Declaração à imprensa do presidente Lula após reunião bilateral com o presidente da Bolívia, Luis Arce
Meu caro amigo Luis Arce Catacora, presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, e sua senhora Lourdes Brigida Durán Romero, minha querida companheira Janja, ministros e ministras que me acompanham nessa viagem à Bolívia, ministros e ministras da Bolívia que participaram desse evento. Eu quero dizer ao companheiro presidente da Bolívia de que nós estamos começando uma nova era na relação Brasil-Bolívia.
Antes de eu ler o meu pronunciamento, eu quero dizer à imprensa, tanto da Bolívia quanto do Brasil, de que vocês têm um papel extremamente importante em acompanhar o que foi assinado aqui e acompanhar o que vai ser executado daqui pra frente. Primeiro, porque nós estamos convencidos de que a integração não é mais uma retórica de discurso em época eleitoral. A integração é uma necessidade de sobrevivência dos países da América do Sul, do Brasil e da Bolívia.
Nós assinamos acordo aqui e temos consciência de que o que nós fizemos aqui tem como perspectiva melhorar a qualidade de vida do povo da Bolívia e melhorar a qualidade de vida do povo do Brasil. É por isso que nós estamos assinando esse documento. É porque é preciso dar uma chance, no século 21, para que Brasil, Bolívia e outros países da América do Sul deixem de ser tratados como países em via de desenvolvimento ou países do terceiro mundo.
Nós não temos toda a riqueza tecnológica que outros países têm, mas nós temos riquezas que a natureza nos permitiu e nos deu de presente que o mundo hoje necessita e que essa riqueza é encontrada na nossa querida América do Sul. Seja na produção de alimentos, seja na exploração de minerais críticos, seja na questão energética que o mundo precisa de uma transição, seja na produção de hidrogênio verde, seja na eólica, seja na solar, seja na biomassa, seja no biocombustível, ou seja, nós temos que oferecer ao mundo alguma coisa que eles não têm.
E é isso que o povo da Bolívia espera do Brasil. E é isso que o povo brasileiro espera da Bolívia. Companheiro Arce, a partir de agora nós decidimos que nós vamos nos ligar, telefonar, uma vez a cada dois meses. Cada problema que os ministros tiverem na execução dos nossos programas, nós temos que saber imediatamente. Porque se a gente não trabalhar com muita disposição, muitas vezes, uma simples má-vontade burocrática não permite que um bom projeto siga em frente.
E nós estamos trabalhando de forma muito, mas muito competente, para que a gente possa ter uma integração marítima, uma integração ferroviária, uma integração rodoviária, para que a Bolívia possa ir para o Pacífico, possa ir para o Atlântico, para que o Brasil possa ir para o Pacífico. Ou seja, nós queremos abrir o nosso continente para o mundo e queremos participar do desenvolvimento.
Bem, eu quero começar agradecendo ao presidente Arce por me receber neste momento em que as instituições bolivianas mostraram seu valor frente a uma grave ameaça.
Depois de quinze anos, desde a última vez em que estive na Bolívia como presidente, minha vinda simboliza mais que a retomada de uma relação de amizade.
Ela representa também a comunhão dos dois países cuja trajetória tem importantes paralelos.
Assim como no Brasil, a democracia boliviana prevaleceu após um longo caminho entrecortado por golpes e ditaduras.
Mas o que julgávamos que era o fim da estrada provou ser ainda um terreno movediço.
Em 2022, o Brasil completou o bicentenário de sua independência num dos momentos mais sombrios da sua história.
Em vez de celebrar, fomos tomados por uma onda de extremismo que desembocou no 8 de janeiro na tentativa de golpe.
O povo boliviano já havia provado desse gosto amargo com o golpe de Estado de 2019 e agora se viu acometido pela tentativa de golpe de 26 de junho.
Às vésperas de comemorar o seu bicentenário em 2025, a Bolívia não pode voltar a cair nessa armadilha.
Não podemos tolerar devaneios autoritários e golpismos.
Temos a enorme responsabilidade de defender a democracia contra as tentativas de retrocesso.
Em todo o mundo, a desunião das forças democráticas só tem servido à extrema direita.
Os exemplos recentes na França, a confirmar, e no Reino Unido demonstram o imperativo de superar diferenças em prol de um objetivo comum.
Isso também se aplica à integração regional.
Quanto mais sólida for nossa parceria, menor será o apelo dos que pregam divisões.
O bom funcionamento do Mercosul, que agora tem a satisfação de acolher a Bolívia como membro pleno, concorre para a prosperidade comum.
Esperamos também poder receber logo e muito rapidamente de volta a Venezuela.
A normalização da vida política venezuelana significa estabilidade para toda a América do Sul.
Por isso, fazemos votos de que as eleições transcorram de forma tranquila e que os resultados sejam reconhecidos por todos.
Bolívia e Brasil estão no coração sul-americano. A integração física e energética da região passa necessariamente pelos nossos países.
O engajamento boliviano é chave para a conclusão do conjunto de rotas que o Brasil tem chamado de Quadrante Rondon.
Com a construção da ponte binacional sobre o rio Mamoré, o transporte de bens ficará mais barato, beneficiando em particular os estados do Beni e Pando (na Bolívia) e Rondônia e Acre (no Brasil).
As propostas brasileiras para melhorar a navegabilidade no canal Tamengo e no rio Paraguai também visam facilitar nossa conexão.
A Bolívia segue sendo o principal fornecedor de gás natural do Brasil.
Conversamos sobre a possibilidade de ampliar investimentos nessa área e incrementar o volume exportado para o mercado brasileiro.
O Brasil também importa fertilizantes da Bolívia. Queremos fortalecer essa parceria com a implantação de uma fábrica de nitrogenados entre Corumbá e Puerto Quijarro.
Felicitei a Bolívia pela opção em investir em biocombustíveis e reiterei a disposição do Brasil de compartilhar sua experiência e tecnologia, de modo a contribuir para a transição justa da Bolívia.
No centro dessa transição, também estarão os minerais críticos.
A Bolívia tem grandes reservas de lítio, enquanto o Brasil possui terras raras, nióbio, cobalto, entre outros. Há pouco tempo, descobriu-se em solo brasileiro o terceiro maior depósito de manganês do planeta.
Como bem descreveu Eduardo Galeano, pelas veias abertas da América Latina correram o ouro de Minas e a prata de Potosí, que enriqueceram outras partes do mundo.
Juntos, podemos nos inserir de forma soberana nas cadeias de valor de recursos estratégicos e evitar que esse histórico de espoliação continue se repetindo no nosso continente.
Além do excelente relacionamento bilateral, Bolívia e Brasil partilham de visões de mundo convergentes, o que nos faz parceiros naturais em diversos temas.
A prioridade conferida à redução das desigualdades e à promoção da segurança alimentar é um deles.
Por isso, fiz questão de convidar a Bolívia a participar da Cúpula do G20 em novembro e a se somar à Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza que será lançada pela presidência brasileira.
O presidente Arce também manifestou o interesse boliviano de ingressar nos BRICS.
A questão da ampliação do grupo continuará a ser discutida na Cúpula de Kazan, na Rússia, em outubro. O Brasil vê como muito positiva a inclusão da Bolívia e de outros países de nossa região.
Compartilhamos com a Bolívia nossa maior fronteira, de 3.400 quilômetros, e dois dos nossos mais importantes biomas, a Amazônia e o Pantanal.
Infelizmente, a mudança do clima e o crime organizado não respeitam limites.
Disse ao presidente Arce que já temos uma excelente cooperação no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e que também podemos trabalhar juntos para combater os incêndios no Pantanal.
Assinamos hoje diversos projetos para fortalecer a capacidade de agentes públicos de combater o tráfico de pessoas e de drogas e melhorar a gestão migratória.
Também iniciamos negociação para viabilizar o acesso de brasileiros à saúde pública na Bolívia, e da mesma forma que bolivianos podem utilizar o Sistema Único de Saúde no Brasil.
Conversamos sobre a importância de garantir segurança jurídica a brasileiros na Bolívia, para que eles continuem colaborando com o desenvolvimento econômico deste país.
A Polícia Federal e o Consulado da Bolívia em São Paulo estão trabalhando juntos para regularizar a situação migratória dos milhares de bolivianos que tanto têm contribuído para dinamizar nossa economia e enriquecer nossa cultura.
É esse espírito de intercâmbio e cooperação que pauta a relação entre o Brasil e a Bolívia. Estou certo de que nosso diálogo e amizade crescerão e nos aproximarão cada vez mais.
Companheiros e companheiras, uma coisa que eu quero lembrar aqui é que a primeira ponte entre Brasil e Bolívia foi construída no meu governo na cidade de Brasileia, no Acre. A primeira ponte. E a primeira ponte, depois de 500 anos, entre Brasil e Peru, foi feita também no meu governo.
E se Deus quiser, e Deus nos ajudar, eu tenho certeza que nós vamos inaugurar algumas obras extraordinárias da integração definitiva do nosso continente. Porque, na verdade, nós temos que ter consciência. Os bolivianos têm que ter consciência. Não existe saída individual para nenhum país na América do Sul. Ou nós nos juntamos, formamos um bloco, tomamos decisões conjuntas e executamos as decisões, ou nós vamos continuar mais um século sendo país apenas em vias de desenvolvimento.
E eu quero terminar dizendo ao povo da Bolívia. Eu sei que vocês desejam prosperidade. Eu sei que vocês esperam desenvolvimento. Eu sei que vocês esperam melhores empregos, mais salários, mais saúde, mais educação. O mesmo espera o povo brasileiro. E é por isso, companheiro Arce, que, orgulhosamente, nós assinamos esse acordo. E por isso que eu quero terminar dizendo: hoje começa uma nova era entre Brasil e Bolívia.