Pronunciamento do presidente Lula na abertura oficial da 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo
Eu, na verdade, não deveria falar. Eu deveria pedir desculpas a vocês, porque às 22h10 era a hora de estar terminando esse evento e eu ainda vou começar a falar.
Então, eu quero começar pedindo desculpas a vocês pelo atraso. Eu não sei se foi meu, não sei se foi da Janja, não sei se foi da Sevani [Matos, presidente da Câmara Brasileira do Livro], não sei se foi da Margareth Menezes [ministra da Cultura]. O dado concreto é que nós chegamos com uma hora de atraso aqui.
Então, desculpas é uma palavra simples, mas que nem todo mundo tem coragem de usá-la. E eu estou usando, porque cheguei tarde aqui.
Eu quero, primeiro, cumprimentar a minha querida companheira Janja, cumprimentar Sevani Matos, presidente da Câmara Brasileira de Livros. Quero cumprimentar o companheiro Juan David Correa, presidente de Cultura, das Artes e dos Saberes da Colômbia. O Guillermo Rivera, embaixador da Colômbia no Brasil. Os meus ministros que falaram, que eu não preciso repetir o nome. E a companheira Fátima Bezerra [governadora do Rio Grande do Norte]. O decreto que eu assinei foi regulando uma lei que ela aprovou quando era deputada federal em Brasília, já faz bastante tempo. Quero cumprimentar a Fernanda Pacobahyba, presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento. O Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú. Quero o Ivo Dall Acqua Júnior, presidente em exercício do Conselho do SESC e do SENAC de São Paulo. O Fernando Padula, secretário Municipal de Educação de São Paulo. E as imortais: Conceição Evaristo, linguista e escritora; e Lilia Schwarcz, historiadora e escritora.
Meus amigos, minhas amigas, senhoras e senhores, companheiros e companheiras, eu possivelmente esteja fazendo o discurso mais curto da minha vida. E no final vou dizer porquê.
Meus amigos e minhas amigas,
O nosso querido e inesquecível Ziraldo gostava de contar a seguinte história:
Um belo dia ele viu a filha lendo um livro em voz alta para o seu bebê.
Ziraldo disse à filha que aquilo não fazia sentido, que o bebê era pequeno demais para entender o que a mãe lia para ele.
A filha explicou que o bebê estava aconchegado em seu colo. Estava, portanto, muito feliz.
E ela queria que o filho crescesse associando o momento de felicidade ao objeto chamado livro que a mãe tinha nas suas mãos.
Para mim, que vivi uma infância sem livros, isso faz todo sentido.
Toda criança tem o direito de ser feliz. Tem direito a uma família carinhosa, moradia digna, boa alimentação, ensino público de qualidade.
Toda criança também tem direito à leitura, e o direito de se tornar um jovem e um adulto leitor.
Por isso, cada uma das 6 mil bibliotecas públicas e comunitárias do Brasil vai receber um acervo inicial de 800 exemplares de obras literárias.
E, a partir de agora, os novos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida ganharão bibliotecas com 500 livros à disposição das famílias. Tudo que a Margareth Menezes [ministra da Cultura] e o ministro Jader [Filho, ministro das Cidades] propuseram de livro, o Camilo [Santana, ministro da Educação] fica triste, porque é ele que vai ter que pagar os custos desses livros.
São, neste primeiro momento, mais de 5 milhões e 500 mil exemplares espalhados pelo Brasil.
Eu estava falando sério quando disse, durante a campanha, que queria um Brasil com mais livros e menos armas.
Queridos amigos e amigas,
É com imensa alegria que volto a esta Bienal, 20 anos depois da primeira visita. E aqui é importante confirmar para vocês que eu não entendo porquê presidente da República não gosta de bienal, presidente da República não gosta de prefeito, presidente da República não gosta de reitores. Eu não sei qual é a diferença que faz um presidente da República, sabe, qualquer um deles, não participar em todas as feiras do livro, para que eles sejam um estimulador do futuro na leitura nesse país.
É uma alegria muito especial saber que essa edição homenageia a Colômbia.
Estive lá há cinco meses na Feira Internacional do Livro de Bogotá, na qual o Brasil foi homenageado e tive o prazer de participar de um debate, na feira do livro, com o presidente Petro [Gustavo Petro, presidente da Colômbia].
A Colômbia nos encanta pela riqueza de sua cultura e a literatura de autores extraordinários, a exemplo de Gabriel García Márquez, de quem tive o prazer de ler “Cem Anos de Solidão” e “O amor nos tempos do cólera”. “O amor nos tempos do cólera” a Janja mandou para mim, quando eu estava na cadeia, na Polícia Federal. Portanto, obrigado pelo livro.
Talvez nem o realismo mágico de García Márquez fosse capaz de projetar o que aconteceria no intervalo de 20 anos.
Depois de um ciclo virtuoso de avanços dos nossos governos, o Brasil enfrentou o obscurantismo de um governo que, entre outros retrocessos, desprezou o potencial simbólico e econômico da cultura.
Felizmente, estamos de volta, para fazer o Brasil dar certo.
Estamos de volta para fazer a economia crescer para todos, gerar emprego e renda, reconstruir políticas de inclusão social, tratar a educação como investimento, em vez de gasto.
Meus queridos amigos e amigas,
Estamos de volta para reafirmar que a literatura, assim como o cinema, a música, o teatro, o circo, a dança, as artes plásticas alimentam a alma de um povo.
Um dos nossos objetivos é fazer do Brasil um país de leitores e leitoras.
Os livros são fundamentais para a nossa formação e compreensão do mundo.
A literatura é um direito humano, como bem definiu o grande brasileiro Antônio Candido, em seu ensaio "Direito à Literatura".
Para ele, uma sociedade ideal deve assegurar não só os meios materiais de vida, mas também a possibilidade de acesso a todos os níveis de literatura.
Antônio Candido escreveu: "A literatura desenvolve em nós a cota da humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante."
Vivemos tempos de ódio e de fake news. Poucas vezes na história, o Brasil precisou tanto do bálsamo da literatura.
Minhas amigas e meus amigos,
Ler é também um ato político. É um grito de liberdade contra todas as formas de arbítrio.
Nos 580 dias em que estive injustamente preso em Curitiba, tornei-me um leitor compulsivo. Lia de manhã, de tarde e à noite.
Perdi a conta do quanto eu li, entre livros de sociologia, ciências políticas, biografias, e, sobretudo, literatura.
Os livros foram meus companheiros na luta contra a solidão.
Lendo, eu entrava e participava da história. Eu me identificava com os personagens, principalmente a Luísa Mahin do extraordinário “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves.
Lendo, eu viajava para lugares distantes no tempo e no espaço.
Nos 580 dias em que estive injustamente preso, eu compreendi que nada é mais livre do que ler. Ler e viajar.
Meus amigos e minhas amigas,
Eu quero dizer para vocês que a minha ideia de fazer com que a gente faça investimento em cultura primeiro partiu de um companheiro da editora letra do Luiz Schwartz, que um dia encontrou comigo, pediu uma conversa comigo para se queixar que o Governo Federal não estava comprando livros ou estava diminuindo a compra de livros. Eu cheguei em Brasília, chamei o ministro Camilo e falei para o Camilo: nós precisamos comprar livros e você precisa falar com o Luiz Schwartz. E o companheiro Camilo falou, ouviu as razões dos editores desse país, e nós então voltamos ao mercado de livros. A nossa Margareth Menezes promete, o Jader promete, eu prometo e o Camilo gasta o dinheiro no orçamento dele para atender as nossas promessas.
A segunda coisa: quando nós pensamos em criar uma biblioteca em cada conjunto habitacional, não foi uma ideia do presidente. Eu tenho um companheiro jornalista que escreve parte dos meus discursos, meu companheiro Rezende [José Rezende de Almeida Júnior, assessor especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República], que deve estar por aqui, que ele, em 2010, ganhou o prêmio Jabuti. E ele falou assim para mim: “presidente, por que o senhor não cria uma biblioteca nos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida?” Chamei o ministro Jader e falei: Jader, a partir de agora. Eu já tinha exigido que todas as casas tivessem uma varandinha e que todos os apartamentos tivessem uma varanda. Todo mundo sabe porque que a gente precisa de uma varanda quando a gente mora num apartamento, sobretudo num apartamento pequeno. Todo mundo aqui é humano e todo mundo sabe que a gente, de vez em quando, precisa dar uma escapada para a gente não ofender mulher e filho que estão no sofá sentado com a gente. Pois bem, da mesma forma que eu tive a coragem, no Rio de Janeiro, de dizer ao presidente da Caixa Econômica Federal e dizer ao empresário que estava construindo casa que dali para frente eu queria a varanda do pum. Eu queria a varanda do pum. As pessoas têm o direito de ter uma varandinha, mesmo que seja apenas um metro quadrado. Eu cismei que a gente tem que ter uma biblioteca, por menor que ela seja, em cada conjunto habitacional, para que as pessoas possam ter o que fazer nas horas em que estão ociosas.
E o Jader sabe que agora eu estou mais invocado. Eu já estou querendo até começar a pedir uma pequena piscina, porque depois que eu vi a participação nossa, das pessoas com deficiência nas Olimpíadas, depois de ver o Danielzinho nadar do jeito que ele nada, nós temos a obrigação de dar a oportunidade para as crianças pobres desse país ter uma piscina para nadar, porque senão só rico que pode ir à piscina, que pode ser sócio de clube. Nós ainda não aprovamos a ideia, mas eu tenho certeza que a ideia será unanimidade em cada criança dos conjuntos habitacionais.
Por último, dizer para vocês que eu li, não em excesso, eu li com muita gana quando eu estava preso. E, depois que eu saí da cadeia, continuei lendo. Mas depois que eu virei presidente, a única coisa que eu leio são as nominatas e os meus discursos, porque eu levanto todo dia às 5:30, chego no serviço às 9h, depois de duas horas de ginástica, quem não faz ginástica pode começar a fazer, e eu faço porque eu quero chegar aos 120 anos de idade inteiraço, inteiraço.
Aí vou trabalhar das 9h às 21h, saio para almoçar 13h, volto às 14:40, porque já tenho a primeira audiência. E chego em casa às 21h. Confesso a vocês que eu não tenho disposição de ler, não tenho disposição de ver televisão, eu tenho disposição de tomar um banho, comer alguma coisa e dormir para acordar inteiro no dia seguinte, porque os problemas são muitos e eu quero resolvê-los. Quero resolvê-los para deixar cada um de vocês, cada pessoa nesse país que acha que eu tenho sorte. E eu fico pedindo a Deus que eu tenha muita sorte. Eu e o goleiro do Corinthians, porque se eu tiver azar e o goleiro do Corinthians, vai dar tudo errado nesse país.
Então, eu quero ter sorte para fazer a economia crescer. Eu quero ter sorte para gerar emprego. Eu quero ter sorte para baixar os juros. Eu quero ter sorte para controlar a inflação. Eu quero ter sorte para ter o menor desemprego dos últimos dez anos. Eu quero ter sorte para continuar investindo na educação. Eu quero ter sorte para criar as Escolas de Tempo Integral — e até o final do mandato serão 3,6 milhões alunos na escola. Eu quero ter sorte para que a gente cumpra o nosso acordo com os governadores e prefeitos, que, até 2030, a gente tem que ter no mínimo 80% das crianças alfabetizadas no segundo ano do ensino fundamental, porque quando a gente alfabetizar as pessoas no tempo certo, automaticamente as pessoas serão leitoras, as pessoas irão se interessar por cultura, as pessoas irão buscar aquilo que o Estado tem que oferecer. E hoje nós sabemos que tem 68 milhões de brasileiros que não têm sequer o ensino fundamental completo, porque esse país, a vida inteira jogou no atraso. A vida inteira.
O mundo inteiro teve universidade primeiro que nós, a nossa primeira foi em 1920, 420 anos depois da descoberta, enquanto o Peru teve a primeira, sabe, em 1554. Eu quero dizer para vocês que a elite econômica e política que dirigiu esse país não imaginava o povo estudando, não imaginava o povo virando doutor, não imaginava o povo lendo. A mentalidade até o século passado era ser contador de cana, trabalhar de pedreiro ajudante, ou de empregada doméstica. E nós achamos essas profissões todas extraordinárias. Mas o país que nós queremos não é um país exportador de soja e de minério de ferro, só. Tem que ser um país exportador de inteligência, de conhecimento, porque quando a gente tiver assim, a gente vai se transformar em uma economia efetivamente grande.
Eu digo todo dia, companheiros e companheiras, só tem uma razão de eu ter votado a ser presidente da República. Primeiro, porque eu queria fazer uma disputa, porque eu já sou, preste atenção, eu já sou, depois do Dom Pedro II, que governou 69 anos, e do Getúlio Vargas, que governou 15, depois mais 4, eu sou o que mais governei esse país. Portanto, eu quero que vocês saibam que eu voltei, porque eu quero provar mais uma vez, que nós vamos recuperar esse país, esse país vai voltar a ser um país dinâmico, vocês vão voltar a sorrir, o Corinthians vai voltar a ser campeão, e tudo vai ficar bem nesse país.
Um abraço e até outro dia, se Deus quiser, e boa sorte à Feira do Livro.