Pronunciamento do presidente Lula durante cerimônia de anúncios para a reconstrução de municípios gaúchos
Eu quero começar esse encontro, primeiro, cumprimentando o governador do estado do Rio Grande do Sul. Obrigado pela presença, mas não só pela presença, pelo trabalho que você, junto com o Governo Federal, realizaram aqui. Quero cumprimentar o prefeito da cidade e todos os prefeitos que vieram aqui. Quero cumprimentar os familiares das pessoas que foram vítimas da enchente nessa região. Quero cumprimentar a nossa magnífica reitora da Universidade do Vale do Taquari. E dizer para vocês que o que aconteceu aqui serve de lição para que a gente compreenda, mais fortemente, o que está acontecendo no nosso planeta Terra.
Há mudanças de comportamento das intempéries, nós estamos vendo excesso de chuva, onde antes não tinha excesso de chuva. Estamos vendo excesso de seca, onde antes não tinha tanta seca. Estamos vendo os excessos de desmatamento, onde antes não tinha desmatamento, não tinha fogo, não tinha nada. E nós estamos percebendo que a humanidade ela é capaz de se autodestruir se ela não cuidar da sua casa, que é o planeta Terra.
Esse Rio Taquari, eu fico imaginando quantos benefícios ele trouxe para essa região. Quantas vezes essa região se desenvolveu em função das águas desse rio. Quando a gente vem de helicóptero para cá, a gente vê a beleza da região, a gente vê a capacidade produtiva da região. E a gente não consegue imaginar como é que, de repente, se é que a última foi em 1941, como disse o Pimenta [Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República], como é que, de repente, uma enchente, que não tinha uma previsão ainda medida, que levou tanta gente, que estragou tanta coisa, que destruiu tanta coisa que vocês levaram décadas para construir. E tudo que é do ponto de vista material a gente reconstrói. A gente reconstrói os prejuízos que os empresários tiveram. A gente reconstrói os prejuízos que os pequenos produtores tiveram. A gente reconstrói as casas, o asfalto. A gente só não reconstrói a vida das pessoas que foram.
Mas, mesmo assim, o que serve de conforto para a gente é que as pessoas que foram, elas vivem no DNA dos familiares que ficaram. Elas vivem na célula dos que ficaram. Um filho, ele não morre porque ele está na célula da mãe. Uma mãe não morre, porque ela renasce no filho, renasce no neto, renasce no bisneto. E é isso que nós temos que nos confortar para minimizar o sofrimento. Quando eu falo de morte, eu falo com conhecimento de causa, porque eu perdi minha primeira mulher, com dois anos de casado. Eu levantei de manhã, fui no hospital para buscar a minha mulher e o filho. Naquele tempo, a gente não sabia, com antecedência, se era menino ou menina. Eu levei uma malinha com roupa de menina e roupa de menino. E, chegando lá, estavam a mãe e o filho mortos. Depois, vocês acompanharam a perda da Marisa por um AVC. Então, eu sei que a dor da morte, eu nunca peço para ninguém esquecer. A gente não pode e não deve esquecer as pessoas que a gente amava e as pessoas que a gente continua amando porque se foram. O que conforta a gente é a gente imaginar que um ser humano é uma árvore. E que uma mãe é uma árvore, o pai é uma árvore, e que eles dão frutos. E que os frutos são os filhos. E que esses filhos dão novos frutos, que são os netos. E esses netos dão novos frutos e, assim, o dom da vida continua e nunca se perde. É isso que a gente tem que acreditar para a gente não sofrer mais do que a própria morte faz a gente sofrer.
Então, a minha vinda aqui é um gesto de solidariedade com o sofrimento de vocês. Eu já morei em lugares que entrou um metro e meio de água dentro da minha casa. Não era uma corrente que derrubava, mas eu sei o estrago que faz a água dentro da casa da gente. As coisas indo embora, vendo a televisão indo embora, vendo a mesa indo embora, vendo a cama indo embora. Vendo a árvore que vocês plantaram indo embora. Vendo os animais que vocês criaram indo embora. E a gente sem saber o que fazer, porque nós somos muito fracos diante da raiva da natureza. Alguma coisa fez a natureza se revoltar. Alguma coisa. E a gente tem que, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre acreditar que, da mesma forma que todas as coisas boas acontecem pelo dom de Deus, também as coisas que a gente não gosta acontecem pelo dom de Deus. E é isso que faz a gente ficar forte, é isso que faz a gente renascer e é isso que faz a gente acreditar de que não tem nada mais extraordinário do que a gente viver para continuar a vida da gente e continuar construindo a nossa rua, a nossa casa, a nossa vila, a nossa cidade e a nossa família.
Eu quero que vocês saibam, e aos prefeitos que vieram aqui, nós nunca vamos perguntar de que partido vocês são. Nós nunca vamos perguntar que religiões que vocês pertencem. Nós nunca vamos perguntar que time vocês torcem. Aqui, no Rio Grande do Sul, é até fácil, porque quase todo mundo é Grêmio ou Internacional, mas não tem importância. O governador é São José. Brasil de Pelotas. O Brizola dizia: "Eu sou São José". Nós nunca vamos perguntar. O que nós queremos saber, na verdade, é que vocês são prefeitos e prefeitas eleitas pelo povo de vocês. E o povo de vocês foi vítima de uma coisa que a gente não tem controle. E a obrigação do Governo Federal também não é perguntar a que partido pertence o governador. A nossa obrigação é, junto com governador e com prefeitos, devolver a vocês aquilo que vocês mais amam e que vocês construíram. É por isso que nós agimos com tanta dedicação. Porque vocês não sabem o que é ter o Pimenta no pé da gente. Vocês não sabem o que é ter o Pimenta no pé da gente, toda hora falando do Vale do Taquari. Vocês não sabem quantas vezes o Pimenta sobe na minha sala.
Então, eu queria dizer para vocês que eu sou muito agradecido ao Pimenta, ao nosso companheiro Rui Costa [ministro da Casa Civil], que é o companheiro que, no fundo, no fundo, organiza toda essa coisa de liberação de dinheiro. Ao companheiro Waldez [Góes, ministro do Desenvolvimento Regional]. Que toda essa gente aqui tem muita experiência, porque todos já foram governadores. Acho que o Brasil nunca teve uma Defesa Civil como a gente tem agora. Não tem uma coisa que aconteça nesse país que, dez horas depois, o Waldez não esteja lá tentando ajudar as pessoas.
Quero agradecer ao companheiro Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços]. O Alckmin, de todos nós, é o que tem mais experiência, porque foi governador de São Paulo por 16 vezes, 16 anos. Só o PT ele derrotou quatro. Então, nós somos agradecidos, não só pelo fato do Alckmin ser meu vice, mas pela capacidade, pela grandeza da sua ação, pela grandeza de sua dignidade de não faltar. Não há nada que a gente peça para o Alckmin que ele não esteja pronto. Seja de noite, seja de dia, seja chovendo, seja sol, o Alckmin está disposto a cumprir.
Então, companheiros, eu tô sendo um pouco rápido, porque, como o Pimenta falou demais e o Waldez falou demais, eu tenho um problema com helicóptero para voar à noite, porque o tempo não está bom. E eu tô rezando aqui para o helicóptero ir embora até chegar em Porto Alegre. Ainda tenho que voltar para Brasília hoje. Mas eu queria olhar na cara de cada homem, de cada mulher, e dizer para vocês: “Nós estivemos com vocês, estamos com vocês e estaremos com vocês até a gente recuperar tudo que foi perdido por vocês”.
Esse é um compromisso de fé, esse é um compromisso de um homem olhando para outro homem, olhando para as mulheres e dizendo: “O Governo Federal não faltará, junto com o governo estadual, a recuperar e, quem sabe, fazer com que vocês voltem a ser tão felizes como vocês eram antes do desastre”.
Um abraço, um beijo no coração de cada homem e de cada mulher. Eu espero voltar aqui em uma outra oportunidade para uma festa. Um abraço, gente, obrigado!