Pronunciamento do presidente Lula durante inauguração de planta de etanol de segunda geração do Parque de Bioenergia Bonfim
Meus amigos e minhas amigas,
Quando eu tomei posse na Presidência da República, em 2003, eu conversava com os meus companheiros como é que a gente iria fazer para recuperar a autoestima do povo brasileiro. A gente sempre teve uma autoestima baixa, porque sempre nos induziram a acreditar que sempre tinha alguém melhor do que nós lá fora. Sempre.
Não sei se é porque a gente foi colonizado, mas isso é resultado do que eu dizia de um país com complexo de vira-lata. Nada que a gente faz é bom, porque tem sempre alguém que faz alguma coisa melhor do que nós. E eu, na perspectiva de recuperar a autoestima do povo brasileiro, eu lembrei de uma cena que quem gosta de futebol aqui lembra. Do Ronaldo Fenômeno, jogava na Inter de Milão, e ele teve uma lesão no joelho, muito grave, e que muitos especialistas do futebol diziam que tinha acabado a carreira do Fenômeno. Ele não voltava mais a jogar bola, porque a lesão tinha sido muito grave. E, aí, o Ronaldo resolveu voltar a jogar bola. Voltou e foi o artilheiro da Copa do Mundo de 2002.
Por que eu estou dando esse exemplo? Porque nós utilizamos a imagem dele caindo, com o joelho torto, pegamos a imagem dele treinando para cunhar uma frase, que a gente dizia: “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”.
Por que eu comecei a minha fala dizendo isso para vocês? É porque nós precisamos acreditar que, de quando em quando, Deus dá oportunidade para nós. A natureza dá oportunidade para nós. E nós temos que saber se queremos aproveitá-la ou não em nosso benefício. Ou se nós queremos pegar aquilo que nos é ofertado e dar para os outros, continuar pobre, pedindo, com complexo de pequeno.
Não sei se vocês sabem, vocês devem assistir, quando vai jogar dois times de futebol, seja feminino ou masculino, você vê que, no meio do campo, antes do jogo começar, todas as jogadoras se abraçam ou todo jogador se abraçam. Eles não estão rezando. Naquele abraço que eles estão dando, tem alguém, que é o líder deles, e que fica dizendo: “pô, nós temos que ganhar. Nós temos que chutar. Não podemos deixar marcar gol na gente. Nós somos melhores do que eles”. Ou seja, ter alguém levando a moral da tropa, para que a tropa entre com gás e ganhe o jogo. Eu jogo em um time que tem 203 milhões de jogadores. Então, todo santo dia, eu tenho que acordar, levantando autoestima da minha tropa e dos meus jogadores. Todo santo dia.
Eu digo para os meus ministros: “Não há possibilidade de pessimismo em alguém que mora em um país que tem a competência do Brasil, que já perdeu tantas oportunidades, mas que é o maior produtor de suco de laranja, maior produtor de café, maior produtor de açúcar, maior produtor de cana, maior produtor de etanol, o maior produtor de soja, o maior produtor de milho, o maior produtor de carne de frango, o maior produtor de carne”.
Ô, meu Deus do céu, como é que um país que é maior em tantas coisas, na hora de pensar politicamente, fica pequeno?
É porque tem uma coisa chamada autoestima que, muitas vezes, ela é quebrada. E eu acho, meu caro Ometto [Rubens Ometto, presidente do Grupo Cosan] , eu saio daqui hoje com o prazer de um presidente da República que acredita, com a fé que eu acredito em Deus, de que esse país tem que dar certo.
A cana-de-açúcar, que já foi uma coisa tão maltratada no Brasil, houve um tempo em que a desgraça do Brasil era porque o Brasil dependia da monocultura da cana-de-açúcar. Aliás, a cana-de-açúcar que, durante quase 300 anos, era produzida aqui para exportar para os europeus. Aqui não ficava nada, porque o trabalho era escravo. A cana-de-açúcar que, até outro dia, as pessoas, aqui em São Paulo, aqui em Guariba, em todas as cidades, iam, de noite, olhar para onde estava o vento para tocar fogo na cana, porque era preciso queimar palha para poder matar escorpião, matar cobra, para os trabalhadores entrarem e cortar cana. O trabalho pesado, sofrido. O pessoal que vinha do Vale do Jequitinhonha, de Minas Gerais. O Vale do Jequitinhonha era conhecido como a região das viúvas de marido vivo, porque eles iam para cá, na safra de cana, para cortar e ficavam uma temporada muito grande aqui.
Essa mesma cana-de-açúcar que perturbava quantos moradores de cidades do interior com a fuligem caindo em cima do telhado, caindo em cima da roupa lavada que estava no quaral. Naquele tempo tinha quaral. Ou seja, essa mesma cana-de-açúcar, sabe, que, até outro dia, era isso, de repente, a gente descobre que aquela palha que a gente queimava, a gente estava jogando energia fora, por falta de conhecimento.
Essa cana-de-açúcar que, quando veio a crise de petróleo, em 1973, 1974, 1975, nós criamos o Proálcool. Essa mesma cana-de-açúcar, que produz açúcar, que produz para o álcool, e que foi tanta desgraceira nesse país, é também a razão pelo enriquecimento dos vários estados brasileiros, sobretudo o estado de São Paulo.
Olha, o que acontece nos dias de hoje: eu venho aqui, vou visitar um monte de bagaço, que antes era jogado fora, um pouquinho daquele bagaço era utilizado para misturar na ração animal. Nem sei se as vacas gostavam daquilo, mas eu sei que misturava. Eu não pus na boca, não sei se é bom. Se tiver um gostinho de álcool, até que é bom.
Mas aí eu vou ali, vejo aquele monte, aquele monte, é uma floresta, quase que um oceano Atlântico de bagaço de cana. E eu fico percebendo que a nossa engenharia, que os nossos pesquisadores, conseguiram fazer o que nenhum país do mundo, que pensa que é melhor do que nós, fizeram.
A gente consegue transformar aquele bagaço em uma coisa que produz o etanol de muito melhor qualidade do que o etanol normal que a gente produzia antes, que é um etanol de segunda geração. Olha, qual é o país que tem isso? Qual é o país? Os americanos têm isso? Os chineses têm isso? Os alemães têm isso? Eles têm outras coisas, que possivelmente a gente não tenha, mas a gente tem coisa que eles não têm. Vamos valorizar as coisas que nós temos.
Porque o mundo está passando por uma fase, hoje, que é a questão da transição energética. Quem não acreditava, pode acreditar. A questão climática é grave. O mundo está ficando meio descoordenado. Tinha lugar que chovia muito e que agora faz seca. Esse ano, no Rio Grande do Sul, a gente teve, em janeiro do ano passado, uma seca muito grave. E que nós fomos ajudar o estado a socorrer os pequenos agricultores. Em setembro, teve uma chuva no Vale do Taquari. Foi a maior da história, que nós fomos lá ajudar. E, quando chegou agora outra chuva, em Porto Alegre, que inundou como jamais tinha inundado. Só em 1941. Mas, naquele tempo, não tinha a quantidade de asfalto, de casa, que tem hoje.
Então a natureza está se manifestando em vários países. E o aquecimento global é uma verdade. E qual é o país que tem mais possibilidade de descarbonizar o planeta do que nós? Nós temos 90% da nossa energia elétrica limpa e renovável. Nós temos 55% da nossa energia de combustível renovável.
Eu não esqueço nunca, companheiros, quando em 2003, o Roberto Rodrigues, o meu primeiro ministro da Agricultura, aqui de Jaboticabal, entrou na minha sala dizendo: “presidente, eu tenho uma proposta para fazer ao senhor”. “Eu tenho uma proposta que a gente vai revolucionar o mundo”. Eu falei: “me conte, que eu sou revolucionário”. Ele falou: “presidente, eu vim propor ao senhor para a gente adotar a política de produção de biodiesel”. “A gente pode produzir da mamona, a gente pode produzir do pinhão-manso, a gente produzir do dendê, a gente produzir de muitas coisas, mas, inclusive, da soja”. Eu falei: “então nós vamos adotar esse negócio”.
Veja o que aconteceu: nós começamos a produzir biodiesel. A indústria automobilística começou a dizer que a gente não poderia fazer uma mistura muito grande, porque haveria corrosão no motor do navio. Como eu não sou engenheiro, não sou pesquisador, eu acreditei nisso. Eu fui em várias feiras da indústria automobilística, olhar aqueles caminhões grandes lá. “Olha só, pode utilizar B5, depois B6, depois B7”. Era sempre uma confusão para não utilizar o biodiesel. E a gente ofertando ao mundo: a gente tem condições de produzir um diesel limpo.
Bem, esse dia, seu Ometto, sabe o que eu ouço? Eu faço uma reunião com os grandes exportadores de soja e produtores de soja. E, entre eles, estava um amigo que eu prezo muito, chamado Blairo Maggi [ex-senador e ex-governador do Mato Grosso]. E entrou essa discussão do biodiesel. E o Blairo Maggi falou para mim: “presidente, deixe eu te dizer uma coisa, eu fui na Scania, comprei 100 caminhões zero quilômetro. E a Scania disse para mim: que os 100 caminhões que ele comprou poderiam utilizar 100% de biodiesel, que não tinha nenhum problema com o motor”. Inclusive, ele poderia usar nos caminhões velhos que ele tinha. Eu fiquei pensando: “pô, será que eu fui enganado tanto tempo assim?”. Aí eu descobri porque eu fui enganado: é porque o motor não é feito aqui, é feito lá. O motor é feito para eles, não é para nós.
Então, por que adotar um motor que vai utilizar um sistema que não é o que eles estão habituados? E nós ficamos atrasados na questão do biocombustível. A gente poderia estar produzindo muito mais. A gente aumentou para B15, a gente poderia aumentar para B20, para B25. Sabe, então, nós tínhamos uma oportunidade que eu diria que é uma oportunidade espetacular, porque o mundo vai ter que entender que o Brasil é o país que mais pode ofertar qualquer política de combustível renovável e de energia limpa. Ninguém consegue competir com o Brasil.
E, quando eu venho aqui em Guariba, visitar uma planta, e eu vejo que aquele monte de bagaço de cana-de-açúcar é capaz de produzir um combustível tão extraordinário que custa, no mercado exterior, o dobro do que custa etanol, eu fico me perguntando o que que esse país está esperando para ofertar ao mundo.
E quero dizer aos companheiros da Raízen, quero dizer ao meu ministro, eu já viajei muito o mundo carregando um cargo verde, porque, na época, havia a ideia de que a gente iria produzir plástico do etanol. Então, a Toyota inventou um negócio de um carro verde, eu andei o mundo inteiro com o carro. Carro de plástico. Dizendo: “nós vamos fazer o carro verde”. Não deu certo.
Pois bem, agora, eu quero dizer para vocês que eu vou fazer propaganda do nosso etanol de segunda geração. Vou fazer. É preciso que o mundo compreenda que esse país não é um país pequeno. Esse é um país grande. Esse país é um país que tem uma boa base intelectual, tem boa base de pesquisadores. Nós temos capacidade extraordinária de fazer qualquer coisa que outros países fazem.
Mas, já que a gente não quer competir nas coisas que eles já são especialistas, eles têm que entender que a gente não vai ficar produzindo hidrogênio verde só para exportar para eles, não. Se quiser, eles vêm utilizar a energia verde aqui, trazendo emprego para cá. Trazendo desenvolvimento para cá. Produzir as máquinas deles aqui. Não adianta querer produzir aço verde na China, aço verde na Alemanha. Vamos produzir aço verde em Guariba, vamos produzir em Ribeirão Preto, vamos produzir em Piracicaba, vamos produzir em qualquer lugar.
Então, meus queridos companheiros da Raízen. Meu caro Ometto, presidente do Conselho. Meus companheiros ministros, funcionários. Aliás, meus parabéns pela quantidade de meninas que trabalham na Raízen. Parabéns. A partir de agora, meus caros, vocês ganharam um garoto propaganda de graça. Que não vai cobrar nada de vocês. Mas, quando eu me reuni com o Biden [Joe Biden, presidente dos Estados Unidos], quando eu me reuni com o Xi Jinping [presidente da China], quando eu me reuni com o Modi [Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia], na Índia. Quando eu me reuni com Olaf Scholz [chanceler da Alemanha] na Alemanha, quando eu me reuni com o Macron [Emmanuel Macron, presidente da França], na França, eu vou dizer: “Escuta aqui, vocês tem etanol de segunda geração? Vocês tem? Vocês tem? Então compra o nosso, para de encher o saco e compra aquilo que o Brasil tem competência de produzir”.
É com esse orgulho que a gente tem que participar das coisas. Eu, às vezes, vejo que tem companheiro nosso que vai para o exterior e, na hora de falar, ele fica acanhado, parece que ele é de segunda classe. Não é geração, segunda classe. Sabe? Não estufa o peito e não fala com o tesão que tem que falar, com vontade. Acreditando naquilo que faz. E eu quero terminar dizendo para vocês: eu trouxe um discurso por escrito, eu nem li, porque eu não estava querendo ler. Mas eu queria dizer para vocês o seguinte: eu saio daqui com muito, muito, muito mais orgulhoso do que eu entrei, do potencial desse país. Esse país é capaz de, em uma cidade chamada Guariba, que eu ouvi falar, pela primeira vez, por causa de uma greve que teve em um canavial, liderada por um tal de Zé de Fátima, que ainda hoje está vivo aí. Ou seja, se um país é capaz de produzir uma empresa dessa para produzir um combustível desse, limpo, limpo. Eu fiquei pensando o que impede esse país de se transformar em uma grande economia?
Eu vou agora para o G7 e o Papa Francisco vai participar do G7. Vai participar o Papa Francisco, vai participar o Biden, vai participar o Macron, vai participar todo mundo. Eu vou acertar com o Alexandre [Silveira, ministro de Minas e Energias] e ele vai me preparar umas garrafinhas do nosso etanol de segunda geração. O processo todo de transformação, vamos levar um folder, de preferência, em inglês, porque eu quero entregar para cada um, para eles perceberam do que que o nosso Brasil, do Sul Global, é capaz de fazer nesse século.
Um abraço, parabéns à Raízen e parabéns a todos os diretores e funcionários.