Pronunciamento do presidente Lula durante almoço alusivo ao Dia Internacional das Mulheres
É que hoje é um dia especial, não tem sentido essa voz rouca falar depois da ministra das Mulheres e da Zélia falar.
Eu penso que vocês se dão conta da diferença que faz quando você vive em uma cidade, em um estado ou em um país em que essas cidades, esse país, são governados de forma mais humanitária, de forma mais solidária, levando em conta os seres humanos como eles são. Aprendendo a gostar deles como eles são. Sem querer que as pessoas se adaptem àquilo que você quer fazer.
No nosso governo, eu sempre digo que, ontem eu fiz uma reunião para discutir inteligência artificial, e é um tema tão complicado para minha cabeça que eu disse para os caras: "É o seguinte, eu estou cansado em ouvir teoria. Estou cansado de ouvir falar nesse bicho de inteligência artificial.
Em um país que tem tanta gente inteligente, para que precisa de inteligência artificial? Por que não utilizamos a inteligência humana que nós já temos aqui? Mas aí, eu fiz um desafio para os cientistas que estavam comigo lá: de que eles tem, até a data da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que vai ser em junho, para que o Brasil apresente ao mundo uma proposta de inteligência artificial feita em português brasileiro. Feita por brasileiros e brasileiras para que a gente não fique à reboque das chamadas economias ricas desse mundo. Para a gente ter o nosso (inaudível).
A mesma coisa acontece com as mulheres. Eu não sei, eu não conheço o mundo inteiro, mas, obviamente, que nós temos países que têm mais mulheres eleitas do que no Brasil. Aqui, no Brasil, não faz muito tempo, a gente tem tentado avançar nas conquistas de uma legislação que permita que as mulheres tenham condições de participar, em igualdade de condições, levando em conta os problemas especiais que têm as mulheres, que, mesmo que pela lei seja tudo igual, no dia a dia, as mulheres já aprenderam a sair para o mundo, já aprenderam a trabalhar, já foram para o mercado de trabalho.
Mas nós, homens, não aprendemos a ir para a cozinha. Nós não aprendemos a lavar a roupa que a mulher lava, nós não aprendemos a cuidar das crianças que elas cuidam. Então, a gente ainda não compartilha aquilo que diz respeito à nossa solidariedade, ao nosso companheirismo, com as nossas companheiras.
Então, essa evolução que a gente está tendo no Brasil, ela é muito nova. É importante lembrar que o primeiro voto de mulher, no Brasil, se deu em 1934, em uma conquista na Justiça, por uma companheira da cidade de Mossoró, do Rio Grande do Norte. Não é fácil. Vocês sabem que tudo aqui no Brasil, tudo é feito mais demorado. A nossa independência foi mais demorada. O fim da escravidão foi mais demorado. A nossa democracia foi mais demorada. Desde que foi proclamada a República, que foi um golpe contra o imperador, que também já estava há 60 anos, também já estava cansado. Ou seja, os militares sempre tiveram uma interferência na política brasileira.
Nós estamos vivendo, agora, o período mais longevo de democracia contínua. Mesmo assim, ainda, no dia 8 de janeiro do ano passado, alguns malandros queriam dar um golpe aqui e não deixar que acontecesse o resultado das eleições. Até hoje, essas pessoas dizem que as eleições não valeram, porque a urna eletrônica não sei das quantas e tal.
Então, vocês percebem que as nossas conquistas democráticas são muito recentes. E as conquistas das mulheres são mais recentes ainda. Porque o problema da luta das mulheres no planeta Terra é o contencioso histórico, que é milenar. E que a gente não consegue mudar de uma hora para a outra, mudando a Constituição.
Não basta estar na Constituição, é preciso incutir na cabeça das pessoas como é bom a gente ser civilizado, como é bom a gente se respeitar, como é bom a gente garantir que não haja diferença de gênero entre nós. Como é bom que não haja desigualdade racial. É tudo muito bom. E eu posso dizer para vocês, sem medo de errar, que nem vocês, e nem eu e nem a Cida [Gonçalves, ministra das Mulheres], a gente tinha conhecimento de tudo que nós já fizemos nesse país para as mulheres.
Tenho certeza absoluta, minha querida Daniela Mercury, que as pessoas que estão aqui, que trabalham no Governo, muitas delas não sabem a totalidade de coisas que já foram feitas para as mulheres. A começar o crédito do Banco do Brasil. A começar do crédito da Caixa Econômica. A começar do crédito do Banco do Nordeste: 68% do dinheiro para a agricultura é para a mão da mulher. No Crediamigo, é 57%. Ou seja, em uma demonstração, isso vale para o Basa, vale para o Banco do Brasil. Além disso, é muita coisa.
A Cida ia gravar o programa e a Cida estava agoniada com o programa. E aí eu fui vasculhar, chamei a Miriam Belchior [secretária-executiva da Casa Civil da Presidência da República]: "Miriam, vamos pegar tudo que já foi feito do Governo aqui, porque a Cida queria que eu fosse até o Piauí com ela". Eu falei: "Não dá para ir ao Piauí, Cidinha, não dá. Você vai sozinha ou você vai... Mas nós vamos achar a razão de você poder falar muito bonito no Dia das Mulheres. E vamos futucar as coisas do Governo para achar tudo que nós já fizemos”. E se a Cida quisesse falar tudo que já foi anunciado para as mulheres no nosso Governo, nesse um 1 ano e 3 meses, se a Cida fosse falar tudo o que já foi feito, o pronunciamento dela deveria ser de uns 15 minutos, no mínimo uns 15 minutos.
Então, eu quero dizer para vocês que eu estou feliz. Eu sempre digo o seguinte: nunca se contentem com o que já conquistaram. O que já conquistaram é bom a gente reconhecer a conquista, mas é uma coisa que instiga a gente a querer mais. Instiga a gente a exigir um pouco mais. E vocês sabem que o sucesso de participação na vida política, no mundo do trabalho, na vida cultural das mulheres, não é favor de governo. Tem que ser conquista de vocês, como a Dona Zélia conquistou o direito de estar aqui junto conosco.
Eu, quando a Zélia estava contando a história dela, eu estava falando: "É a minha mãe, 40 anos mais nova". Porque a minha mãe veio, nós fomos para Santos, meu pai não sabia que a gente estava vindo e o meu irmão mandou uma carta para a minha mãe mentirosa, dizendo que era meu pai que estava pedindo para minha mãe vir. E minha mãe pegou os outros filhos e viemos de pau de arara, 13 dias, com um saco de farinha e rapadura, que o que a gente comia.
E água, água barrenta do Rio São Francisco, era o que a gente bebia. E, quando a minha mãe chegou em Santos, qual foi a diferença? É que o marido dela não desmaiou, ele carregava saco de café no porto de Santos e ele não esperava minha mãe. E quando ele viu, ele se assustou. Por que ele se assustou? Porque ele já tinha outra mulher e tinha um monte de filhos com essa outra mulher. Então, foi uma decepção, certamente, para a Dona Lindu. Foi uma decepção para os filhos, mas ela conseguiu... Ela conseguiu.
Ela conseguiu sobreviver e eu digo sempre, Zélia, que um ato de coragem de minha mãe, que eu nunca vou esquecer, é que muita gente fala assim: "Ah, eu suporto meu marido, porque eu preciso do dinheiro do aluguel, eu preciso do dinheiro da escola". A minha mãe, com oito filhos menores, ela teve a coragem de se separar do meu pai. A gente tinha uma tina. Quem não sabe o que é tina, é uma barrica cortada no meio, e uma faca e uma lata vazia de leite Mococa, que era a lata que meu pai guardava o leite, o pão dele. Porque o meu pai comprava um pão para nós e um pão especial para ele. Então, nós saímos de casa, minha mãe e oito filhos, todos menores.
Ninguém trabalhava e minha mãe sobreviveu. Meu pai encheu o saco, meu pai comprava bacalhau, comprava um monte de coisa para mandar para minha mãe. "Volta, Lindu". Ela falou: "Não volto". E nunca voltou. E criou os outros filhos. Ela dizia: "Mulher que tem vergonha na cara não aguenta um homem levantar a mão para ela". Então, eu acho que é um exemplo que vocês precisam seguir. A liberdade da gente, o bem estar da gente, a gente conquista. Ninguém vai fazer concessões para nós. É a gente que tem que brigar, que lutar.
Por isso, Cida, você tem todo o meu apoio para fazer com que esse Ministério da Mulher possa ser motivo de orgulho de que, no mundo inteiro, em todos os países, vai ter Ministério da Mulher, que vai ter muito mais mulher e que vai ter política contra qualquer preconceito, qualquer coisa contra a questão de gênero.
Então, gente, meus parabéns pelo Dia das Mulheres. É o dia que vocês têm orgulho de gritar, em alto e bom som, que vocês querem fazer o que vocês quiserem. Querem estar onde vocês quiserem estar, sem pedir licença. O mundo é de vocês. Parabéns.
Aproveita, ô, Stuckinha [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual da Presidência da República], dar o parabéns a você, pela montagem do programa da Cida. Para você e sua equipe. Certamente o Claudinho [Claudio Adão dos Santos Souza, diretor do Departamento de Distribuição Audiovisual da Presidência da República] teve uma participação extraordinária.