Pronunciamento do presidente Lula durante a abertura da 4ª Conferência Nacional de Cultura
Se vocês me permitirem, eu gostaria de pedir desculpas e não ler a nominata, porque não tem nenhuma novidade aqui na nominata. Todo mundo já é conhecido. Eu vou guardar a nominata para outra oportunidade e vou conversar com vocês alguns assuntos que eu acho importante conversar.
A primeira coisa é pedir pra companheira Margareth Menezes vir aqui que eu tenho uma coisa pra falar pra ela. A vida é cheia de surpresas. Eu, a primeira vez que eu conheci a Margareth Menezes, certamente ela não me conheceu porque eu estava no Carnaval na Bahia e fui convidado para ver, acho que duas ou três horas da manhã, um trio elétrico que ia passar uma jovem cantora baiana, ainda não tão famosa, mas já muito respeitada na Bahia que era a Margareth Menezes. E foi a primeira vez que eu vi a Margareth Menezes.
Depois, quando nós ganhamos as eleições, eu convidei a Margareth para ser ministra da Cultura. E confesso a vocês que eu fiquei extremamente feliz hoje ao ver a nossa menina de Salvador fazer discurso. Porque logo que eu indiquei ela para ser ministra, cada vez que ela ia falar ela ficava um pouco nervosa e aquela extraordinária cantante que eu aprendi a gostar deixava de existir e aparecia uma falante, falando menos do que devia, mais baixo do que devia e mais nervosa do que devia.
Eu, muitas vezes, cheguei a pensar: “Será que a companheira Margareth Menezes vai dar conta do recado?” Afinal de contas, esse ministro já tinha passado pela mão de um outro extraordinário baiano que vocês conhecem tão bem, que é o Gilberto Gil. E qual foi a minha surpresa hoje? Por que eu te chamei aqui? Porque eu estou extremamente feliz pelo que você falou hoje aqui, pelo domínio da sua área, pelo domínio da matéria e pela certeza que você passou hoje na frente desses milhares de companheiros e companheiras que o Brasil, graças a Deus, tem uma ministra da Cultura, mulher, baiana.
E eu diria que uma artista completa. Daqui pra frente, as coisas só tendem a dar mais certo. É importante lembrar que nós estamos hoje completando 10 anos sem conferência. A gente tem que lembrar que nós já tivemos tempos difíceis na nossa vida, tempos, eu diria, que muita gente deixou de acreditar de que era possível retornar para que esse país tivesse atividade cultural muito forte.
E é importante lembrar também, para que vocês não esqueçam esse dia 4 de março de 2024, somente no primeiro ano do nosso governo, nós colocamos mais na cultura do que tudo que foi colocado nos últimos 10 anos nesse país. E aí nós devemos à Jandira, à Benedita, ao Paulo Rocha, porque teve umas leis aprovadas que foram obra da divindade, a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo.
E a gente deve ao Senado, deve à Câmara dos Deputados, a aprovação dessa lei, que permite que você seja, talvez na história do Brasil, a ministra que mais está fazendo atividade cultural na história de 500 anos do nosso país.
Mas como hoje é um dia de festa, teve muita música, teve muita coisa bonita, eu queria lembrar algumas coisas tristes da nossa vida. Nós não podemos esquecer, porque o não esquecimento hoje é que pode permitir a gente não deixar acontecer coisas ruins outra vez. Nós não podemos nos esquecer que um dia esse país teve um governo que teve a ousadia de acabar com o Ministério da Cultura. Não era um ministério importante para o Brasil, não era um ministério importante para o povo brasileiro.
Ele chegava a dizer, ele chegava a dizer e coordenar de forma muito feroz ataque nas redes sociais contra artistas como Anitta, Taís Araújo, Zélia Duncan e Daniela Mercury, apenas para mostrar algumas que foram ofendidas muitas vezes por eles. Eles tinham um secretário da Cultura fazendo vídeo inspirado pelo nazismo. A gente não pode esquecer que tinha um secretário da Cultura chamado Mário Frias, que chamava artistas de criaturas imundas.
A gente não pode esquecer a acusação repetida por Bolsonaro e aliados que artistas eram vagabundos, que viviam de receber a Lei Rouanet sem nada em troca e que a mamata iria acabar. Eles se esqueceram, e nós não podemos esquecer, tentar censurar shows de música e a criminalização das opiniões políticas dos artistas, a paralisação dos processos de aprovação das leis de incentivo e audiovisual para, de propósito, sabotar o setor, gerando muito desemprego.
Eu estou lembrando apenas uma das coisas que nós vamos pesquisar rapidamente aqui, eu já estava aqui, sabe, no YouTube, para saber o que há pouco tempo uma matilha de cachorro louco que governou esse país fizeram nesse país. O que foi feito, o que foi dito nesse país sobre a questão da cultura não é uma coisa para a gente esquecer.
Normalmente as pessoas que nos ofendem, eles adorariam que a gente esquecesse. “Ah, que bom se vocês esquecessem, sabe, não guarda mágoa para o resto da vida. Não fica carregando isso, porque isso, sabe…
Na história desse país, afinal de contas, história é grande parte da nossa cultura, e se a gente esquece a nossa história, a gente esquece da nossa cultura, e se a gente esquece da nossa cultura, a gente deixa de ser povo, a gente passa a ser um rebanho, e nós não nascemos para ser rebanho, nós nascemos para ser povo. Eu queria dizer para vocês que eu também, além de estar feliz pela Margareth, eu estou feliz pela Janja, porque todo mundo que casa fala que é feliz, todo mundo fala que não sei das quantas. Mas eu estou feliz sobretudo pelo lado crítico da Janja. A Janja não é uma Maria vai com as outras. Ela não é um Zé Ninguém.
Ela faz questão de me alertar das coisas ruins. Das coisas boas não precisam porque eu vejo na cara de vocês. Mas as coisas ruins, muitas vezes, mesmo os amigos da gente não têm coragem de dizer. “Ah, eu vou falar tal coisa, o Lula vai ficar ofendido, ele vai ficar chateado, não sei das quantas e tal”. Mas alguém tem que dizer para vocês das coisas que não estão legais, alguém tem que ter coragem de puxar o paletó e falar: “não vai, ou vai”. Alguém tem que ter alguém assim e ela faz isso. Eu acho um papel muito importante, portanto eu não tenho nenhum problema de dizer a quatro dias antes do Dia das Mulheres, que bom que a gente tem uma mulher muitas vezes à frente da gente e não do lado ou atrás da gente.
A terceira coisa importante que eu queria dizer para vocês é porque eu fiz campanha dizendo que a gente ia fazer conferências estaduais, comitê cultural em cada capital desse país. Eu não esqueci. Todo dia que eu conversava com o Margareth, eu falava: “Margareth, me explique como é que está os meus comitês culturais. Eu quero saber.”
Porque a única possibilidade da gente evitar que um dia volte alguém para destruir é se a gente enraizar aquilo que a gente acredita no meio do povo, no seio do povo, nas entranhas da sociedade. A cultura não pode ser uma coisa do presidente da República, uma coisa da ministra da Cultura, ou uma coisa de um ou outro artista. A cultura, ela tem que estar nas entranhas. Sobretudo das pessoas mais humildes, das pessoas mais pobres, que muitas vezes não têm acesso à cultura que a gente faz.
Porque, muitas vezes, a nossa cultura tem um viés financeiro de sobrevivência de todo mundo muito grande. E quantas pessoas humildes tem condições de ir ao teatro, quantas pessoas humildes tem condições de participar de uma atividade cultural mais sofisticada, mais politizada. Nenhuma! Então, Margareth, uma das revoluções que você tem que fazer nessa sua passagem pelo Ministério da Cultura não é esperar que o povo venha até a cultura. Faça a cultura ir até o povo para que o povo se apodere dessa cultura.
Quando o povo se apoderar da cultura, nenhum presidente da República vai poder ofender a cultura. Nenhum presidente da República vai poder dizer que uma Lei Rouanet é pra fomentar e sustentar vagabundo, de que ela não produz nada. Certamente, na escola que ele estudou, ou na parte da cultura que ele viveu, ele não aprendeu nada, porque se aprendesse não seria ignorante e mentiroso como ele é até os dias de hoje. Ninguém, ninguém pode viver a vida inteira contando mentiras.
Ninguém pode viver a vida inteira levantando falsa acusação contra as pessoas. Ninguém pode viver a vida inteira utilizando o nome de Deus em vão quando nem parece que ele acredita em Deus. Ninguém pode, ninguém pode continuar assistindo a indústria do fake news mentindo 24 horas por dia. E contra tudo e contra todos. Não sei se vocês repararam que teve um ato no domingo passado.
Aquele ato, o que era? Aquele ato é de um cidadão que sabe que fez caca, que sabe que fez uma burrice, que sabe que tentou dar um golpe e que sabe que ele vai pra justiça, e que sabe que ele vai ser julgado, e se ele for julgado ele pode ser preso, e ele tá tentando escapar.
Uma coisa que nós temos que pensar muito direito e a cultura pode ajudar muito. Cada artista brasileiro, do mais desconhecido artista, mas cada artista brasileiro, homem ou mulher, daqui para frente tem obrigação de tentar colocar um pouco de política na cabeça das pessoas. Tentar preparar as pessoas adequadamente para as pessoas enfrentarem as adversidades. É importante as pessoas saberem o que está acontecendo nesse país, o que está acontecendo no mundo.
Na verdade, o que nós estamos vivendo no momento é um momento tão maluco que eu não consigo explicar como é que a gente vê a extrema direita fascista crescer em muitos países do mundo, crescer negando a democracia, crescer negando as instituições, crescer negando a cultura, crescer negando a educação, crescer negando a ciência e tecnologia, crescer negando a liberdade.
Ô, gente, se vocês tiverem acesso, quando for publicado, eu acho que a gente vai ter acesso pelos informes que a gente vê todo dia no depoimento das pessoas que estão prestando o depoimento. A verdade nua e crua é que esse cidadão preparou um golpe pro país, quando ele ficou trancado dentro de casa várias semanas, que a gente não sabia se ele tava chorando, o que ele tava fazendo, ele tava preparando um golpe, ele tava tentando imaginar como é que ele ia fazer pra não deixar o presidente eleito tomar posse. E eu acho, eu acho que ele se borrou de medo e resolveu ir embora pros Estados Unidos pra não ver a posse.
E ele imaginava que as pessoas que ele pagou, que ele organizou, e que ele ajudou a financiar para ficar na porta dos quartéis, ele achava que essa gente era o golpe e possivelmente ele fosse ungido pelo povo fascista desse país a voltar nos braços do povo para assumir a Presidência da República. Era isso que estava desenhado e era isso que não aconteceu porque ele ficou com medo da posse.
A posse foi uma demonstração de que tinha muita gente do outro lá. Aquela posse foi uma demonstração de que as urnas eletrônicas não mentiram pra ele, as urnas eletrônicas disseram que nós ganhamos as eleições e que ele tinha que aprender a respeitar o resultado das eleições. Eles eram tão cínicos que resolveram pedir anulação só das eleições presidenciais do segundo turno, mas não pediram do primeiro, porque os perante eleitos senadores e deputados, eles não podiam negar as pessoas eleitas deles. E se a gente não falar isso todo dia pro povo, eles falam o contrário.
Se a gente todo dia não conversar e nós temos que saber quantas vezes a gente tapar a boca pra dizer deles o que eles dizem da gente. Sabe o que eu acho? É que muitas vezes um cachorro louco sozinho faz mais barulho do que uma matilha de muitos e muitos cachorros. Porque muitas vezes a gente fica em silêncio, muitas vezes a gente acha que a gente não pode se mexer. “Não, não vamos retrucar, não vamos falar. Deixa pra lá, deixa pra lá”. E não dá pra deixar pra lá, porque o que tá acontecendo no mundo é uma verdadeira guerra, guerra e guerra de mentiras, de ódios, de ofensas. Então é uma luta política que a gente vai ter que fazer.
Não é o Lula fazer ou fazer em torno de um partido, não. É uma luta em defesa das coisas que vocês acreditam. Em defesa da cultura. A cultura tem uma força incomensurável ao fazer a cabeça das pessoas. Por isso que eles querem acabar com a cultura. Eles não acabam com outro ministério, mas a cultura acaba. Porque cultura tem muito artista metido a besta que vai no teatro, que vai num filme, que vai num show e fala. Ontem o Caetano Veloso levantou a bandeira Palestina. Vocês estão lembrados, há 20 dias atrás, como eu apanhei porque eu falei da Palestina. Vocês estão lembrados.
Como eu sou um cara católico e crê em Deus, eu acho que Deus escreve certo por linhas tortas, ao tempo a gente vai provar que eu tava certo, eu tava certo. O povo palestino tem o direito de viver, de criar o seu país, você não pode fazer o que foi feito, anunciar comida e mandar torpedo, mandar bala, mandar a morte para aquelas pessoas.
Até quando que a gente vai ter medo, até quando que a gente vai se curvar? Eu já passei por muitas histórias. Eu já fui recusado muitas vezes na minha vida. Eu não podia ter criado um partido político, eu não podia ter feito as greves de 78, eu não poderia estar aqui no terceiro mandato. É demais, é demais. Então, a tentativa de destruir é sempre uma coisa muito danosa e que nós temos que reagir. Nós temos que reagir em nome da democracia, em nome das instituições, em nome da gente salvaguardar aquilo que é o direito de cada um de nós.
E agora, pra eles ficaram com mais raiva, a gente tá criando um programa chamado Pé-de-Meia para garantir que as crianças pobres frequentem a escola no ensino médio. A gente tá garantindo a escola de tempo integral. A gente vai voltar a investir em 100 institutos federais nesse país.
No caso deles, quanto menos cultura melhor, no nosso, quanto mais cultura melhor, quanto mais educação melhor, quanto mais a meninada estudar melhor. É esse mundo que tá em jogo nesse instante. Eu vou dizer uma coisa pra vocês que eu nem deveria dizer, nem deveria ter, mas eu vou dizer. Nesse país, alguns setores da sociedade não sabem pedir desculpas.
Desculpas é um gesto muito nobre. Só tem coragem de pedir desculpa quem tem grandeza. Quem não tem grandeza, mentiu uma vez e continua mentindo o resto da vez, pois a imprensa brasileira vai continuar mentindo sobre a Lava Jato até o fim do milênio. Porque como eles compraram a ideia da Lava Jato do jeito que ela era, não é que não teve erro, pode ter tido erro, mas eles compraram, santificaram algumas pessoas e agora perceberam que as pessoas não eram os santos que eles imaginavam e eles não têm coragem de reconhecer. Não é nem falar mal, é só reconhecer.
É só dizer que não era daquele jeito, era só dizer que as coisas eram viciadas, para que? Para a gente politizar a sociedade brasileira, para a gente informar corretamente a sociedade brasileira, para que as pessoas fiquem sabendo das coisas. Eu lembro de um dia, um jornalista que sempre fez muita crítica a mim, mas é um jornalista importante no Brasil, o Noblat. O Noblat um dia escreveu um artigo, disse o seguinte: “quando é que a imprensa vai pedir desculpas ao Lula?”
Eu não quero que peçam desculpa a mim, porque as minhas desculpas vocês já pediram por mim e me elegeram presidente da República pela terceira vez. O que eu gostaria era que as pessoas fossem honestas com o povo e mostrassem pro povo o que realmente aconteceu nesse país, porque eles já esqueceram, já esqueceram. Ou seja, agora me parece que há uma bola de neve que faz as pessoas esquecerem o que fizeram.
E nós não podemos esquecer. Por isso esse ato é importante. Esse ato é importante porque é o primeiro em dez anos, é importante porque nesse ano já colocamos dez vezes mais do que foi colocado nos últimos dez anos. Mas por que que esse ato é importante? Esse ato é importante porque vocês vão sair daqui, e presta atenção no que eu vou dizer para vocês, vocês vão sair daqui dizendo o seguinte: Nós, mulheres e homens deste país, nós, brasileiros e brasileiras que gostam de cultura, nós, brasileiros e brasileiras que amamos a cultura, nós, brasileiros e brasileiras que imaginamos criar um mundo mais saudável para os nossos filhos, para nossos netos, nós vamos sair desse ato da cultura na próxima quarta-feira que termina, dizendo o seguinte: nunca mais, nunca mais, nunca mais esse país entrará na escuridão do fim da cultura, porque nós queremos as luzes acesas.
Nós queremos ao meio-dia, nós queremos que todo mundo saiba, alto e bom som, nós defendemos a cultura em toda a sua vertente, livre, do jeito que ela tem que ser livre, para que as pessoas possam ver, assistir, pensar, raciocinar e meditar sobre o que conseguiram ver. Esse país é o meu país, é o país da liberdade, é o país do direito de ir e vir.
É o país de um povo sem medo, de um povo capaz de levantar a cabeça e dizer: ninguém vai mais acabar com o Ministério da Cultura, ninguém mais vai cortar dinheiro. E eu fico feliz, Taciana, quando eu fico sabendo que você fica colocando o dinheiro do Banco do Brasil na Cultura. A Petrobras colocou R$ 250 milhões na Cultura, e todos têm que colocar, porque a cultura é uma espécie de líquido que nós bebemos, a cultura é o alimento que nós comemos, muito mais do que isso, a cultura é a inteligência que falta para a gente fazer o que precisa ser feito nesse país.
Para que esse país conquiste cidadania plena para que as pessoas possam conquistar o direito de comer, de trabalhar, de estudar, de ter acesso ao lazer e, sobretudo, o direito da gente fazer o que a gente quiser, de mulher fazer o que quiser, de homem fazer o que quiser. Desde que a gente respeite os direitos dos outros, a gente precisa ter liberdade de manifestação.
Por isso, meus queridos e queridas companheiras, obrigado pela existência de vocês.Se não fossem vocês acreditarem no que eu acredito, se não fossem vocês, pegar uma mulher dessa e transformar numa extraordinária mulher. O meu companheiro Gilberto Gil, que me perdoe, você foi extraordinário, mas pode ficar sabendo que essa mulher vai ser imbatível na cultura deste país, porque é a vez da mulher, é a vez da mulher negra, é a vez do povo que nunca teve vez e nem vós de dirigir a Cultura desse país.
Um abraço, boa conferência e que Deus nos abençoe e até outro dia se Deus quiser.