Pronunciamento do presidente Lula durante encontro com atletas olímpicos e paralímpicos no Palácio do Planalto
Orlando [Silva, deputado federal e ex-ministro do Esporte], quer dar uma palavrinha? Chama os atletas. Nós temos aqui um outro grupo de atletas que também recebe Bolsa Atleta, que são estudantes, que recebem bolsa, que poderiam entrar aqui. Depois nós vamos tirar uma foto aqui todo mundo junto.
Quer dar uma palavrinha, Janja [Lula da Silva, primeira-dama do Brasil], para você incentivar as meninas que vão disputar as nossas Olimpíadas lá ? E como a Janja vai me representar nas Olimpíadas, porque o Fufuca [André Fufuca, ministro do Esporte] vai como chefe do esporte brasileiro, mas como eu sou convidado pelo Macron [Emmanuel Macron, presidente da França], eu resolvi dizer que a Janja vai, porque eu tenho muita coisa para fazer no Brasil, não posso ir. Então, quando vocês estiverem disputando, a Janja vai estar lá torcendo. Espero que esteja. Dá uma palavrinha.
(Fala da primeira-dama, Janja Lula da Silva)
Agora eu vou assinar o decreto do aumento aqui, porque senão vocês não vão receber o reajuste.
Gente, eu vou falar muito pouco. Só queria dizer para vocês que quando nós resolvemos criar o Bolsa Atleta era porque a cultura brasileira, muitas vezes, ela não leva em conta que antes das pessoas virarem importantes, virarem famosas e terem patrocínio privado, muitas pessoas não tinham sequer um tênis para praticar o seu esporte.
Então, nós achávamos que era importante. O empresário não tem nenhuma obrigação de olhar para um atleta que não tem medalha de ouro. Mas o Estado brasileiro e o seu governo, eles têm que olhar para todos os atletas e mais para aqueles que podem no futuro ganhar medalha de ouro se eles tiverem condições de praticar esporte.
Se ele tiver condições em uma cidade pequena do interior de ter um salário, que ele possa comer as calorias e as proteínas necessárias, que ele possa fazer a academia que ele precisa fazer, que ele possa nadar, que ele possa correr, que ele possa lutar. Sabe? Se você não garantir essa oportunidade para as pessoas, esse país sempre vai ficar fora das disputas principais. Em tudo que você olhar no mundo, o Brasil está entre os dez mais importantes países do mundo.
Então não tem sentido que nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas a gente não esteja disputando entre os mais importantes. E eu sei o que significou para o Brasil o Bolsa Atleta. Eu sei o que significou. Porque quando a gente conhece a sociedade brasileira, você sabe que para muita gente, para muita gente, R$ 3.000, R$ 4.000 faz a diferença no dia a dia das pessoas.
Pode ter gente que fala “ah, R$ 3.000 não dá, R$ 2.000 não dá”. Mas tem gente que precisa de R$ 1.000, tem gente que precisa até de menos para poder falar: eu vou conseguir vencer na vida. E foi assim que nós criamos o Bolsa Atleta, criamos o Segundo Tempo nas Escolas, criamos o Bolsa Escola e agora, Orlando, criamos uma outra coisa que é muito mais revolucionária.
Só vou contar um dado para vocês. Nós descobrimos, com dados e resultados do IBGE, que 480 mil jovens brasileiros, pessoas de 15 anos, 16 anos, meninas e meninos, desistem do ensino técnico, desistem do ensino médio, porque precisam ajudar a família. Então as crianças deixam de estudar para ir trabalhar.
O que é que nós fizemos? Nós resolvemos criar uma poupança para garantir que nenhuma menina e nenhum menino desista da escola para ajudar na família. Nós criamos uma poupança em que a gente dá R$ 200,00 por mês no nome do estudante, com carteirinha e tudo, para ele frequentar a escola. R$ 200,00 em 10 meses.
No final dos 10 meses, se ele tiver comparecimento de 80% na escola e se ele passar de ano, ele recebe mais mil na poupança dele. Ele vai para o segundo ano. No segundo ano, ele vai ter mais 10 meses de 200, que são 2 mil. E no final do ano, se ele tiver comparecimento e passar, mais mil. E no terceiro ano, a mesma coisa. Ou seja, quando terminar o ensino médio, ele vai ter 9 mil na poupança, se ele economizou.
E isso é uma coisa que você ou faz acreditando no futuro do país, ou você não faz. Ou você faz enquanto você pode fazer, ou daqui a pouco, o dinheiro que você deixou de gastar em educação você vai gastar em cadeia. Você vai gastar em aumentar a quantidade de celas e de cadeias que tem pelo Brasil, porque a falta de oportunidade, muitas vezes, faz com que a gente cometa erros na nossa vida, ilícitos.
Então, nós achamos que é o melhor investimento do mundo. Não tem investimento melhor do que esse. Então, quando a gente percebeu a evolução que teve o Bolsa Atleta, eu, sinceramente, quando o Fufuca me comunicou que ficou 14 anos sem reajuste, é impensável.
Ou seja, como é que alguém pode imaginar? Ou seja, porque ficou invisível o Bolsa Atleta para as pessoas que governaram esse país nos últimos anos. Ficou invisível, porque ele não podia estar enxergando, porque ele não reajustava. Tudo na vida é reajustado. Os preços da comida que a gente compra é reajustado todo dia no supermercado, o preço da inflação é reajustado, o preço do salário mínimo é reajustado. Por que não o Bolsa Atleta?
Veja, se a gente fosse pagar todo atrasado ia ultrapassar uns 150%. Como nós estamos apenas 17 meses no governo, e nós estamos num processo de reconstrução de quase tudo que foi destruído, porque não foi apenas o Ministério do Esporte que foi destruído, o Ministério da Cultura foi destruído, o Ministério da Mulher foi destruído, o Ministério dos Direitos Humanos foi destruído. E nós fomos obrigados a reconstruir. O Ministério da Igualdade Racial. Nós fomos obrigados a reconstruir tudo. Então, nós fomos quase 17 meses reconstruindo, e eu posso dizer para vocês hoje, antes de vocês embarcarem para Paris: está reconstruído, e o Brasil está preparado, preparado para respeitar os nossos atletas, preparado para reajustar o Bolsa Atleta, e preparado para contribuir com que o Brasil seja um país que tenha nas disputas a maior quantidade de medalhas que for possível ganhar.
Mas também, se não ganhar uma medalha, ninguém fica diminuído porque não ganhou uma medalha. O castigo de quem não ganha medalha é o sofrimento interior, é a mágoa, é a frustração. Mas eu quero que vocês saibam que, para mim, presidente da República, tanto o atleta que traz dez medalhas de ouro penduradas no pescoço, e um atleta que não traz nenhuma, eu trato eles com o mesmo carinho, com o mesmo respeito, porque ganhar é a nossa meta, mas, se a gente não ganhar, o que valeu, na verdade, foi a dedicação, foi o esforço, foi a perseverança. E, quando a gente consegue ver pessoas comprometidas com o esporte, a gente tem noção de que a gente está livrando as pessoas de droga, está livrando as pessoas da promiscuidade. Porque é isso que a gente tem que apostar.
Eu sou um homem, sou corintiano, sofro muito porque ontem perdemos para o Vasco. Eu sou vascaíno no Rio de Janeiro, a minha mulher é flamenguista. E eu fiquei chorando com um lado do coração porque o Corinthians perdeu e fiquei feliz que o Vasco ganhou com a outra metade do coração. Mas eu gosto muito de esporte.
Um dos momentos mais emocionantes que eu tive… Foram dois, na verdade. Primeiro, em 2008, eu fui nas Olimpíadas de Pequim e tive a emoção — que eu espero que você tenha, Fufuca, espero que você tenha, Janja –, a emoção de estar em pé olhando passar os nossos atletas com a bandeira nacional. É uma coisa emocionante.
Eu pensei que eu já tinha vivido todas as emoções do mundo, mas eu fiquei emocionado junto do presidente Bush [ex-presidente dos Estados Unidos], junto do presidente Sarkozy [ex-presidente da França], junto com o [ex-]presidente Hu Jintao, da China. Quando entra o pessoal, do Brasil, com a nossa bandeira verde e amarela, é uma coisa... é um batimento a mais no coração. E a segunda emoção da minha vida foi quando nós ganhamos as Olimpíadas em 2008, em Copenhague.
O Brasil estava disputando as Olimpíadas com Tóquio, estava disputando as eleições com Madrid e estava disputando as eleições com Chicago. Havia quem dissesse que a gente não tinha a menor chance. Primeiro, porque a Espanha tinha o cidadão mais importante do Comitê Olímpico, que era o mais velho deles, que era espanhol, e estava defendendo a Espanha.
Depois, o Obama [ex-presidente dos Estados Unidos] foi para Copenhague com a Michelle Obama [ex-primeira-dama dos Estados Unidos] e ficaram lá uma semana. Quando o Obama chegou com o avião dele, a televisão mostrou o avião dele o dia inteiro. Eu cheguei e ninguém mostrou nada.
E estava também o primeiro-ministro japonês, com muita representação. E nós fomos trabalhar. Eu, só para ter ideia, eu cheguei em Copenhague três dias antes e nós montamos o escritório para conversar com os delegados. Aí chamavam os delegados para conversar, para mostrar a importância do Brasil.
Eu não esqueço nunca de um delegado italiano. A Itália tinha cinco votos, porque o mundo é assim. O continente africano inteiro tem menos delegados no COI [Comitê Olímpico Internacional] do que a Suíça. Mesmo a África tendo 54 países, um bilhão e não sei quantos milhões de habitantes, tem menos delegados do que a Suíça. Porque quem dominou o esporte foram os países mais ricos, que foram se assenhoreando das coisas e foram, sabe, tendo delegado. O Brasil brigou muito para chegar na representação que a gente teve.
Mas o que foi importante? O que foi muito importante é que chegou o italiano para mim. O Orlando estava na sala, estava o João Havelange [ex-presidente da Federação Internacional de Futebol], estava o Nuzman [Carlos Arthur Nuzman], estava o prefeito Eduardo Paes [do Rio de Janeiro], todo mundo lá na mesa. Aí vem um cara da delegação italiana, um delegado que tem voto. Aí o cara começou a conversar comigo. Eu tinha mandado chamar ele, ele nem perguntou o que eu queria, começou a falar mal do Brasil. “Não, porque o Brasil não tem chance, porque no Brasil tem muita favela, porque no Brasil tem muita violência, porque no Brasil tem muito crime e porque no Brasil tem não sei o que lá”.
E o cara foi falando e falando, eu falei: “ô, cara, respeito, eu te chamei aqui para conversar com você e para você conversar comigo. E vou dizer uma coisa para você, vou dizer uma coisa muito sincera para você. Você é italiano. Você é o único delegado que tem obrigação moral e política de votar no Brasil”. O Orlando se lembra, a gente estava com o Pelé, a gente estava com a Hortência, tinha muita gente importante do mundo esportivo. E a gente estava lá. Nós fizemos uma bela defesa do Brasil, um negócio muito, muito importante. Foram cinco discursos. Primeiro teve os Estados Unidos, depois teve Tóquio, depois teve a Espanha, depois teve o nosso discurso. Falou eu, falou Eduardo Paes, falou Meirelles, falou Sérgio Cabral, que era o governador, e falou, não sei se o Nuzman ou o João Havelange.
Eu sei que a emoção de verdade, quando aquele gringo, aquele suíço, veio com uma pasta e subiu no pódio lá no palanque e resolveu: “Eu vou anunciar o ganhador”. Cara, poucas vezes eu vivi a emoção que eu vivi. Eu não sabia que era tão importante. Eu comecei a chorar, e chorava o Pelé, e chorava o governador, e chorava o prefeito, e chorava o Orlando, porque foi uma emoção que eu não imaginava. E depois a gente ligava a televisão e via a comemoração em Copacabana, aquela festa imensa da multidão em Copacabana, alegre, porque a gente tinha conquistado as Olimpíadas. Eu acho que foi o momento mais consagrado para mim ter trazido as Olimpíadas, porque nós trouxemos, no mesmo ano, as Olimpíadas e trouxemos a Copa do Mundo.
E os dois aconteceram num momento não muito bom da política brasileira. Os dois acontecimentos aconteceram em momentos muito ruins da política brasileira. O ódio estava tomando conta da sociedade brasileira. Aquela raiva, aquela coisa. Eu lembro da quantidade de denúncia de corrupção na Copa do Mundo. Eu lembro da quantidade de denúncia de corrupção sem ninguém nunca provar. Nunca se provou que houve corrupção nos estádios brasileiros. Nunca se provou que houve corrupção em qualquer esporte olímpico no Brasil. Nunca.
Mas era o que a gente ouvia todo santo dia. Só para você ter ideia, como eu sou azarado, eu fui o cara que trouxe a Copa do Mundo para cá e não pude assistir a Copa do Mundo. E fui o companheiro que trouxe as Olimpíadas para cá e também não fui convidado para ir na abertura das Olimpíadas. Então, eu fiquei frustrado, depois de tanta emoção, de tanta alegria, pelo fato de você ter outras pessoas governando o país, pessoas que não tinham a cabeça civilizada. Ou seja, eu não vi a abertura das Olimpíadas.
De qualquer forma, eu vou me compensar mandando a Janja, eu vou ver as Olimpíadas pelos olhos dela lá em Paris e, se tudo der certo, vendo televisão aqui para ver vocês praticarem aquilo que vocês mais querem fazer, que é praticar o esporte que vocês se prepararam.
Então, levem do Brasil a lembrança de que esse país voltou à civilidade. Esse país voltou a tratar as pessoas como seres humanos, como gente, sem preconceito, sem olhar para a cor da pessoa, sem olhar para o gênero da pessoa. O que nós queremos é cuidar de gente. Não importa o tamanho, não importa a cor, não importa o sexo, o que importa é cuidar de gente. Por isso, vocês podem ter certeza. Viajem com a cabeça tranquila, que aqui no Brasil nós estaremos rezando por vocês, torcendo por vocês.
O Fufuca estará lá como ministro do Esporte, acompanhando para não deixar nenhum de vocês sofrerem nenhum problema lá. Ele é bom de briga, não é judoca como eu, mas ele é bom de briga. E a Janja vai estar lá. Qualquer coisa que acontecer, ela tem que me ligar para eu reclamar com o Macron. Não deixa acontecer nada com os meninos e as meninas do Brasil nessas Olimpíadas.
Por isso, que Deus abençoe vocês. Boa sorte e que vocês voltem mais vitoriosos do que vocês já são.
Um beijo no coração.