Pronunciamento do presidente Lula durante cerimônia de sanção do Sistema Nacional de Cultura
Transmissão feita pelo Canal Gov no YouTube
Quem não acredita em Deus, não pode compreender como é que a senhora Bia Marinho pariu um filho desse. Porque ele, possivelmente, seja o filho que toda mãe gostaria de ter. Esperto, jeitoso, manhoso e muito inteligente. Marinho, eu tive o prazer de conhecer muito menino, ainda quando Eduardo Campos, logo no começo do seu primeiro mandato. E eu sempre tive uma curiosidade de saber se o passe dele estava à venda, que eu ia comprar que nem se fosse um jogador de futebol, mas não estava à venda. E ele foi contratado pela Margareth Menezes para ir para o Governo Federal. Eu fiquei muito feliz que você conseguiu contratar um gênio que eu não pude contratar. Mas depois nós dois perdemos ele por um moleque chamado José, que não deixou de ficar muito tempo em Brasília e ele retornou.
Eu ainda tenho vontade, mesmo ele não tão jovem com a vitalidade de um jogador de 20 anos, mas mesmo ele já estando quase que aposentado como atleta, eu ainda ousaria contratá-lo para percorrer esse Brasil, ajudando a gente a reviver a cultura do nosso querido Brasil.
A parte mais chata de uma atividade qualquer é o comício, é o discurso, e sobretudo o último discurso, porque o povo já ouviu tanto que o povo fica pensando: "mais um?". As pessoas nem jantaram ainda. Hoje é quinta-feira, hoje é dia de começar a tomar a famosa cervejinha na sexta-feira, no sábado, a gente começa na quinta. E veja uma coisa, minha querida Bia Marinho. Quem não acredita em destino pode começar a acreditar.
Eu tinha programado para vir a Recife já há algum tempo com a governadora e eu precisava vir a Recife independente de qualquer coisa. Quando eu fui comunicado pelo chefe da Casa Civil de que eu tinha que sancionar o Sistema Nacional de Cultura, e eu tinha que escolher, ou eu vinha para cá, ou eu ficava em Brasília, chamava os deputados que foram relatores, os senadores, em volta da minha mesa, chamava possivelmente a minha querida Margareth Menezes e assinava. O Stuckinha tirava uma fotografia, colocava na rede, estava sancionada a Lei de Cultura.
E aí eu lembrei que a gente poderia fazer um ato aqui em Recife. E ao mesmo tempo eu lembrei que quinta-feira ainda não é um dia que a gente pode convocar muitos artistas, afinal de contas, os artistas trabalham, e quinta-feira é dia de muito trabalho, é música, é teatro, é viagem para outras cidades. E a gente encontra menos artistas do que numa segunda-feira, que normalmente — da mesma forma que a segunda-feira é o dia do padre descansar, porque a paróquia vai permitir — os artistas descansam na segunda-feira, porque ninguém quer fazer show depois da ressaca do domingo.
Então eu falei: "bom, vamos tentar fazer alguma coisa em Recife e vamos tentar fazer uma coisa nordestina". Vamos tentar convidar artistas de todo o Nordeste brasileiro e eu sei que não era possível porque só tinha dois dias. O Márcio recebeu a designação para fazer esse ato em dois dias. Em dois dias a gente não consegue juntar muita gente. Em dois dias, se a gente não contar com a benevolência dos nossos aliados e o prefeito, mais uma vez, foi extraordinário, porque nós estamos num palco, nós estamos num teatro que foi feito em homenagem à Dona Lindu, por um outro ex-prefeito de Recife (o companheiro João Paulo Lima) que governou essa cidade durante oito anos.
Então, quando a Janja não entrou comigo aqui, ela estava admirando aquela estátua da minha família, dos retirantes nordestinos. Ela foi ver lá como eu era bonitinho quando era pequeno, quando eu "peguei o pau de arara". Mas o que é importante aqui, queridos companheiros deputados e deputadas, senadores e os companheiros ministros, artistas e convidados. O que é importante? Eu participei da Constituinte de 88, e sou signatário da aprovação do Sistema Único de Saúde no Brasil. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes, que tem um sistema de saúde universal.
Nenhum país do mundo tem isso. O Brasil tem. E um sistema que funciona, meu querido Fernando Ferro, um país que funciona, um sistema que funciona. O problema é que o sistema é tão bom que ele só aparecia na mídia, antes da Covid, quando tinha uma desgraça, quando alguém não era atendido, quando alguém ficava na fila e morria dentro do corredor do hospital. Aparecia aqueles, quem sabe, representantes de muitas redes do setor privado criticando nosso SUS. "Porque o SUS não presta; porque o SUS não tem gestão; porque tá tudo errado; é falta de competência; essa coisa não pode ser pública, essa coisa tem que ser privada; porque tudo que é privado é melhor".
É mentira, querido João Paulo, é mentira. O Sistema Único de Saúde, na hora que deram oportunidade para o Sistema Único de Saúde, e veio a Covid, que vitimou em pouco tempo, quase 700 mil pessoas, dos quais, ontem me disseram que tem por volta de 40 mil crianças órfãs de pai e mãe por conta da Covid.
Se não fosse o SUS, possivelmente, a gente teria milhões de pessoas que morreram nesse país por falta de atendimento. Então, esse ato da cultura aqui, ele começa me lembrando de uma coisa muito forte: é que os artistas brasileiros tem de ser tão fortes quanto foram os homens que trabalham no SUS, as mulheres que trabalham no SUS que, mesmo correndo o risco de vida, ousaram salvar o povo brasileiro de uma crise que a gente não estava preparada.
E porque a gente tinha um governo irresponsável, negacionista, que tinha o ministro da Saúde que não entendia de saúde. Aí quando precisou, o SUS apareceu com toda a sua grandeza para salvar esse país. As pessoas não sabem, mas o SUS é quem faz 99,9% de todos os transplantes que vocês veem falar na televisão. É o SUS que faz! É o SUS que distribui remédio de graça para milhões e milhões de pessoas que não podem comprar e, se não fosse o SUS, morreria porque não tem o remédio. Obviamente que o SUS ainda tem deficiências, mas sem ele nós não seríamos nada.
E agora, nós temos um Sistema Nacional de Cultura, e isso significa que ninguém vai poder achar que, extinguindo o Ministério da Cultura, vai acabar a cultura. Isso significa que ninguém pode ficar dizendo que a Lei Rouanet é uma lei para dar desfalque nos cofres do Tesouro para sustentar vagabundo. Porque era essa a imagem que tentaram passar dos criadores de arte desse país, um "bando de vagabundo" que fazem coisas que não têm interesse para a sociedade, que mal educa as nossas crianças e os nossos adolescentes.
Isso, no momento histórico em que a ignorância comandava o nosso país. E o que seria do mundo se não fosse a cultura? O que seria do mundo se não fosse a arte; se não fosse a música; se não fosse a dança; se não fosse a pintura; se não fosse vocês? Aquela pessoa que levanta todo dia de manhã tentando fazer alguma coisa para despertar o interesse em outra pessoa.
O que seria no mundo? Se o mundo fosse igual ao mundo que os negacionistas queriam que fosse o Brasil? Não. Agora, vocês têm que ter a seguinte concepção: nós temos o Ministério da Saúde [Cultura], que desde 2003 é o Ministério que tem, em toda a história da cultura desse país, a maior quantidade de recursos públicos para investir na cultura desse país, graças a uma lei chamada Aldir Blanc, aprovada pelo Congresso Nacional, e graças a uma Lei Paulo Gustavo, também aprovada pelo Congresso Nacional.
Mesmo com a maioria mais conservadora, o Congresso Nacional teve a competência de entender que cultura é uma parte da alma de uma nação. O que seria de uma nação sem cultura? Imagina vocês o que seria a Bahia sem o seu Carnaval, sem a Margareth Menezes, sem o Axé. Imagina o que seria a Bahia. O que seria de Pernambuco, se não tiver o Galo da Madrugada? O Galo da Madrugada não é nem Carnaval, eu acho que é a maior passeata alegre do planeta Terra, em que as pessoas saem. Mas, obviamente, que é um estilo que não compete com o Carnaval da Bahia, que não compete com o Carnaval de São Paulo, que não compete com o Carnaval do Rio de Janeiro. É um estilo — e a gente precisa aprender a respeitar os estilos, o jeito das pessoas se divertirem e brincarem.
Imagina o que seria o nosso Pernambuco sem o Maracatu. Imagina o que seria do Pernambuco sem o frevo. Porque vocês sabem que eu tentei descobrir quem é (e de onde veio) o frevo; ninguém sabe. O frevo é daqui mesmo. Eu fiquei pensando que o frevo vinha do Benim, vinha de Angola, vinha de Moçambique, não. Eu tentei saber, conversei com muita gente, li muito livro. O frevo é uma coisa criada aqui em Pernambuco.
Vocês sabem que, quando eu era presidente, várias vezes que eu recebi convidados estrangeiros, eu tentei levar o frevo. Essa filha do Ferro que cantou aqui, essa menina, ela era ainda uma criancinha, mas ela já era do Teatro Municipal, aqui de Recife, e eu nunca vi ninguém dançar frevo com tanta competência, nunca vi. Eu até pensei que ia entrar pra cantar frevo, mas depois toda a vestida à gala. Falei: "não vai dançar frevo, ela não vai dançar, não entrou com o guarda-chuvinha na mão". Falei: "bom, perdemos uma dançarina de frevo, mas ganhamos uma cantora". Isso significa que a espécie vai evoluindo através da cultura.
A cultura possibilita evolução, a cultura possibilita melhoria de vida das pessoas, a cultura possibilita emprego, porque tem muita gente que acha que a cultura não gera emprego. A pessoa não sabe que por trás de um violão que está tocando o sambinha no bar, tem um cara sabendo o batuque no pandeiro, outro batendo no bumbo, outro na timba, sabe, todo mundo. E tem um cara que arrumou o som, preparou o microfone, viu se a caixa de retorno estava funcionando. E ainda tem alguém que fica contando, para saber se o dinheiro que foi contratado está entrando. Isso é uma coisa extraordinária, é uma geração de emprego que representa quase 30% do PIB nacional, e a gente não sabe disso.
E a gente tem que evoluir, porque, Margareth, uma coisa que me deixa "puto da vida" é quando eu vou num lugar que tem música e ninguém presta atenção. A pessoa fica conversando alto e a pessoa nem bate palma pro artista. Nem bate palma. Eu fico muito puto, porque você contrata um artista e ele vai lá, fica num barzinho cantando, tocando e o pessoal comendo e ninguém bate palma. Palma não custa nada, é só uma questão de respeito e de educação. Ainda tem aquele chato que fica falando com o artista "canta essa, canta essa, canta aquela". Não sabe que o artista ensaia. Não pode inventar na hora um pedido de música.
Muitas vezes, a gente está habituado a ver apenas os artistas famosos da televisão, porque até chegar em ser famoso na televisão, a arte e a cultura sofrem muito, sofrem. Isso é que nem a Olimpíada. Você tem um coitado, no Brasil, e meninas... aquela Rebeca, que ganhou medalha de ouro, sabe? Depois que ela ganhou medalha de ouro, todo mundo quer patrocinar. Itaú, Bradesco, Santander, não sei quem quer patrocinar, mas antes de ela ficar famosa, se não fosse o Bolsa Atleta, ela não tinha nem tênis para poder treinar.
Porque quando aparece um patrocinador, não é que ele quer ajudar. Ele quer ganhar dinheiro com a fama do outro. Mas quando a gente resolve pagar três mil reais para o menino da periferia comprar um tênis e poder treinar, aí sim, você está apostando que é possível acreditar no ser humano. É a mesma coisa na cultura. O que é que precisa? A oportunidade para as pessoas, chance das pessoas mostrarem o que sabem fazer? Hoje, Margareth, eu saí de Arcoverde, um companheiro (que eu acho que a governadora conhece) estava com uma cruz. Ele queria me apresentar a cruz. Pensei que ele ia me dar, mas não queria dar cruz, não. A cruz é dele. Ele só queria mostrar o que ele fez.
Ele me explicou a cruz — eu já estava com a mão assim, ele disse: "não, a cruz é minha". Aí ele começou a chorar, porque ele falou: "presidente, obrigado, porque depois que você voltou, apareceu um dinheirinho pra poder exercer a minha arte aqui em Arcoverde, ter um dinheirinho pra poder trabalhar normalmente". E esse dinheirinho está espalhado em quase 5.700 municípios desse país, porque cultura não é apenas no eixo Rio-São Paulo, cultura é da cidade mais pobre, é do povo mais humilde. A cultura não está pronta, ela é feita todo dia, por cada gesto de ser humano.
E é isso que a gente quer fazer. É isso que a gente está disposto a fazer. E é por isso que nós recuperamos o Ministério da Cultura. E é por isso que eu encontrei essa companheira maravilhosa, Margareth Menezes, que uma vez, há muito tempo atrás, ela era iniciante. Eu fui no Carnaval da Bahia, e o Jacques Wagner falava isso pra mim: "ô Lula" — e já estava lá cantando Daniela Mercury, não sei se tinha a Ivete Sangalo — e falou: "Lula, vamos ficar pra ver uma companheira chamada Margareth Menezes, é uma jovem negra, vamos ficar aqui até três horas da manhã, até ela aparecer pra cantar". E ela cantou e me encantou. E por isso ela virou a nossa companheira ministra da Cultura do país.
Ela sozinha não vai conseguir fazer o que todos nós queremos que seja feito. É importante que vocês tenham a seguinte consciência: são vocês que podem ajudar esse país a dar certo. São vocês. A gente tem apenas o Sistema Nacional de Cultura e é preciso a gente não deixar ele "empobrecer", é preciso a gente fazer um debate muito forte, porque a gente tem que ajudar todo mundo. A gente tem que lutar contra o preconceito daqueles conservadores que são contra a arte, que são contra a cultura, que são contra o artista de televisão, de teatro, os que dançam. Não é possível que a gente não tenha coragem de enfrentar essa gente que inventa mentiras todo dia. Uma "política de costume" conservadora, que não tem nada a ver com a realidade ou a evolução da humanidade. E se a gente não reage, a gente perde o jogo. Esse país não pode retroceder.
Esse país já passou vexame demais. Esse país foi um último país a acabar com a escravidão. Esse país foi o último a conquistar a independência, o último a ter o direito de voto da mulher. Por que a gente vai ser o último também na questão da cultura? A gente foi o último a ter Universidade Federal. Então, gente, vamos ser muito espontâneos, vamos lutar para a gente ter uma cultura de verdade, para a gente ajudar as pessoas. A Lei Rouanet não é "favor". A Lei Rouanet não "dá dinheiro" ao cara. A Lei Rouanet aprova um projeto; o artista que tem um projeto aprovado vai ter que correr atrás de dinheiro. E vou contar uma coisa para você: se ele for negro e pobre da periferia, ninguém quer dar dinheiro para ele.
A pessoa quer dar dinheiro para outro tipo de artistas — e nós precisamos fazer com que eles, mais humildes, tenham acesso ao financiamento para apresentar sua música, sua arte. Porque se não, o país vai ser um país apenas de uma classe social. Nós não queremos um país em que seja uma supremacia branca, de olhos verdes. Não. Nós somos assim como nós somos: negros, brancos, pardos. Nós somos assim porque nós somos o resultado de uma mistura, de uma mistura de indígenas, de negros que vieram da África e dos europeus que vieram pra cá, embranquecer a nossa sociedade, porque o Império já estava cansado, porque os pretos e indígenas estavam ficando a maioria absoluta da sociedade brasileira.
Então, gente, nós temos que aproveitar a nossa miscigenação. Nós somos bonitos negros; nós somos bonitos pardos; nós somos bonitos brancos; nós somos bonitos brasileiros. Nós somos o que nós somos, porque nós nascemos do DNA de uma mistura exuberante dos seres humanos. A gente precisa lutar muito, porque quando a gente olha o ser humano, a gente não está vendo uma mulher, a gente não está vendo um homem, a gente não está vendo um preto, a gente não está vendo um branco, a gente não está vendo um pardo. A gente está vendo um ser humano, e por ser um ser humano, tem que ser tratado com respeito, tem que ser tratado com carinho, porque isso faz parte da nossa cultura.
Eu agradeço a Deus por estar vivendo esse momento. É um momento excepcional, em que eu digo sempre que se eu morresse hoje, eu já teria completado a minha passagem pela Terra. Mas como eu tenho um compromisso e um acordo com o homem lá de cima, eu quero viver 120 anos. Eu ouvia o Ariano Suassuna dizer: "onde a Caetana estiver, eu não vou". Então, meu caro, é o seguinte: eu estou começando a deixar de ir em enterro, porque em enterro a bicha está lá, então eu não quero. Eu não quero mais ficar visitando gente que está no fim da vida, porque a bicha está lá, eu não quero. Eu só quero visitar creche, quero visitar o berçário, onde está nascendo a energia, aquilo é o que eu quero visitar. Porque eu quero viver muitos anos — porque se tem uma coisa que vocês precisam saber é que eu amo a vida, eu amo a vida que é o maior dom de Deus.
E esse dom de Deus eu quero fazer junto com a revolução cultural que vocês podem fazer, por favor. A cultura não é do Lula, não é do governo, não é da Margareth, a cultura é de vocês. Usem e a exercitem com toda a força que vocês têm dentro do coração e da cabeça de vocês. Um beijo no coração. Obrigado aos deputados, aos senadores que aprovaram essa Lei.
Hoje é um dia consagrado porque nós promulgamos a lei do Sistema Nacional de Cultura. Não sei quantos países têm isso, mas eu sei que nós temos. Então, podemos cumprir aquilo que nós fizemos, porque se é bom para o Brasil, vai ser bom para o mundo. Viva a cultura brasileira! Viva os artistas brasileiros e viva a nossa rainha, Margareth Menezes!