Discurso do presidente Lula no ato de devolução das obras danificadas no 8 de janeiro de 2023
Eu acho que hoje é um dia extremamente importante. Durante a leitura da imprensa de manhã, eu vi a preocupação com alguns meios de comunicação, se ia ter muita gente, se ia ter pouca gente, se ia ter muita gente, se era fracassado ou não. Eu queria que as pessoas soubessem o seguinte: um ato de defesa da democracia brasileira mesmo que tiver um só cara, uma só pessoa, numa praça pública, num palanque falando em democracia, já é o suficiente para a gente acreditar que a democracia vai reinar nesse país.Ou seja, as coisas que acontecem no mundo sempre começam com pouca gente. Às vezes começam com uma pessoa. A campanha das Diretas [Diretas Já] começou com um ato do Partido dos Trabalhadores em novembro de 1983, que não foi nem divulgado pela imprensa brasileira. Apenas a “Isto É” deu uma pequena matéria sobre o nosso ato, que foi na frente do Pacaembu [Estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo]. E depois a campanha das Diretas se transformou na maior manifestação física que o povo brasileiro conhece. Foi uma manifestação extraordinária. E eu tive o orgulho de participar dela. E participar muito, com o nosso querido companheiro Doutor Ulysses Guimarães, Brizola [Leonel Brizola], Montoro [Franco Montoro], Miguel Arraes e tantas outras figuras eminentes da política brasileira.
Então, participar de um ato como esse dentro do Palácio do Planalto é dizer, em alto e bom som: não é possível que alguém consiga imaginar que existe uma melhor forma de governança, de qualquer lugar do mundo, fora da democracia.
A democracia é tão boa que ela permitiu que um torneiro mecânico sem diploma universitário chegasse a presidente da República, na primeira alternância concreta de poder nesse país. Isso só pode acontecer na democracia, não pode acontecer no outro regime. Eu de vez em quando fico brincando, você pega a fotografia da Revolução Russa de 17, não tem um operário na foto. Você pega a fotografia da Revolução Cubana, também não tem um operário, porque eram os intelectuais, os ativistas políticos, os estudantes, as pessoas com um pouco mais de grau. Porque historicamente sempre se pensou que trabalhador não prestava para nada, a não ser para trabalhar. As pessoas não imaginavam que os trabalhadores pudessem organizar um partido e chegar à Presidência da República. E muito menos ser o único eleito três vezes para a Presidência da República. Isso não estava no calendário político. E é por isso que eu prezo muito a democracia.
Eu, antes de ler meu pequeno discurso, vou dizer uma coisa para vocês que eu vou fazer questão de dizer sempre. Eu sou de uma região em que habitualmente uma criança que não morria de fome até os cinco anos de idade ia demorar para morrer. E eu escapei da morte até os cinco anos de idade. Depois, eu tive um câncer que eu achei que tinha chegado ao meu fim porque eu já tive três irmãos que morreram de câncer. E eu sobrevivi do câncer e estou aqui forte, impávido, colosso, para dirigir este país.
Depois, eu sobrevivi junto com muitos companheiros aqui, cinco horas dentro de um avião torcendo para o avião não cair, no aeroporto do México. Eu nunca tinha vivido essa experiência. Nunca tinha vivido. Briguei com os pilotos. Briguei porque eu queria saber a informação e eu queria pousar de qualquer jeito e eles falavam: “presidente, não podemos pou sar, o tanque está muito cheio. Não tem como a gente esvaziar o tanque. A gente tem que ficar sobrevoando com um motor só”. E ficamos cinco horas e meia. Então, eu escapei pela segunda vez.
Depois eu escapei da tentativa junto com o Xandão [Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal] e com o companheiro Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República] de um atentado de um bando de irresponsáveis. Eu diria um bando de aloprados que acharam que não precisava deixar a Presidência depois do resultado eleitoral e que seria fácil tomar o poder. Ou seja, eu fico imaginando se tivesse dado certo a tentativa de golpe deles, o que iria acontecer nesse país. Se eles estavam pensando em matar o presidente do tribunal eleitoral, o vice-presidente da República e a mim, ele não queria que continuasse ninguém da nossa cepa, Alckmin. Nós conseguimos escapar. Eu dizia para o Alckmin: eu acho que Deus é muito inteligente e Deus falou “não é possível trazer esses três caras pra cá, vamos deixar eles na Terra porque eles vão dar mais trabalho lá do que vão dar aqui”.
Depois, eu caí, um tombo no banheiro, e é importante vocês saberem: eu estava sentado, eu não estava em pé. Eu estava cortando a unha da mão, não estava cortando a unha do pé, Gilmar [Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal], quando de repente, eu estava num banquinho redondo e eu fui afastar para trás e o banquinho acabou e eu não levitei. Caí e bati com a cabeça. E eu pensei que tinha chegado o meu fim. Também não chegou o meu fim. Aí, eu fui para o hospital, fiz cinco ressonâncias magnéticas. Eu estava tão otimista no dia que eu fui fazer a sexta que eu estava pensando até em tomar um gole. Porque eu estava sem beber até então. Então, eu fui lá fazer o meu exame. Quando eu fui fazer o meu exame, eu descobri que eu estava pior do que eu no começo. Ou seja, o líquido tinha saltado de 0,6% para 21% na cabeça e era muito perigoso.
Eu cheguei em São Paulo, os médicos estavam horrorizados porque eles achavam que eu podia morrer na viagem. Eu poderia ter entrado em coma. E o meu avião, democraticamente, demorou quatro horas pra chegar e eu esperando o avião aqui em Brasília. Bom, então eu não morri dessa vez. Cheguei no hospital, abriram a minha cabeça, lavaram. Significa que eu estou com a cabeça limpa. Limpa e purificada porque foi um dia e meio lavando a minha cabeça. Então, se tem um brasileiro hoje que não tem sujeira na cabeça, sou eu. Eu espero que eles tenham jogado um monte de coisa boa na minha cabeça que eu possa utilizar para terminar a governança desse país.
Então, companheiros, eu voltei com a certeza de que a democracia não é uma coisa pequena. A democracia é uma coisa muito grande para quem ama a liberdade, para quem ama a cultura, para quem ama a educação, para quem ama a igualdade de direitos. Somente num processo democrático a gente pode conquistar isso. É por isso que eu sou um amante da democracia. Não sou nem marido, eu sou um amante da democracia. Porque a maioria das vezes os amantes são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres. E eu sou um amante da democracia porque eu conheço o valor dela.
Eu fiz a primeira greve a partir de 1968, na greve de Contagem (MG) e na greve de Osasco (SP). Tinha tido duas greves em 1968. E eu fiz a terceira greve em 1978, depois de terem praticamente dizimado o movimento sindical. E eu não fiz a greve, não. Quem fez a greve foram os operários de São Bernardo do Campo (SP), que eu considerava o extremo da consciência política do movimento sindical. E a partir de 78 a classe trabalhadora entrou no processo de luta e a classe trabalhadora brasileira tem muito, muito, muito a ver com a conquista da democracia nesse país.
Então falar de democracia pra mim é uma paixão. Não é uma coisa pequena. Eu não sou aquele democrata que acha que se eu tiver as coisas, tudo bem. Se os outros não tiverem, paciência. A democracia, não. A democracia é aquela que garante a todo mundo ter oportunidade para vencer na vida.
Portanto, companheiros e companheiras, eu vou começar a ler o meu discurso agora. Zanin [Cristiano Zanin, ministro do Supremo Tribunal Federal], tenha paciência. Vital [Veneziano Vital do Rêgo, senador em exercício, e Vital do Rêgo Filho, ministro do Tribunal de Contas da União], paciência. Herman [Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça], paciência. Valeska [Valeska Teixeira Zanin Martins], paciência. Paciência, esposa do Xandão [Viviane Barci de Moraes]. Paciência, Fachin [Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal]. Paciência, ministros, que é curto.