Pronunciamento do presidente Lula durante assinatura do Novo Acordo de Mariana
Eu quero, primeiro, pedir desculpas a vocês por ter chegado tão tarde a esse evento.
Quero cumprimentar minha companheira, Janja [Lula da Silva, primeira-dama do Brasil], quero cumprimentar meu companheiro Geraldo Alckmin [vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços], nosso querido vice-presidente. Cumprimentar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Cumprimentar o governador do Espírito Santo, companheiro Renato Casagrande. Cumprimentar os meus ministros aqui na mesa. Os ministros e ministras que estão aqui. Procuradores e procuradoras. Defensores e defensoras. E companheiros deputados e deputadas que tanto brigaram para que o dia de hoje pudesse acontecer.
E quero começar me dirigindo a dois momentos separados: primeiro, ao movimento social que tanto briga, aqueles que representam os pescadores, aqueles que representam as pessoas atingidas por barragem, aqueles que representam as mulheres, aqueles que representam os indígenas, aqueles que representam os quilombolas. Aos prefeitos da região.
Dizer que eu fui, durante muito tempo, dirigente sindical. E parte da minha vida foi definida por conclusões de acordos. E, mesmo muitas vezes, o acordo que eu assinava e que eu levava para a minha categoria aprovar, eu mesmo não estava 100% de acordo. O que me fazia fazer o acordo era a certeza da importância do momento político e era a certeza de que aquele acordo era melhor do que se a gente entrasse numa guerra e a gente não tivesse o acordo.
Eu sei que, para muita gente, embora esse acordo tenha cifra de R$ 170 bilhões, certamente, pelo montante, seja o maior acordo já feito na história moderna do capitalismo, é importante a gente lembrar que a gente ainda não sabe o que foi feito com o gasto da fundação criada para cuidar disso. Esse é o dado concreto. Nem o Ministério Público sabe, nem a Defensoria [Pública] sabe. Nem o governo dos estados sabe e nem o Governo Federal sabe.
São R$ 37 bilhões que foram gastos, mas que a gente não sabe que destino levaram e que eu acho importante a gente saber, até para que as pessoas saibam. A segunda coisa importante é que esse acordo é o que foi possível, se a gente comparar com o acordo que existia antes de eu chegar à Presidência da República. E se a gente não esquecer o que aconteceu em Brumadinho.
Por isso, eu quero dar os parabéns aos companheiros que participaram, com o companheiro Messias [Jorge Messias, Advogado-Geral da União], a todo o pessoal que trabalhou com você, a todo o pessoal, Márcio [Macêdo, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República], da Secretaria-Geral, que participou com você, a coordenação do companheiro Rui Costa [ministro da Casa Civil], o envolvimento do Alexandre Silveira [ministro de Minas e Energia] e dizer para vocês que agora é que começa a preocupação maior.
Por que começa a preocupação maior? Primeiro, porque eu espero que as empresas mineradoras tenham aprendido uma lição. Ficaria muito mais barato ter evitado o que aconteceu. Infinitamente mais barato.
Certamente não custaria R$ 20 bilhões evitar a desgraça que aconteceu. E dizer para vocês que eu já tive a oportunidade de negociar com a Vale, quando ela tinha dono, quando o dono dela era o governo. Depois eu tive o prazer de negociar com a Vale quando ela já era uma mescla de fundos, mas que tinha presidentes.
E quero dizer para vocês que é muito difícil negociar com uma corporation que a gente não sabe quem é o dono. E que tem muita gente dando palpite. E que muitas vezes o dinheiro que poderia ter evitado a desgraça que aconteceu é utilizado para pagar dividendos.
Neste país é importante a gente mudar a cultura. Tem uma cultura impregnada na sociedade brasileira que tem que ser mudada. Ou seja, certamente, se um presidente da Vale resolvesse dizer para a diretoria que ele iria evitar que acontecesse o que aconteceu em Mariana, ele ia ser taxado de irresponsável, porque ele estava gastando dinheiro que não era necessário.
Certamente ele seria taxado. Porque nesse país a gente nunca se perguntou quanto custou a gente não ter alfabetizado esse país há 60 anos. A gente nunca se perguntou quanto custou esse país a gente não ter feito a reforma agrária enquanto foi feito na década de 50, em muitos países do mundo.
A gente nunca pergunta quanto custa ter tantas crianças analfabetas nesse país. Porque tudo que a gente quer fazer na área social é tido como gasto. E é importante que a gente tenha clareza de que fazer melhorar a saúde, fazer melhorar a educação, fazer melhorar são investimentos que têm retornos em melhorar a vida dos humanos, não só os que nós somos, mas que nós representamos.
Essa lição que as mineradoras estão tendo, de que ficaria muito mais barato ter evitado a desgraça. Eu espero que sirva de lição para outras centenas de lixo que as empresas jogam em represas, nem sempre tão bem preparadas ou tão modernas para evitar outra desgraça dessa. É importante que essa lição fique desse acordo.
A segunda coisa que eu queria dizer para vocês é ao governo, aos meus ministros e ao presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES]. A nossa dor de cabeça começa agora. Primeiro, porque esse projeto é para 20 anos, não é para 20 dias. Segundo, porque cada ministério que está envolvido em alguma área tem que apresentar projetos.
Porque não é o discurso que faz a obra acontecer, é a qualidade do projeto. Quem vai cuidar da saúde, quem vai cuidar dos indígenas, quem vai cuidar dos pescadores, quem vai cuidar que, pela primeira vez, nós colocamos R$ 1 bilhão só para cuidar das mulheres. É uma coisa que não existia nesse país.
Então, tem vários ministérios com vários compromissos. E se a gente não der conta do recado, daqui a 20 meses, aquilo que hoje é festejado como a conquista do maior acordo já feito, vai ser começado a cobrar do governo como a pior coisa que já aconteceu. Então, é importante que nós saibamos disso, companheiro Rui Costa, que é uma espécie de coordenador.
Companheiros ministros, que vão assumir a responsabilidade. É preciso que tenha projeto, com cabeça, tronco e membro, para que a gente saiba o que vai acontecer a cada ano. Porque, agora, se não acontecer, a culpa é nossa.
E mesmo o movimento social, que tem várias partes aqui que estão delimitadas que o dinheiro é para ser administrado pelo movimento social. É preciso que tenha projeto concreto. Quais os projetos que nós temos para recuperar o rio? Quais os projetos que nós temos para tirar o rejeito? São 9 milhões de metros cúbicos de rejeito. A gente vai tirar como? E vai colocar onde? Tirar, todo mundo quer tirar. Mas é preciso encontrar um lugar para receber. E quem vai querer receber? As pessoas não querem receber coisa ruim.
A coisa mais difícil é você anunciar numa cidade que vai levar uma cadeia para lá. O cara não quer cadeia. O cara quer fábrica, o cara quer loja, o cara quer banco, o cara quer desenvolvimento. O cara não quer cadeia. Quem é que vai querer 9 milhões de metros cúbicos de lixo? Quem é que vai limpar o leito do rio? Quantos anos vai demorar para aquele rio virar um rio piscoso outra vez? Saudável, que não coloque risco na vida das pessoas.
Esse, Capobianco [João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima], é um desafio que o Ministério do Meio Ambiente tem que apresentar um projeto. Cada centavo que for utilizado é tido como investimento para a gente recuperar a desgraça que a irresponsabilidade que uma empresa causou. É isso que tem que ficar claro.
Nós estamos fazendo reparo numa desgraça que poderia ter sido evitada, mas que não foi evitada. Por irresponsabilidade, por ganância de lucro. “Quem sabe, vamos deixar para o ano que vem, quem sabe vamos deixar para o outro ano, quem sabe que não precisa fazer”. Então, é importante que a gente saiba que as questões climáticas estão acontecendo, mas o que aconteceu em Mariana não foi uma questão climática, foi uma questão “irresponsabílica”: irresponsabilidade pura e simples com o povo da região.
Portanto, Aloizio Mercadante [presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], você que está habituado a fazer debêntures, arrumar dinheiro para fazer estrada, para fazer ferrovia, para fazer investimento, agora tem que cuidar de um dinheiro que você não teve que arrumar. É o dinheiro que nós decidimos que vai para o BNDES, porque é um banco que tem expertise para gerenciar. E você precisa ajudar a cobrar, porque cada centavo que sair desse dinheiro vai ser olhado pelo movimento que é o responsável por conquistar esse dinheiro.
E tem que ter projeto para que a gente amanhã não seja acusado de irresponsável e que não soube utilizar corretamente o dinheiro. E vamos precisar, procurador-geral, do Ministério Público. Vamos dar outro tipo de serviço para o Ministério Público. Vamos precisar da Defensoria Pública.
O Leonardo [Magalhães, Defensor Público-Geral Federal da Defensoria Pública da União] não veio aqui, mas você diga para ele que nós vamos cobrar muita agilidade da Defensoria Pública. Porque, se não, a gente não dá conta. A gente não está lidando com coisas estranhas, está lidando com o ser humano. A gente, possivelmente, não consiga nunca devolver a totalidade dos prejuízos que essas pessoas tiveram, porque tem o prejuízo psicológico. Além das mortes, tem o prejuízo das coisas que as pessoas gostavam e que nunca mais vão ver – e que não tem substituto.
Tem gente que morava numa casa, que apitaram para eles saírem da casa e até hoje eles não conseguiram voltar para o lugar em que eles moravam. E eu quero saber quantas casas a Fundação construiu. Quantas casas? Porque agora nós vamos ter que fazer as casas. Então, é importante isso, companheiros ministros: vocês, terminada a alegria da assinatura do ato, terminada a alegria da participação do movimento social e da participação de vocês, agora, quando terminar esse ato, fica com vocês a responsabilidade de começar a construir o futuro que a gente vai entregar para aquele povo.
Obrigado, meu companheiro Messias, mais uma vez. Obrigado aos procuradores. E muito obrigado por vocês brigarem e resistirem para que a gente pudesse construir esse acordo. Um abraço.