Pronunciamento do presidente Lula no Festival Aliança Global
Construindo um mundo justo e um planeta sustentável! Bem, queridas companheiras, queridos companheiros, ministros e ministras que estão aqui na frente, artistas que estão aqui atrás. Bem, primeiro, qualquer discurso que eu faça aqui é atrapalhar o show que vocês estão fazendo em defesa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Primeiro, eu quero agradecer de coração a todos vocês, mulheres, homens, artistas famosos, artistas anônimos, brasileiros e brasileiras que foram solidários ao chamamento da minha querida Janja [Janja Lula da Silva, primeira-dama do Brasil], da Margareth Menezes [ministra da Cultura] e de todas as pessoas que trabalharam para que a gente pudesse realizar aqui no Rio de Janeiro, no dia da realização do G20, esse ato artístico, para que a gente pudesse transformar a questão da fome numa questão política.
Vocês não têm noção da importância das coisas que vocês estão fazendo. E quando nós decidimos colocar a questão da fome para ser discutida no G20, era porque nós queríamos transformar a fome numa questão política. Enquanto a fome é tratada como se fosse uma questão social, é apenas uns números estatísticos que as pessoas utilizam em época de eleição e depois as pessoas esquecem.
Vocês sabem que quem tem fome é tratado como se fosse invisível nesse país. Aquela parte da sociedade que todo mundo sabe que existe, mas muita gente não quer enxergar. E no mundo de hoje, em que 3 mil pessoas detêm um patrimônio acumulado de 15 trilhões de dólares.
No mundo de hoje, em que 733 milhões de pessoas passam fome e, ao mesmo tempo, 2 trilhões e 400 bilhões de dólares são gastos por ano em defesa da guerra, eu só posso dizer para vocês, a fome não é uma questão da natureza. A fome não é uma questão alheia ao ser humano.
A fome hoje é tratada como se não existisse por conta da irresponsabilidade de todos nós, governantes do planeta Terra. E é por isso que nós estamos tratando a fome como uma questão política. Para que a gente comece a falar em qualquer lugar.
Para que a gente possa, Gilberto Gil, muitos artistas famosos que cantam, que são ouvidos, que fazem teatro, que fazem cinema, se em cada… [falha na transmissão] …Que eu fui comer pão pela primeira vez com sete anos de idade, já em São Paulo.
Eu fui criado por uma mãe… [falha na transmissão] …Mas amanhã vai ter. Hoje não tem, mas amanhã vai ter. Porque nós temos que ter coragem e dignidade para a gente mudar a história da humanidade que está tão perversa. Quando eu saí da Polícia Federal, a primeira coisa que eu fiz foi ir ao Papa Francisco, em Roma, para conversar com ele da necessidade e da vontade que eu tinha de fazer uma campanha contra a fome, a pobreza e a desigualdade.
Saí do Papa Francisco e fui no Conselho Mundial de Igrejas, lá em Genebra, para conversar com as pessoas das igrejas evangélicas que eu estava disposto a fazer uma campanha. Lamentavelmente, veio a Covid e eu fiquei dois anos em casa sem poder sair de casa.
E eu queria dizer para vocês que essa é uma campanha em que a gente não tem que ofender ninguém. Nós não temos que xingar ninguém. Nós precisamos apenas indignar a sociedade.
Indignar as pessoas que conquistaram o direito de comer, que a gente tem que trazer junto a essas pessoas que não têm o que comer. Porque não tem nada mais triste do que uma criança levantar de manhã e não ter um café, um copo de leite e um pão com manteiga para dormir. Não tem nada mais triste do que no meu Nordeste, muitas vezes, as mães davam cachaça para as crianças para tentar enganar a fome.
Não tem nada mais fome do que a gente saber que uma criança morreu porque não tinha consumido as calorias e as proteínas necessárias no mundo que produz alimento suficiente para encher a barriga de todo mundo. Portanto, o que falta não é produção de alimentos, porque a tecnologia genética já produz alimentos suficientes para a humanidade. O que falta, na verdade, é responsabilidade de colocar o pobre no nosso dia a dia, no orçamento público, para que a gente garanta que não vai faltar comida para eles.
Nós provamos no Brasil, Gil, e você fazia parte do governo, quando nós entramos em 2003, a gente tinha nesse país 54 milhões de pessoas passando fome. Em 2014, o Brasil, reconhecido pela ONU, saiu do mapa da fome.
Eu voltei em 2023, o Brasil já tinha 33 milhões de pessoas passando fome. Em apenas um ano e nove meses, nós já tiramos 24 milhões de pessoas da fome. E até 2026, a gente não vai ter nenhum brasileiro passando fome, porque todos terão o direito conquistado de tomar café de manhã, almoçar e jantar todo santo dia, porque é o mínimo compromisso que um presidente da República tem que assumir com o seu povo.
Portanto, nós temos comida. O que nós precisamos é adquirir vergonha, responsabilidade e não permitir que neste país uma criança morra de desnutrição. Por isso é que eu quero agradecer a vocês.
Agradecer a cada um que veio aqui ver esse show, porque vocês, embora não sejam os cantantes ou as cantantes, vocês são um estímulo para os cantantes e as cantantes que estão aqui. Eu quero agradecer aos artistas que passaram horas trabalhando aqui, horas. Vocês precisam saber que a recompensa de vocês não será em dinheiro.
A recompensa de vocês será em gratificação, de gratidão das crianças, que esta noite não têm o que comer, mas certa manhã vão ter o que comer e vão saber que vocês contribuíram com as crianças, mesmo não as conhecendo. Mas o gesto de vocês vai estimular com que a sociedade brasileira e a sociedade mundial criem vergonha. Esse é o primeiro G20 em que a gente faz um G20 Social.
É o primeiro G20 em que a gente faz um G20 Cultural. É o primeiro G20 em que a gente tenta repartir com a sociedade. Já combinei com o [Cyril] Ramaphosa, o presidente da África do Sul.
O próximo G20 será a África do Sul. Eu espero que o presidente Ramaphosa consiga convocar o Fórum Social Mundial. Mas eu tenho dito para as pessoas, a sociedade civil não precisa esperar que nós governantes convoquemos.
Se nós não convocamos, vocês vão para a rua por conta própria, porque vocês é que são importantes em fazer essa movimentação. Eu espero que o que nós estamos fazendo aqui seja uma lição para o futuro, para que nós, homens e mulheres brasileiros, que temos caráter, que temos dignidade, que temos vergonha, que temos respeito, que temos muita dignidade, a gente vá fazer a nossa parte para que a gente possa mudar a história desse país.
Por isso, querida Janja, por isso, querida Margareth Menezes, por isso, queridos artistas, por isso, queridos trabalhadores da cultura, este país tem tanta falta de vergonha que até o Ministério da Cultura eles tinham acabado, porque eles não gostam da arte, eles não gostam de artista, porque eles acham que artista é tudo comunista, é tudo revolucionário, e é bom que sejam revolucionários para que a gente mude a vida desse país. É muito importante.
Nós tivemos que reconstruir o Ministério da Cultura, o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério da Mulher, o Ministério dos Direitos Humanos, porque eles acabaram com tudo, achando que a sociedade brasileira estava vencida.
E a gente vai dizer para eles uma frase que eu uso desde mil e não sei quanto, uma frase, Janja, que eu estava na cidade de Catanduva fazendo um comício em 1982, e uma menina veio com a mãe dela e me entregou um bilhete, um bilhete que estava escrito com letras vermelhas, e esse bilhete dizia uma frase que eu nunca esqueci. A frase era muito singela, e eu quero que quem não gosta de nós ouça, eu quero que aqueles que não têm compaixão com a fome ouçam, eu quero que aqueles que acumulam riqueza ouçam, eu quero que aqueles 3 mil que têm 15 trilhões de dólares de patrimônio ouçam essa frase de uma menina que eu nem sei quem é.
Mas a frase dizia: os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera. E vocês são a primavera que vão ajudar a gente a acabar com a fome no mundo.
Um beijo no coração de cada mulher, de cada homem, no meu companheiro Gilberto Gil, da Margareth Menezes e da minha querida Joana.
Um beijo e um abraço, gente!