Pronunciamento do presidente Lula durante inauguração do Centro de Oncologia do Grupo Hospitalar Conceição
Vocês vejam o que é experiência: eu já estava aqui em pé antes de me anunciar, porque eu já sabia que era a minha vez. Porque, depois do governador, normalmente sou eu que falo.
Olha, eu quero primeiro dizer para vocês da alegria profunda de retornar ao Rio Grande do Sul e retornar a esse complexo de saúde, exemplo do nosso país. Quero dizer para vocês que é muito importante cumprimentar o governador Eduardo Leite, cumprimentar os ex-governadores, companheiros Tarso Genro e Olívio Dutra.
Cumprimentar meus ministros e ministras, Nísia Trindade [Saúde], Rui Costa [Casa Civil], Renan Filho [Transportes], Jader Filho [Cidades], Laércio Portela [Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República], e cumprimentar o companheiro Paulo Pimenta [Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul], que está aqui num trabalho muito especial para ajudar a recuperar o Rio Grande do Sul.
Quero cumprimentar o nosso doutor Gilberto Barichello, porque o Barichello não tem nada a ver com o Barichello da corrida, porque aquele era devagar, mas você é muito rápido. Você é muito rápido. Deus me livre. Se você fosse piloto, a gente ganhava muitos títulos mundiais com você. Quero cumprimentar a nossa querida Júlia Degues, a nossa querida enfermeira, por quem cumprimento a todos vocês, companheiros e companheiras que estão nesse evento.
Queria começar dizendo para vocês que eu fui informado que aproximadamente 3 mil pessoas que trabalham aqui tiveram problemas com o desastre climático que aconteceu nesse estado. E eu quero que vocês saibam que todos aqueles que tiveram prejuízo, esses prejuízos serão reparados e nós queremos participar da reconstrução desse estado com muito carinho, com muito amor e com muito respeito ao povo do Rio Grande do Sul. Podem ter certeza disso.
Quero dizer para vocês que eu estou numa agenda que não é apenas essa daqui. Ao terminar esse ato, nós vamos fazer alguma atividade. Eu já inaugurei as unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida no empreendimento Morada da Fé em Porto Alegre. Já falamos da compra assistida das casas das pessoas por enchente, não apenas as casas que a gente vai fazer, mas nós colocamos os nossos bancos, o nosso ministério para procurar casas à venda de empresas, de particulares e a gente, se estiver pronto, vai comprar essas casas para dar para o povo morar.
E depois dessa inauguração, estar aqui nesse Centro de Oncologia e Hematologia é muito importante. Eu quero que vocês saibam que eu tenho noção da importância disso, porque eu tive câncer, eu fiz quimioterapia, eu fiz radioterapia e eu sei a importância dessa máquina que vocês compraram para ajudar a salvar a vida nesse estado. Ao sair daqui, eu ainda não vou para casa. nós vamos entregar no Complexo Viário de Scharlau, na BR-116, no entroncamento com a RS-240 no bairro Scharlau, em São Leopoldo, e entrega de 24 quilômetros de duplicação da BR-232.
Bem, companheiros e companheiras, é por isso que está aqui o ministro Renan, que é do Transporte. Vocês podem pensar: “o que vem fazer o ministro do Transporte aqui se ele não é motorista de ambulância?” É porque nós vamos anunciar obras, porque nós não queremos deixar nenhuma estrada federal com nenhum problema nesse estado, porque a gente quer que o Rio Grande do Sul volte a crescer, volte a produzir, volte a transportar suas cargas e sua gente com muita segurança.
Eu deveria fazer aqui como fez o Pimenta. Depois do discurso do governador, depois do discurso do Barichello. Eu até pensei que o Barichello era candidato a presidente, porque estava... Depois do discurso da nossa enfermeira, eu só teria que copiar o Pimenta, chegar aqui e falar: “obrigado, tudo bem”. Mas eu só queria dizer para vocês uma coisa. Eu não vou nem falar do Centro, porque eu não posso falar mais do que a minha ministra, eu não posso falar mais do que o Barichello e mais do que a enfermeira que são daqui.
Eu queria dizer para vocês que não foi fácil para mim escolher a Nísia como ministra da Saúde. Eu e a Dilma [Rousseff], nós tínhamos seis outros ministros que foram ministros nossos, companheiros extraordinários que começou com o Humberto Costa em 2003 e terminou com o Chioro, no mandato da Dilma. E eu tinha então seis homens que eram ex-ministros, todos pessoas fabulosas e extraordinárias que eu tinha, sabe, pensado em escolher para ser ministro.
Mas, de repente, eu fiquei pensando: por que não uma mulher? E depois eu fiquei pensando: por que não uma pessoa que não seja médica? Uma pessoa que é cientista política, mas uma pessoa que foi presidente da maior instituição de pesquisa que é a Fiocruz: a companheira Nísia.
E o que me levou a chamar a Nísia para o ministério é que, colhendo informações, eu descobri que você era muito respeitada no meio dos governadores do Brasil. Você era muito respeitada no meio das Assembleias Legislativas do Brasil e você era muito querida no meio dos deputados e senadores. Eu falei: se eu tenho uma pessoa dessa qualidade, ligada ao setor de saúde que não é médica, é essa pessoa que eu vou trazer para ser ministra, e estou gratificado pelo trabalho que você está fazendo nesse país.
Companheiros e companheiras, eu fiquei feliz com o teu discurso, Barichello, porque não é que você precisa de agradecimento, é porque você precisa, de vez em quando, não esquecer quem é que fez o quê em cada lugar desse país.
Eu, quando eu falo muito de política de saúde e tenho brigado com a Nísia... Brigado não, discutido, porque o presidente não briga, o presidente conversa de forma educada. Um dia, numa reunião, um dia, numa reunião ministerial, eu pedi pra Nísia ser mais dura. Ela falou: “eu não posso ser dura, presidente. Eu sou muito calma, eu não posso levantar a voz pra falar.”
E, hoje, eu vi ela fazendo um discurso aqui, eu também pensei: será que ela quer ser candidata à presidenta da República? Porque ela está bem afiada. Mas eu... O problema da saúde é que eu conheço a saúde, sabe? Quando eu não era deputado, que eu era apenas um trabalhador metalúrgico, eu perdi uma mulher, Nísia, no Hospital Modelo em São Paulo.
Eu estava dizendo para o governador. Eu levantei um domingo de manhã, eu fui buscar minha mulher no hospital que tinha dado à luz. E, naquele tempo, a gente não sabia se era homem ou mulher. Então, eu levei uma roupinha cor-de-rosa e levei uma roupinha azul, como era de praxe, sabe, levar.
E, quando eu cheguei no Hospital Modelo, 8 horas da manhã, eu senti uma inquietação. A enfermeira passava por mim e não falava nada, e eu querendo saber da minha mulher. Daqui a pouco veio uma chefona lá e falou para mim. Eu pensando que eu ia poder entrar no quarto e entregar a roupa, ela veio... Ela veio me dizer que tinha morrido a mulher e a criança.
A primeira certeza que eu tinha que neste país as pessoas não são tratadas em igualdade de condições. Eu tinha certeza que ela tinha morrido por descaso. Eu tinha certeza que ela não tinha tido um tratamento, porque normalmente as pessoas não tratam bem as pessoas, dependendo do jeito da pessoa.
Eu, quando perdi esse dedo aqui, eu perdi duas horas da manhã. Eu fui no hospital. O médico poderia ter sido mais delicado comigo e deixado um cotózinho para eu coçar o ouvido. Ou seja, ele preferiu meter a faca com a tesoura e cortou tudo. Eu fiquei sem meu dedinho.
Vocês pensam que foi fácil pra mim? Eu tive dificuldade de lavar o rosto porque eu colocava a mão e a água caía. Até que eu aprendi a cruzar a mão assim e voltei a lavar o meu rosto direito. E quando eu venho aqui no hospital, sabe, público, que tem a excelência que vocês têm, que tem a respeitabilidade que vocês têm, eu fico muito feliz, porque está provado: é preciso acabar com essa bobagem de que o Estado tem que ser mínimo, de que o Estado não pode fazer as coisas, de que o Estado…
Eu sofri com o SUS durante muitos anos, porque fui deputado constituinte junto com Olívio Dutra. Depois fui deputado com o Tarso que assumiu no lugar do Olívio Dutra, que foi candidato a prefeito aqui e nós aprovamos o SUS. Depois que a gente aprovou o SUS, eu nunca vi alguém apanhar tanto. Parecia uma criança, sabe, apanhando, apanhando. Os pais nervosos, a iniciativa privada criticava o SUS, a imprensa criticava o SUS. O SUS podia atender mil pessoas e salvar mil vidas, mas se uma morresse, o SUS era criticado, o atendimento não prestava, não sei das contas, tal.
Vinte anos, vinte anos, até que veio a pandemia. E na pandemia, se não fosse o SUS, a gente teria tido uma desgraça muito maior. A pandemia permitiu ao SUS o direito de se recuperar. Graças aos médicos do SUS, às enfermeiras e aos enfermeiros do SUS, aos funcionários técnicos do SUS, que muitos perderam a vida dedicando 24 horas do seu dia para salvar a vida de pessoas no momento em que esse país tinha um presidente irresponsável, que é um dos responsáveis pela morte de parte da metade das pessoas que morreram.
Porque um presidente da República, ele não tem que ser médico para saber de saúde. Ele não tem que ser economista para saber de economia. Ele só tem que saber montar um time. Se ele tivesse criado um escritório de emergência, um conselho, e se tivesse colocado o pessoal que entende de saúde para discutir como fazer. Se ele não se metesse a receitar cloroquina, mas receitar a vacina, a gente teria salvado pelo menos metade das pessoas que morreram nesse país sem necessidade de morrer.
Eu fico, Barichello, emocionado quando eu venho aqui e vejo que é possível. O Estado não tem que ser mínimo. O Estado não tem que ser máximo. O Estado tem que ser Estado. Ele tem que dar igualdade de tratamento a todos os seus filhos. Não tem sentido uma pessoa pobre do SUS entrar pelo porão, e uma pessoa rica entrar pelo elevador. Não tem sentido.
Em se tratando de saúde, a gente também não pode utilizar a palavra gasto. Saúde é investimento em salvar vidas nesse país.
Por isso, eu tenho muito orgulho e eu tenho insistido com a companheira Nísia: “cadê os meus companheiros especialistas?” Por que, gente? Porque o grande problema da saúde, hoje, é que a gente vai numa UPA, a gente vai numa UBS, você tem o primeiro atendimento. E quando você tem o primeiro atendimento, o primeiro atendimento fala para você: “olha, você precisa procurar um oncologista, você precisa procurar um oftalmologista, você precisa procurar um médico otorrino, você precisa procurar um ortopedista, você precisa procurar...” Aí você não tem.
Aí você demora nove meses, dez meses, doze meses. É uma coisa muito desumana porque a doença não espera, ela não para de funcionar porque é um relógio que vai seguindo e, muitas vezes, a pessoa morre antes de ter acesso. Antes, as pessoas morriam, recebiam receita, governador. Muita gente recebia uma receita, recebia uma receita e levava para casa. Não tinha dinheiro para comprar remédio e as pessoas morriam com uma receita em cima da cabeceira da cama.
Porque ninguém vai ao médico para pegar receita. A gente vai no médico para ser curado, para ser tratado e sair de lá com o remédio. É por isso que eu quero parabenizar o nosso SUS pela distribuição de remédio e quero agradecer ao Farmácia Popular que defende remédio para o povo. Eles quase acabaram com isso, mas não conseguiram acabar porque o programa é muito forte.
E, agora, o Mais Especialistas... eu tenho falado pra Nísia: Nísia, quando a gente fizer com que as pessoas tenham acesso a especialistas, você vai ver como o povo vai ser grato ao que a gente faz na saúde. Porque muitas pessoas, muitas pessoas, morrem sem ter oportunidade de um tratamento.
E quando eu vejo um centro de radioterapia como o que eu vi hoje, eu tenho certeza que vocês vão salvar muitas vidas, porque eu fiz 33 aplicações de radioterapia. Eu aprendi, dizer uma coisa pra você, aprendi com os meus dois oncologistas que diziam pra mim: “Oh, presidente, você vai descobrir uma coisa: tem duas partes no corpo em que a radioterapia mais afeta a pessoa. Porque são partes que se manifestam sem a gente perceber quando a gente está com saúde.”
Eu falei: quais são as partes? Primeiro, a garganta e segundo, o reto. Porque você mexe, os músculos mexem, quando você não tem nada, você não sente. Mas quando você faz radioterapia, meu querido Barichello, Deus queira que você nunca precise fazer radioterapia num lugar que doa, porque doía. Eu quero dizer para vocês, eu tinha dificuldade de tomar água, mas, ao mesmo tempo, eu estou feliz que estou aqui vivo. Vivo.
Então, uma das razões pelas quais eu quis ser candidato pela terceira vez é porque eu queria provar que o país tem jeito. Eu queria provar mais uma vez. Eu já tinha provado uma vez. Eu já tinha provado. Tem duas coisas que são marcas que você não pode esquecer. O Mais Médicos, quando nós voltamos, tinha só 12 mil médicos nesse país. Hoje, já são 25 mil médicos. Já são 25 mil espalhados, e é pouco, diante da necessidade das pessoas. É pouco.
Mas vocês estão lembrados, quando eu deixei a presidência, esse país vendia 3 milhões e 800 mil carros por ano. Quando eu voltei, 15 anos depois, esse país só vendia 1 milhão e 800. Onde é que foram os trabalhadores que produziam os outros 1 milhão e 800? Ficaram desempregados.
Porque nesse país, muita gente que governa o país não vê o povo mais humilde. O povo mais humilde é invisível. O trabalhador é invisível. As pessoas andam de nariz empinado e só olham para cima. E é importante, de vez em quando, você olhar pra baixo. Porque lá embaixo é que estão aqueles que trabalham. Aqueles que conduzem riqueza. Aqueles que fazem o PIB crescer. Aqueles que estão nas enfermarias. Aqueles que estão na sala de cirurgia. Aqueles que se sujam de sangue. Aqueles que choram a morte de um paciente.
Porque quando a gente, uma pessoa no hospital para se tratar, a gente não vê se ela é negra, se ela é branca, se ela é alta, se ela é gorda, se ela é bonita, se ela é feia. A gente vê um ser humano para ser tratado. E tem que ser tratado com respeito.
Tem que ser tratado com fraternidade. E tem que ter muita solidariedade. Porque eu digo, Nísia, eu digo que o tratamento num quarto hospitalar, o tratamento numa enfermaria do hospital, o tratamento generoso e carinhoso é metade da cura. Porque quando a gente entra doente, a gente entra fragilizado. A gente entra muito frágil.
Você não tem noção do que é um homem que você pensa que é um brutamontes, quando ele entra deitado lá, que ele começa a mostrar que nós somos insignificantes e que, portanto, a gente não tem que ser arrogante. A gente tem que ser humilde. A gente tem que ser solidário. A gente tem que estender a mão com as pessoas.
Eu voltei para provar isso. Eu voltei para provar que esse país só vai dar certo quando for governado por gente que tenha o coração, que tenha o sentimento, que seja humanista, que goste de gente, que goste das pessoas. É preciso ter isso em conta. E, por isso, eu tô feliz aqui. Tô feliz, governador. Tô feliz, companheiros ministros. Tô feliz, companheiros deputados.
Porque eu digo o seguinte: um cara, um cara que, aos 78 anos de idade, está apaixonado outra vez não tem razão para ele tá mal. Tô bem. Você não tem noção. Eu me sinto um ser humano pleno. Eu não tenho medo de nada. Não tenho preocupação com nada. Não tenho preocupação com denúncia, com dificuldade, porque a dificuldade ela existe pra gente resolver.
Mas eu tô bem comigo. Sabe quando você levanta de manhã bem com você? Sabe quando você não se importa com a notícia negativa? Sabe quando você não está preocupado com nada, porque você sabe que você vai resolver. Eu aprendi desde pequeno. Não tem nada impossível para um ser humano. A única coisa impossível no planeta Terra é Deus pecar. A gente pode tudo que a gente quiser.
É por isso que a gente tem que sonhar grande. Porque se a gente sonha pequeno, esse sonho vira um pesadelo. Se a gente sonhar grande, e a gente levar a sociedade a sonhar junto com a gente, a gente transforma esse sonho coletivo em realidade.
E estar aqui, inaugurando essa excelência para fazer tratamento de câncer, é na verdade, a realização de um sonho. Ou seja, vocês não estão devendo nada a ninguém. O povo de Porto Alegre tem que saber: eles têm o melhor tratamento de oncologia aqui nesse hospital.
E eu tenho certeza, eu tenho certeza, que se depender da cara de vocês que eu estou vendo, da fisionomia de vocês, eu tenho certeza que, não apenas o melhor tratamento, mas o melhor carinho que alguém possa dar, vocês darão a um povo que procurar um tratamento.
Um beijo no coração. Que Deus abençoe todos nós.