Pronunciamento do presidente Lula durante apresentação do balanço da segurança pública em 2023
Introdução
Eu vou só dizer meia dúzia de palavras. Primeiro, eu queria agradecer a presença de vocês, porque esse encontro que nós estamos realizando é um encontro de prestação de contas de um companheiro que prestou um serviço extraordinário ao meu governo, em um primeiro ano muito difícil e que, a partir de amanhã, dia 1º, não será mais o ministro da Justiça. Vai ser, por 22 dias, senador da República e, depois, no dia 22, ele toma posse como ministro da Suprema Corte. E, no seu lugar, vai entrar um cidadão que era da Suprema Corte, que vai ocupar o lugar de ministro da Justiça.
E eu convidei também o ministro da Defesa, porque o assunto de Justiça é um assunto muito importante para nós no Brasil e nós sabemos o quanto é difícil a gente combater todas as coisas equivocadas e erradas que acontecem no Brasil. Nessa exposição do companheiro Flávio Dino, depois haverá um conjunto de perguntas, eu não sei se vão ser dez perguntas. E eu avisar, com antecedência, que as perguntas serão para ele e somente ele responderá, porque eu não vou responder pergunta, o Zé Mucio [ministro da Defesa] não é ministro da Justiça e o Lewandowski [Ricardo Lewandowski] só pode responder pergunta a partir de manhã, quando ele for ministro da Justiça.
Então, esse é o encontro com o nosso ministro da Justiça, Flávio Dino, que tem poucas horas como ministro da Justiça para falar com vocês. Na hora das perguntas, por favor, perguntem o que vocês quiserem. Não, não tenham, não tenham receio de que tal pergunta vai criar problema, tal pergunta é provocativa, tal pergunta, não tem esse problema. Perguntem o que vocês quiserem que o Flávio Dino ou saberá responder ou dirá para vocês que não sabe responder. Tá?
Então, não sei, Pimenta [Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República], se você quer dar alguma orientação. Eu passo a palavra ao Pimenta, antes de passar a palavra ao companheiro Flávio Dino, que eu espero que você vá no púlpito para falar, fica mais bonito, a imagem soa mais forte, um pouco maior, então vai chamar mais atenção.
Encerramento
(falha na transmissão prejudicou o início da fala)
Parte dos problemas sociais desse país que se arrastam por longos 520 anos. Eu, uma vez, visitei uma cidade no Peru, chamada Villa El Salvador. Era uma cidade que era administrada por um padre. E essa cidade tinha por volta de 300 mil pessoas. Era uma favela bruta. Era uma favela tão organizada que quando chegava alguém novo para entrar na favela, eles tinham um terreno na frente da favela, eles faziam um barraco para as pessoas esperarem a vez deles entrarem na favela. Nessa favela tinha o lugar demarcado para campo de futebol, o lugar demarcado para escola. E quando alguém cometesse um delito, esse alguém não era preso. Esse alguém, dependendo do tipo do crime que ele cometesse, ele era levado a uma vila porque essa cidade era blocos. E o bloco em que ele morava tinha a responsabilidade de tomar conta dele a partir dali. Qualquer coisa que ele fizesse, a responsabilidade era do conjunto dos moradores. Quem sabe um dia a gente possa chegar a isso.
Quando nós criamos o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), ainda no governo que o Tarso Genro era ministro, a gente imaginava uma coisa muito simples que eu acho que vocês pensam. É possível a gente recuperar um jovem que cometeu um delito? É possível a gente apostar que a gente pode recuperar e transformar essa pessoa em um cidadão politicamente correto, em um trabalhador, em um intelectual? É possível. Nós criamos acreditando que era possível, porque se a gente não acredita e a punição bruta é a única solução, a gente não vai humanizar o ser humano que cometeu um ato desumano. A gente vai torná-lo mais desumano ainda.
Vocês viram que nós acabamos de criar uma bolsa para os estudantes do ensino médio, que é uma área da educação que tem uma evasão muito grande. E qual é a nossa preocupação com essa evasão? É que se você tem um jovem de 14, 15, 16, 17 anos e nessa idade em que a sua formação está ficando completa, você não dá a ele oportunidade e ele não tem nenhuma chance, ele não trabalha e não estuda. Ou seja, o crime organizado hoje não é uma coisa fácil de combater, porque o crime organizado virou uma grande indústria multinacional. Maior do que a General Motors, maior do que a Volkswagen, maior do que a Petrobras. É uma coisa muito poderosa. E o crime organizado está na imprensa, está na política, está no judiciário, está no futebol, está nos empresários. Eles estão em tudo quanto é lugar do planeta Terra. E é uma coisa tão difícil que, muitas vezes, um país rico como os Estados Unidos acha que combater a droga será resolvida colocando base militar na Amazônia ou colocar base militar na Colômbia.
O problema não é de droga, o problema não é combater, sabe, na Amazônia, o problema é saber o seguinte: como é que o país rico vai cuidar dos seus usuários? Porque as pessoas pobres estão metidas no crack, todo mundo sabe onde eles estão. Aliás, eles não se escondem, eles cada vez mais viram zumbis, cada vez mais estão visíveis para todo mundo que quiser, é só ir em uma grande cidade. Esses chamam... o que a gente poderia chamar a "ralé dos drogados". Tá?
Agora os grã-finos que usam as drogas químicas, que usam a cocaína refinada, esses não estão lá no lugar do crack, esses não estão na periferia bruta desse país, esses estão mais refinados. Esses lidam com milhões e milhões e milhões e milhões — e essa droga vai para o porto de Amsterdã, vai para o porto de Berlim, vai para o porto de Estados Unidos, vai para o porto... Está em tudo quanto é lugar, e somente uma indústria poderosa é capaz de fazer isso.
Como combater isso? Eu acho que é a gente acreditar na possibilidade da formação de um novo ser humano, baseado na educação, na família e no humanismo. Não tem outro jeito, a gente vai viver isso. A gente, todo mundo aqui sabe que o político popular é aquele que grita "bandido bom é bandido morto". Eu nem tinha pensado em fazer política na minha vida, eu era um simples dirigente sindical, a coisa que eu mais via passar na frente da minha casa, em época de eleição, era uma dessas jamantas grandes, sabe, com uma grade como se fosse uma gaiola, com artistas fantasiados de preto, sabe? Para dizer que bandido bom era bandido morto, bandido bom era bandido que tinha que pegar prisão perpétua. Sabe, eu não sei porquê que alguém não propôs: "vamos fazer como era antigamente; procura-se vivo ou morto". Divulga a cara de todo mundo, sabe, coloca nos postes e fala: "vivo ou morto".
Isso não é polícia. A gente quer ver se a gente consegue humanizar o combate ao pequeno crime, às pessoas mais humildes e jogar muito pesado, jogar muito pesado, eu não sei como — por isso é que eu trouxe um ministro da experiência dele agora, sabe, e um desse aqui —, como é que a gente vai jogar pesado para enfrentar a chamada indústria internacional do crime organizado. Essa tem avião, essa tem navio, essa tem barca, essa tem iate, essa tem indústria, ela tem tudo. Tem poder de muitas decisões, de muitas instâncias de governos e de países e é essa que nós temos que enfrentar. E, aí, tem uma coisa: é investir em muita inteligência, porque pegar essa gente é sempre mais complicado. De repente, um cara que vai investigar, vai estar diante do chefe dele e ele não sabe como se comportar.
Então, meu caro Lewandowski, você recebe um ministério mais organizado (nesses 13 meses) do Flávio Dino. Mas, eu quero te confessar, você está pegando... Os meus agradecimentos a ele porque ele se aposentou, ele estava pensando que ia viver no paraíso com a sua esposa, tranquilo, viver ganhando dinheiro do seu conhecimento, da sua capacidade intelectual. Eis que aparece eu... e eu convido para ele largar essa possibilidade de vida boa e vir meter a mão na massa, junto comigo, para ver se a gente faz as coisas acontecerem nesse país.
Muito obrigado, Flávio. Muito obrigado.
E, Lewandowski, amanhã você assumirá a sua vez. Espero que você faça pelo Brasil mais do que o meu amigo Mano Menezes está fazendo pelo Corinthians... Nunca, nunca passei tanta...
Um abraço, gente. Obrigado.