência, sabe, no tratamento do povo brasileiro. Se não fosse o SUS, teria morrido muito mais gente. Eu sou eternamente grato ao pessoal que trabalha no SUS pela qualidade. E essa gente toda vai contribuir com esta política do Mais Médicos, que vai ser uma coisa extraordinária pro nosso povo.
Marcos Uchôa — O senhor se lembra o antes do SUS? Porque quando o senhor era jovem, quando o senhor era menino, o que era ir ao médico, a dificuldade que era, muito menos hospitais, muito mais dificuldade pro pobre ter acesso ao médico?
Presidente Lula — Era muito difícil, ou seja, muita gente morria sem conseguir chegar ao médico. Às vezes, você ia no médico, ele dava uma receita e você morria sem poder comprar o remédio. E, muitas vezes, ainda hoje, a pessoa morre sem conseguir chegar a um especialista. Você vai no médico e ele fala: "Você tem um problema no coração, procure um cardiologista". Aí você vai marcar, é nove meses, o coração não espera nove meses, ou seja, então, essas coisas nós vamos ter que aperfeiçoar. As coisas melhoraram muito. A criação do SUS na Constituição de 88 foi uma revolução. É uma coisa que você tem que dizer pro povo, todo santo dia: não tem nenhum país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que tenha um Sistema Único de Saúde como o SUS. Ele não é perfeito porque ele tem que atender todo mundo, mas ele atende mais do que qualquer outro país do mundo. Ou seja, nos Estados Unidos vá procurar um médico pra você ver quanto você tem que pagar. Você, você já morou lá e você sabe, tem que pagar. Aqui, não. Aqui você entra na UPA, no pronto socorro, ninguém pergunta se você é rico, se você é pobre, se você é empresário, se você é trabalhador, você vai ser tratado. E ainda recebe, muitas vezes, o remédio de graça.
Marcos Uchôa — Tem 18 vacinas de graça.
Presidente Lula — É isso, você tem um monte de coisa. Agora, o Farmácia Popular vai ter uma série de remédios gratuitos para o povo. Tem poucos lugares do mundo que faz como o Brasil faz. Então, o que nós precisamos é aperfeiçoar este sistema, que é extraordinário e que é, sabe, motivo de orgulho do nosso Brasil
Marcos Uchôa — Outras duas coisas importantes dessa semana também que foi a valorização da ciência, né? A gente passou por um momento ali que tinha gente antivacina, anticiência, como se a gente não tivesse aqui, exatamente, falando com o Brasil, usando o quê? A ciência, né? A Internet, a câmera, eletricidade, tudo isso é ciência. Essa valorização da ciência também é uma coisa que foi muito enfatizada, aqui, pelo senhor, na semana passada.
Presidente Lula — É, veja. Quando eu deixei a presidência, em 2010, nós fizemos um congresso para discutir a questão da ciência, que participaram todas as entidades de ciência do Brasil. E, naquela época, nós fomos muito elogiados porque nós conseguimos fazer um PAC de R$ 41 bilhões envolvendo vários ministérios e esse dinheiro foi aplicado, cada centavo, porque nós contratamos, nós contratamos, sabe o quê? Nós contratamos. Contratamos não, nós fizemos um convênio com as universidades, com a SBPC, para que os cientistas criassem um grupo para administrar seu dinheiro e foi aplicado cada centavo desse recurso. Por isso a nossa alegria, sabe, de fazer investimento, voltar a pagar bolsa, voltar a investir em mestrado, voltar a investir em pesquisa, voltar a investir nas universidades brasileiras, porque não há país que consiga se desenvolver sem que a gente faça investimento em pesquisa.
Marcos Uchôa — E voltando, saiu uma notícia agora: a célula tronco, que é uma das revoluções da medicina em relação à cura de várias doenças. O Brasil é o terceiro país que mais faz pesquisa de célula tronco, só perde para os Estados Unidos e o Canadá. Quer dizer, já é uma realidade, quer dizer, que há uma qualidade muito boa da ciência brasileira e é uma coisa que, claro, que bem gerida, bem regada, né, isso pode dar frutos muito importantes, né?
Presidente Lula — Foi uma pena que nesses últimos seis anos a ciência ficou sem receber nenhum recurso do governo. Não havia dinheiro para investimento e nós, agora, retomamos tudo. Então, agora, as coisas vão voltar à normalidade e vão funcionar. Eu diria daqui do jeito que o Brasil precisa. Quanto mais cientista tiver, quanto mais pesquisa a gente tiver, quanto mais a gente tentar transformar esta pesquisa, sabe, em produtos industrializados, mais o país vai ganhar.
Marcos Uchôa — Presidente, na área de cultura teve umas coisas, assim, extraordinárias, que foi – nesse programa que o senhor, inclusive, pediu para os municípios todos apresentassem projetos, que era até 16 de julho, que era pra Lei Paulo Gustavo, né – 98% dos municípios apresentaram projetos e tem sido um sucesso, né? Nunca se investiu tanto em cultura, né?
Presidente Lula — Olha, eu acho que tinham extinguido o Ministério da Cultura. O Ministério da Cultura não existia mais. Ou seja, nós recriamos o Ministério da Cultura. Além de colocar dinheiro no orçamento, nós tivemos duas leis importantes: a Lei Paulo Gustavo, que é quase R$ 4 bilhões; e a Lei Aldir Blanc, que é outros quase R$ 4 bilhões. Esse dinheiro vai ser distribuído para a atividade cultural no Brasil. Quando a Margareth Menezes, ministra da Cultura, me ligou dizendo que 98% dos municípios se inscreveram para receber verba, significa que a cultura voltou e voltou com força total. Significa que as coisas vão voltar a funcionar e agora vai entrar a Lei Aldir Blanc. Além disso, nós queremos criar na cultura os comitês culturais em cada capital do país, para que a gente valorize a cultura local, para que a gente, sabe, saia do eixo Rio-São Paulo – que é muito importante do ponto de vista da quantidade de artistas, da produção cultural –, mas a gente precisa fazer cultura no Brasil inteiro. E é isto que estimula a gente a fazer esses investimentos, é isso que estimula a gente a criar os comitês culturais e é isso que vai fazer com que a cultura vai ser um valor importante. É preciso pensar a cultura também do ponto de vista econômico, também do ponto de vista financeiro. Quantos empregos gera a cultura? Quantos salários gera a cultura? Qualquer peça de teatro, não é só o artista que tá lá, sabe, sai um monte de gente trabalhando. Qualquer programa de televisão, não é só o cara que está entrevistando, tem dezenas de pessoas trabalhando para poder dar certo. Então, a atividade cultural é uma atividade muito forte economicamente. Quem fala que quando um governo coloca dinheiro na cultura o governo está gastando, é um bobão. É um mentiroso, é um ignorante. Porque dinheiro em cultura significa investimento, geração de emprego, geração de oportunidades e distribuição de riqueza. É isso que é cultura. Além de levar conhecimento, levar política para a cabeça do povo, levar, sabe, divertimento para a cabeça do povo. Isso que é extraordinário: quem não gosta disso, quem não acredita nisso, tem gente que acha que artista atrapalha, tem gente que acha que artista atrapalha porque "só gasta dinheiro", "porque está beijando outro", "porque está não sei das quantas, outro". Para de ser ignorante. Arte é arte. A gente tem que gostar dela como ela é. Não é a gente que é dono. Aquilo que os artistas fazem, aquilo que eles conseguem produzir, o trabalho que eles fazem, às vezes o sacrifício que eles fazem merece ser motivo de respeito do povo brasileiro. Portanto, viva a cultura!
Marcos Uchôa — Presidente, a gente está encerrando aqui, mas uma das coisas que o senhor fez semana passada foi ir no Congresso da UNE, né? E a UNE, eu queria que o senhor contasse a sua história, porque o senhor, o senhor entrou na política pelo lado do trabalho, pelo lado sindicato, mas muita gente entra pelo lado do estudo também e a UNE, a União Nacional dos Estudantes, tem uma história linda no Brasil e é muito importante, tem tido presidentas mulheres, né, recentemente, e isso, e essa coisa do jovem também tem sido uma preocupação muito grande do senhor, do jovem se preocupar com política, se interessar por política, afinal de contas, o mundo é política, né?
Presidente Lula — Uchôa, foi interessante porque o primeiro Congresso da UNE que fui, foi em 1976, quando a UNE voltou à atividade. A UNE tava na clandestinidade e ela voltou. Tinha sido eleito um presidente novo, que era um companheiro, o Rui, que era o baiano, e eu fui no congresso em Piracicaba. Depois, eu sou o único presidente que foi no Congresso da UNE. Eu fui no Congresso da UNE, em 2009; depois eu fui, sem ser presidente, acho que em 2012, e voltei agora, em 2023. Os presidentes não gostam de participar de Congresso da UNE, sabe. Eles têm medo de vaia, tem medo de protesto, tem medo de reivindicação. E é engraçado porque você fala que a juventude é o futuro da nação e quando você tem a oportunidade de conversar com ela, você não vai? Então, eu vou, sabe. Sempre que for convidado, eu vou; sempre que eu puder participar, eu vou. Porque nós precisamos falar muito pra essa juventude. Essa juventude sonha, essa juventude tem esperança. E essa juventude quer acreditar em alguma coisa melhor, em alguma coisa que lhe dê perspectiva de futuro, sabe? Ele quer ter uma oportunidade. É por isso que nós temos que conversar com a juventude e o Congresso da UNE é um espaço extraordinário, porque a União Nacional dos Estudantes tem muito a ver com a conquista da democracia no país, tem muito a ver com o combate à ditadura militar e tem muita a ver com o futuro desse país. Se você quiser falar de futuro, você tem que falar da UNE e dos estudantes. Por isso que eu fiquei muito feliz de ir ao Congresso da UNE.
Marcos Uchôa — Presidente, muito obrigado por essa conversa, mais uma, né, aqui de Bruxelas. O senhor ainda tem muitos encontros agora à tarde e, enfim, amanhã a gente tem uma coletiva e depois eu volto para o Brasil. Muita coisa ainda para rolar. Essa. Agora, o Desenrola foi muito bom, né?
Presidente Lula — Eu ainda, eu ainda tenho que ter uma reunião hoje à tarde, com a primeira-ministra da Dinamarca [Mette Frederiksen]. Eu vou ter que ter uma reunião ainda com o chanceler da Alemanha [Olaf Scholz]. Tenho encontro ainda com o primeiro-ministro de Portugal [António Costa] e, depois, nós vamos nos preparar pra ir embora amanhã. Amanhã eu vou embora e vou passar em Cabo Verde, porque tem que passar porque o avião não chega diretamente ao Brasil. E vou aproveitar passar em Praia, que é a capital de Cabo Verde, para conversar um pouco com o presidente de Cabo Verde [José Maria Pereira Neves], e depois eu regresso ao Brasil pra desenrolar os problemas do Brasil.
Marcos Uchôa — Valeu, presidente. Obrigado.
Presidente Lula — Um abraço Uchôa...
Marcos Uchôa — ... até semana que vem. Obrigado por vocês estarem assistindo a gente em um dos canais do Youtube, nas rádios, enfim, todos os meios de comunicação que reproduzem esse programa. Quando você puder ver em casa também, é muito importante, tá? Até terça-feira que vem.