Pronunciamento do presidente Lula durante abertura da 1ª Reunião Plenária de 2024 do Consea
Eu vou falar com esse microfone que o Stuckinha [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual da Presidência da República] preparou para mim. E, quando o Márcio [Macêdo, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República] tentou colocar a mão nesse microfone, quase que eu tiro você dessa mesa, porque esse microfone aqui foi preparado para o presidente falar.
Olha, eu, se tem um ser humano que tem razões de sobra para levantar, todo dia, feliz, sou eu. Eu sempre pautei a minha vida por não levantar, de manhã, azedo. Levantar, de manhã, brigando com alguém, se bem que eu brigo com muita gente que trabalha comigo. Mas, por exemplo, ontem aconteceu uma coisa, aqui nesse salão mesmo, com outra montagem aqui, menos sofisticado, essa aqui parece um festival de cinema, de tão bonito que é esse negócio.
Mas, ontem, nós fizemos aqui uma coisa importante, que foi o acordo que construiu um projeto de lei que, pela primeira vez, vai dar cidadania plena ao pessoal que trabalha em aplicativos como o Uber. Então, é uma coisa extraordinária, porque isso parecia impossível. Muita gente achava que não era possível a gente fazer isso. E, nós, depois de um ano de discussão, um ano, envolvendo Ministério do Trabalho e Emprego, envolvendo outros ministérios, envolvendo os empresários, envolvendo os dirigentes sindicais e trabalhadores do Uber. E as trabalhadoras. Ontem, nós fizemos um feito extraordinário.
Eu não sei quantos países no mundo já conseguiram fazer o que foi feito aqui. Eu sei que a Espanha conseguiu fazer e, na Espanha, depois de muito tempo de discussão, já no governo Pedro Sánchez, que amanhã estará nos visitando, aqui no Brasil. Eles conseguiram aprovar, no Congresso Nacional, por um voto. Por um voto eles conseguiram criar a lei que garante uma certa legalidade aos trabalhadores de aplicativo. E parece que na Coreia também tem alguma coisa nesse sentido. Mas tem poucas coisas no mundo que já foi feito.
Eu até acho que o companheiro Marinho [Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego) e o Audo Faleiro vão ter que mandar o resultado da lei que nós fizemos para o nosso amigo Biden, presidente dos Estados Unidos, porque nós assinamos um acordo sobre trabalho decente e eu acho que essa é uma primeira boa experiência que a gente pode mostrar ao mundo o que é possível fazer.
No início, eu vou falar aqui, porque eu preciso repetir muitas vezes isso. No início, muita gente fez críticas dizendo que a gente queria, sabe, um fazia uma crítica de que a gente queria acabar com a CLT. Outros faziam críticas de que a gente queria forçar os trabalhadores a serem CLT. E a gente não queria nem um, nem outro. A gente criou uma nova categoria de trabalhadores no Brasil, chamado trabalhadores autônomos com direitos. Eles vão pagar 7,5% de previdência, o trabalhador, sob o salário mínimo, e o empresário vai pagar 20%. Isso é um acordo firmado, é um acordo sui generis na história desse país. E, portanto, ontem, parabenizei o Ministério do Trabalho e Emprego e as pessoas que trabalharam. E, sobretudo, os trabalhadores dos aplicativos do Uber, que foram muito importantes.
A segunda coisa que eu fiquei muito feliz ontem, quem participou teve a chance de participar de um evento extraordinário, que foi a 4ª Conferência da Cultura nesse país. Primeiro, a participação de muita gente. Muita gente mesmo. E muita gente do Brasil inteiro. Segundo, a alegria estampada na cara das pessoas, por conta não apenas da volta do Ministério da Cultura, mas porque o Ministério da Cultura voltou muito poderoso. Ele voltou com duas leis: Aldir Blanc, e ele voltou com a Lei Paulo Gustavo, que coloca no ministério R$ 15 bilhões, que é para o ministério fazer política de cultura.
É a maior quantidade de dinheiro da história da cultura neste país, a ser executada pelo Ministério da Cultura. E esse dinheiro está sendo distribuído entre os seis mil municípios que se inscreveram e os estados. Portanto, eu quero dizer para vocês que eu ouço dizer que, daqui há alguns dias, não vai ter nenhum artista se queixando de falta de recurso para que esse país tenha atividade cultural em todos os quadrantes do nosso território.
E a terceira coisa é por esse ato de hoje. Esse Consea é um filho que eu e outros companheiros conseguimos gerar antes de eu ser candidato à Presidência da República. O presidente da República era o Itamar Franco, quando a gente teve a ideia de criar o Programa Fome Zero e teve a ideia de mandar para ele a proposta de criar o Consea. E, na época, eu até tive a ousadia de gerar, de indicar os dois nomes. Na época, eu indiquei o Dom Mauro Morelli para ser o presidente do Consea. E o Betinho para ser o secretário-geral. Como o Itamar era mineiro e, na mineirice dele, ele preferiu escolher o Betinho como presidente e o companheiro Dom Mauro Morelli ficou na secretaria-geral. E os dois trabalharam de forma extraordinária nas condições em que era possível.
Naquela época, eu tive a ideia de que o Consea precisaria estar ligado à Presidência da República para ele poder funcionar. Hoje eu não penso mais assim. Hoje eu acho que a Secretaria-geral da Presidência da República tem a incumbência e a obrigação de colocar dentro do seu guarda-chuva o Consea, e dar ao Consea o mesmo tratamento respeitoso que ela teria se tivesse na Presidência da República, porque o Consea tem que ser olhado com um olhar muito especial, um olhar de lupa, porque é das decisões do Consea que a gente pode acertar mais ou errar mais. Então, acho, vocês ficam com a incubência de tomar conta e, no dia que falhar, eu tomo de você. E você vai ficar, sabe, com a brocha na mão. Eu vou tirar de você para você não se meter a besta nesse negócio do Consea.
A terceira coisa importante, que eu tô feliz, é pelo seguinte: olhe, aqui, nesse salão, nós temos, Betta [Elisabetta Recine, presidenta do Consea], todos os ingredientes que nós precisamos para resolver o problema. Todos. Nós temos fome. É um ingrediente necessário para que a gente exista. Para que a gente possa combatê-la.
Seria bom que a gente existisse para cuidar, sabe, de melhores coisas, e não cuidar de uma coisa que é inexplicável existir no final do século 21, quando a ciência, a genética, já provou que é possível produzir alimento para todos os milhões e bilhões de seres humanos e ninguém precisava passar fome. Então, nós temos o primeiro ingrediente, que é a pessoa com fome, criança desnutrida e pessoas com idade e também com fome.
A segunda coisa importante é que nós temos o governo. Então, a gente, ao invés de ficar brigando de fora para alguém fazer, nós temos que fazer. Esse é o segundo ingrediente importante. E, depois, nós temos vários outros ingredientes. Nós temos ministério da produção agrícola, tanto do agronegócio quanto da pequena e média empresa brasileira, da agricultura familiar. Temos Ministério da Saúde, que me apresentou dois grandes manuais aqui sobre a questão da boa alimentação.
E eu queria aproveitar e dar um conselho para o Ministério da Saúde e dar um conselho também para o Consea, que seria importante que a gente pudesse transformar esses relatórios numa coisa mais popular, com menos páginas, para que todo mundo soubesse o que está escrito aqui dentro e soubesse o que está escrito aqui dentro. Porque, senão, fica muito sofisticado você produzir um material de informação que, depois, as pessoas não conseguem ter acesso e, muitas vezes, se tem acesso, não conseguem entender todas as palavras. Portanto, a comunicação é primordial.
E a outra coisa importante é o seguinte: nós temos, agora, a nossa querida Conab, que está na nossa mão agora. Agora, a gente pode fazer estoque de alimentos. E a gente pode escolher alimentos de qualidade para fazer estoque. Se a gente tiver estoque, a gente pode cuidar de duas coisas: primeiro, a gente pode cuidar de garantir preço mínimo para o pequeno e médio produtor ter certeza de que ele vai perder com as intempéries. E, ao mesmo tempo, a gente pode ter certeza que, se faltou alimento, a gente vai ter alimento para regular o próprio mercado interno.
A gente vai ter condições de garantir e fazer as cestas básicas saudáveis. Ou seja, nós não precisamos pedir para ninguém. Nós temos na mão os instrumentos para a gente fazer. E a outra coisa, mais importante, que não pode faltar para nós, é vontade.
Eu comecei dizendo que o mundo não queria ter fome, porque o mundo já produz alimento suficiente. Qual o problema da fome? É a falta de dinheiro. Tem uma parte que se perde entre o campo e a cidade, mas, no fundo, no fundo, a essência é que falta dinheiro. Porque, quando tiver dinheiro circulando na mão do povo pobre e ele puder comprar, todo mundo vai querer produzir, para vender. É uma coisa lógica que acontece na nossa vida.
Agora, quando as pessoas não tem para comprar, as pessoas não se sentem estimuladas a produzir. É assim na nossa vida. Então, veja, nós precisamos ter consciência de que o problema não é de falta de alimento, é falta de recurso para as pessoas terem acesso à alimentos. Obviamente que falta recurso para garantir a melhoria da qualidade da produção. O aumento da produção. Tudo isso a gente pode melhorar.
Mas eu quero chamar atenção que o nosso problema só não dará certo se a gente virar burocrata, se a gente virar preguiçoso e a gente não trabalhar. Nós temos todos os instrumentos para acabar com a fome nesse país.
Nós temos o presidente da República, nós temos o ministro da Fazenda, nós temos o ministro do Planejamento, o ministro do Meio Ambiente, o ministro da Ciência e Tecnologia, o ministro da Agricultura. Ou seja, nós temos tudo. Então, daqui há algum tempo, eu vou cobrar de vocês e vocês cobrem de mim: por que que a gente não conseguiu o sucesso que a gente queria? Por que a gente não atingiu todo mundo? Por que ainda tem gente com fome?
Eu falei para a Betta ontem: olhe, o problema é o seguinte, é que toda vez que tiver a falta de alguma coisa ou tiver um problema – porque burocracia atrapalha pra cacete e enche o saco –, você tem muito mais gente para colocar obstáculo do que para facilitar. Tem muito mais gente para dizer não. Eu conheço bem a máquina pública. E se o cidadão tiver má vontade, aí juntou a fome e a vontade de comer.
Então, veja, é importante que a gente não permita que nenhum problema burocrático, de qualquer instância do governo, de qualquer instância do governo, crie problema. Quando tiver um problema atrapalhando, por favor, por favor, quando tiver um problema, essa coisa é resolvida na mesa da Presidência da República.
Portanto, não vamos ficar conversando pelos corredores, se queixando pelos banheiros, se queixando nas reuniões, fazendo o zap dizendo: "Ah, não está dando certo, porque fulano não me atendeu". Não existe isso para acabar com a fome nesse país.
Acabar com a fome é prioridade zero deste país. E, portanto, é trabalhar. É cada um de nós exigir, a começar de nós mesmos, se a gente está fazendo as coisas corretas. "Ah, se eu posso fazer uma coisa, às 9 horas da manhã, mas eu vou deixar para fazer à tarde". "Ah, mas à tarde também, eu acho que vou deixar para fazer amanhã". A gente não tem o direito de desrespeitar as pessoas que passam fome nesse país. Criança desnutrida não pode esperar. Pessoas que não tomam café e não almoçam não podem esperar. É um compromisso de honra nosso. É um compromisso de fé, é um compromisso de vida, a gente acabar com essa maldita doença chamada fome, que não deveria existir em um país agrícola como o Brasil.
Então, essa reunião daqui é um chamamento à nossa responsabilidade. A minha, companheiros ministros, não deixa nada passar para amanhã. Betta, não deixe nada. Nós temos que fazer as coisas. Nós já estamos há um ano no governo. Estamos há um ano. Até agora, foi tudo para arrumar a casa. Sabe? Foi tudo para arrumar, mas a casa, agora, está arrumada. Agora, a Conab já está cheia de alimentos. O Edegar Pretto [presidente da Conab] diz que está trabalhando muito, tem muito alimento. O Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar] diz que o pequeno produtor está produzindo não sei das quantas. Sabe? O agronegócio está sobrando comida que não consegue exportar. Sabe, então, é o seguinte: o que que falta para nós?
E veja que engraçado: não é só o problema de dinheiro, porque, também, nesse país, tem gente que, por excesso de dinheiro, come mal. Porque tem uma outra doença, chamada obesidade, que é a falta de educação alimentar. Ou seja, as pessoas tem que saber, todo santo dia, se a pessoa pudesse colocar na parede da geladeira, na parede perto do fogão, em qualquer lugar, o que que é bom comer, o que que é saudável comer, o que que engorda, mas não engorda tanto. O que que emagrece, mas não emagrece tanto. O que é importante a gente comer. Obviamente que nós seríamos uma sociedade que ia dar menos trabalho para você, Nísia [Trindade, ministra da Saúde].
A gente ia procurar menos o SUS, a gente ia procurar menos remédio, a gente ia praticar um pouco mais de esporte, ia andar um pouco mais, ia correr um pouco mais. Para criar essa sociedade, nós dependemos de quem? Do governo americano? Não. Do FMI? Não. Dos nossos adversários? Não. Depende de nós. Depende de nós. Então, nós temos a obrigação.
Essa reunião aqui, Betta, não é apenas a primeira reunião do Consea, é a primeira reunião em que a gente está assumindo, publicamente, o compromisso de que, ao terminar o meu mandato, no dia 31 de dezembro, a gente não vai ter mais ninguém passando fome por falta de comida neste país. Esse é um compromisso que nós temos que cumprir. É importante ter em conta isso. Daqui pra frente é muito trabalho e pouca conversa. Muito trabalho e pouca conversa.
Então, é o seguinte, eu falei que quando terminar o meu mandato, mas me deram tanto livro para ler que eu não sei se termina em um mandato só. Então, me desculpem, é que eu tô aqui e vou tentar fazer o esforço para começar a ler amanhã isso. Mas a verdade é essa, companheiros, a verdade é essa: eu tô angustiado. Eu acabo de fazer uma reunião, em Addis Abeba, na Etiópia, com os 54 países do continente africano. O problema lá é fome. Eu acabo de fazer uma reunião no Caricom, com os 15 países do Caribe, na Guiana. Qual é o problema lá? É fome. Eu fiz uma reunião em São Vicente e Granadinas, com os 33 países da Celac, da América Latina, Caribe e América do Sul. O problema é a fome.
Então, eu vou dizer para vocês: que esse problema, aqui no Brasil, a gente vai acabar. E são vocês que vão acabar. São vocês. Não pensem que sou eu, não. Eu tô aqui só dando palpite, quem vai ter que fazer são vocês, que sabem. Que vocês estão querendo cozinha popular, vocês estão querendo cozinhas democráticas. Vai ter. Vocês estão querendo mais recursos para produção agrícola, vai ter. Tudo vai ter. Tudo vai ter.
E, quando vocês forem pedir para o ministro e ele disser: "Não tem dinheiro", diga para eles que ele tem que botar a mão no bolso e tirar o dinheiro. Porque, para combater a fome, tem que ser a prioridade zero. Não tem nada mais sagrado do que isso. A molecada já está com a fome combatida na refeição escolar. São 40 ou 47 milhões, tudo bem. Mas, tem muita gente, Wellington, eu fui... A Janja pegou o endereço, não sei se passou para você. Eu fui em uma casa em Magé. Cheguei naquela casa e a mulher foi receber a casa. A mulher tinha uma mãe que tinha mal de Alzheimer. A mulher tinha um filho que tinha uma doença mental. Morreu. E a mulher tinha um neto que também tinha problemas de saúde mental. E eu perguntei para a mulher: "Quanto você ganha por mês?". Primeiro eu perguntei se ela recebia o Bolsa Família. Ela falou: "Não". Eu falei: "Do que você vive?". Ela falou: "Eu ganho R$ 300". E eu fiquei agoniado, porque não tem programa do governo de R$ 300. Isso é para alguém que é meio-governo, o nosso é inteiro. Eu falei: "Mas, olha, moça, o governo dá R$ 600, mais R$ 150 por criança de até seis anos de idade, e mais R$ 50 até 17 anos de idade, ou 18, 19". O Wellington está dando até para aposentado já, não mede esforço.
Então, você ficou sabendo dessa mulher? Você resolveu? Era empréstimo? Ora, porque eu fico pensando, como é que uma pessoa vive com R$ 300 por mês? E você não imagina a alegria da mulher, a alegria, Wellington, aliás, é um favor que eu vou te pedir. Ela ficou enrolada nos empréstimos do Bolsonaro. Então deixa eu lhe falar: Wellington, uma coisa que a gente tem que ver é, de vez em quando, fazer uma aferição no nosso CadÚnico, para ver se está, todo mundo que precisa, lá dentro. Ou se tem gente que não precisa e está lá dentro. Você sabe que, de vez em quando, aparece alguém, malandro, para ocupar um lugar de alguém que precisa. Então, é preciso que a gente faça seriedade na fiscalização, para que a política pública seja corretamente aplicada. A gente pode errar em qualquer coisa, mas, no combate à fome, a gente não pode errar. Porque, do nosso erro, pode depender muitas vidas humanas.
Dito isso, companheiros e companheiras, eu quero dar parabéns, mais uma vez, aos conselheiros do Consea, à nossa companheira Betta e a todos vocês que participam, ministros, ministras, convidados especiais, jornalistas. Acreditem, acreditem como vocês acreditam em Deus: a gente pode acabar com a fome nesse país. Depende só de nós.
Um abraço, gente, e boa sorte para o povo brasileiro.