Discurso lido pelo presidente Lula na abertura da Bienal Internacional do Livro de São Paulo
Meus amigos e minhas amigas,
O nosso querido e inesquecível Ziraldo gostava de contar a seguinte história:
Um belo dia ele viu a filha lendo um livro em voz alta para o seu bebê.
Ziraldo disse à filha que aquilo não fazia sentido, que o bebê era pequeno demais para entender o que a mãe lia para ele.
A filha explicou que o bebê estava aconchegado em seu colo. Estava, portanto, feliz.
E ela queria que o filho crescesse associando o momento de felicidade ao objeto chamado livro que a mãe tinha nas mãos.
Para mim, que vivi uma infância sem livros, isso faz todo sentido.
Toda criança tem o direito de ser feliz. Tem direito a uma família carinhosa, moradia digna, boa alimentação, ensino pública de qualidade.
Toda criança também tem direito à leitura, e o direito de se tornar um jovem e um adulto leitor.
Por isso, cada uma das 6 mil bibliotecas públicas e comunitárias do Brasil vai receber um acervo inicial de 800 exemplares de obras literárias.
E a partir de agora os novos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida ganharão bibliotecas com 500 livros à disposição das famílias.
São, neste primeiro momento, mais de 5 milhões e 500 mil exemplares espalhados pelo Brasil.
Eu estava falando sério quando disse, durante a campanha, que queria um Brasil com mais livros e menos armas.
Meus amigos e minhas amigas,
É com imensa alegria que volto a esta Bienal, 20 anos depois da primeira visita.
É uma alegria muito especial saber que essa edição homenageia a Colômbia.
Estive há cinco meses na Feira Internacional do Livro de Bogotá, na qual o Brasil foi homenageado.
A Colômbia nos encanta pela riqueza de sua cultura e a literatura de autores extraordinários, a exemplo de Gabriel Garcia Márquez, de quem tive o prazer de ler “Cem Anos de Solidão” e “O amor nos tempos do cólera”.
Talvez nem o realismo mágico de Garcia Márquez fosse capaz de projetar o que aconteceria no intervalo de 20 anos.
Depois de um ciclo virtuoso de avanços dos nossos governos, o Brasil enfrentou o obscurantismo de um governo que, entre outros retrocessos, desprezou o potencial simbólico e econômico da cultura.
Felizmente, estamos de volta, para fazer o Brasil dar certo.
Estamos de volta para fazer a economia crescer para todos, gerar emprego e renda, reconstruir políticas de inclusão social, tratar a Educação como investimento em vez de gasto.
Meus amigos e minhas amigas,
Estamos de volta para reafirmar que a literatura, assim como o cinema, a música, o teatro, o circo, a dança, as artes plásticas alimentam a alma de um povo.
Um dos nossos objetivos é fazer do Brasil um país de leitores.
Os livros são fundamentais para a nossa formação e compreensão do mundo.
A literatura é um direito humano, como bem definiu o grande brasileiro Antônio Candido, em seu ensaio "Direito à Literatura".
Para ele, uma sociedade ideal deve assegurar não só os meios materiais de vida, mas também a possibilidade de acesso a todos os níveis de literatura.
Antônio Candido escreveu: "A literatura desenvolve em nós a cota da humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante."
Vivemos tempos de ódio e de fake news. Poucas vezes na história, o Brasil precisou tanto do bálsamo da literatura.
Minhas amigas e meus amigos,
Ler é também um ato político. É um grito de liberdade contra todas as formas de arbítrio.
Nos 580 dias em que estive injustamente preso em Curitiba, tornei-me um leitor compulsivo.
Lia de manhã, de tarde e de noite.
Perdi a conta do quanto eu li, entre livros de sociologia, ciências políticas, biografias, e sobretudo literatura.
Os livros foram meus companheiros na luta contra a solidão.
Lendo, eu entrava e participava da história. Eu me identificava com os personagens, principalmente a Luísa Mahim do extraordinário “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves.
Lendo, eu viajava para lugares distantes no tempo e no espaço.
Nos 580 dias em que estive injustamente preso, eu compreendi que ler é ser livre.
Um abraço e uma boa Bienal.