Pronunciamento do presidente Lula durante cerimônia de abertura do 99º ENIC
Transmissão / CanalGov
Vocês vejam uma coisa. Primeiro, eu acho que eu não tenho o hábito de falar num público que é uma circunferência aqui. Eu não sei para onde falar, eu não sei onde estão as pessoas mais importantes. Eu acho que é o nosso presidente aqui da CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da Construção], não sei se é o Alban [Antonio Ricardo Alvarez Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)], mas ali está a imprensa. Eu sempre acho que a imprensa tem uma respeitabilidade muito grande. Talvez eu vire as costas para vocês e fale para a imprensa.
Mas eu queria cumprimentar primeiro algumas pessoas: o companheiro Luiz Marinho, ministro do Trabalho; o companheiro Jader Filho, ministro das Cidades; nosso querido deputado federal Pedro Campos, PSB de Pernambuco; o Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria e da Construção Civil; o nosso companheiro Guilherme Mello, que já falou aqui, secretário de Política Econômica; o Carlos Vieira, presidente da Caixa Econômica Federal.
Sempre é importante tratar o Carlos com muito carinho, porque é de lá que sai o ouro que nós precisamos para fazer ter sucesso o nosso programa. O companheiro Ricardo Alban, presidente da Confederação, o nosso Décio [Lima], o presidente do Sebrae. E eu queria cumprimentar a cada um de vocês, empresários, companheiros que vieram convidados para esse encontro.
Quando nós pensamos em criar o Minha Casa, Minha Vida, eu fiz um desafio para mim, fiz um desafio para o meu governo da época e fiz um desafio para os empresários. Eu acho que o Renato já ouviu isso de mim em algum momento. Dizem que a gente, quando está com uma certa idade, a gente repete as mesmas histórias muitas vezes. Mas vocês vejam que eu lembro que eu já contei. E quando você tiver que contar para uma pessoa mais velha que você, não fique com vergonha, porque ele também esquece. Então, você pode contar 500 vezes a mesma história.
Mas eu lembro que eu tinha vontade de fazer um programa habitacional grande. Eu estava numa conversa no Rio de Janeiro com um grupo de pessoas e eu fiquei com vontade de fazer um programa habitacional robusto. E cheguei no governo, a companheira Dilma Rousseff era ministra-chefe da Casa Civil. Eu chamei ela, chamei o Guido Mantega, que era ministro da Fazenda, e pedi para que eles pensassem em um programa grande. Antes, eu chamei um grupo de empresários. Na época, eu chamei o pessoal da ABDIB [Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base] e eu sugeri que eles propusessem para o governo um grande programa habitacional.
E qual não foi minha surpresa, que eles fizeram uma proposta de 200 mil casas. Eu simplesmente achei ridículo. E eles diziam na época que eles não estavam preparados para fazer um programa mais robusto. Eu chamei o Guido Mantega e falei: Guido, 200 mil casas não é um plano robusto, é um planinho bem vagabundo. Nós temos que apresentar um plano maior para a gente resolver: primeiro, o problema habitacional no país; segundo, vai ajudar a arrumar emprego nesse país; terceiro, vai melhorar a vida das pessoas com uma casa bem feita.
E o Guido, então, me apresentou um programa de 500 mil casas. Eu achei 500 mil casas um plano vagabundo também. Eu queria um plano robusto. Eu queria desafiar a capacidade do governo, a capacidade dos empresários e a capacidade da nossa engenharia para saber se era possível fazer um plano robusto.
E fizemos uma proposta de construir um milhão de casas. Isso no começo de 2009. Até esse plano ser elaborado, até a burocracia pensar todas as vírgulas que vão num programa de governo, nós só começamos a fazer o esquema de contratação no começo de 2010. E no dia 29 de dezembro de 2010, na cidade de Salvador, eu fui anunciar um milhão de casas contratadas.
Foi uma das maiores alegrias que eu tive na vida: de poder anunciar que a gente tinha, em um ano, feito a contratação de um milhão de casas. Agora, entre contratar e começar a fazer, é outro pequeno problema do tamanho do Oceano Atlântico.
Tem toda uma burocracia, mesmo no meio empresarial, para vencer barreiras, para fazer canteiro, para fazer licenciamento. É um verdadeiro inferno para você fazer as coisas andarem nesse país. Eu digo sempre, Renato [presidente da CBIC, Renato Correia], que a gente tem uma pessoa para tentar fazer um projeto e dez pessoas para dizer que não vai dar certo o projeto.
E, depois, uma coisa muito grave, com o denuncismo nesse país, mesmo entre os empresários. Porque quando você tem uma licitação, o primeiro empresário que entra com processo contra a licitação é o que perdeu.
Eu cheguei a propor, Renato, muitas vezes em reunião com os empresários, que fosse criada uma espécie de um comitê, de um colegiado dos empresários, para que, quando houvesse a licitação, e eles tivessem a conclusão que o processo tinha sido o mais limpo possível, que evitasse que as pessoas entrassem na Justiça. Porque um processo na Justiça segura um processo também, às vezes, muitos anos.
Bem, o dado concreto é que nós começamos a fazer o Minha Casa, Minha Vida e a gente foi tentando aperfeiçoar o Minha Casa, Minha Vida. O primeiro conjunto do Minha Casa, Minha Vida que eu fui inaugurar em Governador Valadares, eu confesso a você, Renato, que se eu pudesse, eu pegava o cara que estava organizando aquele projeto, pegava nos pés dele, rodava ele e batia com a cabeça dele na parede tal a péssima qualidade de casa que ele estava apresentando, numa demonstração de nenhum respeito às pessoas que ganham pouco nesse país, com nenhum respeito. As casas não tinham muro, porque chegaram à conclusão que casa de pobre não precisava murar.
As casas não estavam terminadas as portas, porque disseram para eles que o pessoal gostava de colocar a porta depois que colocava os móveis dentro. As casas não tinham estuque, porque disseram para eles que o povo queria fazer depois que estivesse dentro da casa. Ou seja, o cara não entendia nada de casa, e sobretudo, de casa para as pessoas mais humildes.
Então nós começamos a aperfeiçoar a partir dessa condição. Vocês não têm noção, Renato, quando a gente mandou comprar cerâmica para colocar no piso, um pouco de azulejo para colocar na parede, pelo menos no banheiro, as pessoas diziam: “não, isso é coisa de rico. Pobre não gosta disso”.
Eu falava: gente do céu, você não conhece pobre. Se tem uma coisa que pobre gosta é de azulejo. Se ele pudesse, ele colocava no teto. É preciso parar. Até a tomada, aquela que tem três buracos lá. Ou seja, “não pode porque é coisa de rico”. Ou seja, você vai criando uma imagem de que, pelo fato de ser casa para as pessoas mais humildes, tem que ter péssima qualidade.
E nós fomos avançando, Renato, entre o governo, entre a Caixa Econômica Federal, entre as pessoas do governo que pensavam nas casas. Porque a gente passou muito tempo para poder chegar à conclusão que pobre também queria ter um prédio que tivesse elevador, porque encarecia o valor do prédio e a gente não podia fazer. Quando eu briguei pela varanda, eu não vou contar a história porque tem muita mulher aqui, mas eu fiquei absurdamente perplexo com a resposta que me deram que não podia fazer uma varandinha de um metro quadrado naqueles prédios que parecem uma bacia.
Eu falei: não é possível que não possa fazer uma varanda. Quanto vai encarecer esse apartamento? São R$ 20, são R$ 30, são R$ 2 mil? Por que não faz uma varanda para a pessoa pelo menos ver a lua cheia quando ela está cheia? Ou ver a lua quando ela começa a se movimentar? Então, tudo era empecilho para a gente não fazer as casas com muita qualidade.
E eu quero te dizer, Renato, que hoje eu tenho orgulho e vou dizer uma coisa antes para você. Eu estava dizendo para o meu ministro das Cidades, não vou dizer o estado, mas tem um estado que se der um conjunto habitacional de 3 mil casas e nós não vamos inaugurar essas 3 mil casas se a gente não tiver repartido aquilo com campo de futebol, com quadra, com escola, com área de lazer. Porque se eu entregar 3 mil casas num bairro único, eu estarei entregando uma coisa que vai virar uma coisa muito ruim no futuro. Muito ruim.
Não é possível você fazer 3 mil casas sem levar em conta que tem que ter acesso à cultura, ao lazer, que a molecada tem que ter escola, tem que ter creche. Senão vai virar uma balbúrdia. Três mil casas são 12 mil pessoas, é uma cidade. E ela precisa ter muito cuidado.
Já falei para o Jader: tem que chamar os empresários, chamar a Caixa Econômica Federal, chamar o governador e rediscutir esse projeto. Nós temos que fazer as coisas decentes, porque se tem uma coisa que a gente precisa tratar, é as pessoas mais humildes com respeito. Ele já sofre por ser pobre, ele já sofre por não ter acesso a grandes coisas que outros pequenos grupos têm.
Então é preciso que a gente demonstre para ele, no mínimo, respeito. A gente quer ser pobre, mas a gente quer ser respeitado. A gente quer ter orgulho e a gente quer morar bem.
Eu fui ver Minha Casa, Minha Vida Rural. Faziam uma casa como se estivesse fazendo um apartamento na cidade. Falava: gente, pelo amor de Deus, o Minha Casa Rural tem que ser uma casa que tem que ter uma varandinha. Se for possível, tem que ter até um fogão de lenha. Se bem que hoje as pessoas não querem mais fogão de lenha, porque suja muita panela, suja muita mão. As pessoas preferem um fogãozinho elétrico.
Mas é preciso que a gente tenha criatividade. E eu estou aqui, Renato, para dizer para vocês o seguinte: a gente começou a construir casas para as pessoas mais pobres. Depois a gente foi evoluindo para dois salários mínimos. Agora a gente já evoluiu para três salários mínimos. Já passamos para quatro.
E a gente quer fazer cada para mais de R$ 4 mil, para atender um setor médio da sociedade, que ganha R$ 6 mil, R$ 7 mil, R$ 8 mil, e que ele não se sente atendido pelos programas habitacionais do governo.
E é justo que uma pessoa que ganha R$ 8 mil, R$ 9 mil, R$ 10 mil seja atendida por um programa do governo, porque essas pessoas trabalham. Essas pessoas são bancárias, são metalúrgicas, são químicos, são gráficos, são pessoas que trabalham por conta própria, são pequenos empreendedores. E nós temos que atender essa gente.
Então, nós temos que criar condições para que essas pessoas não sejam marginalizadas. Porque aí vão dizer: “o Lula só pensa no pobre. Tem que ser muito pobre para o Lula poder cuidar”. Não! Nós queremos cuidar do povo brasileiro. Só que tem uma parte do povo que precisa da mão do Estado, e tem outra que não precisa. E essa que não precisa, a gente também tem que tomar cuidado, facilitando a vida dos empresários.
Por isso, Renato, eu quero dizer para você uma coisa. Olhe bem nos meus olhos. Não faltará crédito para a gente fazer as casas neste país. Não faltará.
Eu fico perplexo, porque quando eu penso que eu estou resolvendo os problemas, eu vou dizer duas coisas para você. Eu vi na televisão um dia desses: quatro milhões de famílias neste país não têm banheiro. Eu não quis acreditar. Quatro milhões de famílias não têm banheiro.
Eu fico imaginando, Renato, eu morei em um cortiço, num bairro lá em São Paulo, na Vila Carioca. Não sei se tem alguém de São Paulo, é um bairro ali perto do Museu do Ipiranga. Eu morei numa casa em que moravam 27 pessoas no quintal. Eu morei com a minha mãe e com oito irmãos. Era uma casa com 27 pessoas morando. Era uma casa que tinha um banheiro só, não tinha descarga, não tinha chuveiro. Quer que eu fale a verdade? Não tinha nem papel higiênico.
Então, eu sei o que é uma pessoa não ter um banheiro. Banheiro é a coisa mais simples. E como é que pode ter quatro milhões de pessoas que não têm banheiro? Falei para o Jader: pode preparar um programa, porque nós vamos fazer os banheiros que as pessoas precisam. Porque se um governo não tiver condições de fazer um banheiro para as pessoas, não tem condições de nada. Não tem condições de nada, e não é explicável.
Eu vou te falar, Guilherme, que depois não vem a Fazenda dizer: “isso é gasto”. Não venha dizer, porque isso não é gasto, isso é decência. Isso é respeito. E nós temos o que fazer, gente. Eu vi na televisão as pessoas indo para o mato. Não tem lugar para tomar banho. Não tem lugar para fazer as necessidades fisiológicas. Como é que isso se explica num país que é a décima economia do mundo?
Então se prepare, Renato, que vocês vão ter que ter um sistema especializado de fazer banheiro. Banheiro pressupõe uma pequena construção, pressupõe um pequeno encanamento, pressupõe água, pressupõe um chuveiro. Não é só o vaso sanitário.
É fazer uma coisa digna de respeito para as mulheres que trabalham no campo, para as pessoas que nunca foram numa cidade. Então nós vamos fazer isso, Renato. Se prepare, porque a próxima engenharia tem que se preparar, virar especialista em fazer banheiro para a gente tirar 4 milhões de pessoas.
E também a gente acabar com essas casas que não têm telhado, essas casas com palha de coqueiro, que aí a Doença de Chagas aparece com muita facilidade. Então nós vamos ter que tratar com muito respeito.
Eu estou feliz, Renato, porque se não fosse a compreensão empresarial, a gente não teria o sucesso que a gente tem no Minha Casa, Minha Vida. E nós achamos que é isso mesmo. O governo, ele pode ser o indutor, mas o construtor é quem sabe construir. É quem sabe, é quem tem experiência, é quem tem expertise e é quem pode ajudar a tirar esse país da situação que ele é jogado.
Se você imaginar a quantidade de casas que foram feitas nos últimos anos, não é nada. Se você imaginar que esse moço, meu ministro das Cidades, encontrou 87 mil casas. Eu tenho inaugurado casa em estado do Brasil, começada em 2013, 2014, 2015, paralisada. Ou seja, não tem explicação. Alguém paralisar uma obra, muitas vezes por responsabilidade do governo, que não tomou as medidas necessárias para que a obra não parasse.
Então, companheiros e companheiras, eu não sei se as companheiras são todas empresárias também, eu quero dizer para vocês: esse país vai voltar, que é o meu sonho. Eu disse para vocês que eu ia voltar a ser presidente para tentar levar ao Brasil à normalidade. À normalidade democrática, normalidade civilizatória, em que as pessoas podem conversar, as pessoas podem estar em partidos diferentes, as pessoas podem torcer para times diferentes, as pessoas podem frequentar religiões diferentes, mas nós temos que aprender a conviver da forma mais civilizada possível.
Eu não preciso gostar de vocês e vocês não precisam gostar de mim, nós só temos que nos respeitar. Nós só temos que saber qual é a tarefa de cada um, qual é o papel de cada um. Se a gente fizer isso, a gente vai estar construindo a sociedade que todo mundo quer viver, uma sociedade democrática, uma sociedade civilizada, uma sociedade que respeite um aos outros, independente do que a gente pensa, e uma sociedade que possa fazer com que aqueles que nunca tiveram chance, tenham chance na vida. É isso que nós vamos fazer.
Por isso, Renato, eu estou muito satisfeito, porque nós estamos com o menor índice de desemprego desde 2012, por isso nós temos o maior crescimento da massa salarial desde 2014. Por isso a gente está vivendo uma situação boa, com a inflação controlada, com a economia crescendo acima das previsões. Você lembra do mercado, como é que dizia? Você lembra dos especialistas que aparecem na televisão?
“A economia não vai crescer, vai crescer só 0,8%”. Cresceu 3%. “A economia vai crescer 1%”. Vai crescer 3% ou um pouco mais de 3%. E por que eu digo que vai crescer? Porque as coisas estão acontecendo na macroeconomia, na média economia e na microeconomia.
O mundo desenvolvido não é aquele que poucos têm muito dinheiro e muitos não têm nada. O mundo desenvolvido é aquele que muitos têm pelo menos um pouco, porque quando o dinheiro começa a circular, as pessoas começam a comprar as coisas, o comércio funciona, a indústria produz, as pessoas trabalham e todo mundo vive dignamente bem.
Por isso, meus queridos companheiros, se preparem, Renato, que eu estarei no centésimo ENIC [Encontro Nacional da Indústria da Construção], lá em São Paulo, para prestigiar um setor tão importante como a construção civil.
Um abraço e obrigado, gente.