Pronunciamento do presidente Lula na abertura do Encontro de Novos Prefeitos e Prefeitas, em Brasília
Primeiro, eu queria dizer para vocês que é sempre uma alegria emocionante a gente poder constatar o avanço da consolidação do processo democrático brasileiro. Para um prefeito recém-eleito, que é a primeira vez que vem ao encontro de prefeitos com o Governo Federal, ele pode achar que é uma coisa trivial. "Isso acontece sempre". E não é verdade.
Isso demorou muito para acontecer. Nesse querido país chamado Brasil, houve um tempo em que prefeito não era recebido por presidente da República e, muitas vezes, quem recebia prefeitos e prefeitas aqui eram policiais armados e com cães policiais. Porque os prefeitos eram indesejáveis, porque vinham aqui para fazer reivindicação. E o companheiro Paulo [Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios] se lembra que isso não faz muito tempo.
E, quando a gente começou a participar das reuniões da Marcha dos Prefeitos, a gente começou não apenas a aprender com os prefeitos aquilo que era importante para as cidades, mas também os prefeitos começaram a aprender uma relação democrática e civilizada entre os entes federados. Aqui vocês vão passar três dias. Vocês nem trouxeram pauta de reivindicação, porque essa não é uma reunião para reivindicar.
Nem o Caetano [Luiz Carlos Caetano, prefeito de Camaçari, na Bahia], que acaba de ser eleito em Camaçari, trouxe uma pauta de reivindicação. Porque vai ter a Marcha dos Prefeitos e, na Marcha dos Prefeitos, vocês vão trazer a pauta de reivindicação, como todo ano vocês trazem. E todo ano o governo responde, todo ano o governo fica com uma demanda e, no ano seguinte, vocês trazem uma nova pauta e o governo responde outra vez. E assim, nós construímos um processo democrático civilizado em que o país não estava acostumado.
Então quando eu vejo o Governo Federal, através do nosso companheiro Padilha [Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais] e com a participação de todos os ministros... Primeiro, outra novidade extraordinária é que estão todos os ministros aqui e, certamente, os ministros e as ministras vão conversar com vocês. Certamente vocês vão visitar os estandes que estão aí e certamente vocês vão conversar quais os projetos que vocês já estão colocando em prática na cidade de vocês. Onde é que tem dinheiro que vocês ainda não foram buscar, onde é que tem dinheiro que vocês ainda não fizeram o projeto, o que falta ainda para acontecer na cidade de vocês.
E essa é uma oportunidade para vocês garimparem corretamente, num garimpo que ainda tem muita coisa. Tem muita coisa, porque nesse país não vai parar de acontecer as coisas que a gente tem como significado de inclusão social. Porque eu voltei a governar esse país com a única responsabilidade de provar, mais uma vez, que esse país tende a ser um país altamente desenvolvido. E ele só será desenvolvido se a cidade for desenvolvida.
Não há estado rico com cidade pobre, e não há cidade rica com estado pobre, e não há Estado rico com cidade pobre. É preciso que haja um compartilhamento das coisas entre o Governo Federal e o governo municipal. É por isso que eu tenho muito orgulho de ter começado o ano de 2023 convocando uma reunião entre os 27 governadores do Brasil para que a gente pudesse definir, junto com os governadores, quais as obras de interesse dos governadores para entrar no PAC.
E depois começamos com os prefeitos, depois fizemos o PAC Seleções. E, agora, vamos fazer mais um PAC Seleções. E o que é um PAC Seleções? É a primeira oportunidade democrática da gente não escolher ideologicamente a cidade que vai ser beneficiada, da gente não escolher a cidade do partido da gente, mas da gente escolher aquela cidade que melhor apresenta o projeto e aquela cidade que mais tem necessidade de que o projeto seja executado. É assim, eu já disse uma vez, de que muitas vezes prefeitos do meu partido ficam zangados porque quem ganhou o tal do PAC Seleções não foi o prefeito do PT, foi o prefeito vizinho que não gosta do PT.
Mas é assim que a gente vai exercer a democracia, é assim que a gente vai ensinar a civilidade nesse país. É assim que a gente vai aprender a ensinar para as pessoas a diferença entre ser candidato, quando você pode falar tudo, e ser governador ou ser prefeito, quando você só pode falar aquilo que é possível falar com muita responsabilidade.
Porque quando você é candidato, você fala "eu acho", você fala "eu penso", você fala "eu acredito". Quando você está governando, ou você faz ou você não faz. E aí o povo vai julgar se você conseguiu cumprir aquilo que você prometeu. E qual é a coisa mais importante aqui? A coisa mais importante é que eu atendo tanto os prefeitos, que o Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, além de pegar dinheiro todo dia, ele quer que eu devolva ao Rio a capital do país. Aí não é possível, porque Bahia reivindicou que já foi capital primeiro que o Rio. Então nós estamos numa disputa aí, que eu não sei como é que a gente vai resolver isso.
Mas o dado concreto é que eu quero que vocês tenham a confiança e a certeza absoluta: enquanto eu for presidente da República, nenhum prefeito e nenhuma prefeita será discriminalizado por não ser do meu partido. Não será discriminalizado, porque não votou em mim, não será discriminalizado porque falou mal de um ministro. Todos têm direito, porque todos foram eleitos e todos representam o povo.
E nós fazemos a coisa não para o governador e não para o prefeito, nós fazemos para o povo da cidade que votou democraticamente e elegeu a pessoa que ele entendia que ia conseguir melhorar a vida do povo. E é isso que eu me comprometo com vocês, não haverá, em hipótese alguma, de um banco como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNB, o Basa ou o BNDES, deixar de atender os interesses de um governador, os interesses de uma cidade por questão ideológica.
E nós sabemos que no Brasil isso sempre aconteceu, nós sabemos como é que a oposição era tratada nesse país e não faz muito tempo, não faz muito tempo. Muitos governadores passaram quatro anos no governo e não foram recebidos pelo presidente da República. E muito menos o presidente da República visitou as cidades para conversar com o prefeito. O que nós queremos é estabelecer com vocês uma relação altamente civilizada, como a que foi ontem no ato que eu participei, porque nós assumimos um compromisso com os prefeitos desse país inteiro, todos os prefeitos concordaram.
E com os 27 governadores, a gente fez um pacto para alfabetizar pelo menos 80% das crianças brasileiras até 2030. Ontem nós entregamos medalha de ouro para os prefeitos que já cumpriram e para os estados que já cumpriram.
E eu tenho fé e o companheiro Camilo [Camilo Santana, ministro da Educação] tem muita fé de que a gente até 2030 vai alfabetizar mais de 80% das crianças até o segundo ano do Ensino Fundamental.
Da mesma forma que nós precisamos de vocês para que a gente possa estabelecer nesse país a tão sonhada, a tão famosa Escola de Tempo Integral, que é o que vai resolver o problema da educação básica nesse país, para garantir às nossas crianças que elas possam ficar o dia inteiro na escola. Inclusive, não apenas para aprender mais, mas para dar liberdade ao pai e à mãe de poder fazer outra coisa, de ter outra atividade, porque sabe que o seu filho está garantido numa escola de tempo integral.
Da mesma forma que nós criamos o programa Pé-de-Meia, e certamente na cidade de cada um de vocês tem um adolescente usufruindo o Pé-de-Meia. E sabe por que nós criamos o programa Pé-de-Meia? Porque o IBGE constatou que 480 mil adolescentes deixam a escola todo ano para ajudar no orçamento familiar. E eu acho que um presidente da República e um governo que fica sabendo que 480 mil, ou meio milhão de jovens, na idade do Ensino Médio, desistem da escola para poder ajudar no pão de cada dia, seria uma irresponsabilidade.
E nós criamos um programa que atende hoje 3,9 milhões de adolescentes, ganhando R$200 por mês e mais R$1 mil no fim do ano. É uma bolsa que nós estamos dando, uma poupança para que ele não tenha que sair da escola para poder trabalhar. Ele vai trabalhar e vai ter o dinheiro para ajudar no orçamento familiar. Da mesma forma, que nós criamos o Bolsa Professores. Não sei se vocês sabem, nesse país, professor que já foi motivo de verso, já foi motivo de poesias, já foi motivo de música, hoje o professor é tratado mal e porcamente. E muita gente acha que ganhar R$4,8 mil para passar o dia inteiro com o filho da gente na escola é muito, quando na verdade a gente deveria agradecer o trabalho hercúleo que faz do professor a uma professora dentro da sala de aula.
E por que nós aprovamos uma bolsa, uma bolsa de estudo, para garantir que os alunos do Enem, que tiverem 650 pontos, escolham ser professores. Se ele escolher ser professor, ele vai ganhar uma bolsa para terminar o curso de professor, porque hoje ninguém quer mais ser professor. As pessoas não querem mais, porque é uma profissão que exige muito, se paga pouco, embora quem pague sempre ache que é muito.
Não sei se vocês sabem, mas eu agora resolvi mudar meu discurso com o empresário, porque o empresário quando paga R$1,9 mil para o trabalhador, ele acha que é muito. "Eu pago muito, eu pago muito", e o trabalhador: "eu ganho pouco, eu ganho pouco". Então eu estou tentando convencer os empresários que eles não têm que olhar o trabalhador como o trabalhador. Eles têm que olhar o trabalhador como o consumidor dele, porque o dinheiro que ele ganha, ele vai comprar as coisas que ele produz na fábrica e quem vai ganhar é o próprio patrão.
Na escola é a mesma coisa. Quando vocês estiverem pagando o salário para o professor, vocês não achem que é muito, porque esse professor está dedicando horas e horas e horas dentro da sala de aula, cuidando do filho de vocês, educando o filho de vocês, muitas vezes tirando o piolho dos filhos, muitas vezes cuidando de coisas que não eram a função do professor.
E é por isso que nós precisamos acreditar que somente assim a gente vai recuperar esse país e vai transformar esse país em um país altamente desenvolvido, competitivo, tanto do ponto de vista da quantidade quanto do ponto de vista da qualidade. Esse país a gente vai conseguir fazer.
Na minha cabeça é quase que uma profissão de fé, eu não fui eleito para outra coisa. Eu fui eleito para provar mais uma vez que, por conta da irresponsabilidade de muita gente que durante muitos séculos não cuidou desse país, um torneiro mecânico, sem diploma universitário vai dar resposta àquilo que muita gente da elite não deu, não é porque não sabe, não deu porque não queria dar.
Porque pobre só tem valor na época das eleições. Na época das eleições, pobre é a coisa mais requisitada do mundo. Se pega a criança no colo, se beija a criança, se abraça a empregada doméstica, quando se ganha as eleições, os primeiros a serem desprezados, é esse pobre que tanta gente procurou durante as eleições. Eu falo isso com conhecimento de causa, porque nenhum de vocês disputou mais eleições do que eu. Certamente vocês ganharam mais, porque eu perdi três eleições antes de estar aqui.
Por isso, companheiros e companheiras, a prefeitura é uma coisa que a gente sabe, ela é o famoso alicerce para que a União dê certo. É o famoso alicerce para que os governadores possam ter sucesso, porque esse alicerce a gente não consegue construir a casa forte que a gente precisa construir. Hoje eu tenho a imagem, Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente], você não, você foi prefeito de Pindamonhangaba, uma cidade rica, uma cidade poderosa, no Vale do Paraíba, aí pro Rio de Janeiro, ali é muito rico, apesar da cidade ser pequena.
Mas a minha imagem de prefeitura é Mirandiba, no estado de Pernambuco. Uma vez eu fui visitar Mirandiba e, na verdade, eu fui ver o leite que as crianças tomavam, e não era leite de vaca, era leite de uma leite de vaca mecânica produzida na cidade de Matão. Eu não lembro qual foi o presidente, se foi o João Figueiredo, que começou a espalhar vaca para que se produzisse leite de soja para as crianças tomarem aquele leite.
E eu cheguei em Mirandiba, a criança que tinha o braço mais gordo tinha o braço da grossura do meu dedo, e depois de tomar o leite de soja, o farelo da soja era o que se fazia um bolo para as crianças comerem. Depois eu fui dormir na casa do prefeito, na casa do prefeito às cinco horas da manhã já tinha fila de gente, fila, um querendo dinheiro para ir para a capital, outro querendo dinheiro para comprar remédio, outro querendo dinheiro para comprar feijão, outro querendo dinheiro para comprar arroz, outro querendo dinheiro para viajar não sei para onde.
O dado concreto é que nós contribuímos para acabar com isso. Na casa de prefeito hoje as pessoas não vão pedir um quilo de arroz ou um quilo de feijão, porque tem políticas públicas que garantem a ele o mínimo necessário para ele comer. Tem a Farmácia Popular que garanta o mínimo necessário para ele tomar os remédios. É importante vocês lembrarem que quando nós voltamos agora para presidência em 2023 a gente só tinha 13 mil médicos do Mais Médicos, 13 mil médicos. Não é o presidente da República que sabe a importância do médico numa cidade. Muitas vezes não é nem o governador do estado, são os prefeitos. Os prefeitos é quem sabem a importância de um médico, apenas um na cidade, o milagre que ele faz.
E é por isso que nós já estamos com quase 28 mil médicos espalhados por esse país afora. Porque se nas capitais tem excesso de médico, no interior muitas vezes não tem um enfermeiro. E nós fazemos isso porque vocês foram eleitos e o povo precisa ser tratado com respeito. E tem muito mais políticas públicas que a gente vai fazer, muito mais políticas públicas.
Então, esperem, esperem que muita coisa vai acontecer nesse país. Vocês se lembram que quando eu tomei posse dia 1º de janeiro, o FMI dizia: “o Brasil só ia crescer 0,8%, 0,8%”. Nós crescemos 3,2%. Depois dizia esse ano: “o Brasil só vai crescer 1,5%”, nós vamos crescer 3,7%. E não falem bobagem mais do crescimento desse ano, não falem mais, porque a gente vai crescer mais. Porque vai ter dinheiro circulando na mão do povo, vai ter dinheiro circulando na mão do pequeno.
Porque é o seguinte, a minha regra é o seguinte: muito dinheiro na mão de poucos significa pobreza, miséria, fome, prostituição, evasão escolar. Agora pouco dinheiro na mão de muitos significa distribuição de renda, significa comida, significa avanço social das pessoas.
É por isso, meus queridos prefeitos e prefeitas, aqui eu estou vendo mais prefeita do que prefeito. Você sabe que eu andei para lá e para cá, porque não tem nada pior para um prefeito que veio do interior, andou 3 mil quilômetros, chegou aqui cansado, vir no ato onde está o presidente e o presidente ficar ali no meio parado. Eu resolvi andar para vocês verem como é que eu estou bonito, como é que eu estou forte e como é que esse país vai ser bem governado daqui para sempre.
Estejam certos, não precisa ninguém falar, não precisa ninguém falar, eu sou muito humilde, mas eu duvido que na história desse país teve um presidente que já cuidou dos prefeitos como eu cuidei em dois mandatos e vou repetir agora, quando terminar o meu mandato, vocês vão dizer: "Lulinha, Lulinha, fica, porque nós precisamos de um presidente que goste de nós".
Um abraço, gente, boa estada daqui, boa participação de vocês.