Pronunciamento do presidente Lula na inauguração do campus da UFSB e do Hospital Costa das Baleias, na Bahia
Vamos ter uma conversa um pouco diferente aqui hoje. A conversa que eu queria começar a ter com vocês, depois de ouvir os discursos de muitos companheiros e companheiras, é que, em primeiro lugar, eu queria pedir que a gente fizesse um minuto de silêncio em solidariedade às pessoas que perderam familiares nas enchentes do Rio Grande do Sul, em segundo lugar para as pessoas que estão desaparecidas e, em terceiro lugar, para milhares e milhares de gaúchos que estão fora das suas casas por conta de uma catástrofe ambiental. Um minuto de silêncio.
Muito obrigado companheiros e companheiras.
Eu aprendi desde pequeno que o coração não sente aquilo que os olhos não veem. E de que a gente não consegue amar aquilo que a gente não conhece. Então é preciso que a gente enxergue, e é preciso que a gente conheça, pra gente aprender a gostar. Pra gente aprender a cuidar das pessoas que mais necessitam neste país. Quando eu falo muitas vezes da desgraça do povo, não é um discurso acadêmico de alguém que leu alguma coisa no livro.
Noventa e nove por cento das coisas que eu falo são coisas da minha própria vida. São coisas que eu vivi. São coisas que eu senti na pele. São coisas que eu vi minha mãe e meus irmãos sentirem durante toda a vida. Quando eu falo de enchente, eu não falo porque eu vi na televisão. Eu falo de enchente porque já tive dezenas de enchentes na minha vida. Já acordei muitas vezes de madrugada brigando com o rato, com barata, com fezes boiando dentro de casa, tentando tirar minha mãe porque o fogão já tinha perdido, a geladeira já tinha perdido, a televisão já estava perdida, o colchão já estava perdido, a mesa de fórmica da cozinha já estava perdida.
E eu sei o que é a gente ficar com a mão na frente outra atrás esperando um favor do poder público e a gente não recebia nada. Lembro que uma vez ganhei da prefeitura um colchão de capim. E era naquele colchão de capim que a gente dormia até a gente poder comprar um colchão um pouquinho melhor. Eu lembro quantas vezes que eu vivi enchente e ainda quando dava enchente em minha casa, eu tinha uma câmara de pneu de caminhão, amarrava uma corda e um amigo meu ficava segurando a corda que eu ia entrar de casa em casa para ver se tinha gente que precisando de ajuda.
E é o que o povo brasileiro tá fazendo pelo povo do Rio Grande do Sul. Eu nunca vi tanta solidariedade, tanta compaixão, como estou vendo agora no povo brasileiro, ajudando de corpo e alma cada mulher, cada homem, cada criança, cada pessoa que está desesperada com um volume de chuva que até então a gente desconhecia. Obrigado, Bahia, e obrigado, Nordeste brasileiro, pela solidariedade, pelo apoio que vocês estão dando.
Quando eu coloco a fome como a questão central da minha política, não é porque eu ouvi falar da fome. Não é porque eu li algum livro sobre a fome. Não. É porque eu saí de Pernambuco com 7 anos de idade, com mãe e 8 filhos menores, para não morrer de fome. E foi assim que a gente pegou o pau de Arara. Andou 13 dias para chegar em São Paulo. Quando chegamos em São Paulo, a minha mãe teve uma grata surpresa. O meu pai, que ela veio procurar, já estava casado com outra mulher e já tinha uma penca de filhos. E a minha mãe, com muita vergonha na cara, com 8 filhos pequenos, sem ter um bocado de feijão para comer, largou do meu pai e nunca mais permitiu qualquer conversa com ele.
Numa demonstração que a vida tem jeito quando a gente tem coragem, quando a gente tem caráter e quando a gente acredita na nossa própria força. Eu nunca tinha visto uma mulher com oito filhos menores ter coragem de largar o marido e morar num barraco que no primeiro domingo caiu uma parede na cozinha e nunca mais aceitou voltar para aquele marido. É por isso que vocês mulheres têm que entender. As mulheres não podem aceitar o sofrimento de pessoas que batem nela.
As mulheres não têm que viver com homem a troco de um prato de comida. A mulher tem que viver porque ele respeita ela, porque trata ela com decência. Tem que morar com ele porque gosta dele e ele gosta dela, porque se não a vida não tem sentido, ninguém pode viver a troco de um prato de comida. A gente quer mais, a gente quer comida, a gente quer estudar, a gente quer trabalhar, a gente quer passear, a gente quer viajar, a gente quer fazer muita coisa.
E esse mundo depende muito da nossa capacidade de agir. É por isso, companheiros e companheiras, que eu coloco a questão da pobreza como a primeira tarefa minha. Vocês estão lembrados do que eu falei quando eu ganhei as eleições de 2003? No meu primeiro pronunciamento eu disse, se quando terminar o meu mandato, cada mulher e cada homem nesse país estiver tomando café, almoçando e jantando, eu já realizei as coisas da vida que eu mais queria. E esse país tem jeito, esse país não pode continuar sofrendo, esse país tem tudo que a gente precisa, esse país tem terra, esse país tem água, esse país tem tecnologia, esse país tem jeito pra comprar, esse país tem jeito pra produzir.
“Ah, mas tem muita seca no Nordeste, o povo do Nordeste é pobre, porque tem muita seca”. A seca é um fenômeno da natureza, a fome por conta da seca é falta de vergonha na cara das pessoas que governaram esse país durante 500 anos. Dom Pedro era para fazer o canal do sertão de São Francisco em 1846, não deixaram ele fazer, precisou eu ganhar as eleições. Vocês percebem esse pescoço curto que eu tenho é de carregar lata d'água na cabeça com sete anos de idade, puxar a água barrenta de um açude para beber, carregar a pote na cabeça.
É por isso que a questão da pobreza está na minha prioridade zero um. A outra coisa é a questão da saúde. Eu tenho experiência de vida, porque eu tenho experiência de moleque pobre da periferia, quando a gente, às vezes, ficava tendo que procurar um benzedor, porque a gente não tinha médico pra ir, e tenho experiência de ser deputado federal, e ter o médico que eu quisesse, pago pela Câmara, ou ser Presidente da República, e ter o médico que eu quiser, a máquina que eu quiser pra fazer exame, diferentemente do pobre, que às vezes não tem condições de fazer uma ressonância magnética, não tem condições de fazer uma fotografia do coração, ou do pulmão.
E eu preciso que o Estado tenha vergonha pra garantir que essas pessoas tenham direito, o direito a tudo que a gente pode oferecer. É por isso, Jerônimo (Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia), que eu tenho orgulho de ver um caboco negro, você não vai dizer que você é moreno, não é? Ver um caboclo inaugurar um hospital de 200 milhões de reais numa cidade em que o prefeito é contra nós.
Eu não o conheço, não sei se ele é baixo, se ele é alto, se ele é preto, se ele é branco, se ele é gordo ou é magro, eu não o conheço. Eu só quero dizer pra vocês, é uma falta de respeito do prefeito não estar aqui agora, na inauguração, agradecendo ao governador Jerônimo, de ter feito o hospital aqui, agradecendo ao Lula pela universidade aqui, pela escolas técnicas. Eu jamais iria perguntar de que partido ele é, eu jamais iria perguntar se ele é torcedor do Bahia ou do Vitória. Eu jamais iria perguntar se ele é católico ou é evangélico. Ele tinha que ter vergonha e tá sentado aqui agradecendo, porque o que nós estamos fazendo aqui é pra cuidar de vocês.
Eu sou uma pessoa que todo dia eu agradeço a Deus, porque Deus foi muito generoso comigo. Se tem uma pessoa que tem que ir todo santo dia, antes de dormir, e a hora que eu levanto, tem que agradecer a Deus, sou eu porque Ele foi muito generoso comigo. Saí de onde eu saí, para não morrer de fome, não ter um diploma universitário, não ser doutor, ter casado, ter cinco filhos, ter oito netos e uma bisneta, e ser presidente da República pela terceira vez, é obra de Deus, é obra de Deus e obra de vocês.
Então companheiros, eu quero dizer para vocês, vocês não têm dimensão do orgulho que eu tenho, mas o orgulho quando eu encontro com a menina ou com o menino que fala: “presidente, eu sou formada por causa do Prouni, eu tô formada por causa dos FIES, eu tô no Instituto Federal, presidente, eu tô no Instituto Federal”. Vocês sabem que quando eu cheguei em 2003 na Presidência, de 1909 a 2003, esse país tinha 140 institutos federais.
Nós depois que ganhamos as eleições, esse ano chegamos a 782 institutos federais nesse país. E tô dizendo pro companheiro Camilo (Camilo Santana, ministro da Educação), se o Rui Costa (ministro da Casa Civil) ajudar e o Haddad (Fernando Haddad, ministro da Fazenda) colocar um dinheirinho, a gente vai chegar a mil institutos federais nesse país. Porque eu sei, eu sei de sentir na pele, a importância da educação. A educação é como se fosse um passaporte da liberdade. Com educação a gente arruma um emprego melhor, a gente ganha um salário melhor, a mulher não fica dependendo do prato de comida. Se o marido não trata ela bem, ela fala: “pode sair que eu não preciso de você”. É isso que é a educação.
A educação faz uma revolução na cabeça da gente, na vida da gente, na cultura da gente, no salário da gente, no que uma mãe sonha. Eu lembro da minha mãe, quando ela me levava no Senai, o grande sonho da minha mãe, eu fui o primeiro de oito filhos a aprender uma profissão. Eu fico imaginando vocês mães, que têm filhos ou filhas, o maior sonho de vocês é que essa criança possa estudar, e essa criança possa amanhã ter uma bela profissão, possa até ter um diploma de doutora na universidade federal ou na estadual. É isso que nós queremos, nós precisamos conquistar o direito de nos indignarmos com a falta de respeito.
Vocês lembram dessa Bahia, essa Bahia do tempo do ACM (Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia) que mandava aqui, vocês lembram. E vocês têm que medir a diferença da Bahia depois do PT, depois do Wagner (Jaques Wagner, ex-governador da Bahia), depois do Rui, e agora com o nosso Jerônimo, a gente tem que ver o que mudou. Ô gente, a gente tem que olhar na cara de vocês, a gente não tem que ver o eleitor, a gente não tem que ver apenas um cidadão, a gente tem que ver o irmão, olhar no olho e a gente ser solidário e dar a mão para quem tem menos que a gente, dar um pouco para aquele que precisa da nossa ajuda. É esse país que nós vamos construir. E é por isso, companheiro, que você pode ter certeza, o Governo Federal não faltará à Bahia em hipótese alguma.
Não é porque você é meu amigo, é porque eu acho que em outra encarnação eu nasci na Bahia. Eu dizia isso no começo do PT, na praça Castro Alves. Os mais velhos aqui se lembram. Eu dizia em 1989, não é agora não. Em alguma outra encarnação eu nasci na Bahia pelo amor que eu tenho por vocês, e pelo amor que eu sinto que vocês têm por mim.
Então, companheiros, eu quero ajudar, porque eu quero que o povo brasileiro cresça. Eu não quero violência. Nós agora vamos tomar decisões, em cada município desse país vai ter uma biblioteca, porque a gente quer que as crianças aprendam a ler e não atirar. Eu não quero fazer CACs, eu quero fazer biblioteca, para as crianças terem onde estudar, aprender computação. Jerônimo, em cada conjunto habitacional feito nesse projeto de dois milhões de casas, em cada conjunto habitacional vai ter que ter uma biblioteca para as crianças aprenderem a ler, para as crianças estudarem. A gente não quer nossos filhos perambulando pela rua.
A gente quer nosso filho em escola de tempo integral. A gente quer nossas crianças em uma creche decente. A gente quer nossas mulheres, nossos homens sendo tratados com respeito na saúde. A gente quer área de lazer para os nossos filhos brincarem. Nós não queremos uma criança morta com bala perdida. Nós queremos crianças com barriga cheia e com saúde sendo cuidadas pela mãe.
Eu, companheiros e companheiras, tenho muito orgulho dos nossos deputados e deputadas. Tenho muito orgulho dos nossos companheiros, porque eu sei que não é fácil. Eu não sei o quanto vocês apanharam me defendendo nos últimos anos. Vocês sabem que eu fui vítima da mais cretina mentira já contada nesse país. E, graças a vocês, eu estou aqui. Graças a vocês. O que eu aprendi, aprendi da minha mãe. Ela dizia: “meu filho, você nunca abaixa a cabeça. Se você abaixar a cabeça, os poderosos colocam uma cangalha no seu pescoço e você nunca mais vai levantar a cabeça”.
Então, companheiros, eu tô aqui. Voltei a ser presidente da República pela terceira vez pra dizer pra vocês: nós vamos consertar este país outra vez. Nós vamos consertar. Esse país vai voltar a crescer. As pessoas vão voltar a ganhar mais. E eu já garanti neste país, quem ganhar até 5 mil reais não vai pagar mais imposto de renda até 2026. E eu falei pra Nísia Nísia Trindade, ministra da Saúde: “ Nísia, nós temos um problema na Saúde, nós temos um problema”. Qual é o problema? Qualquer uma de vocês pode ir no médico, vai numa UPA, vai numa UBS e é atendida. O médico vai lá: “o que você fez? Você foi ao banheiro, você fez xixi, fez cocô, você não sei das quantas e tal”. A pessoa fala. Hoje nem pergunta mais, muitas vezes não pergunta.
E às vezes você volta pra casa com uma receita e você precisa procurar um oftalmologista, você precisa procurar um oncologista, você precisa procurar um ortopedista. E essas pessoas não existem. A gente fica com o pedido e essa pessoa não nos atende. Eu tenho oncologista, eu tenho ortopedista, eu tenho qualquer coisa que eu quiser. Porque eu morei numa casa de 33 metros quadrados, com mulher, sogra, três filhos e dois cachorros. Hoje eu moro no palácio, porque vocês me colocaram lá. Eu sei o que é ter as coisas e não ter.
E nós, Nísia, só vamos consertar a Saúde desse país no dia que todo mundo tiver o direito da primeira consulta, mas tiver acesso à segunda consulta, tiver acesso à imagem, pra fazer mamografia, qualquer imagem que precisar. A gente não pode esperar nove meses, dez meses, um ano, porque a gente morre. Então, gente, essa é uma briga.
Quando eu chamei essa mulher para ser ministra da Saúde, ela não é médica, ela era a presidente da Fiocruz, e eu trouxe ela pela competência dela, pela sensibilidade dela. Eu tenho certeza que ela vai ajudar a consertar esse país. Quando eu perguntei pro companheiro Jerônimo, ele me apresentou os companheiros que fizeram esse hospital, e tiramos uma fotografia. Eu perguntei pro Jerônimo onde eles vão trabalhar agora, porque terminam a obra, se não tiver outra, eles ficam desempregados.
A maior pressão que eu sofria quando estava terminando a plataforma da Petrobras, que eu ia inaugurar, era saber se ia ter outra para o pessoal trabalhar, porque se não o pessoal seria mandado embora. Então, nós fizemos no PAC, o Rui coordenou.
O PAC é um investimento de um trilhão e setecentos milhões de dólares, então não vai faltar obra nesse país pra vocês trabalharem, não vai faltar. Quando eu vejo a nossa secretária da Saúde dizer que 70% das pessoas que vão trabalhar aqui são mulheres, eu agradeço a Deus. Obrigado, porque as mulheres merecem mais do que isso, porque são elas que mais sofrem. Lá em casa eu tenho emas. As emas não são minhas, as emas são do Palácio. Ema é uma coisa que nem o avestruz. Ela bota os ovos em família. O macho tem várias fêmeas. E quem choca o ovo é o macho, não é a fêmea. E depois quem cuida dos filhotes é o macho, não é a fêmea.
As mulheres já aprenderam a trabalhar fora de casa, mas os homens não aprenderam a trabalhar na cozinha ainda. Os homens não aprenderam a trabalhar no tanque. Então é preciso que a gente seja solidário. Por isso, meus companheiros e companheiras, hoje eu termino o meu dia, porque eu vou para Brasília hoje. Amanhã vamos pensar no Rio Grande do Sul outra vez. Domingo eu vou pensar no Rio Grande do Sul. Segunda eu vou anunciar mais coisas para o Rio Grande do Sul. Terça-feira vamos anunciar mais coisas para o Rio Grande do Sul.
E quando a água baixar, eu quero visitar todas as cidades que foram afundadas na água para olhar na cara dos meus irmãos e dizer: “eu vou cuidar de vocês, o governo vai cuidar de vocês e vocês vão levantar a cabeça”. E tudo isso é por causa de uma coisa, é de um sangue nordestino que corre nessas veias aqui, filho da Dona Lindu. E tudo isso porque eu pensei que a minha vida tinha acabado.
Como Deus é muito generoso, Deus me deu a Janja para poder tocar o barco e me ajudar nessa empreitada. Então gente, obrigado, meu Deus, obrigado por tanta generosidade comigo e que eu possa dividir essa generosidade com o povo baiano, com o povo brasileiro e com o povo pobre deste país.
Um grande beijo, um abraço e até a próxima vez e até o próximo dia. Parabéns Jerônimo, parabéns Rui, parabéns povo baiano.
Um beijo no coração.