Pronunciamento do presidente Lula durante assinatura de convênio entre Sebrae e ApexBrasil
Eu tinha dito que eu não ia falar, mas apenas um lembrete para vocês. É importante que a gente faça uma reflexão do que está acontecendo no Brasil. O país é o mesmo, a classe política é quase que a mesma, a imprensa é a mesma, os bancos são os mesmos, os países que compram da gente são os mesmos.
Por que mudaram as coisas? Por que mudaram? É importante que a gente faça uma reflexão para a gente começar a aprender a fazer a diferença na política desse país. A gente não teria tido o sucesso que o Brasil teve se um dia alguém não pensasse em criar a Embrapa.
Eu não esqueço nunca que o Cerrado brasileiro era tido como terra ruim. Quando você via uma árvore pequena e torta, você ia dizer: “Essa terra não vale nada”. A tecnologia provou o contrário, que tem solução. E com o manejo da terra, o Cerrado se tornou uma coisa extremamente produtiva. Quando a gente ouvia falar do semiárido, a gente lembrava de fome, a gente lembrava de pobreza.
Os governantes da época, Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda], criavam uma coisa chamada frente de trabalho. A última frente de trabalho criada se pagava R$ 30 por mês para um trabalhador, com uma pá e com uma enxada, tirar a terra de um canto e jogar no outro, e se tivesse continuidade da seca, trazia a terra que ele tirou de um canto para o mesmo canto, sem que houvesse nenhum efeito.
Se tentava construir a transposição do Rio São Francisco, desde 1846, e a política não deixava fazer a transposição do Rio São Francisco. O Canal do Sertão em Alagoas, com 140 quilômetros, que é uma coisa hoje praticamente terminada, falta apenas um trecho. E outros canais que nós temos que fazer para permitir que a natureza, porque a seca não é responsável pela fome, ela é um fenômeno da natureza.
Portanto, a fome é falta de visão política de quem tem a responsabilidade de cuidar disso. Se tem o problema da seca, mas tem sol; se tem o problema da seca, mas tem água, você trate de levar água para aquele lugar que você resolve o problema. E é assim que a gente faz.
Eu fico muito triste porque eu imaginava que a Transnordestina fosse inaugurada em 2012. Nós agora assumimos um compromisso de financiamento de R$ 7 bilhões, não de dinheiro público, dinheiro privado, para que a gente possa entregar. Eu quero, meu companheiro pernambucano, eu quero, se Deus quiser, antes do Natal, fazer uma viagem de trem da Transnordestina, com você tomando cerveja e levando fruta, porque você nunca trouxe uma fruta aqui para cá. Você só fala, mas não traz uma manga para o Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] ficar mais alegre, para o Haddad, para mim.
Então, o que nós decidimos fazer é fazer as coisas acontecerem. Nenhum de vocês imaginava, e muito menos o chamado mercado financeiro imaginava, que a gente estivesse na situação que a gente está hoje. Vocês percebem que as coisas estão mudando. Porque há uma coisa muito engraçada, o dinheiro nesse país tem que girar. O dinheiro tem que circular. O dinheiro não pode ficar parado na mão de pouca gente.
Eu costumo fazer reuniões trimestrais com os bancos públicos brasileiros: com a Caixa, com o Banco do Brasil, com o BNDES, com o BNB e com o Basa. E a única coisa que eu quero saber é o seguinte: qual é a capacidade de investimento de vocês e para quem vocês estão investindo. Porque é muito mais fácil para um gerente de um banco atender um cara só que quer pedir um bilhão emprestado e ainda vai fumar um charuto se receber o empréstimo.
É muito mais fácil do que você receber mil pessoas de sandália Havaianas, com o pé cheio de craca, que quer pedir apenas 50 mil emprestado, 30 mil emprestado. Então, se o dinheiro não circular na micro, na pequena empresa… Você veja que se levou tanto tempo, tanto tempo nesse país se falando de pequena e média empresa, pequena e média empresa. Se não fôssemos nós, não tinha a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, não tinha o MEI.
Não tinha o Ministério da Pequena e Média Empresa que nós criamos. A Apex não existia. Porque tudo isso foi feito para criar condições de colocar os invisíveis a serem visíveis. E quando a gente consegue fazer com que os invisíveis sejam enxergados, a coisa melhora. Qual é o prazer que tem um de nós aqui qualquer em ter uma empregada doméstica e não se preocupa se ela está ganhando o suficiente para dar o leite que o filho precisa?
Se ela está ganhando o suficiente para comprar um chinelinho, um sapatinho, um caderno para o filho? O que adianta? Que mundo é esse que a gente vai criar se a gente passa em São Paulo e vê aquele monte de gente dormindo na rua ou a gente vê aquele monte de gente fumando crack todo dia, brigando com a polícia. Aquela gente está deixando de ser ser humano, eles estão deixando de ser cidadãos.
A eles não interessa ninguém. A polícia não tem mais interesse por eles. O Estado não tem mais interesse por eles e o mercado, muito menos. Então, são figuras que ficam abandonadas. E, na minha cabeça, eu tenho que transformá-los em consumidores. A palavra mágica é: você transformar as pessoas em pequenos consumidores. Eu, durante muito tempo, fui atacado: “porque o Lula só pensa em consumo. O Lula só pensa em consumo. O Lula só pensa em consumo”.
E eu só penso em consumo, porque não tem indústria se não tiver consumo. Ninguém vai investir numa indústria se não tiver mercado para ele vender o seu produto. Então, o milagre é a gente criar condições para que todas as pessoas tenham um pouco. É por isso que, muitas vezes, as pessoas se queixam do aumento do salário mínimo.
O mínimo é o mínimo. Se o país cresceu 3%, o que nós temos que fazer é que aquele crescimento econômico, ele também teve como responsabilidade o trabalho do cara que ganhou o mínimo. Então, é justo que ele receba o equivalente ao aumento dos 3% na criação da riqueza nacional.
Vocês sabem da minha obsessão pela educação. E eu digo para todo mundo, a minha obsessão pela educação é porque eu não tive educação. E eu, nas condições de presidente da República, eu tenho o compromisso de fazer com que todas as pessoas tenham oportunidade de estudar. Eu não quero tirar ninguém da escola. Não quero tirar ninguém. Não quero tirar nenhum branco da escola, não quero tirar nenhum rico da escola.
A única coisa que nós temos que fazer é dar oportunidade para que todas as pessoas, independentemente da cor, do sexo, da religião, do berço que nasceu, tenham a oportunidade. Veja o que nós descobrimos no ano passado. Nós descobrimos no ano passado que 480 mil meninos e meninas que estão fazendo o ensino médio desistiam da escola para ajudar no orçamento familiar.
Ora, como o pobre só é lembrado em época de eleição, ou quando o IBGE faz uma pesquisa, para que tratar disso? Mas o que veio na nossa cabeça? O que a gente não quiser investir em educação agora, para garantir que esses meninos e essas meninas estudem, a gente vai gastar amanhã no combate ao crime organizado, ao narcotráfico e na construção de cadeia e na contratação de mais policiais.
Então nós temos que fazer sempre um estudo, não quanto custa fazer, mas quanto não custa fazer. Porque esse é o desafio do Brasil: é a gente fazer as coisas que precisa, independentemente do custo. Acontece que você tem um lado de pessoas, um grupo de pessoas que tudo que você faz para o pobre é custo, é gasto, é desnecessário, é investimento.
Eu lembro que quando nós criamos o Bolsa Família, no começo do primeiro mandato, muita gente escrevia artigo: “Ah, mas o Brasil está precisando de estrada, o Brasil está precisando de ponte, por que o Lula não faz isso primeiro?”. Eu não fiz primeiro porque o povo não come cimento. O povo come feijão, come arroz, come farinha, come pão. E era preciso garantir que ele tivesse o direito.
Na hora que ele tem o direito e ele vira consumidor, ele passa a ser um cara comprador das coisas que você vende. Quando nós criamos o Luz para Todos, nós atendemos 17 milhões de pessoas nesse país. Dezessete milhões, e ainda faltam 500 mil pessoas. Vocês viram que eu fui agora no Amazonas, eu viajei para visitar comunidade de 19 pessoas.
Tinha deputado comigo que se queixava: “Lula, mas só tem 19 pessoas”. Eu falei: “Eu não vou fazer comício, eu quero é conversar com as pessoas, eu quero saber como é que eles vivem”. Como é que na nossa cabeça imagina o Rio Amazonas vazio, o cara não ter água para beber. O cara não poder transitar com o seu barquinho, com o motorzinho, uma voadeira, porque a água que tinha 20 metros de altura tem apenas meio metro.
Como é que esse cara vive? E qual era a minha alegria? Você chegava lá, tinha os pobres recebendo Bolsa Família e tinha o Luz para Todos para as pessoas. E mais importante é o seguinte: eu aprendi uma coisa, eles vivem de produção de mandioca, de fazer farinha. Eles não plantam milho, não plantam arroz, não plantam feijão, não plantam nada, porque a eles não foi educado plantar isso.
E hoje, Haddad, eles plantam mandioca e, como os igarapés estão vazios, eles não conseguem levar a mandioca para a casa de farinha. Então eu queria ver como é que eles vivem, como é que as crianças vivem, como é que as mulheres vivem. Eu cheguei em comunidade que o último médico que tinha ido lá foi em fevereiro. Nós estamos em setembro.
Então, eu me pergunto: quem é que vai cuidar desses invisíveis se não for o Estado? E eu lembro do programa Luz para Todos, porque as pessoas diziam: “O Lula só quer ajudar os pobres, só quer ajudar os pobres”. Qual era o milagre do Luz para Todos? É que quando o cidadão recebia energia na casa dele, ele ia comprar um televisor, ele ia comprar uma geladeira, ele ia comprar um liquidificador, ele ia comprar uma bomba para puxar água, ele ia comprar uma máquina para fazer farinha.
Ou seja, quem ganhava com o dinheiro do Luz para Todos era o pessoal do comércio das grandes capitais que vendiam os produtos que ele precisava. Eu conheci gente que andava 12 quilômetros para ver um jogo do Brasil, no tempo em que o Brasil estava bom. Hoje acho que ele não andava seis metros para ver o jogo do Brasil, porque tem dia que a gente não tem nem vontade de ligar a televisão.
Então, companheiros, eu quero agradecer à Apex, quero agradecer ao Sebrae, quero agradecer a vocês por acreditarem que é possível a gente fazer desse país uma grande economia. É plenamente possível a gente fazer.
O Pé-de-Meia, nós colocamos, praticamente, é uma ajuda para o cara não parar de estudar, são R$ 200 por mês. E no final do ano, se ele comparecer 80% e passar de ano, mais R$ 1 mil. No segundo, terceiro ano é a mesma coisa. Se ele não gastar nada, ele vai ter R$ 9 mil.
Mas o que nós esperamos é que ele gaste os R$ 200. Os R$ 200 mensais ele tem que gastar. Então eu acho que... Só São Paulo, que vocês acham que São Paulo é um estado muito rico e não tem problema. Só em São Paulo o Pé-de-Meia tem 580 mil estudantes. Só São Paulo, que é o estado mais rico da Federação. Só na capital tem 320 mil, que é a capital também mais rica do Brasil.
Ou seja, numa demonstração de que nós precisamos criar condições para essas pessoas crescerem junto com a economia, crescerem junto com o desenvolvimento. E aí vocês vão ter empregado de melhor qualidade, vocês vão pagar um salário um pouco melhor, vai ter gente de qualidade. Mas o milagre é que ele vai virar consumidor de vocês. Quando vocês verem o cara entrar para trabalhar, vocês vão ficar felizes e dizer: “Esse cara não é só trabalhador, eu não tenho que tratá-lo como meu subordinado. Porque quando ele sair daqui, ele vai numa loja comprar o que eu produzo, então ele é meu consumidor”.
O consumidor não tem que ser bem tratado, bem respeitado? Não é para eles que nós vivemos? Então é simples, é só a gente querer. E eu queria dizer para vocês que eu pensei que vocês iriam assinar convênio aqui, mas não tem convênio para assinar, já foram assinados.
Isso aqui é apenas um ato formal para a imprensa acompanhar e saber o que está acontecendo na economia brasileira e dizer para vocês uma coisa. Já falou o meu ministro da Fazenda, e toda vez que o Haddad vai falar, eu falo: “Haddad, você tem que passar entusiasmo”. Até o Alckmin passou entusiasmo hoje. Até o Alckmin.
Toda vez que a gente falar… O Jorge [Viana, presidente da ApexBrasil], chamei ele na minha sala: “Ô cara, você vai falar, você tem que falar acreditando no que você está falando”. Se falar com os olhinhos para baixo assim, é porque não está acreditando. Então, você tem que olhar na cara das pessoas e falar com convicção, porque você está acreditando que aquilo vai acontecer. Se você acredita, você passa para as pessoas a certeza de que vai acontecer.
Então, eu quero terminar dizendo para vocês, apesar de Pernambuco não ter nenhum time na Série A, apesar do meu Corinthians estar mais próximo da Série B do que da Série A. Eu quero dizer para vocês: podem ficar certo, podem ficar certo de uma coisa, quando terminar o nosso mandato, esse país vai estar melhor do ponto de vista empresarial, vai estar melhor do ponto de vista econômico e vai estar muito melhor do ponto de vista educacional, vai estar melhor do ponto de vista social.
É esse país que nós queremos que vocês nos ajudem a construir, porque o governo sozinho não dá conta disso.
Obrigado por vocês.