Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia pelo Dia Mundial da Alimentação
Bem, eu vou dispensar a nominata, porque eu tive uma conversa com meus ministros de que a gente não pode falar mais de cinco minutos. Porque parece pouco cinco minutos, mas eu disse para meus ministros que eu viajo para uma reunião do G7, ninguém fala mais que cinco minutos. Eu viajo para uma reunião do BRICS, ninguém fala mais que cinco minutos. Eu viajo para uma reunião do G20, ninguém fala mais que cinco minutos.
Então, nós estabelecemos que, se preparar direitinho, escrever direitinho, colocar as coisas no lugar, cinco minutos é tempo suficiente para a gente contar tudo aquilo que a gente quer contar. Bem, eu primeiro quero dizer para vocês da alegria imensa da gente estar discutindo hoje um programa que tem, no mínimo, 19 portarias.
Isso significa que os ministros e as entidades da sociedade civil que ajudaram a construir esse programa sabem que daqui para frente tem que trabalhar muito para a gente executar, porque depois da gente anunciar publicamente, isso não pode ser letra morta, isso tem que acontecer.
E é importante que cada um coloque a sua portaria, a portaria do seu interesse, aquela que diz a respeito ao seu movimento, aquela que diz respeito ao ministro, na cabeceira da cama para todo dia levantar, ler qual é o compromisso dele para a gente fazer as coisas acontecerem. Porque se a gente não fizer isso, está cheio de gente que não gostaria que a gente estivesse fazendo isso e vai estar anotando para saber se as coisas aconteceram e aí vai começar o processo de cobrança. Como eu vou dizer que nós estamos lançando uma coisa que nunca foi lançada na história desse país?
Como eu estou dizendo que nós estamos fazendo muita coisa nova, porque esse governo é um governo que faz com que o povo participe das decisões, mas também da elaboração das coisas que nós queremos colocar em prática. Porque é a única forma que nós encontramos de, se mudar de governo, não acabar com as coisas.
Porque historicamente a gente semeia, a gente aduba, a gente joga água e quando a gente sai, vem alguém e destrói tudo com a maior desfaçatez. O que é incrível é que não há reação do movimento contra a destruição.
Nós vimos o que aconteceu no governo da presidenta Dilma. Tanta coisa que foi semeada, depois do golpe tantas coisas foram destruídas. E nós precisamos envolver a sociedade para que um governo possa mudar, mas a sociedade não muda. Ela continua sendo sociedade, os movimentos continuam sendo movimentos. E essas coisas para darem certo é preciso que haja uma combinação perfeita entre o governo que propôs as coisas, o movimento que ajudou a construir e aqueles que serão os beneficiários das políticas que nós estamos colocando em prática.
O Wellington [Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome] e o companheiro Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar] foram me mostrar o programa antes de ontem. Eu achei uma coisa exuberante, extraordinária, muita criatividade, muita coisa nova, muita vontade política.
Agora, vocês têm que saber que vocês precisam fazer isso funcionar. Porque eu estarei no pé de vocês, a sociedade estará no meu pé, certamente a nossa querida imprensa estará no meu pé, cobrando para ver se as coisas estão acontecendo, se nós fizemos a coisa acontecer.
Então, ninguém pediu para a gente anunciar, ninguém pediu para a gente elaborar isso. Foi o governo que tomou a decisão de fazer junto com o movimento. Então, agora é a nossa obrigação fazer as coisas darem certo e vocês sabem que quando a gente assume a responsabilidade as coisas dão certo. Vocês sabem que, em 2014, a FAO anunciou o Brasil fora do Mapa da Fome.
Para tirar levou muitos anos, para destruir levou poucos meses. Ou seja, quando nós voltamos já tinha 33 milhões de pessoas passando fome outra vez. Nós já tiramos, em um ano e dez meses de governo — parece que a gente está aqui há muito tempo, mas só estamos há um ano e dez meses de governo — nós já tiramos 24 milhões e meio de pessoas do mapa da fome outra vez e a nossa ideia é tirar todos da fome até terminar o mandato em 2026.
O que é mais importante é que nós, no G20, lançamos uma coisa nova que é a Aliança Global Contra a Fome, a Pobreza e a Miséria. É um desafio ao mundo, porque não existe explicação com o avanço tecnológico, com o avanço da genética. A gente é capaz de produzir muito mais alimento do que a gente consome.
Nós sabemos a quantidade de alimento que se perde entre a produção e o consumo. Nós sabemos a quantidade de alimento que sobra nos restaurantes por esse país afora, nas empresas e, ainda assim, a gente fica estarrecido com o número de 733 milhões de seres humanos vão dormir toda noite sem ter o que comer. É uma coisa inexplicável.
Então, a gente pode dizer que existe seca. A gente pode dizer que existe excesso de chuva. A gente pode dizer tudo o que nós quisermos, mas a verdade é que a única explicação para a existência da fome é uma coisa chamada irresponsabilidade de quem governa os países, de quem governa os Estados. Porque é preciso que o Estado tenha a capacidade de priorizar para quem que ele quer governar.
Nós temos que fazer escolhas. A arte de governar, meu querido Sheik [Emerson Sheik, ex-jogador de futebol], o grande jogador do meu Corinthians que marcou 12 gols contra o Boca Juniors e levou a gente à Libertadores. Eu quero dizer que um governante, a diferença do governo e do cientista, a diferença de um governo e de um pesquisador é que o pesquisador vai comunicar o que ele encontrou, ele não tem como inventar, mas o governo não.
O governo, quando ele assume, tem que definir para quem que ele governa. O governo tem que governar para todos. São 213 milhões de habitantes. Mas eu peguei um número aqui só para lembrar a vocês do país que a gente governa.
De 213 milhões de habitantes, nós temos 81 milhões de habitantes que ganham no máximo até três salários mínimos. Nós temos mais 10,6 milhões de habitantes que ganham de três a cinco salários mínimos. Nós temos 5,4 milhões que ganham até 10 salários mínimos.
Ou seja, esse é o máximo que a gente está medindo, não avançamos mais, para mostrar para vocês que não existe outra alternativa para alguém que queira governar um país do tamanho do Brasil, se não a gente ter preferência na hora de utilizar o dinheiro. Qual é o problema que nós enfrentamos?
É um problema que repercute na manchete dos jornais, repercute nos editoriais dos jornais, repercute no chamado mercado: é que toda vez que a gente está cuidando de fazer política social, é tratado como gasto. Toda vez. É inacreditável. Mas isso não é à toa, isso não é à toa. Essa foi uma doutrina de palavras criada para induzir a gente a determinados erros.
Se o empresário está gastando dinheiro para fazer uma fossa séptica, não aparece na empresa como gasto. O empresário vai fazer um discurso dizendo: “eu estou investindo nas condições de melhoria de qualidade de vida dos meus trabalhadores”. Se ele pega dinheiro para fazer o piso, ele troca um piso por outro piso, nunca vai aparecer que é gasto. Vai aparecer o empresário dizendo: “Eu estou fazendo investimento para cuidar da segurança dos meus trabalhadores”. E assim por diante.
Mas no caso do governo, do estado e da prefeitura, é o seguinte: você vai colocar mais dinheiro na saúde, é gasto. Você vai colocar mais dinheiro na educação, é gasto. Você vai colocar mais dinheiro para cuidar dos pequenos e médios produtores rurais, da pequena agricultura, é gasto. Você vai colocar dinheiro na educação, é gasto.
Eu vou dar um exemplo para vocês. Nós descobrimos que 480 mil alunos do ensino médio desistem da escola todo ano porque não têm condições, saem da escola para ajudar o orçamento do pai, o orçamento familiar.
Qual é a atitude que um governo tem que tomar? Aceitar isso como natural ou criar um programa para fazer com que esse jovem seja incentivado a continuar na escola? Nós criamos o programa Pé-de-Meia que dá uma poupança para esses alunos. É tido como se fosse gasto e não como investimento.
Agora nós descobrimos outra coisa que vai entrar em discussão na minha pauta, quando eu voltar agora do BRICS, que é a questão dos professores. Ontem foi dia dos professores. Eu lembro que quando nós aprovamos o piso salarial dos professores, muitos governadores não quiseram pagar porque diziam que não tinham dinheiro.
E olha que é um salário merreca para alguém que toma conta de 40 crianças dentro de uma sala de aula, ou de 50. Se uma mãe ou um pai acha muito tomar conta de dois filhos, de três filhos, de um filho, imagina uma professora tomar conta de 40, de 50, porque estão na sala de aula. Essa profissão que já foi nobre, está sendo destruída porque nós descobrimos que ninguém quer ser mais professor.
Nós vamos ter que criar um programa de incentivo para os alunos que prestaram o Enem fazerem um curso para se transformarem em professores porque ganha muito pouco, tem muito trabalho e as pessoas não querem. Se 40 anos atrás ser professor era motivo de festa, era o jovem bem-sucedido de uma cidade do interior, a professora era motivo de música, de enredo para grandes músicas brasileiras, hoje não.
Hoje não, ganha muito pouco e sofre muito e muitas vezes não tem um reconhecimento. E ela não tem que cuidar apenas da educação, ela tem que cuidar da educação, ela tem que saber se o aluno está alimentado, ela tem que saber as condições do aluno. Às vezes o aluno tem um monte de coisas que não é da professora, mas ela tem que cuidar.
E a questão da comida? A questão da comida, as pessoas perguntam: “por que o Lula se preocupa com esse negócio de fome, por que o Lula se preocupa desde 2003, que eu coloco isso na minha prioridade?”. É porque eu sei o que é uma criança ir dormir sem ter o que comer. Eu sei o que é um jovem adolescente ir dormir sem ter o que comer. Eu sei o que é você passar o final de semana sem ter um bocado de feijão para colocar no fogo.
Isso é por conta da pobreza, é por conta da falta de recursos. Não é porque quer. Eu tenho dito todo santo dia, as pessoas pensam que os pobres gostam de ser pobres. As pessoas pensam que quem tem fome gosta de ter fome. Ninguém gosta de ter fome. Ninguém gosta de ser pobre.
Ninguém gosta de comer mal. Ninguém quer comer comida poluída. A gente quer comer as coisas boas. A gente quer fazer aquilo que é melhor. A gente quer se vestir bem, quer comer bem, quer ganhar bem, quer trabalhar bem, quer morar bem. É preciso inverter essa lógica de achar que nós, os pobres desse país, gostamos de ser pobres.
E aí a questão da fome. A fome é o ponto crucial. Daí meus parabéns ao Paulo Teixeira, ao Wellington, ao Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional]. O Consea foi uma das poucas instituições que sobreviveu ao golpe e sobreviveu ao bolsonarismo. Porque continuou funcionando a duras penas, mas funcionou.
Eu quero dizer para vocês que nós estamos fazendo um gesto nobre: acabar com a fome no Brasil. E acabar com a fome no mundo não deve ser motivo de orgulho, é obrigação moral, ética, política e até humanista.
É isso que nós estamos fazendo. Nós estamos querendo trazer o humanismo de volta na governança e na execução dessa governança. Por isso Wellington, por isso Paulo Teixeira, por isso o Consea, por isso Márcio [Macedo, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República], por isso o companheiro, por isso a Embrapa que está aqui, por isso o Sônia Guajajara [ministra dos Povos Indígenas].
Eu quero dizer para vocês, hoje é um dia muito feliz porque eu participei do lançamento do programa Fome Zero há muitos anos atrás na Câmara de Vereadores de de São Paulo, onde eu pensei que a gente ia mostrar hoje aí o filme feito por um cineasta do Rio Grande do Sul chamado “Ilha das Flores” para a gente saber do que é que a gente está falando quando fala de fome. Mas não passou, eu falei, mas acho que ninguém lembrou de passar, mas tudo bem.
Eu quero que vocês saibam que: isso que nós estamos fazendo aqui é o mínimo que a gente pode fazer para transformar esse país num país justo; num país em que as pessoas tenham orgulho de aqui viver; de aqui trabalhar; de aqui criar os seus filhos e de aqui progredirem. Porque o sonho de todos nós é progredir na vida e não retroceder.
Um abraço a todos vocês, que Deus nos abençoe e faça a gente conseguir.
Ah, eu queria saber se o nosso companheiro Sheik toparia colocar uma camisa da União Global contra a Fome, colocar no peito dele e vestir? Aliança Global contra a Fome, se ele conseguir colocar essa camisa ou pelo menos tirar foto.