Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de retorno do manto Tupinambá
Minha querida companheira, Janja; minha querida ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; meu querido Márcio Tavares, ministro substituto da Cultura; excelentíssima senhora embaixadora Eva Pedersen, embaixadora da Dinamarca no Brasil; meu querido companheiro Jerônimo Rodrigues, governador do estado da Bahia.
Queridos deputados e deputadas Jandira Feghali, do PcdoB do Rio de Janeiro; Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro; Célia Xakriabá, do PSOL de Minas Gerais; e pastor Henrique Vieira, do PSOL do Rio de Janeiro. Meu querido ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça; líder Tupinambá cacique Jamopoty; cacique Sussuarana; Cacique Acauã, [inaudível]Tupinambá; Potira Tupinambá; Roserval do Galo.
Meus queridos secretários-executivos Leonardo Marquini, do ministério da Educação; Eloy Terena, do ministério dos Povos Indígenas; Olavo Noleto, da Secretaria de Relações Institucionais; Roberto Medronho, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Denise Pires de Carvalho, presidente da Capes; Joênia, que acabou de ir embora para São Paulo ou para Brasília por causa que ela tinha o voo marcado, nossa companheira presidente da FUNAI; Celso Pansera, presidente da FINEP; Márcia Rollemberg, secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura; embaixador Laudemar Aguiar, secretário de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, Inovação e Cultura do Ministério das Relações Exteriores; Alexandre Brasil; secretário de Educação Superior do Ministério da Educação.
Tereza Campello, que eu não tinha visto aqui. A nossa querida Tereza Campello, companheira diretora Socioambiental do BNDES; Lucas Padilha, secretário municipal da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro; Andréia da Costa, diretora substituta do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
As deputadas estaduais Marina do MST (PT) e Elika Takimoto do PT; Christine Ruta, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meus queridos companheiros e queridas companheiras. Meus companheiros indígenas e meus companheiros Tupinambá.
Eu penso que o momento de hoje é um momento sumamente extraordinário, sumamente extraordinário, para que a gente reflita sobre o que acontece no nosso Brasil desde a descoberta desse país em 1.500, com os povos indígenas. Eu confesso a vocês que eu lamento, profundamente, se eu tivesse o poder que a companheira que me chamou de filho da dona Lindu, se eu tivesse o poder que ela pensa que eu tenho, eu não estaria aqui comemorando o manto. Eu estaria comemorando a vida de milhões de indígenas que morreram nesse país escravizados pelos colonizadores europeus.
Quero dizer para vocês que é um privilégio extraordinário participar, como presidente da República, nesse momento tão especial, não só para os povos indígenas, mas para a História de todos nós, brasileiros e brasileiras.
Ao longo da nossa História, diversos itens indígenas e de outras comunidades tradicionais atravessaram fronteiras e foram habitar museus europeus e de outros cantos do mundo. Além de sua extraordinária relevância cultural, são objetos que guardam crença, memória e tradições.
O retorno do manto sagrado Tupinambá, até então parte do acervo do Museu Nacional da Dinamarca, é um marco e o começo de uma nova história de conquista dos povos indígenas. Trata-se do primeiro item indígena de simbolismo espiritual a voltar ao país depois de tantos anos ausente.
Agradeço ao Museu Nacional da Dinamarca pela doação e parabenizo a direção do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Embaixada do Brasil na Dinamarca pelas tratativas que resultaram no retorno do manto ao museu. Parabéns ao ministério dos Povos Indígenas, Soninha, e a liderança do povo Tupinambá pelo engajamento nessa luta.
Eu só queria dizer para vocês que ele está no Museu Nacional, mas eu espero que todos compreendam que o lugar dele não é aqui. Eu espero que todos compreendam. E eu tenho certeza que vamos, eu tenho certeza que vamos ter a compreensão do nosso governador da Bahia que me disse que é Tupinambá também.
Quero dizer para vocês que ele tem a obrigação e o compromisso histórico de construir na Bahia um lugar que possa receber esse manto e preservá-lo para que ele não viesse a ser estragado. E eu tenho certeza, Jerônimo, que você fará isso com muito orgulho porque eu te conheço há muito tempo e sei do teu compromisso com esse povo.
Talvez para os não indígenas seja difícil imaginar a dimensão espiritual que o manto sagrado tem para os Tupinambás. É forte e muito bonito conhecer o seu real significado que para nós é uma obra artística de rara beleza. Mas para os Tupinambás é uma entidade, um ancião, um ser espiritual que retoma a ancestralidade para promover a reafirmação cultural de todo o povo e para anunciar a chegada de uma nova era de unidade e conquista de direito.
O retorno do ancião para o Brasil representa a retomada de uma história que foi apagada. Uma história que precisa ser contada e preservada, assim como esse manto que muitos indígenas só conhecem pela memória dos seus ancestrais.
A personagem que o escritor baiano indica nos agradecimentos é inspirada em Glicéria, também conhecida por Célia Tupinambá, artista e liderança indígena que abraçou a missão de reproduzir o manto sagrado de seu povo. Célia, que está aqui conosco, hoje, diz que o próprio manto, que estava produzindo, foi o seu guia no difícil processo de criação.
Visitamos a sala onde o manto que veio da Dinamarca está guardado, aqui na Biblioteca do Museu Nacional. É impossível não conhecer a beleza e a força dessa peça centenária e tão bem conservada, mesmo depois de tanto tempo fora do Brasil, no estrangeiro.
É o nosso compromisso cuidar da preservação, em condições adequadas, desse patrimônio que é de todos nós, mas, especialmente, do povo Tupinambá. Para que essa história, memória e tradições sigam vivas e possam ser conhecidas pelas gerações futuras.
Queridas amigas e queridos amigos presentes neste ato, o reconhecimento e o respeito aos direitos dos povos originais são prioridades do meu governo. Por isso, criamos o Ministério dos Povos Indígenas. Fizemos e continuamos a fazer a desintrusão de territórios ocupados por não indígenas. Homologamos novas terras, e tenho certeza, que faremos muito mais, sempre enfrentando os desafios que são muitos e precisam ser tratados de forma negociada, com diálogo e transparência.
Da mesma forma que vocês, eu também sou contra a tese do marco temporal. Fiz questão de vetar esse atentado aos povos indígenas, mas o Congresso Nacional, usando uma prerrogativa respaldada por lei, derrubou o meu veto. A discussão segue na Suprema Corte Federal e minha posição não mudou: sou a favor do direito dos povos indígenas a seu território e a sua cultura, como determina a Constituição. Contrário, portanto, à ideia absurda do marco temporal.
O povo Tupinambá, da mesma forma que as demais etnias indígenas, tem direito ao seu território. Esse manto sagrado, que vimos hoje, assim como outros dez do século XVI que ainda estão fora do Brasil, não deixam dúvidas: os povos indígenas ocupavam essas terras muito, mas muito, antes do que o marco temporal, equivocadamente, pretende estabelecer.
A luta do povo Tupinambá e de todos os povos indígenas é centenária, justa e legítima. É uma luta de todos nós pelo direito dos nossos ancestrais, não só à terra, mas também à memória e às histórias que esse manto conta.
Meus companheiros e minhas companheiras, às vezes, as coisas são mais fáceis de falar do que de fazer e vocês, indígenas, que estão nessa luta há muito tempo, sabem o quanto é difícil.
Uma vez, em 1978, eu descobri e senti a necessidade de fazer um partido político. Porque eu fui ao Congresso Nacional evitar que uma lei anti-greve fosse aprovada, feita pelo ministro Arnaldo da Costa Prieto. E lá, eu descobri que eu estava querendo que acontecesse um milagre porque não tinha trabalhador deputado. Como é que eu poderia querer que um Congresso feito pela elite política desse país fosse fazer a lei que eu desejava?
Olhe para a dificuldade de eleger algum indígena deputado, olhe para a dificuldade de a gente conquistar. Para a gente ter noção da dificuldade que a gente tem lá, quando eu vetei o marco temporal, eu imaginei que o Congresso não ia ter coragem de derrubar o meu veto. E ele teve, porque a maioria dos congressistas não tem compromisso com nenhum povo indígena. O compromisso deles é com grandes fazendas, com grandes propriedades.
Mas você não pode esquecer, que não faz muito tempo, que a gente trocou um ministro do Meio Ambiente que dizia que era preciso abrir as porteiras para que o agronegócio invadisse a Amazônia, e nós colocamos uma companheira da qualidade da Marina Silva no ministério para que ela ajude a gente.
Vocês não podem esquecer que os indígenas nunca tiveram ministério e muito menos uma indígena ministra. Vocês não podem esquecer que a FUNAI nunca teve um indígena que tomou conta da FUNAI e, agora, tem. Vocês não podem esquecer que, pela primeira vez na história, a gente tem um médico indígena tomando conta da saúde indígena e isso a gente não consegue fazer do dia para a noite.
Vocês que lutam sabem da dificuldade, e eu posso dizer para vocês, aqui, e quero dizer para os nossos companheiros Tupinambás: eu vou voltar a Brasília na semana que vem, vou conversar com o companheiro Lewandowski [Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e da Segurança Pública].
Quando o marco temporal voltou para a Suprema Corte, nos tirou uma dificuldade de controlar as fazendas de intrusão como a gente ia fazer. Eu vou ver se a gente pode fazer o possível e o impossível para que a gente possa, quem sabe, atender a grandiosidade desse manto sagrado. Se a gente pode, de uma vez por todas, desintrusar as terras Tupinambás para que vocês possam viver de muita certeza.
Mas, é importante lembrar que a nossa luta não é apenas contra aqueles que são contra os indígenas. Nunca um presidente da República fez a quantidade de reunião que eu fiz para discutir a questão dos Yanomamis. Nunca. Eu já fiz reunião várias vezes com mais de 20 ministros para que a gente possa cobrar uma atenção efetiva.
Já tivemos 7 mil horas de voo de helicóptero levando comida para os indígenas. Já tivemos muitos aviões levando médicos, que, muitas vezes, é preciso da proteção policial porque o crime organizado está tomando conta da terra dos povos indígenas.
Já destruímos 740 balsas, já destruímos helicópteros, já destruímos aviões e, ainda assim, os garimpeiros voltam, porque os garimpeiros que estão lá são gente que trabalha. Os donos, quem sabe, estejam morando em outro lugar do mundo, ou quem sabe, em uma capital desse país.
Por isso, companheiros, a nossa luta continua. Pela primeira vez, nós criamos uma sala de situação em Boa Vista e Roraima, com a representação de 19 ministérios para que a gente possa minimizar ou acabar definitivamente com o sofrimento dos povos Yanomamis, que estão sofrendo. Não apenas porque foram abandonados no governo passado, que facilitava a entrada de garimpeiros, que facilitava o uso de mercúrio, que facilitava a entrada do crime organizado.
Vocês podem ter certeza de uma coisa: eu tenho mais dois anos e três meses de governo. Vocês sabem o que acontecia nesse país antes de eu chegar na Presidência e eu fico feliz, muito feliz, de fazer parte de um governo em que as pessoas, na frente do presidente da República, podem fazer o uso da palavra e reclamar até do presidente da República.
Reclamar até do governo, porque, em tempos que não estão muito distantes, em tempos que não estão muito distantes, vocês não eram chamados nem para falar. Vocês não eram recebidos e, muitas vezes, eram tratados com pau e cacetete e cachorro e policial para não deixar vocês se reunirem.
Esse país mudou. Esse país mudou e esse país vai melhorar, porque eu tenho compromisso com o meu mandato. Eu queria apenas que a companheira que falou aqui mudasse o seu discurso. Aqui não tem subserviência para ficar no poder. Eu não preciso disso. O que você tem é inteligência política para saber que eu tenho um partido com 70 deputados em 513. Que eu tenho 9 senadores em 81, e, para eu aprovar as coisas, eu sou obrigado a conversar com quem não gosta de mim. Eu sou obrigado a convencer as pessoas a votarem.
E é, por isso, que eu posso dizer para vocês em alto e bom som: nunca se aprovou tantas coisas nesse país como nós aprovamos. Até uma política de reforma tributária, que há 50 anos esperava, nós acabamos de aprovar. Nós conseguimos aprovar a PEC da Transição para que eu começasse a governar esse país antes de tomar posse.
O que tem, companheiros e companheiras, é que você não governa com discurso. Você não governa com principismo. Você conversa com inteligência política para aprender a conviver com os contrários. E eu não esqueço nunca que quando eu estava preso, foram me prometer a minha liberdade para eu ficar em casa com uma caneleira, e eu disse a quem me fez a proposta: eu não troco a minha dignidade pela minha liberdade. Eu não uso caneleira porque eu não sou pombo correio.
E quero dizer para a companheira, quero dizer para a companheira. Se tem uma coisa que eu tenho muito orgulho é de saber o seguinte: eu, Lula, não sou eu Lula. Eu sou a única vez que vocês chegaram à Presidência da República, porque tem alguém que pensa como vocês, que compreende vocês e que vai fazer as coisas que são possíveis fazer.
O presidente da República não pode só fazer discurso. O presidente da República tem que cumprir a Constituição, tem que cumprir a regra do jogo, tem que respeitar a decisão do Congresso Nacional, tem que respeitar a decisão da Justiça e, ao mesmo tempo, nós temos que perseverar. Nós temos que lutar, porque se vocês esperaram quase 400 anos para trazer o manto de volta, significa que nada é impossível, que a gente pode conquistar muito mais.
Um abraço, um beijo e muito obrigado a todos vocês.