Pronunciamento do presidente Lula durante reunião com governadores
A presença dos governadores, a presença dos vices e das vice-governadoras. E também a presença da governadora. Me parece que a Fátima Bezerra [governadora do Rio Grande do Norte] não está presente. E a nossa governadora de Pernambuco está viajando. E a vice está presente, a vice de Pernambuco, a vice de Brasília, a vice do Pará, e tem mais uma vice aqui, mais uma vice aqui presente.
Eu queria dizer para vocês o seguinte: eu já tinha dito para vocês que, em algum momento, nós íamos convidar os governadores para discutir a questão da segurança pública. Posteriormente, o companheiro Lewandowski [Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública] começou a trabalhar a apresentação de uma PEC que não discute a totalidade dos problemas da segurança pública, mas discute alguns problemas que são importantes.
E eu disse ao Lewandowski que a gente não poderia mandar a PEC para o Congresso Nacional antes de fazer uma conversa com os governadores. E, posteriormente, o Lewandowski tinha uma reunião que tinha sido convocada pelo governador de Brasília, e o Lewandowski falou: “Presidente, acho que o senhor não precisa mais convocar reunião, porque o governador de Brasília está convocando a reunião com todos os governadores, e eu vou fazer a apresentação da PEC lá para eles”. Acontece que essa reunião não aconteceu, e eu chamei o companheiro Lewandowski e perguntei para ele se não era o momento da gente chamar os governadores, e não apenas os governadores, mas chamar a Suprema Corte, chamar o Superior Tribunal de Justiça, chamar a Controladoria-Geral da República, o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público. Ou seja, convidar os secretários de Segurança dos estados para participar. Convidar todas as instituições que, direta ou indiretamente, têm alguma coisa a ver.
Eu não sei se foi confirmada a presença do deputado Lira [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados] e do senador Pacheco [Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal], porque também a ideia era convocar o Poder Legislativo para participar, e aqui estão alguns líderes, alguns prefeitos importantes, que vão participar, porque essa discussão envolve também o papel das guardas municipais. E é uma reunião em que a gente não vai resolver todos os problemas da segurança pública em apenas uma reunião.
Mas a gente quer que o companheiro Lewandowski comece a discussão apresentando a proposta da PEC que será enviada ao Congresso Nacional, mas a gente quer ouvir os governadores e a gente gostaria que os governadores falassem de outros problemas que têm a segurança pública. Sobretudo, tem governador que tem muita queixa, sabe, do Poder Judiciário nos estados, porque muitas vezes a polícia prende o bandido e, no dia seguinte, ele está solto.
E, às vezes, ocorre que o bandido quer ficar onde ele quer, e ele escolhe, inclusive, a cadeia que quer ficar, e, muitas vezes, no estado, o desembargador que vai tomar a decisão, manda o bandido para a cadeia que ele quer ficar.
Nós sabemos que a questão da segurança pública hoje não é uma questão como já foi em outras décadas, mas nós sabemos que, desde os anos 80 para cá, a segurança pública vem crescendo, dia a dia, em cada estado. Tem hora que a gente ouve falar que um estado está melhor, no ano seguinte piora. Porque o crime organizado hoje não é mais o bandido comum que a gente estava habituado a lidar. Hoje é uma organização poderosa que está envolvida em todos os setores da sociedade, inclusive em nível internacional.
Eu tenho tido uma preocupação com os concursos públicos, porque, logo, logo, o crime organizado vai estar participando de concursos, vai estar indicando juiz, vai estar indicando procurador, vai estar indicando político, vai estar indicando candidato. E essa é uma coisa que é quase que incontrolável se a gente não montar um Pacto Federativo, que envolva todos os Poderes da Federação, todos os poderes que estão envolvidos diretamente nisso, e que a gente possa construir um processo que discuta desde o sistema prisional até o sistema do cadastro que cada estado tem.
Ou seja, é preciso que haja uma formação sistematizada, organizada, porque a gente não pode continuar permitindo que um criminoso no Paraná possa se esconder indo para São Paulo e tirando outra identidade, ou ele comete um crime em São Paulo e vai se esconder no estado do Nordeste. É preciso que a gente tenha uma coisa muito, mas muito organizada, e nós estamos dispostos a discutir, quantas horas forem necessárias, quantas reuniões forem necessárias, através dos nossos secretários, através dos nossos representantes no Poder Judiciário, para que a gente possa apresentar uma proposta definitiva de combate ao chamado crime organizado que está hoje espalhado em todo o território nacional, que está espalhado em estados que, há 20 anos atrás, eles não estavam e que agora estão.
Eu sei que cada governador tem os seus problemas, cada governador tem suas soluções, mas o que a gente está notando, efetivamente, é que o crime organizado está crescendo, as organizações nas cadeias estão crescendo. A gente vê, de vez em quando, falar do Comando Vermelho, falar do PCC, e eles estão em quase todos os estados disputando eleições, elegendo vereador, sabe. E, quem sabe, indicando pessoas para utilizar cargos importantes nas instituições brasileiras.
Eu queria que essa reunião fosse uma reunião em que os governadores não tivessem nenhuma preocupação de falar aquilo que entenderem que devem falar. É uma reunião em que não existe censura, não existe impedimento de cada um dizer aquilo que pensa, aquilo que ele acha que é verdade. E, sobretudo, também fazer alguma proposta de solução para que a gente possa dar encaminhamento nesse assunto. Por isso é importante a presença do Poder Judiciário aqui, é importante a presença do companheiro Flávio Dino [ministro do Supremo Tribunal Federal], que foi ministro da Justiça até outro dia, e que tinha muita preocupação com isso. Mas nós vamos agora passar a palavra ao companheiro Rui Costa [ministro da Casa Civil]. Depois a gente vai passar a palavra ao companheiro Lewandowski para ele fazer a apresentação da PEC, e depois a gente abre o debate para que falem todos os Poderes, todos os governadores, todas as vice-governadoras e vice-governadores, para que a gente possa começar.
É importante lembrar, eu queria reiterar: a apresentação dessa PEC é o começo de uma grande discussão que a gente quer fazer sobre segurança pública nesse país, sobre a criação de um Sistema Único de Segurança Pública. E a gente começa mandando para as duas Casas onde o debate deve se dar de verdade, que é no Congresso Nacional. Então, com a palavra o companheiro Rui Costa e, depois, o companheiro Lewandowski.
[...Pronunciamento dos governadores e demais autoridades...]
A primeira coisa que eu queria falar, não dizer que é a última coisa. Primeiro, é o agradecimento a vocês, aos governadores, às pessoas que vieram representando o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, os secretários de Segurança dos estados, porque essa era uma reunião que precisava ser feita. Eu não sei se vocês sabem, mas eu acho que, na história do Brasil, nunca teve um presidente que tivesse tantos ex-governadores como ministros como eu tenho. Não é governador de um mandato, não.
Eu tenho aqui a experiência de 16 anos de governo, aqui a experiência de 16 anos de governo, o Wellington [Dias, ministro de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome]. Não, 20 vai ser agora, o Wellington com 16 anos de governo, o Flávio Dino com 8 anos de governo. Quem mais? O Camilo [Santana, ministro da Educação] com 16 anos de experiência de governo. O Waldez [Góes, ministro da Integração e Desenvolvimento Regional] com 16 anos. Ou seja, o Renan [Filho, ministro dos Transportes] com 8 anos. Ou seja, é todo mundo com muita experiência. E quando o companheiro Lewandowski levantou a ideia de fazer a PEC, eu falei para ele: “A primeira coisa que nós vamos fazer é chamar os ministros que foram governadores de estado, para que a gente ouça deles as experiências que eles têm no tratamento da questão da segurança pública. Porque o dado concreto é que é uma situação muito complicada no Brasil inteiro.
Eu tive a oportunidade de conhecer hoje o único estado que não tem problema de segurança, que é o estado de Goiás, que eu peço para o Lewandowski ir lá levantar, porque pode ser referência para todos os outros governadores. Ao invés de eu chamar uma reunião, era o Caiado [Ronaldo Caiado, governador de Goiás] que deveria ter chamado a reunião para orientar como é que se comporta para a gente acabar com o problema da segurança em cada estado.
Quando eu convoquei essa reunião, eu queria que vocês soubessem que havia pessoas que achavam que a imprensa não deveria cobrir toda a reunião, porque poderia aparecer gente falando contra a PEC, ou não concordando com a ideia do governo. Eu disse que a gente iria abrir, porque a reunião era para a gente aprender e a reunião era para que as pessoas falassem a visão que elas têm sobre a questão da segurança pública.
A PEC não é um produto acabado, ela é apenas a chave que está abrindo uma porta para um debate que, se a coisa é da gravidade que todos vocês falaram, é o tema principal a ser encontrada uma solução. Uma solução que vai passar por mudança de lei, que vai passar por mudança de comportamento, que nós vamos tirar as instituições democráticas da sua caixinha de vidro em que cada uma é separada, cada uma é dona da verdade, cada uma pensa que ela é que sabe tudo. E nós vamos ter que fazer com que as pessoas conversem. Ainda não ouvi sequer os prefeitos, porque eu não fico imaginando como é que uma prefeitura de porte médio ou grande não tem a sua própria polícia também para decidir fazer as coisas que precisam ser feitas na cidade. E os crimes são os mais diversificados possíveis. E diferentes em cada região, diferentes em cada estado.
E nós temos que aprender isso para a gente poder encontrar uma solução definitiva. Eu tenho muita saudade, Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços], do tempo que eu morava na Vila Carioca, em São Paulo, quando o maior bandido, mais famoso do Brasil, era um tal de Meneghel, sabe, que ele não matava ninguém, ele roubava, só pulava muro, roubava as casas e ia embora. Ele era o cara mais perigoso de São Paulo. Isso na década de 50 e de 60. Hoje, isso acabou. Acabou. O crime está sofisticado, inteligência sofisticada, arma sofisticada, muitas vezes melhor do que todo o arsenal das políticas estaduais. Às vezes, melhor do que das próprias Forças Armadas e, às vezes, são as armas das próprias Forças Armadas que são roubadas.
Então, esse é um tema que vai exigir paciência para que a gente possa discutir, primeiro, entre nós. Entre nós. O Governo Federal nunca se preocupou tanto em debater a questão da segurança pública por causa da autonomia. Porque quem cuida da polícia é o estado, quem cuida da Polícia Civil é o estado. E nem sempre o estado quer que o Governo Federal auxilie. Nem sempre.
Não é todo crime que acontece no estado que a gente pode mandar a Polícia Federal intervir. Porque as pessoas não querem, as pessoas são donas. O que nós estamos querendo fazer é o seguinte: nós queremos unificar procedimentos, informações.
Imagina se todos nós tivéssemos a metodologia do Caiado, possivelmente a gente já tivesse muito mais soluções. Mas a gente não sabe. O Governo Federal não deve ter todas as informações, você não deve ter todas as informações, e nós não temos de cada estado.
Tem governador que omite as informações da apuração dos crimes. Tem governador que omite a quantidade de gente que morreu, que ainda não sabe porquê morreu. Ou seja, cada um produz a informação que lhe interessa, e muitas vezes é o que interessa ao delegado da polícia que é chefe, muitas vezes ao coronel que manda no batalhão.
Então, o que a gente quer é o seguinte: é tornar essa questão da segurança pública, uma coisa mais civilizada, que a sociedade saiba o que acontece em cada estado, o que acontece a nível federal, o que acontece em cada município. Para ver se a gente consegue inibir ou fazer desaparecer o crime organizado. As mazelas com que eles sequestram a sociedade. Porque você tem o crime grande, o crime hediondo, mas você tem o cara que, para pegar um botijão de gás, tem que pagar para o bandido. É essa coisa que funciona, porque você tem, desde o crime de alto nível, até a roubalheira do celular.
O cara que tem coragem de roubar uma velhinha de 80 anos que está falando com o celular. O cara vem e rouba e vai embora. Obviamente que esse cara não precisa ser morto pela polícia, mas tem que ter um tratamento específico para isso, para que a gente possa diminuir.
Então, eu quero agradecer a vocês, de coração, quero agradecer a vocês, pelo que vocês falaram livremente, pelas ideias que vocês sugeriram, e eu quero lembrar vocês: isso é apenas o começo de um grande debate que vai acontecer nesse país.
Enquanto eu for presidente da República, a gente não vai ter medo de fazer nenhum debate. A gente quer discutir a educação com vocês, a gente quer discutir o PAC com vocês, a gente quer discutir a segurança pública com vocês. E que vocês tenham o mesmo direito de falar. O companheiro Lewandowski está disposto a viajar para qualquer estado, a discutir com qualquer fórum, essa PEC e outras medidas que a gente tiver, descobrindo nesse debate.
Então, de coração, eu quero agradecer aos governadores, às vice-governadoras e aos vice-governadores, aos secretários de segurança pública, ao Poder Representante, ao Poder Judiciário, aos nossos prefeitos, ao companheiro Mário Campbell [Mauro Luiz Campbell Marques, Corregedor-Geral da Justiça Federal], que veio aqui a nosso convite.
É uma pena que não deu para todo mundo falar, mas eu quero agradecer pelo fato de vocês estarem aqui sentados, há quatro horas. Eu não sei se em algum outro momento da história republicana do Brasil, houve paciência dos governadores e paciência de um presidente de passar quatro horas juntos, não em uma festa, porque na praia é fácil a gente passar quatro horas juntos, sabe? Em qualquer lugar, mas em uma reunião…
E vocês vejam: eu também duvido que em algum momento da história republicana um presidente serviu tanta comida para vocês como eu servi nessa reunião aqui. Eu não sei, Caiado, eu não sei se chegou para você um pedaço de pamonha, mas essa pamonha que eu comi aqui, ela veio ontem à noite de Goiás, porque eu ganhei de presente. Pamonha e o famoso empadão de Goiás.
Então, gente, muito obrigado, muito obrigado.
Estamos à disposição para discutir esses e outros temas.