Pronunciamento do presidente Lula durante inauguração de unidade da empresa AeC, em João Pessoa (PB)
Eu, pela primeira vez, com 78 anos de idade e muitos anos de política, eu vou começar a falar sem saber o que eu vou falar. Eu vim com o discurso escrito, porque o meu pessoal deve ter seguido a orientação do Wellington [Dias, ministro do Desenvolvimento Social] e a minha visita aqui seria uma novidade, mas eu não esperava tamanha novidade, Guilherme.
Então, eu quero primeiro citar o nome das pessoas aqui, porque hoje eu tive uma lição de vida muito grande aqui. Eu achei que o meu querido João Azevedo iria falar, mas ele não quis falar. Quero agradecer pela engenhosidade de montar um local de trabalho humanizado e que você não está preocupado se a pessoa é negra, é branca; se tem diploma ou se não tem diploma; se é LGBTIQA+ ou não; se é trans ou não. Você fez uma empresa que lida com gente e lidar com gente tem que lidar com todas as pessoas.
Quero dizer à querida Michaeli Stefani, à companheira Suênia, ao companheiro Daniel, ao Elias Araújo, à Mires que a fala de vocês precisa ser repetida em muitos lugares, porque esse país está precisando recuperar o humanismo, a fraternidade, a solidariedade.
Nós, seres humanos, nascemos em comunidade. Nós não nascemos para viver sozinhos e isolados, como querem alguns. Então, contem a experiência de vocês, porque isso é um estímulo.
[Leitura de nominata]
Meus queridos companheiros e minhas queridas companheiras,
Eu, sinceramente, pela primeira vez, eu não sei o que falar para vocês. Eu não quero falar de economia, eu não quero falar de política, eu não quero falar do governo. Eu queria tentar falar da minha experiência de vida para vocês saberem que nada é impossível. Eu digo sempre que a única coisa impossível é Deus pecar, o restante a gente pode consumir, a gente pode produzir tendo verdade.
Eu sou nascido na cidade de Caetés, em Pernambuco, que, em 1962, que não era cidade, era um subdistrito de Garanhuns e virou cidade em 1962. Minha mãe, em 1952, resolveu ir embora para São Paulo com oito filhos, atrás do meu pai, que já estava morando em São Paulo. Pegamos um pau de arara, demoramos 13 dias de viagem para chegar até Santos.
Quando chegamos em Santos, tivemos a surpresa de que meu pai já estava casado com outra mulher e meu pai já tinha uma família com outra mulher. E essa outra mulher era prima da minha mãe. E aí a minha mãe teve a coragem de, sozinha, cuidar de oito filhos. Sozinha. Minha mãe nasceu e morreu analfabeta. Ela não sabia fazer um “o com copo”, mas ela teve a decência de não aceitar continuar com o meu pai e a gente foi morar sozinho.
Cada um vendia laranja, vendia amendoim, vendia pipoca, trabalhava de carvoeiro, trabalhava vendendo sardinha. Até que a gente foi arrumando a nossa vida. Eu cheguei, Guilherme, eu cheguei a morar numa casa, um quarto e cozinha em 13 pessoas. Que não tinha chuveiro, que não tinha descarga e que não tinha vaso sanitário. Eu, a minha mãe, três irmãs, cinco irmãos e três primos. E moramos um bom tempo, em que a gente só tinha para tomar banho uma bacia e dentro de casa. E o banheiro que a gente utilizava era o banheiro que as pessoas que estavam no bar utilizavam. Imagina a qualidade do banheiro.
Pois bem, fomos crescendo, minha mãe sonhava que eu fosse para o Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], era o sonho da minha mãe. Mas eu vou demorar um pouco para chegar no Senai, porque eu senti que é importante eu contar a minha experiência de vida para que todos vocês saibam que tudo é possível quando a gente quer.
Eu lembro que eu era pequeno, Guilherme. Não fique com nojo, não, do que eu vou contar, porque é verdade. Eu lembro que eu era pequeno e eu tinha uma vontade muito grande de chupar um chiclete de bola. Naquele tempo, chamava-se chiclete americano, ou ping-pong, e eu ficava com muita inveja, porque eu via as pessoas com 10, 11 anos, da minha idade, mascando aquele chiclete e fazendo bola, e a bola estourava na cara deles, e ele engolia e fazia bola. Eu com vontade, e eu nunca tive direito. E um dia, um companheiro meu, de Sergipe, depois de ele mascar o chiclete o dia inteiro, ele me deu o chiclete. Eu levei para casa, Waldez [Góes, ministro do Desenvolvimento Regional], lavei o chiclete, lavei o chiclete, coloquei no açúcar e falei: agora eu vou fazer minha bola de chiclete. E fiz a minha bola de chiclete com esse chiclete.
Eu não contava isso, porque eu tinha vergonha. Mas eu trabalhava, quando o meu tio ia ao banheiro, ele tinha um bar e ele pedia para eu ficar no bar, e lá tinha chiclete. Eu poderia roubar um, eu poderia levar. E eu não roubava, porque eu tinha medo que a minha mãe soubesse, e eu não queria causar nenhum problema de vergonha para a minha mãe.
Eu tinha vontade de comer uma maçã argentina naquele tempo, o Brasil não produzia maçã. E eu tinha 14 anos de idade, e eu estava estudando, naquele tempo era admissão. Eu estava passando na feira e tinha uma cesta de maçã que ia embrulhada num papel azul, eu ficava olhando, toda quinta-feira que eu passava aquela maçã, e eu falava: eu vou roubar uma, eu vou comer uma maçã, eu vou roubar uma. E naquele tempo, certamente o dono da banca de feira não ia matar, não ia correr, não ia linchar. Certamente, o que me causava mais medo é que ele ia me pegar e me levar na minha mãe e ia contar que eu tinha roubado a maçã, então também não comi a maçã.
E aí, a minha mãe queria que eu fosse para o Senai, o sonho dela era que eu fosse mecânico. E eu fui para o Senai. Eu nem sabia o que era ser torneiro mecânico, mas eu fui para o Senai. Eu arrumei emprego numa fábrica, e vocês não têm noção do orgulho que eu tive quando eu vesti o meu primeiro macacão.
Meu irmão mais velho trabalhava numa empresa de peneira e tinha um macacão, minha mãe cortou o macacão do meu irmão, fez para mim. Eu saía para trabalhar, eu andava uns 500 metros para chegar na fábrica de parafusos Marte. Quando eu vestia aquele macacão, que eu saía na rua, era um orgulho, eu me sentia o homem mais importante do mundo, mais importante do mundo.
E cheguei para trabalhar e me colocaram para catar pedaço de ferro que caía no chão das prensas. Os caras cortavam o ferro, ia caindo a sobra, eu ia coletando. Aí chegou a hora do almoço, e eu tinha que ir em casa almoçar.
E eu falei: cara, como é que eu vou voltar para casa? Eu sou mecânico e eu não estou sujo, eu estou limpo, eu não sujei minha roupa. Ninguém vai acreditar que eu estou trabalhando. Aí eu passei num tambor, que utilizava óleo para temperar peça, óleo preto. Eu não tive dúvida, enfiei as duas mãos dentro do óleo, passei na camisa, passei para chegar em casa sujo e a minha mãe ter orgulho que o filho dela realmente era mecânico. Eu nem sabia o que era, mas eu cheguei e minha mãe acreditou com muito orgulho.
Fiz o curso de torneiro mecânico. Por conta desse curso, eu fui o primeiro filho da minha mãe a ter uma televisão. Eu fui o primeiro a ter uma geladeira, eu fui o primeiro a ter um carro, eu fui o primeiro a ter uma casa, por conta de um diploma que me tirou do rol das pessoas sem profissão e me colocou com profissão.
Entrei no sindicato. Fui convidado para ir para o sindicato, numa sorte, que meu irmão que era para ir e me deixou ir. Quando chegou em 1978, Wellington [Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome], o presidente, acho que era o Geisel [Ernesto Geisel, ex-presidente do Brasil], o ministro era Arnaldo da Costa Prieto [Trabalho e Previdência Social], ele criou uma lei proibindo determinadas categorias de fazer greve.
Bancários, professores, frentistas de posto de gasolina não podiam fazer greve. Então, eu resolvi ir para Brasília para conversar no Congresso Nacional. Aí, eles ameaçaram cassar quem fosse para Brasília, quem fosse trabalhar contra a lei que eles fizeram.
Eu pedi afastamento do sindicato e fui para Brasília. Deixei o meu vice-presidente assumindo. Cheguei em Brasília e descobri uma pérola. Eu comecei a andar dentro do Congresso Nacional para pedir apoio e eu descobri que não tinha um trabalhador no Congresso Nacional. De 513 deputados, não tinha um trabalhador.
Eu falei: meu Deus do céu, como é que eu quero que seja aprovada uma lei para beneficiar os trabalhadores se eles não estão lá dentro? E você vê que tem pouquíssimo trabalhador lá dentro, a maioria é profissional liberal, é advogado, é médico, porque também ninguém se apresenta a candidato como fazendeiro. É sempre advogado, profissional liberal, mas, na verdade, é fazendeiro.
Então, por isso que a bancada ruralista é tão grande. Então, eu falei: sabe de uma coisa? Eu vou criar um partido político. Se os trabalhadores quiserem que as coisas melhorem para eles, nós temos que criar um partido político. E criei o PT.
Você não sabe a briga, você não sabe a briga para criar esse partido. Eu passei 20 anos da minha vida explicando porque eu tinha barba, depois eu fiquei explicando por que a bandeira era vermelha, depois eu fiquei explicando por que o símbolo era uma estrela, depois eu fiquei explicando... a vida inteira eu me expliquei, a vida inteira.
Até que veio a campanha de 1989, eu fui deputado constituinte. Foi uma das experiências mais extraordinárias que eu tive na vida, e eu fui candidato a presidente. Quando me lançaram como candidato a presidente, eu falei: estão de brincadeira comigo. Porque tinha que disputar com o doutor Ulisses Guimarães, que era presidente da Constituinte. Tinha que disputar com o Leonel de Moura Brizola, que passou 15 anos exilado, para ser o futuro presidente.
Tinha que disputar com o Aureliano Chaves, que era vice-presidente da República. Tinha que disputar com o Paulo Maluf, que tinha sido governador de São Paulo. Tinha que disputar com o Mário Covas, que tinha sido senador e também prefeito de São Paulo. Tinha que disputar com Afif Domingos [atual secretário de Projetos Estratégicos do Estado de São Paulo], que também era um empresário importante de São Paulo. A minha chance era zero. A minha chance era zero. Conclusão: eu fui para o segundo turno. E dos papas da política, nenhum foi.
Fui eu e o Collor [Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil] para o segundo turno. Eu perdi no segundo turno, depois eu perdi para o Fernando Henrique Cardoso, depois eu perdi outra vez para o Fernando Henrique Cardoso. E eu, muitas vezes, pensei em desistir. Pensei em desistir, mas eu falava: não. Vai dar certo.
Até que em 2002, eu virei presidente da República. E quando eu virei presidente da República, no meu discurso, vocês estão lembrados do que eu falei: se ao terminar o meu mandato, cada brasileiro ou brasileira tiver tomando café de manhã, almoçando ou jantando, eu já terei cumprido a missão da minha vida. Porque durante muito tempo, Guilherme, durante muito tempo... E não foram poucas as vezes em que a gente ficava em casa de domingo, com oito filhos, sentados no chão, sentados nas cadeiras. E a gente, minha mãe, não tinha o que colocar no fogo. Não tinha o que colocar de comida para nós.
Durante muito tempo, eu ia trabalhar e na segunda-feira levava marmita e não tinha uma mistura. Não tinha nem um ovo frito. E eu ia comer escondido para ninguém ver eu abrir minha marmita. Durante muito tempo, eu ia trabalhar a pé e voltava a pé, porque eu não tinha uma moeda de 50 centavos para pagar o transporte. E hoje, eu sou presidente da República pela terceira vez. O que é que eu posso dizer para vocês?
A primeira coisa que eu posso dizer para vocês é que Deus foi muito generoso comigo. Muito generoso. Porque eu sou um cara que nasceu em Caetés (PE). Um cara que só foi comer pão aos sete anos de idade, em São Paulo. Um cara que não conseguia chupar um chiclete americano. Um cara que meu pai comprava sorvete, dava pros outros filhos dele, quando eu chegava na minha vez, ele dizia: “você não sabe chupar”. E não me dava o sorvete. É por isso que eu sou fanático por sorvetes.
Hoje, se eu puder, eu tomo café, almoço, janto e ainda faço a ceia da meia-noite com sorvete. Eu fico pensando, se um cara que passou tudo isso, se um cara que não tem diploma universitário, conseguiu chegar onde eu cheguei, eu fico imaginando o que vocês podem alcançar na vida. Eu fico imaginando o que vocês podem alcançar na vida.
Porque eu sou o exemplo de vencer adversidade. Eu sou o exemplo. E aí, por conta da minha obsessão de não ter tido um diploma universitário, eu resolvi que eu ia fazer muita universidade e que eu ia fazer escolas técnicas.
Nós vamos terminar o meu mandato agora com 783 institutos federais criados nesse país. Em apenas 15 anos. Porque os outros, em 100 anos, fizeram apenas 140. Eu vou terminar o meu mandato como o presidente que mais fez universidade e mais fez extensões universitárias espalhadas pelo interior desse país. Eu vou passar, quando terminar o meu mandato, como o presidente que mais colocou alunos na universidade. E que colocou alunos pobres da cidade, da periferia, que não tinha chance de escola pública, para disputar uma vaga com o filho daquele rico que não é dele.
Eu disse hoje, num encontro feito com o governador, no centro de convenções. Eu não quero tirar nada de ninguém. Eu não tenho inveja do cara que é rico. O cara que é rico, ele teve qualidade. Ele só tem que ter noção, sabe? Que ele é rico porque ele tem gente que trabalha para ele ficar rico.
E o que eu quero é que as pessoas que são responsáveis pelas pessoas ficarem ricas, tenham o mínimo de participação. O que eu quero é que as pessoas sejam tratadas com dignidade e com respeito. O que eu quero é que todo mundo tenha o direito de disputar a mesma oportunidade. Todo mundo tenha condição de disputar os cargos públicos. Todo mundo tenha o direito de entrar numa universidade.
Esse país, durante 500 anos, a gente já sabia quem ia para a universidade e quem ia trabalhar de empregada a vida inteira ganhando salário mínimo. A gente já sabia, era só ver o berço que nascia que a gente sabia a diferença. Eu resolvi acabar com isso. Eu resolvi fazer uma política que a filha de empregada doméstica pode ser médica. A filha de um faxineiro pode ser engenheira. A filha de um trabalhador comum pode ser uma banqueira. Nós temos até coveiro de cemitério como diplomata hoje.
O que é isso? É apenas abrir as chances das pessoas terem oportunidade. Não existe uma pessoa burra e outra inteligente. Existe uma pessoa com oportunidade e outra sem oportunidade. Existe uma pessoa que se dedica e outra que não se dedica. Isso, a vida é como uma Olimpíada. Ninguém ganha medalha de ouro por ser vagabundo.
Ninguém ganha medalha de ouro por não gostar de treinar. Ninguém ganha medalha de ouro por gostar de balada. O cara que quiser ganhar uma medalha de ouro, ele tem que trabalhar sete dias por semana. Tem que treinar oito horas por dia. Tem que calejar mão para poder ganhar uma medalha de ouro. E para a gente conseguir o que vocês estão conseguindo aqui, é preciso ter dedicação, é preciso ter vontade política.
E é preciso vocês terem em conta que o pai e a mãe de vocês não esperam que vocês fiquem ricos. O pai e a mãe de vocês só querem que vocês sejam pessoas de caráter, decentes, trabalhadoras e tenham uma profissão para que vocês possam ganhar condições de sobrevida de forma decente. Sobretudo as mulheres desse país que são vítimas de violência, de preconceito e de feminicídio. Uma mulher profissionalmente bem formada, uma mulher bem estruturada, ela não aceita morar com homem por causa de um prato de comida, por causa que o cara pagou aluguel, por causa que o cara coloca comida para as crianças.
A dignidade da gente vale muito mais, vale muito mais. Se a mulher tiver independência, quando o marido encher o saco, ela vai dizer: “escuta aqui, ô cara, eu não estou com você porque eu dependo de você, eu ganho o meu pão de cada dia, ou você me trata com respeito ou xispa aqui dessa casa que eu vou cuidar da minha vida”.
É esse mundo que é possível criar. Então quando nós criamos o Bolsa Família, vocês pensam que as pessoas que mandavam nesse país gostaram? Não, não gostam. Ajudar pobre? “Você está criando vagabundo, Lula, você está criando vagabundo, as pessoas não querem mais trabalhar, os fazendeiros querem contratar cortador de cana e eles não querem mais, não querem trabalhar mais não sei aonde, não querem mais ser ajudante de pedreiro”.
Eu dizia: ofereça um melhor salário, ofereça melhor condição de trabalho, que você vai ver como as pessoas vão trabalhar. O que eu não posso é deixar de dar a essas pessoas mais pobres o direito de comprar o leite e o pão de cada dia. Porque tem muita gente que acha que 600 reais é muito, é muito. É muito nada, não dá sequer um salário mínimo. Mas dá para a pessoa que tiver vontade cuidar dos filhos, levar o leite para a mesa, levar o pão de manhã.
E é por isso que eu sou grato ao trabalho que o Wellington vem fazendo. Nós não podemos deixar uma pessoa que passe fome nesse país, nós não temos o direito de ver uma pessoa morar na rua nesse país.
É por isso que nós criamos o Minha Casa, Minha Vida, para a gente tentar vender as casas em condições favoráveis e quem é do Bolsa Família não paga mais a casa agora. A gente entrega a casa. Está na Constituição: morar é um direito do povo e é obrigação do Estado. Comer é um direito do povo e é obrigação do Estado, então nós só temos que cumprir a Constituição.
O FIES [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior], não fui eu que criei, mas o FIES ele existia, mas a Caixa Econômica Federal não emprestava dinheiro do FIES, porque quando você ia estudar, você ia pegar o dinheiro do FIES, a Caixa falava: “tem fiador? Tem avalista?”. E nem pai quer ser fiador de estudante, porque ele sabe que não vai pagar e ele fala: “vou me prejudicar”. O que é que nós fizemos na verdade? Nós fizemos o seguinte: o Estado vai ser fiador do jovem brasileiro que quer estudar, porque se o Estado coloca tanto dinheiro na mão dos empresários, por que ele não pode confiar no povo trabalhador? O Prouni [Programa Universidade para Todos] era um sonho que eu tinha de colocar a gente da periferia na universidade.
E eu fiquei matutando, matutando, matutando, o Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda] era ministro da Educação, até que a mulher do Haddad tinha dado uma ideia quando ele era prefeito de São Paulo. E o que é que a gente fez? A gente pegou uma dívida que as universidades tinham e a gente transformou a dívida em bolsa de estudos. E essa bolsa de estudos do ProUni era para estudantes das escolas públicas da periferia desse país. Colocamos mais de 2 milhões de meninos e meninas na universidade brasileira. E aí diziam assim para mim: “é, mas você está colocando gente na universidade, eles vão diminuir a qualidade do curso, vão atrasar”. O que provou depois é que os melhores alunos das universidades eram os do ProUni, não eram os filhinhos de papai que estudavam, não. Era o povo pobre que tinha tido uma chance nesse país.
Então, companheiros, fazer política de inclusão social é a única coisa que nós temos que fazer. O governo não tem que governar para banqueiro. Vocês sabem, Guilherme, vocês têm noção de quanto a gente, em 10 anos, pagou de juros da dívida para os banqueiros? Quatro trilhões e 700 bilhões de reais. Quatro trilhões. Sabe quanto que a gente investiu em saúde? Um trilhão e 800. Na educação? Um trilhão e 600. Ou seja, significa que nós pagamos de juros quatro vezes mais do que a gente investe na educação. E quando a gente faz uma política social qualquer, o mercado já faz manchete de jornal: “está gastando dinheiro, está gastando”.
E eu digo sempre: “Investir no pobre, colocar dinheiro na mão de pobre, não é gastar, é investir. É fazer com que esse país dê oportunidade às pessoas”. E agora tem mais uma, Wellington. Nós tomamos uma decisão essa semana. Nós vamos dar gás gratuito para 21 milhões de famílias nesse país, porque o gás tem que ser um componente da cesta básica desse país. Não é possível a Petrobras vendendo o gás a 36 reais, o botijão de 13 quilos. E o povo é obrigado a comprar por 130, 140 reais.
Então nós temos que moralizar esse país e cuidar dos pobres. Mas quando a gente faz política para os pobres, o mercado reage. Ontem o dólar subiu. Ontem o dólar subiu porque “nossa, vocês vão ultrapassar o Orçamento, vão ultrapassar o Teto de Gastos”. E a nossa proposta, deputado, está dentro do Orçamento. A gente não está querendo ultrapassar nada. A gente está apenas querendo dizer: “A gente não vai permitir que pessoas pobres fiquem utilizando lenha para poder cozinhar, fiquem cozinhando com querosene ou se queimando com álcool”. Nós vamos garantir que as pessoas pobres tenham um botijão de gás de 13 quilos para cozinhar e não correr perigo e viver decentemente.
É isso que a gente vai fazer quando a Dilma criou o Ciência Sem Fronteiras. “Ah, está gastando dinheiro mandando gente estudar lá fora”. Os chineses, para serem o que são, tiveram 3 milhões de chineses estudando fora. E, aqui no Brasil, a gente tem que mandar e tem que dar bolsa de estudo para os nossos jovens, as nossas meninas, virarem excelências, sabe, em qualquer profissão que eles quiserem ser. Esse é o papel do Estado. É cuidar do seu povo.
Nós agora tomamos a decisão, João, de todas as terras públicas, prédios públicos, sabe, que nós temos, nós vamos distribuir para que se faça Minha Casa, Minha Vida, para que se faça alguma coisa. “Ah, mas isso é patrimônio do Estado”. O único patrimônio que o Estado tem que ter é um patrimônio do chamado povo brasileiro, que é o grande patrimônio da sociedade.
Então, meu caro Guilherme, eu pensei que eu já sabia de tudo e vim aqui hoje tomar uma lição. Posso te dizer, posso te dizer uma coisa: era importante que os empresários brasileiros soubessem que existe um empresário como você. É muito importante para as pessoas saberem que a gente tem que repartir oportunidade, criar oportunidade.
Eu digo sempre o seguinte: cara, o dinheiro nesse país tem que circular. O dinheiro não pode ficar numa conta bancária. O dinheiro não pode ficar na mão de poucos. E é por isso que eu digo todo dia: muito dinheiro na mão de poucos é miséria. Pouco dinheiro na mão de muitos é distribuição de riqueza. Você quer ver um exemplo? Pega R$ 10 mil, dá na mão do Nelsinho. Ele vai correr para um banco e abrir uma conta para ganhar dinheiro com taxa de juro. Agora pega, não dá os 10 mil para ele, distribui R$ 100 para cada um aqui. O que vai acontecer? Quem gosta de uma cervejinha vai tomar uma cervejinha logo na hora. Sabe, quem tem responsabilidade e quer levar alguma coisa de presente para a mãe vai comprar alguma coisa. Ou quem tem filho, para o filho.
O dinheiro entra e começa a circular. E quando o dinheiro começa a circular, todo mundo pode comprar. O comércio vende e vai gerar mais emprego. O comércio vai contratar mais da empresa. A empresa vai pagar mais salário, vai contratar mais gente. E o dinheiro começa a circular e todo mundo ganha. É por isso que o Brasil está crescendo hoje, quando o mercado dizia que não ia crescer. É por isso que nós temos o menor desemprego dos últimos 14 anos. É por isso que a inflação está controlada. É por isso que nós fizemos acordos salariais, 90% dos acordos com ganho acima da inflação. É por isso que nós já aumentamos o salário mínimo duas vezes esse ano. Porque aumentar o salário mínimo é a melhor forma de distribuição de renda.
Tem gente que fala: “Lula, você precisa tirar esse negócio de aumentar o mínimo dos aposentados”. Ô, gente, o mínimo é o mínimo. Não tem nada menor do que o mínimo. Como é que eu posso deixar de dar, pelo menos a inflação, e dar o crescimento da economia? A economia cresceu 3%, quem é o responsável do crescimento? É o povo trabalhador. Então a gente tem que distribuir um pouquinho para cada um. Por que tem que ficar só com uma turma? Por que tem que ficar apenas com a banda da sociedade?
Então, ô, Guilherme, eu vou contar uma coisa para você. O que eu senti aqui hoje é que você não tem um local de trabalho. Você tem um local de formação de caráter, de formação de dignidade. Você tem um local de experiência. Deus queira que você nunca mude. Deus queira que você nunca mude. Porque o Brasil está precisando de exemplos.
As pessoas precisam ser mais humanas. As pessoas precisam ser mais fraternas. Quem pode um pouco, tem que estender a mão para trazer o outro, para não ficar lá atrás. É assim que a gente vai criar um país desenvolvido, um país rico. Um país em que um pode comer 10 vezes por dia e o outro passa 10 dias sem comer, não pode dar certo.
Vocês sabem por que esse país foi atrasado na educação? Porque esse país só foi ter a sua primeira universidade em 1920. 1920, Guilherme. 1920 é a nossa primeira. O Peru teve a primeira dele em 1554. Porque aqui, a elite política, que veio de Portugal, que escravizou os índios, que depois trouxe milhões de negros para ser escravos aqui, essa elite não gostava que o povo estudasse. Porque os filhos dele iam para Paris, iam para Londres, iam para Boston, iam para Nova York, iam para Madrid, iam para Coimbra. E nós servíamos para cortar cana. Nós éramos para trabalhar de pedreiro, de ajudante de pedreiro, para limpar fossa. Era esse país que eles queriam criar. Não, nós não queremos mais isso.
Eu acho que pedreiro é uma profissão extraordinária, mas o filho dele pode ser engenheiro, o filho dele pode ser mais do que ele, pode estudar e pode vencer na vida. É esse país, Guilherme, que você, que eu sonho em criar e que você está criando aqui dentro.
Eu nunca vi, eu visito muita fábrica, eu trabalhei 27 anos dentro de fábrica. Quero sair daqui, Guilherme, dizendo para vocês: eu nunca vi um conjunto de meninas e meninos com tanto orgulho do trabalho que estão fazendo, como eu vi aqui. Sinceramente, eu se um dia conseguir com que a juventude brasileira seja tratada como eles são tratadas aqui, nós estaremos tendo certeza que estamos criando um país diferenciado, um país mais maduro.
É por isso que agora, Guilherme, nós criamos um programa chamado Pé-de-Meia. O que é o Pé-de-Meia? Nós descobrimos que 480 mil meninos e meninas que estão no ensino médio são obrigados a desistir do ensino médio para ajudar o orçamento familiar. E eu fiquei pensando: que país a gente vai criar se a gente deixar, sabe, meninos e meninas deixarem de estudar porque têm que ajudar? Então, nós criamos uma poupança. Uma poupança. Cada menino ou cada menina, sabe, que estão no CadÚnico, que estão no ensino médio, vão receber R$ 200 por mês numa poupança.
No final de 10 meses, se ele tiver comparecido 80%, se ele tiver passado de ano, a gente vai depositar mil na poupança. Com dois mil, mais mil são três. No segundo ano, a mesma coisa. Dez de duzentos e mais uma de mil. Ele só tem que ter o compromisso de comparecer a 80% das aulas e passar de ano. No terceiro ano, quando ele terminar, ele vai estar com uma poupança de nove mil reais.
Disseram para mim: “Lula, você está gastando dinheiro demais com jovens”. Eu prefiro gastar e investir na educação do que ter que gastar com cadeia se eu não formar essas crianças e não preparar essas crianças do Brasil. É um programa que vai custar 10 bilhões de reais, e é pouco. É pouco. Se a gente quiser criar uma sociedade justa, uma sociedade que pense e que aja corretamente. Não uma sociedade baseada na fake news, na mentira, nos ataques pessoais.
Por isso, companheiro Wellington, vem aqui perto para tirar fotografia, eu, você e o Guilherme junto e o João aqui, para dizer o seguinte: eu hoje aprendi uma lição de vida. Eu aprendi que eu tenho que ser melhor do que eu sou. Eu aprendi que eu tenho que fazer mais do que eu faço. Eu aprendi que eu tenho que dar mais oportunidade do que eu dei até agora, porque é assim que a gente vai fazer com que esse país seja um país justo, desenvolvido, solidário e que as pessoas não precisem dormir na rua e nem passar fome. Eu quero um país em que todas as crianças possam tomar um copo de leite antes de dormir ou tomar um copo de leite com chocolate, com alguma coisa de manhã, ou comer um pão com manteiga.
Sabe qual era o meu café até os sete anos de idade? Até os 7 anos de idade, em Caetés, a gente tinha uma cuia com farinha e café preto. Não tinha luxo, não, era aquilo, era uma cuia com farinha e café preto. E eu, sinceramente, ainda tenho dois anos e três meses de mandato e eu quero dedicar esses dois anos e três meses para fazer tudo o que não foi feito nesse país, para melhorar a vida do povo brasileiro e dar a vocês, jovens, a oportunidade de serem mais bem formados do que os pais de vocês e de poderem estudar mais que os pais de vocês e que poderem ganhar mais dinheiro do que os pais de vocês e ser tão decentes quanto os pais de vocês.
Vocês sabem que eu vou terminar dizendo uma frase para vocês. Fizeram uma sacanagem muito grande e eu fiquei 580 dias na cadeia. Quando foi um dia, resolveram achar que eu tinha que ir para casa, Guilherme, e foram me oferecer um acordo. Eu tinha que aceitar colocar tornozeleira na minha canela e ir para casa. Eu falei para quem foi me propor o acordo: primeiro, eu não troco a minha dignidade pela minha liberdade. Segundo, a minha canela não é canela de pombo. Terceiro, a minha casa não é prisão. Se vocês me prenderam, quando vocês acharem, me libertem, porque eu não tenho acordo. Eu vou provar a minha inocência.
E graças a Deus, aqueles que tentaram fazer isso para evitar que eu fosse o presidente da República, se esqueceram que Deus escreve certo por linha torta e está o Lula outra vez presidente da República. Graças a vocês. Por isso, meninas e meninos da AeC, companheiros meninos e meninas, eu quero dizer para vocês um beijo no coração, que Deus possa abençoar vocês e a família de vocês.
Estudem pelo amor de Deus. Não deixem de estudar, porque o pai e a mãe de vocês irão ser gratos a vida inteira quando eles perceberem que vocês estão libertos, porque têm uma profissão e uma boa formação.
Um beijo no coração e até a próxima oportunidade se Deus quiser.
Obrigado, companheiro Guilherme.