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Mensagem do Presidente Lula lida pelo Ministro Mauro Vieira na cerimônia de celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos-Lisboa, 25 de abril de 2024
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa,
Excelentíssimo Senhor Primeiro Ministro da República Portuguesa, Luís Montenegro, em nome de quem saúdo os demais Chefes de Estado e Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,
Meu colega, Ministro Paulo Rangel,
Senhoras e senhores, amigos e amigas,
É antes de mais nada uma enorme honra representar o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que por força de compromissos assumidos no Brasil, não pôde estar conosco hoje, e proferir, em seu nome, algumas palavras que refletem seu sentimento sobre um movimento que transformou profundamente Portugal e impactou o mundo lusófono.
Agradeço, primeiramente, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa – um conhecido amigo do povo brasileiro – pelo honroso convite para que o Brasil se fizesse representar nessa solenidade histórica em que se comemoram os cinquenta anos da Revolução dos Cravos.
Tomo a liberdade de começar citando artigo altamente emocional da lavra do escritor brasileiro Ruy Castro – um homem que sempre travou suas batalhas na trincheira da democracia –, publicado na edição do último domingo de um dos maiores jornais brasileiros. Nele, rememora sua experiência pessoal naquela Lisboa de 25 de abril de 1974:
Cito:
“Entre os jornalistas brasileiros, eu era o único a estar lá – por acaso, mas estava. E não só naquele dia. (...) Só n[o] dia 28 chegaram os repórteres, alguns, da imprensa internacional, tão famosos quanto seus jornais ou revistas. Mas nenhum tinha mais condições de avaliar aquele momento do que os brasileiros (...), também porque o Brasil vivia a pior época de sua própria ditadura, a dos anos Médici. Pois ali estávamos nós, vendo ruir uma ditadura com trilha sonora em português.
A diferença entre as duas ditaduras estava no grau de censura. Tivesse a Revolução dos Cravos acontecido no Brasil, a imprensa portuguesa seria obrigada a escondê-la nas páginas internas e minimizar sua importância. Já a nossa imprensa, amordaçada sobre outros assuntos, pôde celebrar a libertação portuguesa com estardalhaço”.
O renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que, muito jovem, ao lado de sua esposa Lélia, tinha-se exilado da ditadura brasileira em Paris, conta que, com a Revolução, o casal decidira viajar de carro a Lisboa, onde faria sua primeira grande reportagem fotojornalística. Seu registro é igualmente poderoso e ilustrativo:
“Foi uma coisa maravilhosa, porque não fomos só nós. Todo mundo que tinha uma ideia libertária, que tinha o sonho do socialismo de verdade, de uma verdadeira democracia, foi para Portugal: uma espécie de Revolução Espanhola, só que sem violência.”
Impressiona o grau de unanimidade que a Revolução amealhou na sociedade portuguesa à época, tendo contagiado outros países do universo espiritual lusófono.
A Revolução dos Cravos legou a Portugal um sistema político plural e inclusivo, voltado à promoção da dignidade humana e à construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Os ideais democráticos e humanistas da Revolução dos Cravos serviram de inspiração a outros países. A própria Constituição Brasileira de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, inspirou-se no modelo prospectivo e transformador da Constituição Portuguesa de 1976.
Esta data marca não apenas o início da redemocratização de Portugal, mas também o momento em que o país derrotou o fascismo, reconheceu o direito à autodeterminação de todos os povos e deu início à jornada para enfrentar seu passado colonial.
Nos últimos cinquenta anos, Portugal firmou seu lugar no mundo: um país ao mesmo tempo atlântico e europeu, pacífico e seguro, próspero e confiante, sem jamais renunciar à âncora da lusofonia.
A sensível melhoria dos indicadores sociais, o salto qualitativo da infraestrutura, a inserção na União Europeia, tudo isso representa avanço inegável em relação à realidade pré-revolucionária.
Nossa Comunidade de Países da Língua Portuguesa é uma grande fraternidade unida pelo idioma, pelos laços históricos e culturais compartilhados e pelo espírito de concórdia. Hoje, compartilhamos uma visão mais homogênea de nosso passado comum.
Senhor Presidente,
Vivemos em um contexto internacional cada vez mais desafiador e complexo. Segundo algumas estimativas, há mais de 150 conflitos em curso no mundo, enquanto as tensões geopolíticas se agravam, e os embates entre as potências tornam-se a cada dia mais agudos.
Recorre-se ao uso da força militar em ritmo semelhante ao abandono das regras e normas multisseculares que regem o Direito Internacional.
Nesse momento crítico para as relações internacionais, Portugal tem-se destacado como um exemplo de estabilidade e comprometimento com o diálogo e a cooperação. O país mantém firme compromisso com o multilateralismo, com o Direito Internacional e com a solução pacífica de controvérsias. Assim como o Brasil, Portugal não aceita um mundo em que as diferenças são resolvidas com base na lei do mais forte.
Dentro de nossos países, a influência crescente das redes sociais tornou nossas sociedades vulneráveis a campanhas de desinformação e manipulação, que deslegitimam a política e a ação coletiva e colocam em risco a própria democracia. O aumento da desigualdade cria uma casta de poucas pessoas extremamente poderosas que podem empregar seus vastos recursos para desestabilizar governos.
Senhor Presidente,
Neste ano em que comemoramos os cinquenta anos do 25 de Abril, o Brasil ocupa a presidência do G20, um fórum internacional de grande relevância para a coordenação macroeconômica entre seus membros e ainda maior potencial para transformar a governança global.
É, antes de tudo, o fórum político e econômico com maior capacidade de influenciar positivamente a agenda internacional na atualidade.
Como já declarado pelo próprio Presidente Lula, não convém a ninguém um mundo marcado pelo recrudescimento dos conflitos, pela crescente fragmentação, pela formação de blocos protecionistas e pela destruição ambiental.
Na presidência do G20, portanto, o Brasil buscará promover uma nova globalização que promova a paz e combata as disparidades, com base na promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões social, econômica e ambiental.
Temos muito orgulho de contar com Portugal durante nossa presidência do G20. Ao lado dos demais países-irmãos da CPLP, é um parceiro indispensável em nosso esforço de renovar as instituições políticas internacionais e recolocar as pessoas no centro das políticas públicas.
Senhor Presidente,
O cinquentenário do 25 de Abril nos lembra o quanto um povo pode alcançar quando está determinado a construir instituições democráticas.
Este momento é também uma oportunidade de refletirmos sobre o futuro.
A capacidade dos portugueses de reinventar seu país é uma fonte de inspiração a todos aqueles que desejam um mundo mais livre, mais humano, mais justo e mais próspero.
Esses são também os objetivos do terceiro mandato do Presidente Lula à frente da Presidência da República no Brasil. Não é coincidência: os ventos da Revolução dos Cravos atravessaram o Atlântico Sul e apraiaram no Brasil, inspirando gerações de brasileiros e brasileiras a lutar pela democracia, pela civilidade e pela dignidade humana. Essa luta não terminou.
Os ataques à política e à cultura, que tristemente dominaram o Brasil nos últimos anos, impediram que o genial Chico Buarque recebesse o Prêmio Camões em 2019. Somente no ano passado essa injustiça foi reparada, com a entrega do prêmio, aqui em Lisboa, na presença do Presidente Lula e do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Como canta Chico na segunda versão de “Tanto Mar”:
“Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim”
Feliz 25 de Abril. Viva Portugal! Viva a democracia!
Muito obrigado.