Pronunciamento do presidente Lula durante apresentação do programa "Brasil Unido pela Educação"
Primeiro, eu começo pedindo desculpa pelo atraso de alguns minutos da minha parte e dos ministros e agradecer a presença de vocês.
Essa é uma reunião diferente de quase todas que nós fizemos. Não é uma entrevista coletiva tradicional para discutir a educação. Nós estamos fazendo um convite à imprensa especializada em educação e ao conjunto da sociedade que, através de outras entidades, se preocupa e cuida da educação, para que a gente possa fazer uma apresentação daquilo que a gente pretende fazer pela educação e do que que nós encontramos quando chegamos dia 1° de janeiro de 2023 na educação brasileira.
Vocês sabem que, durante muito tempo, eu venho repetindo que não há experiência de nenhum país do mundo que conseguiu se desenvolver sem que antes tivesse feito investimento na educação. E aqui no Brasil nós tentamos trabalhar a educação e sempre está faltando alguma coisa para fazer.
Todas as vezes que a gente vê uma entrevista de alguém, de algum especialista na televisão, há sempre algum problema na educação, e o mais grave é que muitas vezes os graves problemas se dão no ensino fundamental e no ensino médio, sobretudo, quando a gente descobre que muitas crianças que estão na escola continuam analfabetas no terceiro ou quarto ano da escola. Pessoas que não conhecem ainda a matemática. Ou seja, uma demonstração de que muitas vezes está acontecendo um desastre na educação brasileira, que nós precisamos dar um paradeiro se a gente pretende criar um país, sabe, em que coloca a educação como alvo principal das ações do governo.
A ideia desse encontro é que o companheiro Camilo [Santana, ministro da Educação] tenha um tempo. E vocês sabem que uma das razões pelas quais o Camilo não tomou posse como senador e foi convidado para ser ministro da Educação é porque é exatamente no estado do Ceará, um estado que não é o mais rico do país, sabe, em que a gente tem tido os melhores bons exemplos de investimento na educação, desde o ensino fundamental até o ensino médio.
É no Ceará que a gente tem grande parte dos alunos aprovados para entrar no ITA, por exemplo, em São José dos Campos (SP). E por isso, nós levamos o ITA para Fortaleza (CE), quase que em uma política de compensação, em agradecimento ao investimento e ao sucesso que eles tiveram na educação nesses últimos tempos.
E o companheiro Camilo tem feito um trabalho dedicado, muita proposta conversada com a sociedade brasileira, conversado com as organizações, para ver se a gente encontra um rumo, sabe, conversando com prefeito e pactuando com o prefeito. Conversando com o governador e pactuando com o governador. O que nós queremos é envolver em uma cumplicidade educadora a sociedade brasileira, a sociedade, e sobretudo, envolver pais, mães, nesse processo educacional. Como é que a comunidade vai ajudar com que a escola possa funcionar como uma escola de qualidade.
Então, ele vai explicar, eu não vou ficar dizendo as coisas que ele tem que dizer. Eu só queria que vocês tivessem um pouco de paciência porque ele está sendo cronometrado, ele não vai ter tempo. Ele só tem que ser convincente. E depois, ele vai se abrir para as perguntas que vocês quiserem fazer; tanto pergunta para jornalista quanto pergunta para entidade, sabe.
Não se preocupem com a crítica, façam e falem o que tiverem que falar, porque a partir dessa reunião, a gente vai começar a viajar o Brasil para ver se a gente coloca em prática o que a gente está se propondo a conversar com vocês. Dito isso, eu passo a palavra ao meu querido companheiro Camilo Santana, ministro da Educação.
Retomada do Pronunciamento
Eu espero que vocês tenham gostado da apresentação do companheiro Camilo.
Eu queria lembrar vocês que no meu primeiro mandato, o ministro da Secom que foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, fez uma pesquisa nacional, e a pesquisa nacional dizia que 100% dos pais sonhavam e desejavam uma escola de qualidade para o filho. O que era triste era que, nessa mesma pesquisa, as pessoas diziam que não acreditavam que fosse possível isso acontecer no Brasil. E veja que já faz tempo, e a gente continua com problema sério na educação.
Às vezes, é triste quando a gente ouve dizer que bolsas passaram seis, sete anos sem serem reajustadas. Muito mais triste ainda é você saber que a refeição escolar passou seis anos sem ser reajustada, tantos anos sem concurso.
E o que nós estamos tentando fazer agora é, na verdade, tentar trazer vocês como cúmplices de uma política que não pode ser de governo; ela tem que ser do Estado brasileiro, e para ela ser do Estado brasileiro, ela tem que ter a participação da comunidade. Ela tem que ter a participação dos educadores desse país. Porque senão, cada governo, cada ministro entra e ele inventa uma política e ele faz um Projeto de Lei e esse Projeto de Lei muda o que tinha e começa uma coisa nova, aí vem outro ministro, muda outra vez, e as coisas nunca acontecem definitivamente.
O ideal será que a gente faça essa política ser compreendida por cada prefeito no município mais distante, por cada governador.
Eu vi e falei com o companheiro Camilo, eu assisti um dia desses em um canal de televisão uma entrevista com alguns prefeitos falando sobre educação de tempo integral. E os prefeitos tinham recebido dinheiro e não tinham escola de tempo integral. E eu lembro da cara de pau de um prefeito que não sabia o que falar para o repórter quando ele perguntou: "Mas vocês têm escola em tempo integral?". Falou: "Não, aluno a gente não tem, mas a escola é de tempo integral". Ou seja, mas ele já recebeu o dinheiro, então você percebe que uma das coisas importantes que a gente tem que fazer, Camilo, é um sistema de fiscalização.
Cada companheiro governador, independentemente do partido a que ele pertence, cada prefeito ou prefeita dessa cidade, tem que ter em conta que nós vamos fiscalizar seriamente esse programa. Porque muitas vezes a sociedade não sabe de quem é a responsabilidade no ensino fundamental. Se a escola está de boa qualidade, muitas vezes o prefeito fala: "Não, eu sou o responsável pela qualidade". Mas se estiver ruim, ele fala: "Não, a culpa é do governador ou a culpa é do Governo Federal". Sempre foi assim e sempre será assim se a gente não tiver uma cumplicidade de responsabilidade em tirar esse país no século XXI da situação em que ele ficou.
O que nós estamos dizendo no país é o que foi plantado. Nós estamos colhendo nesse país 350 anos de escravidão. Nós ainda vivemos sobre o hospício de um país em que a elite governante não acreditava na educação para todos. Universidade era privilégio. Você sabia quando a pessoa ia fazer um curso universitário a depender do berço que ele nascia. Ou seja, não é à toa, Camilo, que esse país foi o último país a ter uma universidade federal. É triste, mas é verdade.
Eu sempre cito a comparação: o Peru teve a primeira universidade dele em 1554; a do Brasil só foi vir em 1920. Ou seja, o que que explica isso? O que explica é que as pessoas mais abastadas desse país, os senhores dos engenhos, os mais ricos, mandavam seus filhos estudarem em Londres, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, e o pobre ia aprender a cortar cana. É essa a situação que esse país viveu durante muito tempo.
Tirar esse país dessa situação é uma revolução cultural que vai depender de toda sociedade brasileira. Tudo isso que foi anunciado aqui, Camilo, para que a gente possa ter sucesso, é preciso que a gente leve em conta que a imprensa é importante, que a fiscalização é importante, que o comportamento do governo estadual é importante, que o comportamento do prefeito é importante. Mas, sobretudo, nós temos dois fatores que são decisivos: primeiro a qualidade do tratamento que a gente vai dar aos educadores brasileiros que vão estar com os alunos dentro da sala de aula. Porque se o professor não estiver sendo tratado com decência e com respeito, se ele não estiver ganhando o suficiente para cuidar da sua família em casa, a tendência é ele não estar trabalhando animado. A segunda coisa é a comunidade local. Tentar convencer o pai e a mãe de que ele tem que saber como é a coisa dentro da escola, como é que o professor está dando aula para o seu filho, se o seu filho sai aprendendo a lição a cada aula, se o seu filho vai se preparar para prova a cada mês ou quando fizer a prova, como que é o banheiro da escola, como que é a área de lazer da escola.
Ou seja, o pai e a mãe precisam ser parceiros para que a gente possa fazer dar certo um programa desse. Nós não temos o direito, nós não temos o direito de deixar para os nossos netos, bisnetos, tataranetos, esse país ainda capengando do ponto de vista de educação.
Eu tenho orgulho de ser um presidente sem diploma universitário, que mais coloquei jovens na universidade desse país. Mas é muito pouco, é muito pouco.
Se a gente comparar de 17 a 24 anos a quantidade de jovens nas universidades aqui no Brasil com a Argentina, a gente perde. Se a gente comparar com o Chile, a gente perde.
Então, só existe uma explicação: houve um tempo, houve um tempo em que quem governava esse país não se preocupava com a educação para todos. Ou seja, mulher pobre não tinha que estudar. Jovem pobre não tinha que estudar. Ou seja, e nós estamos tentando dar uma virada de mesa. É por isso que nós fizemos como primeira coisa proibir a palavra "gasto" em educação. Pelo amor de Deus! Cada centavo colocado em educação é investimento.
E as coisas estão melhorando. Ontem, eu fui em uma festa de 90 anos da USP e, podendo dizer na USP, sabe, que a USP que era uma universidade criada para brancos, que hoje metade da USP é aluno da periferia desse país. Ou seja, você ter na melhor universidade brasileira gente preta, indígena, mulher, pobre, sabe é uma coisa extraordinária. Isso significa que nós estamos, sabe, caminhando corretamente.
E eu quero dizer para vocês que eu boto muita confiança no companheiro Camilo. Quando eu convidei o Camillo, eu fiz dois desafios para o Camilo: primeiro, fazer em todo território nacional melhor do que fez no Ceará, ou pelo menos igual. Segundo, até a sua entrada, o Haddad era tido como o melhor ministro da educação do país e você precisa ganhar essa medalha do Haddad e se transformar no novo melhor ministro da Educação desse país. Não faltará apoio do governo. Não faltará apoio do governo.
E não sou eu que vou lhe agradecer se no final da sua gestão a gente tiver obtido parte das coisas que foram apresentadas aqui. Quem vai lhe dar os parabéns é o povo brasileiro e as crianças brasileiras, porque, finalmente, alguém olhou para elas com o carinho que nós sempre deveríamos ter olhado. Um abraço! Eu quero que o que vocês não sabem agora, perguntem para o Camilo. Perguntem que ele está preparado ali, está com todas as informações. Façam a pergunta que quiserem. Nós precisamos de um coordenador da pergunta. É você, Pimenta?
Então, o Pimenta, vai coordenar as perguntas. E por favor, por favor, façam as perguntas mais inteligentes possível para que melhorem a nossa inteligência no governo. Obrigado, gente.
Encerramento
É só para me retirar com o Camilo, porque o Pimenta vai encerrar isso aqui. Eu queria que vocês compreendessem a ideia de que investir em educação não é gasto. Ou seja, na verdade, o que nós estamos tentando fazer é evitar que esse dinheiro que a gente está colocando na educação seja, no futuro, colocado em prisões. Seja colocado para recuperar um jovem que não teve oportunidade e caiu no crime organizado.
O que nós estamos fazendo é exatamente isso: é tentando dar uma chance para ver se a gente não permita que um jovem que tem 16, 17 anos, por falta de perspectiva, ele vá para a droga. Ele vá virar um zumbi nas ruas das capitais, perambulando, sem nenhum respeito da sociedade e sem nenhuma perspectiva. Às vezes roubando o gás da casa dele para vender, para comprar droga.
O que nós estamos fazendo é uma aposta, ou seja, estamos tentando fazer, antes que a gente perca esse jovem para o crime organizado, para a droga, nós estamos tentando recuperá-lo para o país, para a sua família. É por isso que eu continuo teimando e brigando todo dia: não me venham falar na palavra gasto quando a gente fala em fazer universidade, uma escola técnica. Não me fale.
Porque é o investimento mais extraordinário que um país pode fazer. Não existe nada igual. Investir em educação e investir em cultura é a gente salvar uma cidade, um estado e um país. E é isso que a gente está fazendo, por isso, eu vou terminar aqui pedindo a ajuda de vocês.
Esse programa, para dar certo, é preciso que haja 200 milhões de fiscais. Nós vamos ter que conversar muito com as mães, com os pais, com os prefeitos. Porque é o seguinte: ou nós fazemos isso ou o crime organizado fará. Ou nós damos a oportunidade a esse menino, ou o crime organizado dará. É apenas uma questão de decisão política, não é decisão econômica. A decisão política é que nossa obrigação maior é salvar essas pessoas, enquanto a gente tem chance.
Por isso, Pimenta, termina nossa coletiva falando um pouco, porque você está com a boca seca, com vontade de falar um pouco. Fala aí um pouco.