Pronunciamento do presidente Lula durante abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
Eu, como de hábito, eu tinha um discurso por escrito.
Mas, como de hábito também, eu sou sempre o último orador e eu fico acompanhando as pessoas falarem o que está escrito no meu discurso. Então não tem sentido vocês esperarem tanto tempo para eu falar a mesma coisa que os outros já falaram. Eu quero pedir desculpa a todos os companheiros e companheiras aqui presentes, aos ministros e ministras, aos cientistas, aos empresários, aos nossos pesquisadores, que eu não vou ler a nominata.
A nominata é muito grande. Eu não percebi, eu não sabia que no lançamento de uma proposta de inteligência artificial que vocês estão fazendo para o governo, o palanque tivesse quase a mesma quantidade de gente que tem no plenário. Sinceramente, você caprichou, Luciana [Santos, ministra da da Ciência, Tecnologia e Inovações].
Você ou alguém. Olha, mas o que eu queria dizer para vocês é curto e rápido. A primeira coisa que a gente tem que ter consciência é que um síndico de prédio, um prefeito de uma cidade, um governador de Estado ou um presidente da República, eles têm que ter como virtude máxima a capacidade de ouvir, a capacidade de aprender, a capacidade de conversar com a diversidade e a capacidade de ceder.
E, muito mais importante, a capacidade de aprender. E eu fico muito feliz porque o dia de hoje é extremamente significativo para o Brasil. Eu fiz um pronunciamento domingo à noite.
Eu demorei muito para fazer aquele pronunciamento. E o que eu queria mostrar naquele meu discurso era que o Brasil tem que dar um passo adiante. A gente não pode passar a vida inteira reclamando do que não foi feito e não fazer o que precisa ser feito.
Você não pode passar a vida inteira dizendo que não tem dinheiro e não fazendo as coisas. Eu sou filho de uma mulher que, muitas vezes, na hora de colocar comida na mesa, não tendo o que colocar, ela nunca reclamava. Ela falava: “Hoje não tem, mas amanhã vai ter”.
E quando eu resolvi fazer esse desafio aos cientistas brasileiros naquele encontro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, é porque eu já estava cansado. Em todo o debate que eu vou, em toda reunião ministerial, em toda conversa que eu tenho, os caras falam, sabe, inteligência artificial, inteligência artificial, inteligência artificial. E eu fico pensando, se essa coisa é tão boa, por que que é artificial? Por que que é artificial se ela pode ser manipulada pela inteligência humana? No fundo, no fundo, é a inteligência humana que pode aperfeiçoá-la, porque nada mais é do que a gente ter capacidade de fazer a coletânea de todos os dados, e nós temos as Big Techs que fazem isso sem pedir licença, sem pagar imposto, e ainda cobra dinheiro e fica rica por conta de divulgar coisas que não deveriam ser divulgadas. E eu fiquei pensando: será que nós, um país de 200 milhões de habitantes, um país que já completou, sabe, 524 anos, um país que tem uma base intelectual respeitada, uma base intelectual respeitada no mundo, inclusive, que tem um povo tão generoso, que vive na diversidade tão extraordinária, esse país não pode criar o seu mesmo mecanismo ao invés de ficar esperando que a inteligência artificial venha da China, venha dos Estados Unidos, venha da Coreia do Sul, venha da Coreia não sei da onde, venha do Japão, venha da... Não, por que que não pode ter a nossa? E o que eu acho importante é que o dia de hoje, eu não sei se a imprensa está se dando conta disso, mas eu vou dizer uma coisa para vocês.
O dia de hoje é o primeiro ato, depois do meu pronunciamento, e não poderia acontecer coisa melhor. Depois do meu pronunciamento, eu receber de presente dos cientistas brasileiros uma proposta a ser discutida com o governo, mas acompanhada pelo Conselho de Ciência e Tecnologia, que vão acompanhar cada passo que o governo der, porque o que vocês apresentaram não pode ficar numa gaveta. Não pode.
O que vocês entregaram para mim, a semana que vem já vou ter uma reunião com ministros para apresentar ao conjunto dos ministros a nossa proposta de política de inteligência artificial que vocês nos entregaram. E a partir daí, vamos tomar decisões para saber como é que a gente vai fazer essa coisa acontecer de fato e de direito nesse país. E eu queria dizer para a imprensa, era muito importante que vocês não tratassem esse dia de hoje como uma coisa insignificante, mais um ato que o Lula faz, mais um discurso que ele faz.
Não, aqui não importa o meu discurso. O que eu queria desafiar a imprensa, escrita, falada, televisada, é o seguinte: tá aqui os cientistas, olha que coisa, isso aqui é um potencial de inteligência que poucas pessoas conseguem reunir e estão reunidas aqui por quê? Pensando no Brasil, e que vocês convidem essa gente para debate, ao invés de ficar aqueles telejornais dando palpite sobre tudo, vamos discutir a inteligência artificial brasileira. Vamos discutir, chame os cientistas.
Se tiver dificuldade de chamar cientistas, eu dou uma lista de cientistas. Luciana, você tem que preparar uma lista. Sérgio Rezende [ex-ministro da Ciência e Tecnologia], uma lista de 500 cientistas para dar para a imprensa. Aqui não faltam cientistas capazes de debater. Agora, por favor, não vá procurar um que não concorde, que é contra.
Pelo menos faça um debate para que a gente possa mostrar o que vocês foram capazes de produzir. E por que eu estou valorizando muito isso? E o que eu estou dizendo para a imprensa é verdade. Eu espero que nessa semana, todo dia de tarde, de noite e de manhã, que tenha um debate sobre inteligência artificial e chamar os nossos cientistas, chamar a nossa ministra para fazer um debate, para esse país saber o que nós estamos discutindo.
Eu sempre disse que uma democracia não é um pacto de silêncio. A democracia é o resultado de uma sociedade em manifestação brigando e exigindo coisas que ela ainda não tem. E isso aqui é o início disso.
Eu tive o prazer de ter o Sérgio Rezende e não tenho medo de dizer que foi o melhor ministro de Ciência e Tecnologia que este país teve. Não tenho. E tenho, Luciana, quando você veio para o governo, eu só quero que você siga os passos do Sérgio Rezende.
Porque, veja, nós conseguimos gastar entre 2007, 2011, 2010, 41 bilhões de reais que nós colocamos dentro do PAC por ministério. E esse dinheiro foi utilizado totalmente e quem coordenava a execução desse dinheiro não era o companheiro Sérgio Rezende, era um conselho que foi montado dentro da SBPC. Os cientistas ajudaram a gente a gerenciar e a utilizar esse dinheiro.
Assim tem que ser feito. Assim precisa ser feito. Porque na hora que a gente detecta que não tem recurso, nós temos que ir atrás do recurso.
Eu não posso falar: não tem dinheiro, aí fico quieto. Não tem dinheiro, não tem dinheiro. Se não tem dinheiro, cabe a mim tentar procurar dinheiro, tentar encontrar dinheiro, tentar carafunchar o orçamento para que a gente possa colocar dinheiro para fazer as coisas que são consideradas essenciais. Eu fico muito assustado, meus companheiros e companheiras cientistas, quando eu vejo matéria nos jornais que diz que a inteligência artificial pode causar 16 milhões de desempregados.
Para isso eu não quero. Que coisa que é essa que é tão importante e vai causar problema para a sociedade? A nossa inteligência artificial tem que ser inteligente. E a gente quer fazer dela uma fonte de fazer com que a gente gere emprego nesse país, que a gente forme milhões e milhões de jovens preparados para esse debate.
Eu estava dizendo para o companheiro Camilo Santana [ministro da Educação), nós anunciamos a construção de mais 100 institutos federais novos. Agora, nós estamos discutindo que cursos que esses companheiros vão ter, e essas meninas? Vão aprender o mesmo de sempre? Ou a gente vai ter que fazer coisas novas para essas pessoas serem a nossa inteligência artificial? É isso que a gente vai ter que decidir daqui para frente. E qual é a chance que eu estou dando para vocês?
Veja, a chance que eu estou dando para vocês. Aqui não teve nenhuma humildade. O que é que eu estou falando? É porque vocês não terão um outro governo que tenha a capacidade de ouvir.
E sabe por que eu aprendi a ouvir? Porque eu não sei das coisas. E como eu não sei das coisas, eu quero aprender. Se vocês tivessem um doutor no meu lugar, ele não ia ouvir vocês.
Esse país nunca teve um presidente da República que fizesse reunião com reitores. Nunca. Nem quando o ministro da Educação tinha sido reitor.
Eu fico me perguntando se um presidente da República não tem coragem de conversar com reitores, e eu não espero eles pedirem audiência, não. Eu é que convido eles, todos, dos institutos, das universidades, para discutir. Vamos lá, me digam o que vocês querem, eu digo o que eu posso, e vamos dizer o que a gente tem que fazer.
Ora, porque nós que estamos no mandato somos passageiros. Mas o país não é passageiro. A sociedade não é passageira.
Então, tudo que a gente fizer, e é por isso que eu gosto de envolver conselhos, é porque não é uma coisa da Luciana. Se amanhã eu tiver que tirar a Luciana do ministério, ou ela quiser sair, sabe, quem entrar sabe que tem uma política que não foi elaborada por ela, foi elaborada pelos cientistas, e que nós temos que seguir.
Se não quiser, não entra. É assim que funcionam as coisas nesse país para a gente poder dar certo. Eu acho que nós estamos vivendo um momento muito importante no Brasil.
Eu quero dizer para vocês o seguinte, eu tenho dito isso publicamente e vou repetir. O que vocês fizeram hoje de me entregar um documento sobre uma inteligência artificial pensada pela universidade brasileira, pensada pelos cientistas brasileiros, é um marco neste país. Preste atenção.
O dia de hoje é um dia marcante para a sociedade brasileira. O Brasil precisa aprender a voar. O Brasil precisa aprender a voar.
Eu tenho cinco andorinhas morando dentro do Palácio da Alvorada. Tem umas andorinhas que toda época do acasalamento elas vão para dentro do Alvorada e ficam lá no cantinho, a gente tomando café, elas voando por cima da gente. É engraçado porque eles têm um filhote e eles passam um tempão tentando ensinar o filhote a voar, incentivando o filhote até que o bichinho voa e vai embora.
O Brasil precisa aprender a voar. O Brasil não pode ficar dependendo a vida inteira. Nós somos grandes, nós temos inteligência.
O que nós precisamos é ter ousadia de fazer as coisas acontecerem. E quando eu digo... E quando eu digo que eu sou a oportunidade que vocês têm de fazer as coisas acontecerem neste país. E vou dizer isso, sabe por quê? Porque eu tenho dito, eu não sou eu, eu sou vocês.
É vocês que chegaram à presidência da República. É vocês que têm que ajudar a governar este país. É vocês que precisam dizer o que tem que ser feito.
Então é este país que nós vamos ter que construir. Eu tenho mais dois anos e pouco de mandato. E posso dizer para vocês uma coisa: eu serei incansável para que a gente consiga executar as coisas que a gente está fazendo.
Uma vez eu tentei fazer aqui um comitê de inteligência neste país. Depois que aconteceu aqueles atentados dos Estados Unidos, das torres, eu era presidente aqui, depois que eu ganhei a presidência, eu resolvi fazer uma sala de inteligência. Tentei envolver o Exército brasileiro, o meu ministro do Gabinete era o general [Jorge] Felix, tentei envolver o general Felix como coordenador, tentei levar a Abin, tentei levar para o Ita Federal, a Marinha e a Aeronáutica.
E não deu certo, porque eles não se conversavam. Inteligência é poder. Então as pessoas não querem contar um para o outro o que sabem.
É assim. No governo é a mesma coisa. O governo possivelmente tenha o mais importante banco de dados que este país já teve, nós temos.
Agora o banco de dados no governo é pessoal. Nós temos o banco de dados do SUS, nós temos o banco de dados do CADÚNICO, nós temos o banco de dados da Previdência, nós temos o banco de dados do Ministério do Trabalho, nós temos o banco de dados da Receita, o banco de dados... Espera aí. E o banco de dados do Brasil, a gente não vai ter? A nossa inteligência artificial começa por aí.
A gente criar uma estrutura para que todos os dados desse país estejam compilados e à disposição da sociedade brasileira. Não tem que ter segredo. A gente precisa é colocar para fora.
Nós precisamos ter coragem de colocar para fora a nossa vontade de crescer, a nossa vontade de ser diferente, a nossa vontade de ser mais ousado, a nossa vontade de pedir licença por educação e não por medo. É este o desafio que está colocado para mim.
Então eu queria dizer para vocês o seguinte, eu estou com 78 anos e eu digo todo santo dia para os meus companheiros, eu vivo o meu melhor momento na passagem pelo planeta Terra. Vivo o meu melhor momento. Eu sou uma pessoa hoje que tenho muita noção das coisas, sei o que eu quero, sei para onde eu quero ir e sei o que é possível conseguir nesse país.
É por isso que nós fizemos um esforço muito grande de fazer o que foi feito em apenas 18 meses. Em 18 meses, eu já me reuni mais como presidente da República do que antes nos meus oito anos. E a somatória do que eu fiz em oito meses é mais do que todos os presidentes, desde Marechal Deodoro até agora.
Ora, porque se você quer ser grande, você precisa se conectar com as pessoas, você precisa ouvir, precisa conversar, discutir projetos. Esse país vai ficar eternamente no país em vias de desenvolvimento? Um país pobre, um país que tem alfabeto, um país que não tem... Isso acabou. Isso acabou, companheiro ministro Camilo Santana.
Quando este país, chamado Brasil, estava fazendo a sua primeira universidade em 1920... É uma vergonha. É uma vergonha para todos nós. A primeira universidade nascer em 1920.
Em 1918, a Argentina já estava fazendo a sua primeira reforma universitária. Em 1554, o Peru já tinha a sua universidade. E nós demoramos.
E eu agora tenho sede de fazer mais. E de vez em quando as pessoas perguntam: “Lula, por que você tem obsessão por educação? Você quer fazer, em tudo você quer fazer universidade.” É pelo fato de eu não ter tido oportunidade. Eu não tive oportunidade e eu quero que todos os brasileiros tenham oportunidade, independentemente da sua origem social, independentemente de onde ele nasceu, independentemente da sua cor.
Eu não quero saber se ele é evangélico ou católico, eu quero dizer que ele tem que ter oportunidade. É isso que nós temos que ter. E é esse país que eu quero deixar como legado.
Portanto, queridos companheiros e companheiras cientistas, que me apresentaram essa proposta, se preparem para me cobrarem, porque eu estou preparado para cobrar vocês. Não pensem que o trabalho de vocês se encerrou quando vocês me entregaram. Pelo contrário, o trabalho de vocês começou de verdade agora com essa entrega que vocês fizeram para mim, porque daqui para frente a minha obrigação é fazer isso acontecer.
Acontecer no Brasil. Fazer com que a gente seja modelo, com que as pessoas lá fora, até um chinesinho falar: “Olha, o Brasil tem uma inteligência artificial”. O cara da Coreia do Sul: “Aí, o Brasil tem”. Os Estados Unidos, lá do Vale do Silício: “O Brasil fez”.
Esse orgulho, é esse orgulho que nós temos que carregar dentro da gente. Sabe? O orgulho de alguém que não é superior, mas não é inferior. De alguém que quer ser apenas igual, que alguém quer ter o prazer de fazer as coisas.
Esse é o presidente da República que foi eleito nesse país em 2023, e é esse presidente da República que quer deixar como legado uma sociedade com S maiúsculo, um Brasil de conhecimento com C maiúsculo, um Brasil de homens e mulheres com H e com M maiúsculo, um Brasil de pessoas orgulhosas e sequiosas por querer mais e sempre mais. Um abraço e boa sorte aos cientistas brasileiros e boa sorte ao nosso governo.