Pronunciamento do presidente Lula durante a 2ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT)
Primeiro, eu queria cumprimentar vocês e dizer para vocês da alegria de estarmos fazendo mais uma reunião do Conselho de Ciência e Tecnologia aqui no Brasil. Eu trouxe um discurso por escrito, mas na medida que eu ia ouvindo as pessoas, eu fui desistindo do meu discurso, porque eu queria centralizar um minuto da minha inteligência humana para falar um pouco de inteligência artificial, do que que nós queremos ou não. Muitas vezes a gente deixa de fazer as coisas porque a gente pensa demais, fala demais, teoriza demais e executa de menos.
Então, eu queria pedir ao Conselho de Ciência e Tecnologia, sabe, aproveitar esses três anos de mandato que eu tenho, em que vocês jamais terão mais liberdade de pensar e agir do que no meu governo. Não há hipótese de alguém dar mais liberdade para se pensar e agir do que no meu governo. Para a gente poder definir uma política concreta de inteligência artificial para esse país. E aí são vocês que têm que apresentar. Têm que começar a colocar no papel o que nós queremos fazer. O que o Brasil pode fazer? Ou o Brasil vai ficar a reboque daquilo que sobrar, que os outros países fizerem para que a gente possa participar desse processo.
O que isso vai resultar na qualidade do emprego do povo brasileiro? Ou o que isso vai fazer, quantos milhões de pessoas ficarão marginalizadas porque as pessoas vão se tornando inúteis se não forem preparadas para esse novo momento.
Eu lembro que uma vez, eu estava vendo aqui o Janine, eu estava lembrando uma vez o seguinte: uma vez eu encontrei com a Dilma em Belo Horizonte, acho que foi em 2012 ou 2011, o Janine era ministro da Educação, e eu lembro que a Dilma criou um programa chamado Pátria Educadora. E foi muito interessante porque o Janine estava no instituto, na reunião comigo, e ele não tinha sido informado do programa da Pátria Educadora, e ele era ministro da Educação. E de repente foi colocado o Mangabeira Unger para ser o coordenador da Pátria Educadora.
E de repente o Mangabeira Unger saiu do governo da Dilma reclamando que a Dilma nunca chamou ele para discutir o Pátria Educadora. Então, por que estou citando esse fato? Porque eu ouço todo santo dia se falar de inteligência artificial. Eu estava numa reunião do Conselhão, muitos de vocês estavam, e eu vi tanta gente inteligente falar. Falei: um país que tem tanta gente inteligente assim, por que eu estou falando em inteligência artificial com essa gente inteligente aqui tão importante? Por que eu tenho que ficar atrás da inteligência artificial?
Mas eu sei que isso tomou conta de todos os debates. Não tem um debate que eu vá , seja aqui no Brasil ou fora do Brasil, em que não entra a questão da inteligência artificial. Ontem eu estive com o presidente Pedro Sánchez, da Espanha, e ele me fez uma proposta que eu achei extremamente interessante. Ele fez a proposta para que o Brasil e a Espanha fizessem uma parceria para que a gente criasse uma inteligência artificial na nossa língua, portuguesa e espanhola. Para a gente não ficar a reboque dos outros que já estão na nossa frente. Eu achei a ideia genial. É possível criar, é possível sentar os pensadores de ciência e tecnologia da Espanha junto com os nossos e a gente imaginar uma coisa nova? Para não ficar a reboque, mais uma vez, dos acontecimentos de outros países.
Então, eu queria propor, Luciana, a esse querido Conselho, aos conselheiros e às conselheiras aqui, vamos colocar no papel algumas propostas concretas do que a gente tem que fazer. Quando a proposta estiver concreta, a Luciana, certamente, vai dizer que não tem dinheiro. Ela vai conversar com o Haddad, certamente o Haddad vai dizer: “olha, nós temos que levar em conta, porque tem aí o marco fiscal que nós temos que levar em conta, não pode fazer”.
Mas deixa eu falar uma coisa para vocês. Não há hipótese de você ter um bom projeto que a gente não arrume dinheiro. Não há hipótese. O discurso não faz o dinheiro, mas um projeto faz dinheiro. Então, aproveitem a inteligência humana de vocês e façam uma proposta sobre essa questão da inteligência artificial para a gente enfrentar isso e o Brasil virar competitivo no mundo e não o Brasil ser apenas o espectador daquilo que acontece na Europa, nos Estados Unidos ou na China.
Vamos saber o que nós podemos fazer. Veja, eu acabei de participar de uma reunião com 54 países em Adis Abeba, na Etiópia. Todo mundo que falou, falou de inteligência artificial. Aquele povo não tem o que comer. Estão com baixa produção agrícola, mas o discurso é inteligência artificial. Eu saí de Adis Abeba, fui pra Guiana. Fui à Guiana, em Georgetown. Eu fui, discuti com os 15 países do CARICOM. Também muita pobreza, mas não se fala outra coisa a não ser inteligência artificial. Saí da Guiana, fui para São Vicente e Granadinas fazer uma reunião com 33 países da América Latina do Caribe. Também se fala em inteligência artificial.
Então, pelo amor de Deus, vocês que são especialistas nisso, vocês que entendem disso, vocês que estudam isso, tá na hora de vocês, desse Conselho, fazerem um desafio ao presidente da República. Façam uma proposta de alguma coisa que seja factível, de alguma coisa que possa ser executada, de alguma coisa que o Brasil possa apresentar ao mundo dizendo: “Nós temos uma política de inteligência artificial genuinamente guarani. Pode ser Yanomami, pode ser afrodescendente, mas uma inteligência nossa. Vamos aceitar esse desafio e vamos fazer. Vamos aproveitar todo conhecimento que nós temos e fazer um desafio a nós mesmos.
O ser humano é chegado a desafio. Se a gente ficar sentado esperando acontecer, um dia vai passar por aqui, um dia nós vamos ter sorte e alguém vai trazer. Não! Quando é que a gente vai decidir que esse país é grande, esse país pode ser dono do seu nariz, esse país pode ter muito mais coisa do que a gente tem hoje?
Depende de nós. Se vocês tiverem inteligência de fazer a proposta, eu terei a coragem da gente criar uma política brasileira de inteligência artificial. Eu vou contar uma coisa para vocês, que aconteceu na semana passada. Dois anos atrás, eu não era presidente ainda, eu tinha feito uma viagem para a Alemanha e eu fui para a Espanha. E na Espanha tinha acontecido pela primeira vez uma discussão entre as duas entidades sindicais mais fortes da Alemanha (Espanha), a UGT e as comissões de obreira, para discutir o mundo do trabalho nas empresas de aplicativos. E a Espanha foi o primeiro país do mundo a fazer um acordo entre trabalhadores e empresários, construíram uma proposta de relação nesse novo mundo do trabalho e foi aprovado no Congresso Espanhol por um voto, mas foi aprovado.
Nós trouxemos uma companheira chamada Yolanda, que era uma das vice-presidentes da Espanha, advogada, jovem, foi candidata para presidente agora também. Não ganhou, mas se apresentou. Eu trouxe ela aqui para ela conversar. Como a gente não estava no governo, nós levamos o debate para a Fundação Perseu Abramo, sobre a batuta do Aloizio Mercadante. E nós juntamos os sindicalistas, juntamos os pequenos e médios empresários, juntamos um monte de gente e fizemos várias discussões sobre a questão do mundo do trabalho nas empresas de aplicativos.
Eu tomei posse na Presidência da República, chamei o Ministro do Trabalho e falei: “Marinho, você vai ficar com a responsabilidade de juntar os trabalhadores do aplicativo, que é uma coisa muito dispersa, e os empresários do aplicativo, e nós vamos construir uma proposta, uma proposta de regulamentação. Nós levamos um ano e três meses, e saiu a proposta. Eu até brinquei que nós criamos uma nova nomenclatura, uma nova codificação no mundo do trabalho, que é “trabalhadores autônomos com direitos”.
Então, esses trabalhadores fizeram um acordo com os empresários, construímos um projeto de lei, esse projeto de lei foi para o Congresso Nacional. Esse Projeto de Lei prevê jornada de trabalho, prevê quando é que começa a valer a jornada de trabalho dele, prevê que ele vai pagar 7,5% de Previdência Social sob salário mínimo, o empresário vai pagar 20%, me parece. Tudo de comum acordo entre empresários. E eu fui no lançamento da apresentação do projeto de lei e fiquei boquiaberto porque parecia impossível a gente conseguir aquilo. Parecia impossível, porque diziam “não, vocês querem atrelar os trabalhadores à CLT, os trabalhadores não querem mais CLT”.
É verdade que os trabalhadores gostariam de ter oportunidade de ter uma forma de trabalho que lhe desse garantias, sem precisar estar na CLT. A vida inteira a gente, quando está dentro de uma fábrica, a gente sonha em ser autônomo. A gente sonha, a gente sonha. Naquele tempo que não tinha empresa de aplicativo, não tinha esse negócio de empresa criativa, não tinha microempreendedor, não tinha simples. Naquele tempo, o meu sonho dentro da fábrica era ser motorista de táxi, ou sair da fábrica e montar um barzinho. E o barzinho era sempre perigoso porque eu poderia beber mais dentro do balcão do que vender.
Mas agora, agora as pessoas querem se virar por conta própria e não querem mais ficar presos à CLT. E foi feito, eu achei uma coisa extraordinária. Ontem eu até agradeci ao presidente da Espanha, porque foi a partir da Espanha que nós tivemos a fineza de tentar regulamentar. E ninguém acreditava que fosse possível regulamentar, e regulamentou.
Vamos pegar para nós. Eu já fiz campanha em 89. O pessoal me falava que eu tinha que falar de química fina, de outros materiais, às vezes nem sabia o que que era, mas eu ia falando, era para falar. Aí o pessoal me dizia que o petróleo ia acabar 30 anos depois, isso em 89. “O petróleo vai durar mais só 30 anos, vai acabar o petróleo no mundo e não sei das quantas e tal”. “É muito difícil você imaginar separar partículas e você fazer hidrogênio”. Já perceberam, já perceberam que as coisas não acontecem se a gente não ousar e se a gente não tiver coragem de nos desafiar e fazer.
Então, pelo amor de Deus, cientistas brasileiros, comunidade científica e querida Luciana, vamos aceitar o desafio, vamos aceitar o desafio. Algumas inquietações que vocês têm, o Sérgio já tinha comigo quando ele era meu ministro, sabe, há 20 anos atrás. Outros já tinham 30 anos atrás. Vamos parar de achar que é impossível fazer, que o país é pobre, que o país é pequeno e vamos tentar ser grandes.
Vamos tentar ser grandes? Vamos tentar dar um passo adiante? Então, vamos colocar no papel o que vocês acham que pode ser feito. O que vocês acham que o Brasil tem que fazer para o Brasil ser detentor de se apresentar ao mundo para que eu vá dia 23 de setembro fazer meu discurso na ONU e apresentar a nossa proposta de inteligência artificial? Vamos aceitar esse desafio. E vamos nos tornar grandes, orgulhosos.
Afinal de contas, nós não somos mais um país do terceiro mundo, nós somos agora do Sul Global. É, nós somos do Sul Global. Nós vamos realizar o mais importante G20 que já foi realizado, porque além de 57 reuniões que estão marcadas, a gente vai ter o G20 Social, que a gente quer fazer uma grande movimentação dos invisíveis. Daqueles que nunca tiveram nem vez e nem voz, participar do tal do G20. Depois nós vamos ter que fazer uma outra grande reunião, que é os BRICS, o ano que vem, aqui no Brasil, e depois nós temos que fazer a COP 30, que é o grande desafio nosso sobre a questão climática.
Não tem nenhum país no mundo hoje, nenhum, que tenha todos os predicados que tem o Brasil para fazer a revolução climática e a transição energética que tem o Brasil. Nós temos tudo, nós temos conhecimento, temos matéria-prima, temos tecnologia e temos material humano de qualidade. Então nós só temos que assumir isso, nós só temos que assumir de que nós vamos fazer, nós vamos parar de teorizar, nós vamos parar de reclamar e nós vamos fazer.
“Ah, mas o pessoal vai fazer greve porque só”. Não tem problema. Eu até fiquei sabendo que o pessoal dos institutos federais estão na perspectiva de entrar em greve. Ótimo! Só o fato dos caras quererem fazer greve já é bom, porque no governo passado ninguém se metia a fazer greve. Então, só o fato do cara falar: “porra, o Lula está no governo, eu posso fazer uma grevezinha”. Ótimo! Que bom que ele está exercitando o direito de reclamar, o direito de reivindicar. E a gente pode exercitar o direito de dar ou de não dar, de poder dar ou não dar. Quando a gente não pode dar, a gente sempre joga a culpa na Fazenda. Então fica fácil.
Antigamente a gente jogava em cima do FMI, como o Brasil virou credor do FMI, a gente não precisa mais. Depois, deixa eu lhe falar uma coisa. Qualquer proposta de projeto que a gente faça de qualidade, eu posso dizer para vocês que não falta possibilidade da gente arrumar crédito para fazer as coisas acontecerem. Eu já fui presidente oito anos, eu estou agora há 13 meses na presidência, eu nunca recebi, em 15 dias, a diretora-geral do FMI, diferentemente do que vinha no tempo que o FMI era credor brasileiro, que vinha aqui todo ano, descia duas pessoas dos Estados Unidos no aeroporto do Galeão, aqui em São Paulo, para vir aqui fiscalizar a contabilidade brasileira.
Quando o ministro da Fazenda do Brasil implorava uma audiência com o diretor-geral do FMI, ele não recebia. Quantas vezes o ministro da Fazenda desse país ia para fora para conversar com o chefe dos porteiros? Porque o FMI não recebia. Gente então a moça veio aqui, cheia de amor para dar, querendo conversar, aí ela vai embora, vem o presidente do Banco Asiático aqui, um banco que tem mais dinheiro do que o próprio Banco Mundial, cheio de amor para dar.
Aí veio a diretora-geral do Citibank, cheia de amor para dar, toda dizendo o seguinte: “Presidente, nós nunca, nunca imaginamos que houvesse a perspectiva e o desejo de investimento no processo de industrialização deste país, na questão da energia verde, na questão do biodiesel verde, da indústria verde como tem agora. Se o Brasil estiver preparado, o Brasil vai ter a sua grande chance de virar um país desenvolvido nessa segunda metade do século 21.”
Então, por favor, aceite o meu desafio. Coloque no papel o que vocês acham que tem que fazer. E vou dizer para vocês: eu estou sendo instigado a criar um grupo de trabalho ligado diretamente à Presidência da República sobre inteligência artificial. Eu não vou criar. Eu vou depositar na responsabilidade de vocês desse Conselho. Vou depositar nas costas de vocês. Façam a proposta que nós colocaremos em prática.
Obrigada, queridos, e que Deus nos ajude a continuar acreditando na ciência e na tecnologia. E parabéns, Luciana.
Vai terminar a reunião, deixa eu dizer pra vocês uma coisa agora. Primeiro, é o seguinte, eu só queria dizer para vocês que eu estou muito gratificado do que está acontecendo. A gente sabe das dificuldades, a gente sabe que a gente não repôs aquilo que as pessoas têm direito e não vai ser de uma vez que a gente vai fazer isso.
Mas a nossa disposição é fazer com que esse país entenda que o investimento em Ciência e Tecnologia é a grande chance e a grande arma que a gente tem para dar um salto de qualidade no país. Portanto, obrigado. Eu quero que vocês acreditem na ciência e tecnologia, acreditem no desafio que eu fiz para vocês e eu vou cobrar de vocês.
Daqui quanto tempo? Quando é a próxima reunião? Você trate de marcar. No máximo três meses vocês têm que começar a produzir e começar a me apresentar, pode ser, quem sabe, o ápice da nossa Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia seja a apresentação de uma proposta brasileira.
Gente, um abraço. Obrigado.