Pronunciamento do presidente Lula durante condecoração do presidente francês Emmanuel Macron ao líder indígena Raoni Metuktire
Eu penso que, lamentavelmente, nós não conseguimos parar o relógio. A Terra continua girando. A noite chegou e nós vamos ter que nos retirar.
Eu queria que o presidente Macron compreendesse algumas coisas importantes. A Europa é um continente construído com vários dos seus problemas resolvidos. Aqui, na América Latina e na América do Sul e, sobretudo, o Brasil, nós somos um país em construção. Aqui, nós ainda temos muita luta para trabalhadores que querem terra para trabalhar no campo. Aqui, nós ainda temos muita luta para reconhecer e legalizar as terras de remanescentes de escravos, que foram expulsos das suas terras e que, agora, estão conquistando o direito de recuperar os quilombos para que eles possam produzir.
E nós temos a luta tradicional dos povos indígenas. É importante lembrar que os conservadores brasileiros, os latifundiários brasileiros, aqueles que são contra a participação do povo, costumam dizer o seguinte: “O povo indígena já tem muita terra no Brasil. Eles já tem… 14% de todo o território nacional é dos povos indígenas. É muita terra para indígena”. Todo dia eles falam isso. O que eles não percebem é que os indígenas têm 14% de terras demarcadas hoje. Quando os portugueses chegaram aqui, em 1.500, eles tinham 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Era tudo deles.
Ou seja, portanto, o fato de eles terem 14% legalizado é pouco diante do que eles precisam ter para viver, manter sua cultura e o seu jeito de viver. Aqui, presidente Macron, eu tenho certeza absoluta que o nosso governo já é o governo que mais remarcou terra indígena e é o governo que vai continuar remarcando terra indígena e vai continuar remarcando parques de reservas florestais, para que a gente evite o desmate.
Nós temos um compromisso de, até 2030, chegarmos a 0% de desmatamento na Amazônia. Não foi ninguém que pediu para nós. Não foi nenhuma convenção que pediu para nós. Fomos nós, no governo, que decidimos que a gente vai levar a luta contra o desmatamento como uma profissão de fé. A gente vai acabar para provar ao mundo que nós vamos preservar a nossa Amazônia.
E nós queremos convencer o mundo de que o mundo, que já desmatou, tem que contribuir, de forma muito importante, para que os países que ainda tenham florestas mantenham suas florestas em pé. Nós vamos continuar fazendo isso, porque é um compromisso nosso.
Eu acho que os companheiros indígenas vão continuar brigando, vão continuar reivindicando, nós vamos continuar atendendo e uma coisa que você pode ter certeza, pode ter certeza: você, ano que vem, vai ter o privilégio de vir aqui, no estado do Pará, ouvir a Amazônia falar para o restante do mundo aquilo que nós pensamos, aquilo que nós queremos.
Nós não queremos transformar a Amazônia em um santuário da humanidade, o que nós queremos é compartilhar com o mundo a exploração e a pesquisa da nossa riqueza de biodiversidade, das nossas riquezas aqui, mas que os indígenas possam participar de tudo que for usufruído da terra que eles moram. Nós vamos continuar demarcando as terras, vamos continuar fazendo reservas e queria lhe dizer que você vai ter o privilégio de participar, no ano que vem, da melhor organização de COP que já aconteceu no mundo.
Eu quero dizer, companheiro Raoni, eu quero dizer o seguinte: eu conheço muita gente no mundo, muita gente que já ganhou o prêmio Nobel da Paz. Conheço muita gente que ganhou o prêmio Nobel da Paz sem merecer. Muita gente. Sem merecer. Porque eu conheço as pessoas. E posso dizer uma coisa: o Brasil, em 1974, tinha um homem que merecia o prêmio Nobel da Paz. Era o cardeal primário em São Paulo, Dom Evaristo Arns. Ele não ganhou, porque ele brigava muito contra o regime militar.
E eu posso te dizer, companheiro Raoni, não tem ninguém no planeta Terra que mereça ganhar o prêmio Nobel da Paz mais do que você pelo que você fez na sua passagem pelo planeta Terra. Se depender de mim – e eu espero que se depender do Macron – uma conversinha com o pessoal da Noruega, com o pessoal da Suécia, conversar com uma rainha aqui, outra rainha ali, a gente consegue fazer que, pela primeira vez, um indígena com mais de 90 anos idade possa, representando o povo indígena brasileiro, receber o prêmio Nobel da Paz. Você merece e os indígenas brasileiros e as indígenas merecem.
Por isso, Macron, obrigado pela sua presença aqui. Obrigado à delegação francesa, obrigado à delegação brasileira e obrigado aos povos indígenas.
Agora, aqui, estão pedindo para as mulheres virem para tirar uma foto.