Pronunciamento do presidente Lula na inauguração do Armazém da Utopia
Eu subi nesse palco dizendo que eu não ia falar, porque eu preciso preservar a garganta, porque tem muita coisa pela frente. E eu, sinceramente, apesar de conhecer o Márcio [Márcio Tavares, ministro substituto da Cultura] há muito tempo, não sabia que ele era um extraordinário orador. E, vai ter que falar mais vezes.
Mas eu quero começar cumprimentando a minha querida companheira Janja, meu querido companheiro Márcio Tavares, ministro substituto, porque a nossa Margareth Menezes está viajando, a nossa querida Beth Mendes. Eu conheço a Beth Mendes desde criança, desde o tempo da novela Beto Rockfeller. Vocês, que não estavam ainda fazendo parte da humanidade naquele período, pois eu acompanho essa menina há muito tempo.
E fiquei muito feliz, Beth, quando te encontrei aqui. Alegria de rever pessoas que a gente aprendeu a admirar, que a gente aprendeu a conviver junto politicamente. Um dia o PT até expulsou ela do partido, que era deputada.
Mas a gente nunca perdeu a nossa relação de respeito, a nossa relação de amizade. Obrigado, Beth, por você insistir, querida. Quero cumprimentar a nossa querida Maria Marighella, presidente da Funarte; o Lucas Padilha, secretário da Casa Civil do município do Rio de Janeiro; o Cristiano Costa, presidente da Shell do Brasil; a Tereza Campelo, diretora socioambiental do BNDES; a Marice Inácio, gerente de patrocínio do Instituto Cultural Vale; os nossos queridos deputados, Lindbergh Farias, Jandira Feghali, Laura Carneiro e doutor Daniel Soranz.
Quero cumprimentar Dani Baldi, deputada estadual do PC do B do Rio de Janeiro; as vereadoras Tainá de Paula e Élida Santos; cumprimentar aqui a nossa querida Lucy Barreto, pedindo para você, dê um abraço e um beijo nele [Luiz Carlos Barreto, cineasta brasileiro], que nós estamos com saudade dele e rezando para que ele volte ao nosso convívio o mais rápido possível.
Eu fico feliz quando nós estamos inaugurando, depois de estarmos funcionando desde agosto, essa coisa extraordinária do Armazém da Utopia. É importante a gente lembrar que tudo isso que está acontecendo no Brasil é porque nós conseguimos conquistar de volta uma palavra que nós precisamos aprender a dar muito valor, chamada democracia.
A democracia é o único sistema de governo que pode permitir que um metalúrgico, como eu, chegue a presidente da República. E é a única coisa que pode permitir que a gente possa criar as condições da cultura se existe como investimento e não como gasto. Porque a cultura é uma das formas de você fazer com que 213 milhões de brasileiros se manifestem da forma que ele é, da forma que ele quer para que a gente possa compreender o comportamento da sociedade brasileira e o resultado do povo que nós somos.
Muitos presidentes da República neste país não gostam de cultura. Até gostam. Até podem ir a Paris assistir a um show, a uma peça, a uma ópera, mas não gostam de conversar com o artista porque o artista é chato ideologicamente. Está sempre cobrando, está sempre exigindo e as pessoas não gostam disso. As pessoas gostam de comparecer a eventos e a coisas em que tudo está favorável. E a cultura é exatamente o jeito de a gente contrariar aquilo que muitas vezes é o pensamento dominante de uma sociedade propondo coisas novas.
É por isso que eu vivo um momento de muito orgulho nesse país, de dizer para vocês, em alto e bom som, olhando na cara de cada um, olhando na cara do ministro interino da Cultura: nunca antes na história do Brasil se investiu tanto em cultura como nós estamos investindo nesse momento.
E é importante ter claro que tudo feito da forma mais democrática que já foi feita nesse país. Todos os municípios brasileiros, os 5.670 municípios, quase 6 mil municípios, todos receberam dinheiro da Lei Paulo Rouanet e da Lei Aldir Blanc. Todos, todos os governadores receberam dinheiro e a gente não perguntou de que partido que ele era, se ele gostava ou não do presidente, se ele gostava ou não do Márcio ou da Margareth Menezes.
A gente apenas, da forma mais democrática possível, garante que todos aqueles que passaram muitos anos sem investir um centavo em cultura, tivessem dinheiro ofertado pelo Governo Federal para que a cultura pudesse sobreviver na sua cidade. Fazer com que o povo mais humilde tivesse acesso à cultura que nós somos capazes de produzir. Inclusive, levar cultura na periferia.
A gente fala do Oduvaldo Vianna, mas a gente também tem que falar do nosso querido Augusto Boal, com o teatro dos oprimidos deste país. Eu, uma vez, Lucy, fui informado que o Boal estava doente, estava internado em Nova York, não tinha dinheiro para pagar o hospital e, portanto, não podia sair do hospital. O Estado brasileiro não pode fazer essas coisas, porque o Tribunal de Contas cria confusão e não deixa. Nós tivemos que arrumar algumas centenas de companheiros para fazer uma contribuição e trazer o nosso Augusto Boal de volta ao Brasil, porque ele já estava morrendo de saudade desse país.
E como ele, que fazia o teatro dos oprimidos, quantos artistas populares nós temos nesse país? Quanta gente em cada cidade, pequena por menor que ela seja, quer fazer cultura, quer praticar cultura? Quantas pessoas querem ter a oportunidade de frequentar um teatro? Não precisa ser uma coisa chique, como essa vinda à Utopia. Pode ser uma coisa mais humilde, pode estar embaixo de uma árvore, pode ser num barracão, pode ser em qualquer coisa. O que é importante é que a gente garanta o direito da cultura sobreviver, se reproduzir e gerar novas pessoas que gostem e que pratiquem cultura.
E nós tomamos mais uma decisão extraordinária. Cada município deste país, cada município terá no mínimo uma biblioteca. Cada município. E todos os conjuntos habitacionais, todos os conjuntos habitacionais do Minha, Casa, Minha Vida serão entregues com uma pequena biblioteca com, no mínimo, 500 livros para que aquele conjunto possa iniciar o processo de aprender a ler, de gostar de ler.
Eu penso que se a gente tiver condições de continuar com essa política, se a gente continuar acreditando que é importante, do jeito que o Márcio falou de que investe um real e volta sete, eu acho que se o sistema financeiro brasileiro soubesse disso, ele baixava o juro para não receber a dívida e aplicava em cultura, porque votaria muito rapidamente.
Porque eu acho que os empresários brasileiros ainda não conquistaram a inteligência suficiente para saber que investimento em cultura é uma coisa que traz retorno. Não só financeiro, mas traz retorno político na evolução da sociedade.
É tão importante as pessoas compreenderem o quanto é investimento estrangeiro em cultura. Em quantas vezes em alguns países, como nos Estados Unidos, por exemplo, o rico tem que pagar 40% do imposto sobre herança, e ele, ao invés de querer pagar, ele faz uma doação ao Estado de alguma coisa, ele faz uma universidade, ele faz uma escola para o Instituto Federal, ele investe em alguma coisa, em alguma fundação que gera benefício.
Aqui no Brasil, a gente ainda não tem essa cultura, lamentavelmente, a gente não tem essa cultura. Eu lembro que quando o ministro Gilberto Gil, quando o Gilberto Gil era ministro da Cultura, eu imaginei fazer dez grandes filmes no Brasil sobre os momentos mais importantes da história desse país. E naquela época, a gente não tinha dinheiro. E eu falei para o Gilberto Gil: vamos atrás de empresários para a gente poder arrumar dinheiro para fazer. A gente não encontrou, Beth. Não conseguimos encontrar.
Eu lembro que eu queria fazer festival de teatro em Brasília, usar aquela Esplanada dos Ministérios e fazer um festival de teatro que começasse nos municípios, que fosse para o estado e a gente fizesse um grand finale, quem sabe, com milhares de artistas lá na Esplanada dos Ministérios para que o povo pudesse ver o sangue correr nas suas veias, o sangue brilhar nos seus olhos e a gente fazer da cultura um motivo de convivência saudável e democrática entre nós. Ainda não conseguimos fazer, mas já conseguimos dar um passo importante.
Você veja que nem tudo é impossível. Com o Congresso conservador que nós tivemos na gestão passada, a gente conseguiu aprovar a Lei Aldir Blanc. A Jandira [Feghali, deputada federal pelo PCdoB] está aqui, ela sabe disso, o nosso senador Paulo Rocha [ex-senador e ex-deputado federal pelo PT, autor da Lei Paulo Gustavo] sabe a Lei Paulo Gustavo. E a gente conseguiu aportar uma imensidão de dinheiro que não é tudo que a gente precisa, mas é o máximo que nós já conseguimos.
Por isso eu quero terminar dizendo para vocês: não custa nada a gente acreditar. Não custa nada a gente batalhar. Não custa nada a gente dizer que a única coisa impossível é Deus pecar, o resto nós somos capazes de construir.
Viva a cultura, viva o Armazém da Utopia, e viva os artistas brasileiros.