Pronunciamento do presidente Lula durante visita ao Centro de Operações Espaciais Principal da Telebras, em 27 de agosto de 2024
O que é muito significativo é o interesse do nosso governo em recuperar essa empresa. Nós vivemos momentos no Brasil de muitos sonhos, de muitas esperanças. Depois, nós vivemos momentos de muita incerteza, em que tudo que era bom tinha que ser privatizado. Tudo que era bom tinha que vir do estrangeiro. Ou, tudo que era bom era o Brasil se abrir para o mundo depois do consenso de Washington em 1980.
Eu fico sempre lembrando quantas vezes tentaram privatizar a Petrobras. Ao invés de a gente tratar a Petrobras como uma empresa, o orgulho desse país, uma das coisas mais extraordinárias que foi feita, já em 1953, pelo presidente Getúlio Vargas. Desde lá, sempre aparece alguém achando que tem que privatizá-la. E, quando há dificuldade de privatizá-la, eles começam a vender ativos separados e vão tentando desmontar o corpo. Eu vendo um braço, eu vendo uma perna, eu vendo uma orelha, eu vendo os dentes, ou seja, quando você volta, você percebe que a empresa está totalmente desmontada e não cumprindo mais aquele seu papel.
Foi assim que foi feito com a Eletrobras. Agora, mais recentemente, nós vimos a privatização da Sabesp. O Rui [Rui Costa, ministro da Casa Civil] foi governador oito anos de estado, nunca apareceu empresário brasileiro ou estrangeiro a se comprometer e propor para você: “ô Rui, eu quero fazer saneamento básico nas palafitas de Salvador.” Nunca.
Eles só querem fazer onde já tem uma estrutura feita pelo governo que está dando certo e que está dando lucro. Porque é até certo isso, a gente não pode nem condenar, porque o empresário não por que investir para ter prejuízo. O empresário não tem que investir para fazer política social, para fazer política de inclusão social.
[Inaudível]
Preciso estatizar esse microfone aqui. Vou criar o microfonebras.
Mas o dado concreto, companheiros, é que nós tivemos sonhos com essas empresas em 2010. Da mesma forma que os Correios está para ser privatizado, Fabiano, desde 1985, quando Antônio Carlos Magalhães era ministro da Comunicação nesse país.
Eu acho que não tem nenhuma categoria que já fez mais passeata e manifestação contra a privatização do que os companheiros dos Correios. No caso dos Correios, no caso da Telebras, nós chegamos ao cúmulo da ignorância de que essas duas empresas estavam praticamente proibidas de vender serviço ao Estado. Elas não poderiam vender serviço ao Estado, mesmo que oferecesse preço mais barato.
Ou seja, é ignorância elevada à sétima potência. Um Estado que não se respeita. Um governo que não tem visão de Estado. Pessoas que não pensam no Brasil. Porque têm coisas que têm que ser, inexoravelmente, do Estado. É assim na Alemanha, é assim na França, é assim nos Estados Unidos.
Muita gente foi levada nesse país pela famosa teoria de que tem que abrir um mercado para todo mundo, que o importante é o livre acesso ao comércio e tal. Livre acesso ao comércio quando é para eles venderem os produtos deles aqui dentro. Quando é para a gente vender lá fora, a gente sabe a dificuldade que é, a gente vender as coisas que nós produzimos aqui.
Então, o que falta nesse país são as autoridades desse país e o governo terem um mínimo de brio. Ter um mínimo de orgulho de ser brasileiro e pensar um pouco nesse país. Pensar um pouco naquilo que o Estado pode oferecer para o bem-estar da sociedade. Para a soberania da sociedade.
E uma empresa como essa aqui é um garante de que a gente pode discutir inteligência artificial sem precisar ficar subordinado a apenas duas ou três nações que já estão na frente. Se é verdade que a inteligência artificial nada mais é do que a quantidade de coleção de dados que as pessoas fazem...
Esses dias, eu tive uma reunião com um empresário que me dizia: “ô Lula, você precisa tomar cuidado porque a gente vai ter uma coisa chamada escravidão digital. Se prepare, porque a gente vai viver um momento em que a sociedade será escravizada, porque duas ou três empresas terão todas as informações do mundo e elas é que vão ditar regras para nós.”
E é verdade. E é verdade. Então, como é que um país, que consegue ter uma empresa dessa qualidade, resolve privatizá-la? Doar para quem? Quem é que iria ficar com as informações que o Estado tem que ter? E somente o Estado tem que ter. Porque são informações do povo brasileiro, desde a saúde até a educação.
Então, quando nós resolvemos tirar essa empresa do rol das empresas de privatização, é preciso vocês saberem que nós assumimos um compromisso. É um compromisso de fazer, daqui a dois anos, ela ser melhor do que ela é hoje. Está prestando mais serviço do que está prestando hoje. E garantir coisas para o futuro, para que a sociedade brasileira volte a sonhar de que coisas do Brasil podem prestar serviços de qualidade. É isso que a gente tem que fazer.
Eu estava lembrando, Damasceno [Marcelo Damasceno, comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do Ar], da frustração que eu tive com aquela tal de turbina a etanol que eu fui visitar o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] em 2010. Eu lembro que eu saí daquele encontro, chamei o ministro de Minas e Energia e falei: ministro, é importante você se colocar em parceria com o ministro da Defesa porque, para uma empresa produzir turbina, é preciso que o Estado compre as primeiras turbinas. É preciso que a gente tenha uma capacidade de produção de escala com o argumento de que nós precisamos dar o pontapé inicial e utilizar as turbinas. Elas funcionarem para levar energia elétrica onde não tem energia elétrica. Ou mesmo para as plataformas da Petrobras, que compra turbinas lá fora, turbinas que produzem energia, até para cobrir a necessidade de uma cidade de 300 mil habitantes.
E você não sabe, Damasceno, a frustração que eu tive quando eu voltei lá, este ano, e vi que não tinha acontecido nada nas turbinas. Ou seja, são 15 anos de paralisia. A Luciana [Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação] sabe. Ontem, eu falei para ela que eu assumi um compromisso lá na Aeronáutica, lá em São José dos Campos, que a Finep tem que colocar 30 milhões para a gente terminar aquele projeto.
Colocar 30 milhões para a gente terminar o projeto. Depois que terminar o projeto não deu certo, paciência. Mas pesquisa é assim. A gente não faz pesquisa para encontrar as coisas prontas. A gente faz pesquisa para saber se é possível encontrar. Então, nós vamos terminar aquela turbina.
E nós precisamos aqui, companheira Esther [Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos], você que é a ministra, sabe, que cuida das coisas do Estado, da gestão pública, eu queria te dizer que é o seguinte: é preciso, é preciso, de verdade, que a gente possa fazer da Telebras, justiça da decisão que nós tomamos.
Ou seja, ela não pode continuar sendo a empresa que é. Ela tem que ser melhor. Se ela pode tudo que o Juscelino [Juscelino Filho, ministro das Comunicações] falou, se ela pode tudo que o presidente dela falou, se ela pode tudo que o Jorge Bittar [ex-presidente da Telebras] me fala, porque o Jorge Bittar discute comigo Telebras, antes de vocês nascerem.
Ou seja, então, se nós temos uma empresa com potencial desse, gente, o que nós precisamos é explorar esse potencial. E se a gente pode ser o primeiro no mundo, vamos ser o primeiro. Mas se não for do mundo, que sejamos o primeiro e o mais qualificado aqui no Brasil. É por isso que nós viemos aqui.
De vez em quando, a imprensa pergunta: “por que o presidente Lula foi na Telebras?” Eu vim na Telebras porque eu quero dar um exemplo do Brasil. A gente vai fazer com que essa empresa seja uma empresa brasileira a serviço do brasileiro, a serviço da nossa soberania, a serviço do nosso conhecimento tecnológico, a serviço da nossa inteligência artificial, a serviço da nossa concentração do nosso banco de dados e a serviço de prestar serviço ao povo brasileiro que está precisando ter o melhor.
A minha presença aqui é para reforçar essa ideia. E ainda trouxe o meu capitão-mor aqui, o Rui Costa, sabe? Porque é para não ter dúvida do que nós viemos fazer aqui. Quando você pensar, tem que falar, “o Lula esqueceu?” Não. O Lula não esqueceu, mas o Rui Costa não esqueceu.
Eu acho que era importante a gente colocar uma pedra no passado. E... Porque deveria ter ficado para trás o tempo em que se acreditava que as estatais não funcionavam e que a solução seria abandonar todo o patrimônio construído ao longo de décadas pelo povo brasileiro. Nós não só refutamos essa ideia, como podemos mostrar aqui o quanto compensa investir em nossas empresas.
Não escolhemos um caminho mais fácil, que seria abandoná-las ou deixar com que elas fossem vendidas a custo de banana. Porque tem um tipo de governante... É como se você fosse casar. Quando você casa, você se compromete, você assume compromisso com a sua parceira. Você vai cuidar da sua parceira com muito carinho, você vai ter família, você vai cuidar da sua família.
E tem gente que não quer. Tem gente que não quer fazer essa responsabilidade, só quer casar.
Governar, quando você governa, é para você enfrentar e resolver os problemas do país a partir dos problemas do povo. Porque senão você ganha as eleições e fala: “ah, vamos vender o Banco do Brasil. Vamos vender a Caixa Econômica Federal. Vamos vender o BNDES. Vamos vender a Petrobras. Vamos vender a Eletrobras. Vamos vender a Telebras. Vamos vender.”
E para que serve o Estado? Para que serve o governo? E com a maior desfaçatez, as pessoas vão na televisão e dizem: “não, porque isso é modernidade, porque isso é século 21, porque fazendo assim está tudo maravilhosamente bem.” E quando eu falo isso, eu não falo isso contra a iniciativa privada, não. Eu acho que nós temos que trabalhar junto com a iniciativa privada.
Nós temos que tirar proveito do potencial que eles têm e oferecer para eles também as coisas que a gente tem. Mas trabalhar em parceria, eu não preciso desmontar o Estado. Eu não preciso desmontar o Estado.
Esses dias, Rui Costa, eu vi uma coisa interessante. A Vale sempre foi uma empresa orgulho do nosso país. Eu sempre tive a Vale, desde muito tempo atrás, como uma empresa orgulho do país. Era uma empresa grande, que desvendava esse país, cavava buracos para tudo quanto era lado, em vez de chaminés de ferro. Mas aí, a Vale, que tinha uma diretoria... Eu sabia quem era o presidente da Vale. A gente sabia quem era.
Hoje, nessa discussão que a gente está de fazer um acordo para receber o dinheiro de Mariana [por causa do rompimento da barragem], o dinheiro que a gente está para receber, o dinheiro que prometeram para o povo, você não tem dono. Uma tal de corporate, ou seja, que não tem dono. É um monte de gente com 2%, um monte de gente com 3%, um monte de gente...
É que nem cachorro de muito dono: morre de fome ou morre de sede, porque todo mundo pensa que colocou água, todo mundo pensa que deu comida e ninguém colocou. Então, é importante que essas empresas tenham um nome, tenham cara, tenham identidade, porque assim o povo tem de quem cobrar.
Eu quero que a Telebras possa virar motivo de orgulho para esse país, em se tratando de informação, de comunicação. A gente tem condição de fazer isso. Portanto, Juscelino, você, como ministro, sabe o que você tem que fazer. Os companheiros Rui Costa, Esther e Luciana sabem o que têm que fazer.
Nós vamos destravar essa empresa porque ela tem R$ 1 bilhão em caixa, e precisamos utilizar esse dinheiro para melhorar e aperfeiçoar o funcionamento dessa empresa. Também não adianta ter uma empresa com dinheiro em caixa sem poder gastar o dinheiro. E também não adianta ter uma empresa pública se o Estado não pode contratar o serviço dela.
Então, nós vamos tentar fazer esse país voltar à normalidade. Fazer o óbvio. E o que é fazer o óbvio? É fazer esse país acontecer.
Nós estamos precisando de nos dar uma grande chance. É por isso que eu vim aqui, para dizer a você, Juscelino, para dizer ao Damasceno, para dizer aos companheiros que trabalham na Telebras: a Telebras voltou, da mesma forma que eu voltei e da mesma forma que o Brasil voltou. E ela veio para ficar.
Um abraço, gente. Obrigado.