Pronunciamento do presidente Lula durante anúncio dos resultados da Rodada de Investimento da Organização Mundial da Saúde
Eu não vou ler discurso na frente da ministra da Saúde e na frente do companheiro Tedros [Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS], da Organização Mundial da Saúde. Eu perguntei ao Tedros o orçamento da saúde para vocês fazerem uma comparação.
Enquanto a OMS recebe 2 bilhões de dólares por ano para tentar ajudar problemas de saúde no mundo inteiro, a gente tem, só para a guerra, um orçamento de 2 trilhões e 400 bilhões de dólares.
Vocês imaginam que para destruir vidas e para destruir a infraestrutura que levou anos para ser construída por pessoas, os países ricos investem muito mais do que para salvar vidas. Essa é a contradição do mundo que nós vivemos hoje. E é por isso que nós trouxemos o tema da desigualdade, do combate à fome e à pobreza no G20.
Porque eu já participei de muitas reuniões, de muitos fóruns, de muitos G7, de muitos G20, de muitas outras coisas. E é muito engraçado porque o tema das pessoas mais necessitadas nunca entra no tema. É muito difícil você convencer as pessoas a discutir os temas que discutem a necessidade básica e vital do nosso povo.
Oh Tedros, eu, até 7 anos de idade, não tinha comido pão. Eu só fui comer pão quando eu saí de Pernambuco e fui para São Paulo. Eu tomava água num açude em que os animais faziam suas necessidades. E era aquela água que a gente pegava para beber, e a gente não tinha sequer cultura de esquentar aquela água, ferver, coar, colocar um pano para coar. Não tinha. Era pegar água do jeito que a gente pegava, a gente bebia.
Eu sou de um tempo em que por falta de dentista e por falta de dinheiro para ir ao dentista, a gente frequentava benzedor. Você estava com dor de dente, você ia em um benzedor e ele te ajudava, sabe, a fingir que o dente ia passar. Eu sou de um tempo em que a gente colocava dente de alho no dente que estava doendo. Colocava pano com alga.
Ou seja, se as pessoas compreenderem que, desses 733 milhões de pessoas que estão passando fome, poderiam ser curados se eles tivessem alimentação adequada, água adequada, acesso à saúde adequado, a gente iria evitar que muitas dessas crianças morressem antes de completar 5 anos de idade.
E, possivelmente — porque essas pessoas que governam o mundo nunca viveram isso — isso não está nas prioridades. Isso não está no dia a dia deles. Então, isso é uma coisa secundária. Na mesa deles, não senta ninguém para colocar esses problemas.
Eu tenho uma pessoa, que eu até não tinha muita amizade, mas que foi senador pelo Rio de Janeiro, foi secretário da Fazenda, foi, sabe, sobrinho do Tancredo Neves. Ele foi eleito senador aqui com mais de 70 anos de idade. E um dia, conversando comigo, ele falou o seguinte: “Oh Lula, (não, eu já era presidente). Oh presidente Lula, o senhor sabe que eu não sabia que no Rio tinha tanta gente pobre? E eu já fui quase tudo nesse país, mas eu não tinha noção da pobreza na periferia do Rio de Janeiro”.
E assim acontece com muita gente que tem cargos importantes na política, que pode decidir e não tem acesso a essas pessoas. Muitas vezes, conhece apenas pelos livros.
Então, o que nós decidimos, de fazer esse debate sobre a saúde no G20, é o caminho extremamente importante para a gente dar às pessoas que têm responsabilidade de cuidar da saúde, a segurança de que a gente vai poder investir naquilo que é básico para evitar doenças que não deveriam existir mais no país. Para a gente não ver mais o sofrimento das pessoas que morreram com Covid, muitas vezes, por falta de uma máquina para ajudá-los a respirar e, muitas vezes, por falta de vacina.
Você veja que o mundo é tão injusto, que você tem país rico em que sobrou vacina porque eles compravam de forma preventiva, o triplo do que precisava utilizar, e, do outro lado, no continente africano, gente sem sequer ter uma vacina para tomar.
Ou seja, então, quando a gente fala em tornar o mundo mais equânime, o mundo mais igual, apenas garantir as oportunidades para a pessoa, a gente precisa saber que precisa de dinheiro para a gente fazer as coisas acontecerem.
A gente precisa garantir que a OMC [OMS] possa investir em pesquisa de vacina para que a gente não tenha mais que ver as pessoas morrerem, muitas vezes, precocemente, porque não teve o tratamento adequado.
Então, Tedros, eu quero que você saiba que eu sou um soldado nessa luta para que a gente possa arrecadar o dinheiro suficiente para que a Organização Mundial da Saúde possa cumprir com a sua função.
Eu posso te dizer uma coisa: o problema não é falta de dinheiro.
Todos os países, por mais pobre que sejam, se ele tiver a disposição de fazer uma relação das coisas que são preferenciais, necessárias e mais urgentes, todo mundo arrumará um pouco de dinheiro. E um pouco de cada um vai fazer um monte de dinheiro. E esse monte de dinheiro é o que a OMS precisa para tentar ajudar a salvar a gente nesse país.
Então, eu quero dizer para você que não foi apenas uma proposta discutida no grupo financeiro do G20, no grupo da saúde do G20. Eu quero que você saiba que, da minha parte, é uma proposta que eu vou levar adiante. E cada vez que eu me reunir com o presidente do G20, eu vou cobrar dele se ele está colocando dinheiro à disposição da Organização Mundial da Saúde.
Porque eu sei a importância que vocês têm no mundo, eu sei o papel que vocês tiveram, sabe, na pandemia do Covid. Eu sei. Tem duas coisas que ganharam muita importância na pandemia: a OMS, ganhou muita importância, e o SUS.
O SUS, aqui no Brasil, durante a criação, desde 1988 até a Covid, o SUS era uma política de saúde desacreditada. Desacreditada porque a imprensa só falava mal do SUS. O SUS salvava mil pessoas por dia, mas se morresse uma, era aquela uma que era manchete, sabe, em todos os jornais. Quando veio a Covid, o SUS teve o direito e a oportunidade de provar a eficácia do mais importante plano de saúde, num país com mais de 100 milhões de habitantes.
Então, eu quero que você diga aos companheiros da OMS que eles terão a minha solidariedade enquanto presidente da República, enquanto membro do G20, e isso vale antes, durante e depois do meu mandato. Mesmo quando eu não tiver mandato de presidente da República, eu quero que vocês saibam que vocês terão, enquanto eu estiver vivo, um soldado para que a gente dê aos 8,5 bilhões de habitantes da Terra a oportunidade de serem salvos pela nossa medicina.
Muito obrigado, querido!