Pronunciamento do presidente Lula durante assinatura do Projeto de Lei de Regulamentação do Trabalho por Aplicativos de Transporte
Eu acho que hoje compensa eu ler a nominata toda, porque o dia de hoje, para alguns pode parecer um dia normal igual a qualquer outro, mas a história vai provar que esse é um dia muito diferente de outros. Então, eu quero depois explicar porque o dia é diferente de outros e quero começar cumprimentando com o companheiro Luiz Marinho, ministro do Trabalho, o Lupi, ministro da Previdência, Ana Clara Lopes, do Turismo, que é substituta, o Márcio Macêdo, da Secretaria da Presidência da República, o Marco Amaro, do Gabinete de Segurança Institucional, o nosso companheiro Alexandre Padilha, coordenador político do nosso governo.
Os senadores Randolfe Rodrigues, que é o líder do governo do Congresso Nacional, companheiro Jaques Wagner, que é o líder no Senado do Partido dos Trabalhadores, o companheiro Paulo Paim, senador pelo Rio Grande do Sul, e o companheiro Beto Faro pelo Pará. Só lembrar, Jaques Wagner, que o dono do iFood é da Bahia e, portanto, como todo bom baiano, a gente tem que convencê-lo a entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação pra gente fazer um bom e um grande acordo.
Quero cumprimentar o companheiro Guimarães, líder do governo na Câmara dos Deputados, a nossa querida Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, nosso companheiro Geraldo Magela, PDT do DF, o Luiz Porto, do PT da Paraíba, Gilvan Máximo, Republicanos do DF, Pedro Uczai, do PT de Santa Catarina, Vicentinho, do PT de São Paulo, Dorinaldo Malafaia, do PDT do Amapá, companheiro Airton Faleiro, do PT do Pará, Carlos Veras, do PT de Pernambuco, e o André Porto, diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia.
Quero cumprimentar os dirigentes sindicais aqui presentes, a Carina Trindade, do Rio Grande do Sul, Leandro Medeiros, de São Paulo, Euclides das Dores Junior, do Pará, Vilmar Gomes, da Bahia, Luiz Carlos de Albuquerque, do Rio de Janeiro, Marcelo Chaves, do Distrito Federal, em nome de quem cumprimento o presidente dos sindicatos dos 27 estados aqui presentes.
Quero cumprimentar os presidentes das centrais sindicais: o Ricardo Patah, da UGT, Miguel Torres, da Força Sindical, Sérgio Nobre, da CUT, Valdir Pestana, da CNTTT. Quero cumprimentar ainda mais os representantes das empresas de aplicativos: Silvia Penna, diretora-geral da Uber, Ricardo Ribeiro, diretor das Relações Governamentais da Uber, Fernando Paes, diretor das Relações Governamentais da 99.
Companheiros e companheiras, por que eu comecei dizendo que hoje é um dia especial?
É um dia especial porque, algum tempo atrás, ninguém nesse país acreditava que seria possível estabelecer uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários e o resultado dessa mesa fosse concluir por uma organização diferente no mundo do trabalho. É importante lembrar para vocês que a primeira vez que eu fui discutir esse assunto, eu fui na Espanha. A Espanha tinha eleito o governo socialista e esse governo tinha uma advogada que era vice-presidenta do governo e ela, junto com a UGT e as comissões obreras, que eram as duas centrais sindicais importantes na Espanha, estabeleceram um processo de conversação, levaram mais de um ano conversando também e conseguiram aprovar a regulamentação por um voto. Um voto.
Então, vocês se preparem porque a discussão aqui não será moleza. Ou seja, lá, somente um voto fez com que o governo socialista conseguisse aprovar a primeira regulamentação das pessoas que trabalhavam em empresas de aplicativos. E eu vim para cá com essa ideia de que era preciso a gente começar a construir uma discussão no mundo para que a gente não voltasse ao tempo em que as pessoas só tinham deveres e não tinham direito. E a coisa boa na vida é quando a gente ganha e a gente perde, mas a gente ganha também e a gente perde também, mas que a gente disputa da forma mais leve, mais democrática e mais tranquila possível.
E, na época, o atual, hoje, presidente do BNDES, o Aloizio Mercadante, ele era o presidente da Fundação Perseu Abramo, uma fundação cultural do Partido dos Trabalhadores, e essa fundação então assumiu a coordenação de fazer esse debate dentro dos trabalhadores brasileiros e convidar trabalhadores e sindicalistas estrangeiros para vir ao Brasil contar a sua experiência. Eu não era nem candidato à presidência da República ainda, mas eu fiquei com aquilo na cabeça de que nós precisaríamos criar condições de dar ao povo que trabalhava por conta própria o direito de ter uma certa garantia, ou seja, porque é tudo muito bonito.
No meu tempo de jovem, eu queria dizer para os sindicalistas, os sindicatos do Uber hoje, no meu tempo de jovem, como não tinha empresa de aplicativo, todos nós, na década de 50, sonhavam em ser trabalhadores de carteira profissional assinada. Afinal de contas, estava se estruturando a industrialização do país. Então, você ter uma carteira profissional assinada era como se fosse uma relíquia, era como se fosse uma relíquia, é como hoje o resultado de um concurso público no Banco do Brasil, um concurso público na Petrobras, ou seja, um concurso público numa dessas carreiras de Estado forte. Quando um jovem passa num concurso daquele, é como se ele tivesse ido para o céu, ou pelo menos aberto à porta do céu.
Ter uma carteira profissional era assim no nosso mundo. Eu, aos 14 anos de idade, já fazem 64 anos que eu tinha 14 anos de idade. Eu lembro do meu desejo de ter uma carteira profissional assinada. Era tudo que eu queria, mas era tudo que a minha mãe queria. Era tudo o que os pais, certamente os avós de vocês também queriam que eles tivessem uma carteira assinada. E eu achei: como é que a gente vai encontrar uma solução para dar a essas pessoas o direito dos empresários investirem, o direito dos empresários saber que vão ganhar o seu dinheiro do investimento, vão ter um lucro com isso, mas os trabalhadores saberem que vão prestar serviço, vão ser respeitados por isso. Mas, quando tiver um infortúnio na vida deles, eles não vão ficar abandonados na rua da amargura. Porque se não tiver uma regulação, é isso que vai acontecer.
E muita gente não acreditava. E é sempre importante a gente lembrar que toda vez que tem uma inovação tecnológica, uma inovação numa profissão, a gente pensa que o mundo vai acabar. Imagina quando a gente tinha o navio a remo, o navio a vento, depois o navio a vela, depois o navio a remo, depois o navio a vapor. Cada vez que a gente evolui os caras falam: “vai acabar a categoria, vai acabar, vai sumir o mundo dos trabalhadores”. E é uma bobagem porque a própria categoria, ela vai, sabe, tratando de se organizar e de encontrar um jeito de sobreviver.
Poderia pegar o Patah aqui na minha frente e dizer “eu não sou comerciário”, mas quantas brigas eu fiz para evitar que os comerciários fossem transformados em escravos outra vez. O que é ser transformado em escravo? Eu não sou contra o trabalhador do comércio, trabalhar dia de domingo, até porque eu sei que muita gente, muita gente, aliás, muito deputado que está aqui, muito senador da República, e muita gente só pode ir, sabe, fazer compras no final de semana ou depois das sete, oito horas da noite, tem gente que não pode ir de dia. Então, é normal que você procure uma nova modalidade de trabalho, em que você permita que o trabalhador do comércio possa atender.
Mas isso não significa que você tem que obrigar o cara a trabalhar todo sábado e domingo. Isso não significa que você vai proibir o cidadão de passar o final de semana com os seus familiares. Se você tem na rede hospitalar gente que trabalha de plantonista, você pode criar uma outra categoria nos comerciários para atender a demanda de usuário que quer ir no feriado prolongado, que quer ir no sábado e domingo, que quer ir à noite.
Eu tinha um filho que comprava no Pão de Açúcar, lá em São Bernardo do Campo, ele só ia duas horas da manhã, três horas. Ficava jogando game a noite inteira e quando parava de encher o saco dele próprio com o game, ele pegava o carro e ia fazer compra. Obviamente que nem todo mundo pode fazer isso, as pessoas querem até sábado de manhã, domingo de manhã. Então, nós temos que resolver o problema dos comerciários. Não é ficar os adversários xingando: “não, porque alguém é contra. Os sindicatos são contra trabalhar de domingo”. Não. Os sindicatos não são contra trabalhar dia de domingo. Os sindicatos querem que as pessoas tenham uma jornada respeitada e ele tenha um tratamento diferenciado para atender uma demanda extra que a sociedade precisa e que o dono do shopping precisa.
O que estamos fazendo aqui com vocês é uma lição. Por isso que eu disse que esse dia 4 de março é muito importante, não só porque faltam quatro dias para chegar o dia das mulheres, mas é porque é um dia muito importante. É que eu não sei se vocês perceberam, vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho, vocês acabaram de criar.
Ou seja, foi parido uma criança nova no mundo do trabalho em que as pessoas querem ter autonomia, vão ter autonomia, mas ao mesmo tempo as pessoas resolveram acordar com os empresários e com o governo de que eles querem autonomia, mas eles precisam de um mínimo de garantia. E a questão da previdência é fantástica.
Eu quero dizer para os trabalhadores o seguinte: no Brasil, a gente tem uma cultura que não é culpa de ninguém, é uma coisa histórica. Toda vez que a gente tem que pagar imposto de uma propriedade nossa, a gente acha que o imposto é muito e a gente fala “eu tenho uma casinha, por que eu pago tanto imposto? Eu tenho um “apartamentozinho”, por que eu pago tanto imposto?”. Então na hora de pagar é tudo pequenininho, uma casinha pobrezinha. Sabe, quando você quer vender é um “apartamentozão”, é uma casona, ou seja, aí você aumenta tudo, porque você quer ter uma participação maior na faixa do que você vende.
A previdência social, vou contar uma história minha para não contar uma história dos outros. Eu tenho a minha irmã, que é um ano mais velha do que eu, dois anos. Ela fez 80 anos. O marido dela a vida inteira foi caminhoneiro. A vida inteira, trabalhou a vida inteira. Eu falava pra ele: “Antônio, você tem que pagar previdência social, Antônio. Você tem que pagar porque a vida dura um determinado tempo, mas a vida acaba. E quando você for embora, como é que vai ficar a tua mulher? E você pode pagar sobre 5, sobre 6, sobre 7”. Eu até dizia pra ele: “você ganha dinheiro pra você pagar sobre 10, Antônio, pague a previdência”. Não, mas acho que eles achavam que estavam me enganando. Não era a mim que ele estava enganando. Eu não ia precisar da previdência dele. Era ele próprio. Ele morreu de câncer. E a minha irmã vive com um salário mínimo. E ela vive reclamando “porque eu ganho tão pouco, tão pouco”. Você ganha tão pouco porque teu marido pagava tão pouco. Se teu marido pagasse tão justo como era normal, você estaria ganhando normal. Isso vale pra vocês, sabe? 7,5 é uma coisa muito pequena para a gente pagar. Para pagar sempre é muito, né?
Mas, na hora que a gente vai receber o benefício, é preciso que a gente saiba que a gente quando puder a gente vai ter que pagar um pouco mais para a gente garantir, não é para a gente, é pra quem fica dependente da gente. É porque quando a gente vai embora, a gente deixa alguém às nossas custas, que fica dependendo da gente. Então, nós precisamos garantir esse futuro. E por isso a previdência precisa se calçar para ter recurso. Seria maravilhoso se ninguém precisasse da previdência pública, que todo mundo fosse 100% autônomo, sabe, seria maravilhoso, mas não é assim. Então, o que eu acho que vocês fizeram hoje, um banho de inteligência no restante do Brasil, que não acreditava que fosse possível organizar os trabalhadores de aplicativos.
Vocês deram um banho, um banho de inteligência, um banho de competência, um banho de sabedoria e agora vocês vão dar um banho de experiência porque vão ter que fazer isso dar certo de verdade. E não adianta o sindicato ficar de cara ruim quando o empresário quiser reclamar uma coisa e chamar pra conversar, e também não adianta o empresário ficar de cara ruim quando for o trabalhador que quer conversar. Para resolver esses impasses de cara feia, a gente dá um sorriso e fala o seguinte: “nós vamos vencer, porque nós somos um povo, nós somos brasileiros e não desistimos nunca e não há nada impossível para nós, é só a gente querer que a gente faz”.
Parabéns a vocês. Espero que o gesto de vocês hoje nesse dia 4, essa lei que eu assinei aqui, que vocês saibam que vocês vão ter que trabalhar com os deputados. E vocês começam a trabalhar assim: cada bancada tem um líder, então é preciso começar a procurar esse líder para conversar.
Da parte do governo, a gente vai tentar fazer o máximo possível para ser aprovado o mais rápido possível, mas é importante saber que vai aparecer gente contra. Sempre tem gente contra, sempre, sempre. Então, é preciso que a gente não fique com raiva dos contras, que a gente tenha paciência, sorriso e falar: “companheiro, vamos lá, pelo amor de Deus, cara, nós somos filho de Deus, nós somos trabalhadores, nós estamos carregando esse país nas costas e nós precisamos de uma coisa a mais, porque nós agora depois de vocês formalizaram a organização de vocês, em 27 estados, se vocês não tomarem cuidado, já foi criada a maior central sindical hoje aqui nesse país”.
Eu acho que daqui a pouco a gente vai ter que pensar como é que a gente vai fazer, discutir com os bancos, como é que vai fazer baratear uma linha de financiamento para vocês podem trocar o carro de vocês e não ficarem andando com carro velho, porque o passageiro também não gosta de carro velho, o passageiro quer um carro novo, quer um carrinho bom e é seguro pra vocês.
Então, tudo isso agora passa a ser da nossa responsabilidade de procurar fazer. A gente não pode fazer mas a gente pode encaminhar e facilitar as coisas para a vida da gente melhorar. Esse é o nosso compromisso. Parabéns a vocês. Eu agora falei “o Wagner não está mais aí”, mas eu brinquei com o Jaques Wagner porque o Jaques Wagner é o nosso senador da Bahia, foi governador por 8 anos, e eu sei que o iFood é da Bahia e eu sei que o iFood não quer negociar. Pois nós vamos encher tanto o saco que o IFood vai ter que negociar para fazer aquilo que vocês fizeram junto ao transporte.
Um abraço. Parabéns, Marinho. Parabéns ao Marinho e à equipe do Ministério do Trabalho.