Pronunciamento do presidente Lula durante a 1ª reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista
Eu tenho um discurso por escrito aqui, mas acho que não é nem necessário ler o discurso. Porque o que nós estamos fazendo aqui hoje é recuperar uma relação verdadeira entre o Estado brasileiro, nesse momento representado pelo governo brasileiro, com os povos indígenas do nosso país. Quando nós criamos essa comissão, que não era conselho, a gente fez nessa mesma sala uma reunião com muitos povos indígenas. Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima] era ministra, Tarso Genro era o ministro da Justiça, e a gente imaginava que a gente iria criar uma relação verdadeira entre o governo brasileiro e os povos indígenas – independentemente de quem fosse presidente da República.
Porque o que é importante é a gente estabelecer institutos legais que possam funcionar independente de quem seja o presidente da República. Porque, se não for assim, a gente dá um passo para a frente e dez para trás. Eu queria só estabelecer com vocês uma coisa que eu sei que vocês estavam esperando. Eu sei que vocês já sabem, mas é porque eu quero estabelecer com vocês uma relação verdadeira.
Quando eu era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e eu ia começar uma campanha salarial, eu fazia comissão por setor, em cada fábrica. E quando eu reunia os trabalhadores em uma sala, eu dizia para eles: “Olhe, vocês vão eleger membros para participar de uma comissão”. A comissão tinha 300 pessoas. E eu não vou ficar aqui. Eu vou sair da sala, porque eu quero que vocês escolham a pessoa mais verdadeira que vocês acreditam.
Porque o cara que vocês escolherem tem que levar para vocês, do sindicato, a verdade absoluta. Quando ele abrir a boca, vocês acreditam. E ele tem que trazer, de dentro da fábrica, a verdade absoluta daquilo que os indígenas estão dizendo. No caso, era o que os trabalhadores estão dizendo. Porque, se houver uma política de mentira, não dá certo. Então eu saía da sala e os trabalhadores indicavam, um por um, os membros da comissão de fábrica, da comissão salarial.
A coisa mais extraordinária que acontecia é que nem sempre é escolhido o cara que falava mais. Nem sempre era escolhido o cara mais bravo. Nem sempre era escolhido o cara que pensava que era o melhor. Parece que tinha uma coisa fantástica na cabeça do povo que eles escolhiam, às vezes, uma pessoa que você não acreditava que eles fossem escolher. Mas ele indicava, porque ele acreditava que aquela pessoa era a pessoa mais verdadeira na relação com eles.
E eu quero dizer isso para vocês para dizer o seguinte: essa comissão aqui não é apenas uma comissão dos povos indígenas. Essa comissão aqui, esse conselho, é algo mais importante do que uma comissão. São vocês que vão orientar o governo sobre as decisões de políticas para os povos indígenas que nós vamos colocar em prática nesse país. Não é nem a ministra Sonia [Guajajara, ministra dos Povos Indígenas]. Não é nem a nossa companheira, presidente da Funai. Não é nem o presidente da República.
Vocês, agora, passam a ser uma espécie de comissão da verdade para as discussões sobre as questões indígenas nesse país. E, se eu estou dizendo que isso é uma comissão da verdade, eu começo sendo muito verdadeiro com vocês. Eu sei que vocês estão com uma certa apreensão, porque vocês imaginavam que vocês, hoje, iam ter a notícia de seis Terras Indígenas assinadas por mim aqui. Acho que vocês já sabiam disso. O ministro Lewandowski [ministro da Justiça] me levou, a semana passada, seis Terras Indígenas para que eu assinasse hoje, na frente de vocês. E nós decidimos assinar só duas. E eu sei que isso frustrou alguns companheiros e algumas companheiras, mas eu fiz isso para não mentir para vocês.
Eu fiz isso porque nós temos um problema. E é melhor a gente tentar resolver o problema antes da gente assinar. Nós temos algumas terras que estão ocupadas, algumas por fazendeiros, outras por gente comum, possivelmente tão pobres quanto nós. Tem umas que tem 800 pessoas, que não são indígenas, ocupando. Tem outras que têm mais gente. E tem alguns governadores que pediram tempo para a gente saber como é que a gente vai tirar essas pessoas, porque eu não posso chegar lá com a polícia e ser violento com as pessoas que estão lá. Eu tenho que ter o cuidado de oferecer para essas pessoas uma possibilidade outra, para que vocês possam entrar tranquilamente na terra.
Então eu falei com a Sonia, a Sonia teve que viajar, ela não pôde entrar em contato com os governadores. O Rui Costa [ministro da Casa Civil] entrou em contato com os governadores a meu pedido. Os governadores, dois, são governadores aliados nossos, que pediram um tempo. E nós vamos dar esse tempo. E essas propostas estão na mesa da Casa Civil, feita pelo ministro da Justiça, e ela está pronta. E, agora, a responsabilidade de tentar resolver a relação política com os governadores. Teve governador que não atendeu a Sonia. Mas, agora, nós vamos chamar esse governador aqui para ter uma conversa com ele e mostrar que nós precisamos resolver da melhor maneira possível. Da melhor maneira possível. A gente não quer briga nem para prejudicar o indígena e também não quer prejudicar o trabalhador rural. Mas, se tiver gente que grilou essa terra, que está ocupando indevidamente essa terra, a gente vai ter que encontrar uma forma, ou negociada para os governadores tirarem eles, ou através da justiça nós vamos tentar tirar eles.
Então eu quero que vocês saibam que essas terras, já está pronta a definição das terras. Agora, o que nós queremos é não prometer para vocês uma coisa hoje e, amanhã, você ler no jornal que a justiça tomou uma decisão contrária. A frustração seria maior, como foi o Marco Temporal, que vocês viram. Eu vetei tudo, mas aí eles derrubaram o meu veto. E, agora, nós estamos a continuar brigando na justiça para manter a decisão que a Suprema Corte já tinha tomado.
Então, eu estou dizendo isso porque eu quero que essa relação entre nós seja a mais verdadeira possível. Vocês, quando tiverem uma reunião do conselho, vocês não têm que vir aqui para agradar a Funai, para agradar a ministra, para agradar o Lula, para agradar ninguém. Vocês têm que vir aqui para dizer para nós, com todas as letras possíveis, aquilo que o povo indígena está querendo que a gente faça. E a gente tem que ser verdadeiro com vocês para dizer tudo aquilo que a gente pode ou não pode fazer. Para que a gente possa estabelecer, entre nós, uma relação.
E eu quero dizer para vocês, para terminar minha fala, Sonia. A Soninha sabe a diferença quando ela não era ministra, que ela era candidata a deputada, quando ela estava em Imperatriz do Maranhão. Eu perguntei para a Sonia, hoje: “Ô, Sonia, você acha que você está realizando, como ministra, tudo aquilo que você pensava quando você era apenas uma indígena em Imperatriz do Maranhão, candidata a deputada federal ou presidenta da APIB. Ela falou: “Não, presidente. Não, porque a coisa é muito mais difícil. É muito mais difícil. Muitas vezes, a burocracia é muito difícil”.
Quando chega no governo, para fazer o concurso para a Funai, a Joenia [Wapichana, presidenta da Funai] está esperando já há um ano para fazer o concurso para a Funai. A Marina está esperando um ano para fazer concurso na área do ministério dela. E assim é todo mundo. Agora que nós estamos tentando recompor as coisas no lugar. Que foram todas... É como se fosse uma casa desmontada. Nós, agora, estamos montando a casa. Segunda-feira, vamos anunciar um programa de crédito para todo mundo nesse país e, aí, é o tempo da gente começar a colher o que a gente plantou.
Eu quero dizer para vocês: nós vamos fazer um esforço com os governadores que nos pediram um tempo. Nós vamos conversar com as pessoas que estão nessa terra e eu prometo a vocês que nós vamos assinar essas terras para que a gente possa dar um passo mais importante.
É importante a imprensa saber que essas terras que a Sonia avisou aqui, que foram homologadas em 2023, elas representam 852 mil hectares. Vocês sabem qual é, muitas vezes, a queixa que os contrários à legalização das Terras Indígenas, reconhecimento, têm. “Ah, ô, presidente, mas os indígenas já têm 12% do território nacional. Mas eles já têm 14% do território nacional”. E isso é utilizado como argumento para mostrar que tem muita terra na mão dos indígenas e, agora, nós também vamos dar para os quilombolas — e eles vão ficar mais raivosos ainda, porque os quilombolas também têm direito às terras deles. E nós vamos tentar legalizar o máximo possível, sempre respeitando o tempo da lei e o que diz o código do processo civil, o que diz o código penal, o que diz a Constituição. Mas nós vamos fazer. E eu posso dizer para vocês: a minha volta à Presidência é para a gente fazer 100% daquilo que a gente sonhou em fazer, quando a gente se colocou como candidato à Presidência da República. E nós vamos fazer. E vamos dizer para os nossos críticos: se a gente tem 10%, 12%, 14% ou 15% das terras é pouco. Porque a gente tinha, antes dos portugueses chegarem aqui, 100% de todas as terras deste país.
E eu sei, eu sei que vocês têm consciência de que, onde tem conflito, onde tem gente ocupando – porque nós temos terras que eu ia homologar que tem gente que tem título da terra dado por governo passado, por governadores. Então, você não pode chegar em um cidadão que está em uma terra, que ele tem um título dela dado por um governador, que não levou em conta que a terra era uma Terra Indígena, e tirar a pessoa na marra. Nem vocês querem isso e nem eu quero. A gente quer fazer uma negociação e dar para as pessoas aquilo que elas merecem.
Por isso, companheiros e companheiras, eu estou muito feliz com esse encontro aqui. Esse encontro, eu quero que vocês saiam daqui, esse encontro não é criação do conselho indigenista desse país. Esse encontro é, definitivamente, a criação de uma comissão da verdade entre um governo e os povos indígenas, para que a gente possa reparar as injustiças que vocês foram vítimas durante 500 anos.
Muito obrigado pela presença de vocês e até outro momento, se Deus quiser. Se Deus aqui e a Sonia me convidar, eu participarei de todas as reuniões do conselho, porque eu acho que é importante o presidente da República estar presente para ouvir a verdade de vocês, é importante o ministro da Justiça estar presente. É preciso o advogado-geral da União, que é quem recorre das coisas do governo, estar presente. É preciso que a Marina esteja presente. Que o Rui Costa esteja presente. Para que não seja uma discussão em que vem um sozinho, participa da reunião, leva para os outros que não participaram da reunião e, como os outros não participaram da reunião, não sabem como é que foi o clima e é mais fácil dizer não. Mas, quando a gente está presente, é mais difícil a gente dizer não.
Por isso, parabéns ao conselho, parabéns à Soninha e parabéns a nossa querida Joenia, presidenta da Funai. E parabéns aos membros do conselho indígena deste país.
Um abraço e até o próximo encontro.