Pronunciamento do presidente Lula durante formatura do Instituto Rio Branco, em 16 de setembro de 2024
Vocês perceberam: eu tenho um discurso aqui por escrito, mas eu tenho um problema sério com discurso por escrito. É que todo mundo que vem falar antes de mim, fala parte do meu discurso que está escrito. E não se assuste se eu improvisar algumas palavras para vocês.
Queria primeiro cumprimentar meu companheiro ministro de Estado das Relações Exteriores, Mauro Vieira, os embaixadores aqui representados, o nosso Núncio Apostólico, o nosso embaixador de Cabo Verde, o nosso embaixador do Quênia, o nosso embaixador da Guiné-Bissau, o embaixador do Equador. Obrigado pela presença de vocês aqui na posse dos nossos formandos.
Meu companheiro Ricardo Lewandowski [ministro da Justiça e Segurança Pública], que veio aqui, eu deixei ele numa reunião com o Alckmin [Geraldo, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] e ele chegou para participar do evento. Meu caro general Marcos Antonio Amaro, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); deputado federal Antonio Brito; almirante de esquadra Renato de Aguiar Freire; embaixador Celso Amorim, assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência; embaixador querido amigo Bustani [José Maurício Bustani], embaixadora Mitzi Gurgel; oradora da turma Esperança Garcia secretária Ana Cecília, que fez uso da palavra. Se você continuar assim, você vai ser convidada para ser oradora em muitos eventos do Itamaraty.
Companheiros alunos, queridos e queridas alunas. A alegria, Ana Cecília, no teu discurso de que vocês visitaram, do Oiapoque ao Chuí, os estados brasileiros, eu acho que é uma inovação no Itamaraty que sempre deveria ter existido. Porque eu aprendi na política que a nossa cabeça pensa onde os nossos pés pisam.
E é importante então vocês como representantes do Brasil, e Deus queira que vocês viajem muito, que conheçam muitos países, e que façam uma grande representação do Brasil, qualquer que seja o lugar que vocês estejam, seja em Guiné-Bissau ou em Paris, seja em Cabo Verde ou em Nova Iorque, vocês não podem esquecer quem que vocês representam. Não podem esquecer que vocês serão representantes de um país que tem um povo megadiverso como disse a Cecília aqui.
Você não imagina o orgulho que eu tenho de saber que essa turma é a turma que tem mais mulheres e a turma que tem mais gente negra. É uma coisa extraordinária porque assim a gente vai colocando o Brasil em todas as suas representações, em todas as suas instituições. Esses dias eu fui na posse de um ministro num tribunal. Era uma supremacia branca que não tem nada a ver com a realidade brasileira. Não tem nada a ver. Eu dizia que eu não vi nenhum aluno do Prouni naquela posse.
Eu não vi nem um aluno do FIES, ou seja, parecia que era um outro mundo. Então, quando eu venho aqui e vejo que o Brasil está representado na questão de gênero, está representado na questão racial, eu fico com orgulho. Com orgulho porque o Itamaraty é um centro de excelência.
Pode ser que tenha presidente que não goste do Itamaraty. Eu já ouvi gente dizer que o Itamaraty é superado, que está superado. Na verdade, o Itamaraty vai fazer aquilo que é a política que o governo determina que seja feito. Quem tem que pensar politicamente é o governo e orientar o Itamaraty para executar as políticas determinadas pelo governo. E eu tive muita sorte porque nos meus mandatos o Itamaraty trabalhou muito. Trabalhou muito.
Eu digo para vocês que, nesse um ano e nove meses agora na minha volta, nós já conversamos com mais presidentes da República do que qualquer outro presidente da República na história desse país. Em apenas um ano e nove meses. Nós já participamos de duas reuniões do G7. Já fizemos uma do G20. Vamos ter a outra em novembro. Já visitamos o presidente americano. Já visitamos o presidente chinês. Já visitamos o presidente do Egito. Já visitamos os Emirados Árabes. Já visitamos a Arábia Saudita. Já visitamos o Catar. Já fomos a São Vicente e Granadina fazer a reunião da CELAC com 33 países.
Já fomos a Guiana fazer reunião com CARICOM com 15 países do CARICOM. Então nós já nos reunimos mais do que em qualquer outra coisa e tudo isso graças a uma orientação que o Itamaraty tem de que o Brasil precisa se fazer presente no mundo. O Brasil não é um país pequeno.
E o Brasil não pode ser grande apenas pela extensão territorial. O Brasil tem que ser grande porque nós, brasileiros, precisamos acreditar que nós teremos a importância no mundo que a gente queira ter. E vocês estão assumindo a responsabilidade de um cargo como funcionários do Estado brasileiro, na minha opinião, num momento muito excepcional.
Muito, muito extraordinário para o Brasil. O Brasil, possivelmente, não tenha tido na sua história nenhuma perspectiva, nenhuma chance de galgar espaços importantes no mundo como ele tem agora com a transição climática e com a transição energética. Nunca o mundo viu o Brasil com tanta importância, não é só por causa do agronegócio, não é só por causa do minério de ferro, não é só por causa da soja, não é só por causa da carne.
É porque o Brasil em se tratando de energia, o Brasil é um país imbatível. Basta que a gente seja grande, pense grande, acorde e transforme esse sonho em realidade. Por isso é que nós estamos fazendo com que essa coisa da transição energética seja para nós um novo momento do Brasil se desenvolver, do Brasil crescer, do Brasil se apresentar ao mundo de cabeça erguida, sem complexo de vira-lata, sem complexo de inferioridade.
Por isso é importante o Brasil não participar da guerra da Ucrânia e da Rússia. Por isso é que é importante o Brasil dizer que nós queremos paz, nós não queremos guerra. Aqueles que querem conversar conosco agora poderiam ter conversado conosco antes de começar a guerra. Por isso é que nós repudiamos o massacre contra mulheres e crianças na Palestina, da mesma forma que repudiamos o terrorismo do Hamas.
Mas o Brasil prima por uma coisa. Nós fazemos parte de um continente que gosta de paz e nós queremos paz. Nós não queremos guerra porque a guerra não traz benefício. A guerra só traz malefício. Ela não constrói, ela só destrói. Ela não ajuda, ela só deforma.
Ora, como é que você pode ficar pensando em guerra se depois você tem que reconstruir uma coisa que já estava construída? E o Bustani sabe que a primeira coisa que o presidente Bush (George W. Bush, presidente dos Estados Unidos) falou para mim em dezembro de 2002. Eu já tinha sido eleito presidente mas não tinha tomado posse e o Bush me chamou para me convencer da necessidade do Brasil participar da guerra do Iraque. Que se o Brasil participasse da guerra do Iraque, o Brasil iria participar da reconstrução do Iraque.
Eu disse para o Bush: presidente, primeiro, eu queria que o senhor soubesse que o Iraque não tem armas químicas. O embaixador que cuidava da agência é o embaixador brasileiro e ele disse várias vezes que o Iraque não tinha armas químicas. Então não há nenhuma razão para ter guerra porque não tem armas químicas.
Essa é a primeira razão. A segunda razão é que eu não vejo necessidade de fazer uma guerra para destruir e depois construir outra vez. Terceira razão, eu não conheço Saddam Hussein. O Iraque fica a 14 mil quilômetros de distância do Brasil. Ele nunca me fez nada. Por que eu tenho que fazer guerra contra o Iraque? Eu falei: presidente Bush, a minha guerra no Brasil é contra a fome.
Nós temos 54 milhões de brasileiros passando fome e essa é uma guerra que nós vamos vencer. Acabamos com a fome em 2014, mas voltei agora, 15 anos depois, com 33 milhões de pessoas passando fome outra vez. Já conseguimos tirar 24 milhões e meio e até o final de 2026 nenhum brasileiro, nenhum brasileiro, não importa a cor, não importa a religião, vai estar tomando café, almoçando e jantando todo dia e isso será motivo de orgulho aonde vocês tiverem.
Ter orgulho de defender esse país que muitas vezes não teve coragem de se defender e não teve autoestima. Eu acho que a função de vocês vai ser muito importante para o momento que o Brasil está vivendo. Muito importante. O Brasil nunca teve, em nenhum momento da sua história, a relação que o Brasil tem hoje. Nós não temos nada contra nenhum país.
Nada. Temos nada contra os Estados Unidos. Mas somos soberanos. Não temos nada contra a China, mas somos soberanos. E o Brasil quer estar com a China, o Brasil quer estar com a Índia, o Brasil quer estar com os Estados Unidos, o Brasil quer estar com a Venezuela, o Brasil quer estar com a Argentina. O Brasil quer estar com todo o mundo.
Agora, de forma soberana, de forma respeitável porque nós não aceitamos ser menores do que ninguém. Não somos de nariz empinado, não somos prepotentes, mas não somos menores nem inferiores a ninguém.
É esse orgulho que vocês têm que carregar dentro de vocês. É esse orgulho de brasileiros e brasileiras que estudaram, ocuparam um cargo importante na política brasileira, representam o Brasil e tem que ter motivo de orgulho.
Eu queria dizer uma coisa para vocês. A última conquista do Brasil na Copa do Mundo foi em 2002. Possivelmente, vocês eram muito jovens, porque já faz 22 anos isso, e o Brasil tinha uma seleção estupenda. Meninos jovens muito famosos e muito ricos. E o Felipão que era o técnico da seleção me dizia que era muito difícil conversar com eles, porque eram todos muito envaidecidos, todos muito famosos, era muita publicidade, era muita fotografia, era muita coisa e o Felipão começou a perceber que alguns já estavam muito tempo fora do Brasil, eles já não tinha mais aquela coisinha pelo Brasil, sabe.
Já estavam com a cabeça no outro mundo. Então o Felipão, não sei se vocês se lembram, permitiu que a repórter da Globo entrasse no vestiário para entrevistar jogadores. E na contrapartida, ele pedia documentário de indígena, documentário de gente na favela desse país para, na preleção dele, mostrar para os jogadores.
“São para esses aqui que vocês têm que ganhar a Copa do Mundo. Vocês representam não é as pessoas dos países que vocês jogam, vocês representam as pessoas do país que vocês saíram”. É com essa autoestima, é com esse orgulho que eu acho que vocês vão fazer bem a esse país.
Nunca se sentir inferior, nunca baixar a cabeça, nunca deixar de defender o Brasil, mesmo que o nosso adversário esteja fazendo crítica. É isso que vai fazer esse país ser grande, vai fazer esse país ser ativo, ser altivo, vai fazer esse país ser respeitado. Eu posso dizer para vocês que estão iniciando agora a carreira de vocês.
Eu, talvez, seja o presidente de maior experiência no Brasil. Só tem o Getúlio Vargas que foi mais do que eu, porque ele ganhou, ele governou 15 anos de forma autoritária, depois teve quatro anos democraticamente eleito e se matou. Eleito democraticamente, só eu tenho dez anos agora.
E quero dizer da minha experiência para vocês. Nunca, nunca antes na história deste país, esse país foi tão respeitado no exterior como ele é hoje. Porque nós temos uma diplomacia competente, nós temos uma diplomacia respeitada no mundo inteiro. E eu, possivelmente, por ser apenas um torneiro mecânico, não ter um diploma universitário, não falar nenhuma língua, vocês, quando estiverem comigo, vão ter que traduzir tudo que eu falar, eu faço questão de me impor como presidente desse país.
Esse país é muito importante no mundo, é muito importante. A gente pode ser uma potência mundial de verdade. A gente precisa parar de ser um país em vias de desenvolvimento, um país em vias de crescimento, um país em vias daquilo.
Chega! Eu nasci há 78 anos atrás, o Brasil já era isso, o Brasil em vias de desenvolvimento, o Brasil em vias de crescimento, o Brasil... Chega! Nós queremos acabar com isso. Nós somos um país pronto. Nós somos um país que temos o conhecimento tecnológico e científico. Nós somos um país que tem uma diplomacia preparada, temos uma base intelectual muito sólida.
Então, nós temos que nos fazer respeitar. E é com esse respeito que eu quero que vocês exerçam plenamente a nova função que vocês vão assumir de diplomatas brasileiros, em qualquer que seja o departamento que vocês estejam, independentemente de ser em qualquer país. Sintam-se muito, muito importantes.
Coloquem a autoestima de vocês no lugar mais alto que for possível colocar. E vocês têm que dizer sempre, todo dia: sou brasileiro, sou diplomata brasileiro e não desisto nunca. Vamos à luta que nós vamos vencer.
Um beijo no coração de cada um de vocês.
Boa sorte e que Deus abençoe vocês.