Discurso de Lula durante sanção do PL 1818/2022 que institui Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo
Eu sempre que vou falar, depois de ouvir algumas pessoas falarem antes de mim, eu peço perdão para não ter que repetir a nominata. Porque quem está aqui já está eleito deputado, não vai precisar citar o nome para se eleger. Vereador não pode estar aqui, eu não posso citar o nome, porque senão ele será proibido de concorrer.
Prefeito, se estiver aqui, eu também não posso falar o nome, porque se ele for candidato à reeleição, não posso falar. Então eu queria pedir desculpas aos meus ministros, inclusive que estão aqui, ao presidente do IBAMA e à Marina [Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], para ter uma pequena conversa com vocês.
A primeira coisa importante, governador, é que eu só tive o prazer de governar esse estado com um governador do PT, no meu primeiro mandato com o Zeca do PT. Mas era um tempo difícil, porque a gente era novo, era o primeiro mandato, os recursos eram mais escassos do que o necessário. E eu, sinceramente, não consegui fazer tudo o que era preciso fazer quando o companheiro Zeca era governador. Aí depois, ganhou as eleições o Puccinelli [André, ex-governador do Mato Grosso do Sul].
E eu posso dizer para você que se você pesquisar a imprensa do Mato Grosso, você vai ver que toda vez que eu vinha a esse estado do Mato Grosso do Sul, a imprensa dizia que era eu que governava o estado do Mato Grosso do Sul, e não o governador. Da mesma forma, a prefeitura de Campo Grande. Houve um tempo que eu fiz uma campanha, e eu estava em cima de um caminhão, e o pessoal dizia: “está vendo aquela sarjeta, Lula? Foi você que fez. Está vendo aquele poste? Foi você que colocou”.
Porque acho que nunca nenhum prefeito recebeu a quantidade de recursos que o Nelsinho Trad [ex-prefeito de Campo Grande] recebeu quando eu fui presidente da República. Isso por uma coisa muito simples, governador.
Quando a gente exerce um cargo público, a gente não abre mão da relação pessoal, da relação de amizade, da relação ideológica que a gente tem com as pessoas. Mas o exercício de você governar de forma republicana, leva você à obrigatoriedade de tratar todos com o mesmo respeito, e atender não ao governador ou ao prefeito, atender ao povo do estado e ao povo da cidade. E é essa relação que eu tenho tido com todos os governadores.
Eu, de vez em quando, governador, em reunião de prefeitos, e eu fiz isso no último encontro, na Marcha dos Prefeitos lá em Brasília, eu disse o seguinte: eu desafio algum prefeito aqui, novo ou velho, a dizer se já teve um presidente da República que tratou as prefeituras como eu tratei nos meus oito anos de presidente da República. E por uma compreensão simples: o povo mora na cidade. É na cidade que ele quer o transporte, é na cidade que ele quer a escola, é na cidade que ele quer o asfalto, é na cidade que ele quer a água encanada.
Então, se a gente não tratar as pessoas com decência e com respeito, tudo vai para o saco, as coisas não dão certo. Não existe possibilidade do país ser rico com a prefeitura pobre ou a prefeitura ser rica com o país pobre. É preciso que a gente tenha a noção de que é muito importante que um prefeito tenha um dinheirinho para fazer o seu buraco, para fazer uma rede de esgoto, para fazer uma ponte, para fazer um viaduto. Todo mundo quer ter uma marca.
E esse país, habitualmente, os prefeitos mendigavam a Brasília, iam pedir ajuda, teve presidente que não recebeu, que eles eram recebidos por cães policiais, para não deixar eles encostar sequer perto do palácio. Eu, durante todo o meu período de presidente, eu participei de todas as Marchas de Prefeitos, de todas elas, sem distinção. Falei em todas, assumi compromisso em todas e cumpri os compromissos assumidos em todas. Chegamos até a antecipar recursos para a prefeitura por causa da queda do orçamento. Isso é um jeito de entender a política.
Ou seja, nós passamos num período em que o presidente da República visitava os estados e ele não comunicava aos governadores, não comunicava ao prefeito. Simplesmente era ele e a turma dele, e dane-se o resto.
Eu fico imaginando como é que é possível a gente governar um país de 27 estados, de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, uma coisa magnânima dessa, sem a gente repartir a governança com os demais entes federados. É por isso, governador, que você pode ter certeza que o tratamento que eu dou ao Mato Grosso do Sul é em agradecimento também à história que eu tenho nesse estado.
Aqui, já perdi muitas eleições aqui, mas teve uma que a gente ganhou e não levou, que foi quando Zeca foi candidato a prefeito de Campo Grande, uma das eleições mais extraordinárias que eu já participei, mais motivada, mais alegre. Mas, lamentavelmente, não levamos. Não se sabe por quê, mas não levamos.
Mas aqui, a minha recordação daqui, vocês brigadistas, vocês indígenas, vocês mulheres, é que eu aqui sou famoso por ser um bom pescador. Eu já vim pescar muitas vezes aqui. Muitas vezes. E sempre que eu vim, eu pegava o maior peixe. Um presidente não mente.
Então, é o seguinte, o Zeca ficava sempre choroso porque jogava 10 molinetes lá, 10 iscas, e eu jogava uma só e ficava esperando. Porque, enquanto o peixe não vem, eu fico meditando, tentando conversar com ele, porque é a possibilidade de uma conversa entre o ser humano e o peixe, se o ser humano gostar do peixe. E eu sempre dava sorte do maior pintado vir no meu anzol.
Até que eu desmoralizei tudo aqui com o meu jaú. Bem, então, eu vim muito aqui. Esse estado tem uma relação muito histórica. Aqui eu já visitei os indígenas de Amambai, já fui a Amambai, quando o Prego [Anilson Prego] era prefeito de Amambai. Aqui já andei, já fui de Três Lagoas a Campo Grande de carro, já ajudei a criar o PT com o João Monlevade aqui nesse estado, que era o presidente da ANDES. A gente andava num carrinho, sabe, vendendo farinha e banana pra poder seguir a nossa viagem para construir o partido aqui.
Então, eu tenho uma relação, eu diria, de coração com esse estado. E depois, por causa da grandiosidade do significado do Pantanal. Ou seja, um país que tem um território como o Pantanal, e a gente não cuida disso, esse país não merece o Pantanal. O Pantanal é um patrimônio da humanidade, pela diversidade de coisas que tem aqui.
E é por isso que eu estou orgulhoso de vocês, brigadistas, companheiro presidente do Ibama. Eu, minha mãe dizia assim pra mim: “meu filho, você tem que ver com os olhos, porque aquilo que os olhos não veem, o coração não sente”.
Então, você tem que ver. E eu queria dizer pra vocês que eu fiquei emocionado hoje, em cima de um helicóptero, vendo fogo pegando, e vendo os brigadistas tentando apagar o fogo e vendo o trabalho unitário que está sendo feito entre todos os entes federados. Nós aprendemos no governo, Zeca, de que o presidente da República não pode ficar no Palácio do Planalto culpando o prefeito porque teve um incêndio numa floresta.
O presidente da República também não pode ficar só culpando o governador, porque na medida que você fica culpando, o governador se afasta, o prefeito se afasta, a gente fica sozinho, e sozinho a gente não consegue fazer as coisas. Então, é muito mais importante a gente trazer essas pessoas para um compartilhamento das benfeitorias que a gente tem que fazer.
E é por isso que nós fizemos uma reunião com todos os governadores da região Norte do país, da Centro-Oeste, fizemos uma reunião com todos os prefeitos pra gente trabalhar em conjunto. A Marina, ela tem sido uma companheira, a companheira da transversalidade. Ou seja, essas coisas que a gente está votando aqui, muitas vezes, a Marina nem pede audiência comigo, ela fica com medo que o Marcola não marque.
Então, sabe o que ela faz? Ela vai e senta na sala de espera e manda dizer: “fala que eu estou aqui”. E como eu tenho uma relação muito, muito, muito respeitosa e carinhosa com a Marina, eu termino abrindo a porta e atendendo ela, mesmo não estando na agenda. Mas esse dia de hoje, essa lei que nós assinamos aqui vai ser um marco no combate a incêndio nesse país.
Primeiro porque a gente está reconhecendo o trabalho extraordinário que vocês fazem. Depois é um projeto que foi feito por vocês, na sua grande maioria. Terceiro porque o Brasil vai sediar a COP30 aqui o ano que vem, na cidade de Belém, e vai ser a primeira vez que a gente vai trazer o mundo para a gente dizer o que a gente vai fazer com o nosso país.
Porque o mundo dá muito palpite sobre o Brasil, todo mundo se mete a cuidar do Brasil, quando, na verdade, nós é que sabemos cuidar do Brasil. Os nossos indígenas são quem sabem cuidar desse país. Os nossos quilombolas são quem sabem cuidar desse país e o nosso povo trabalhador. Portanto, esse dia de hoje é muito especial.
Vocês estão percebendo, tem muita gente, a deputada está pensando: “não é que o Lula é pantaneiro mesmo? Fala como pantaneiro, conhece os peixes do Pantanal e tem muitos amigos aqui”. Deputada, porque eu sou um homem de fazer amigos. Eu, sinceramente, ontem, eu fiz um telefonema para o presidente Biden. Conversamos bastante sobre a Venezuela, conversamos e aí eu resolvi conversar com ele sobre as eleições nos Estados Unidos.
E eu comecei reconhecendo o seguinte, eu falei: presidente, eu queria que o senhor soubesse o que eu penso da sua atitude. Um homem para tomar a atitude que o Biden tomou de desistir de ser candidato há poucos meses das eleições em função de algum problema que só ele sabe o que tem, não sou eu, é preciso ter muito caráter, muita dignidade, ser muito ético e gostar muito do seu povo. Foi o que ele fez.
E isso é um modelo de exemplo de todo mundo que governa. A gente tem que fazer as coisas pensando sempre nos outros. A gente não fica esperando agradecimento. A gente não fica esperando que as pessoas reconheçam que eu fiz isso, eu fiz aquilo. O que nós fazemos é obrigação.
A União, ela não produz dinheiro, ela arrecada dinheiro. E o que ela faz é tentar distribuir da forma mais extraordinária e justa com todos os entes federados. Não sei se você percebeu, governador, nós criamos o PAC Seleções. Isso deve ser ideia do Rui Costa [ministro da Casa Civil]. E o PAC Seleções me trouxe um problema. Porque muitas vezes um prefeito do PT não recebe o dinheiro que ele pediu e um prefeito do outro lado recebe.
Sabe por quê? Porque a escolha é republicana, não é partidária nem ideológica. A gente escolhe o projeto dependendo da qualidade do projeto. Se o projeto for bom, se o projeto for factível e se o projeto atendeu aos interesses da comunidade, não há como a gente negar dinheiro para um bom projeto. O que não tem dinheiro é para bom discurso, mas para bom projeto tem sempre dinheiro.
Então hoje é um dia gratificante para mim. É a primeira vez que eu visto essa camisa de um brigadista. É a primeira vez. Não me queimei porque também não encostei perto do fogo. Mas, eu saio daqui com orgulho de vocês. Sinceramente. Eu no avião comecei a conversar com a Marina, tanto ela como eu ficamos com os olhos marejados de ver o esforço das pessoas lá embaixo. E muitas vezes, do nosso gabinete em Brasília, a gente não tem dimensão.
“O brigadista morreu não sei aonde, o brigadista fez isso, o brigadista...” A gente não tem noção do que é um brigadista. E eu tive o prazer hoje de ver um brigadista em carne e osso, um cidadão igual a mim. Com a missão nobre de apagar muitas vezes o fogo que a natureza trouxe ou o fogo que algum inimigo trouxe.
Por isso, hoje é um dia inesquecível para mim, Marina. Podem guardar essa foto, Stuckert [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual], porque não é todo dia que você vê um presidente da República vestido de brigadista com chapéu pantaneiro e eu quero terminar dizendo, Zeca, por favor, me convide para pescar outra vez, pô. Agora que eu sou presidente, eu vou pegar peixe maior e muito maior.
Então, gente, um abraço. Governador, pode ter certeza do seguinte: você será tratado por mim como um irmão, como um companheiro, porque é pensando na republicanidade que eu governo nesse país. Acho que o povo cansou. O povo cansou de ódio, o povo cansou de xingamento, o povo cansou de fake news, o povo cansou de tantas asneiras que se fez nesse país.
E nós achamos que é possível mudar. E a gente só pode mudar, não com palavras, mas com gesto. E você pode ter certeza que nós vamos ser parceiros durante muito tempo. Durante muito tempo. E o prefeito também pode ter certeza.
No mais, agradecer a vocês, brigadistas, homens e mulheres extraordinários, pessoas dedicadas ao nosso companheiro da ponta lá, o nosso Márcio, que é um companheiro que tem 30 anos de brigadista, cara. Trinta anos. É o maior apagador de fogo que eu conheço no Brasil. Já passou a ser meu herói.
A gente constrói herói aqueles caras da televisão, Márcio [Márcio Yule, coordenador-geral do Prevfogo/MS], você sai daqui, vem aqui tirar uma foto comigo, porque você não tem capitão estrela, não tem Rambo, não tem ninguém. Você é meu herói aqui.
Um abraço, gente. Que Deus abençoe todos nós e que a gente consiga debelar esse fogo pro Pantanal voltar a ser a beleza que ele é e que sempre foi.
Um abraço.