Transcrição da coletiva imprensa do presidente da República em Londres, no Reino Unido
Presidente Lula: A Inglaterra sempre foi um país muito importante para o mundo e para o Brasil. Seja do ponto de vista político, cultural, científico, tecnológico.
E eu, quando fui presidente de 2003 a 2010, mantive uma relação muito próxima da Inglaterra. Primeiro com Tony Blair e depois com Gordon Brown, que era mais do que governante, o Gordon Brown era um amigo, um companheiro que às vezes ligava pra gente para consultar muitas coisas ligado ao mundo do trabalho.
Havia 12 anos, ou seja, a última vez que o Brasil teve um presidente aqui, para discutir negócio, foi em 2012, a companheira Dilma Rousseff. De lá para cá, só o último governo nosso veio aqui no enterro da rainha. Ou seja, o Brasil parou de falar de negócio ou de discutir negócio. Nós chegamos a ter um fluxo comercial entre os dois países de 8 bilhões e 600 milhões de dólares. Agora, caímos para um pouco mais de 6 bilhões.
E além de vir aqui para a posse do rei, eu vim para uma bilateral com o ministro, que é um jovem, espero que tenha sucesso e que tire a Inglaterra da situação em que a Inglaterra está, para discutir com ele à necessidade de retomarmos as conversas para que volte a crescer Brasil e Inglaterra. Nós vamos criar um grupo de trabalho do Brasil e da Inglaterra para começar a discutir quais as coisas que nós podemos trocar comercialmente. O que é que a gente tem, sabe, de interessante para a Inglaterra e o que é que a Inglaterra tem de interessante para o Brasil. E a gente não consegue vender ou comprar, se a gente não vê, se a gente não tiver atento.
Eu sempre disse que o ministro da Indústria e Comércio, deve funcionar como se fosse um mascate, ele tem que levar produto embaixo do braço para vender e levar dinheiro no bolso para comprar. Porque a boa política de relação comercial é uma via de duas mãos. Você não pode querer ter um superávit muito grande com um país e nem ter déficit.
O que é importante, é que haja um certo equilíbrio e eu acho que o Brasil explora muito pouco o potencial de venda que a Inglaterra tem para o Brasil e acho que a Inglaterra explora muito pouco o potencial de coisas que o Brasil tem para vender para Inglaterra. Eu acho que depois que a Inglaterra saiu da União Europeia, esse mercado aumentou de forma extraordinária para o Brasil.
Agora, ninguém vai vender para o Brasil ou comprar do Brasil, por causa dos olhos do presidente da República ou por causa do Estado que ele nasceu. Não. As pessoas vão comprar na hora que você tiver produto para vender, esses produtos tiverem qualidade e esses produtos estiverem dentro dos preços que o mercado exige que seja.
Mas, além dessa visita que eu achei muito boa, talvez uma das melhores visitas que eu fiz à Inglaterra para discutir Brasil e Inglaterra, tem a posse do rei. Que foi a primeira que eu participei, uma novidade na minha vida, também porque na Inglaterra fazia mais de setenta anos que não tinha a posse do rei, porque a rainha viveu muito tempo com a coroa. E foi interessante porque, além disso, voltando ainda na questão do primeiro ministro, uma outra boa novidade é que ele assumiu a responsabilidade de também contribuir com o Fundo Amazônia.
Nós que tínhamos perdido tudo, nós que tínhamos perdido o fundo da Noruega e da Alemanha, porque o presidente não aplicava, nós não só estamos aplicando, como agora estamos, sabe, já recebemos mais um aviso do Biden, que vai dar 500 milhões de dólares. Agora a Inglaterra, que não disse quanto vai dar, mas eu espero que não seja menos do que os Estados Unidos. Porque nós vamos ter uma COP agora, que vai ser nos Emirados Árabes, e eu estou pleiteando que a COP 30 seja no Brasil, no Estado da Amazônia.
Quem defende a Amazônia no mundo, quem gosta da Amazônia, quem é contra o desmatamento, vai ter a chance de participar de uma COP no coração da Amazônia. Pode até dormir num barco no Rio Tapajós, pode escolher o lugar que ele quiser, discutir a preservação ambiental. Eu vou nessa COP, nos Emirados Árabes, e vou cobrar da mesma forma que eu cobrei no Egito.
O problema é que, todos os países ricos desde a COP 15, que eu participei quando era presidente em 2009, que os países ricos prometem dinheiro, prometem o fundo, prometem o fundo, prometem o fundo. Mas a verdade é que esse fundo de 100 bilhões, nunca aparece.
Nós precisamos ter em conta que, ao preservarmos a floresta, porque é nossa responsabilidade, ninguém tem o direito de cortar uma árvore que tem 300 anos de vida para fazer uma cadeira, para fazer uma cama, para fazer um guarda roupa, ou seja, essa árvore na verdade é uma árvore que pertence à humanidade, não pertence a alguém que pode destruí-la sem recolocar nada no lugar. Então, pra gente preservar nossa floresta, nós precisamos levar em conta que, só do lado brasileiro, moram 25 milhões de pessoas e que essas pessoas querem ter acesso a bens materiais, essas pessoas querem comer, essas pessoas querem passear. Então, nós precisamos ao discutir a preservação, sabe, a gente precisa discutir como fazer essa gente sobreviver dignamente.
Eu acho, que se a explorar corretamente a riqueza científica da nossa biodiversidade na Amazônia, a gente pode encontrar coisas excepcionais para a indústria de fármaco, para a indústria de cosmético, a gente pode criar a chamada indústria verde em que a gente possa, além de não poluir, a gente possa angariar recursos para melhorar a vida do povo que trabalha lá.
Essa é uma coisa importante e eu vou dizer para os países, que é importante levar muito a sério esta questão climática. É por isso que eu tenho brigado, porque nós precisamos ter uma nova governança mundial. A gente não pode continuar do jeito que está, com base no resultado da geopolítica de 1945 quando a ONU foi criada.
Nós precisamos ter uma governança que tenha primeiro, mais representatividade de outros continentes, mais países, sem que um membro do Conselho de Segurança tenha direito a veto. E, obviamente que o Brasil reivindica participar do Conselho de Segurança. Mas nós não queremos só para nós, nós queremos para outros países da América do Sul, da América Latina, da África, da Ásia. Não tem explicação porque uma Índia, com 1 bilhão e 400 milhões de habitantes, não está no Conselho de Segurança. Não tem explicação porque uma Nigéria, uma África do Sul, um Egito, um Brasil, um México, uma Argentina. Então, é preciso rediscutir uma nova geopolítica, para que a ONU tenha autoridade de decidir e ver as decisões serem cumpridas. Porque do jeito que está hoje, as decisões da ONU só valem para os partidos muito pequenininhos, porque os membros do Conselho de Segurança, não respeitam sequer o Conselho de Segurança. Os membros do Conselho de Segurança são os maiores produtores de armas, os maiores vendedores de armas, são eles que têm todas as armas mais potentes do mundo. Então, eles precisam ter em conta que eles não podem fazer guerra com decisão própria. Na verdade, precisa discutir no Conselho de Segurança e esse Conselho de Segurança tem que decidir.
A questão climática é a mesma coisa. Nós decidimos, por exemplo, criar um fundo ou fazer uma política qualquer, se a gente deixar para que essa decisão seja cumprida, a partir da decisão do Estado nacional, ela não acontece. Porque muitas vezes os Congressos não provam, muitas vezes os empresários não querem, muitas vezes o mesmo pessoal do meio ambiente, mais radicais, também não querem. Então, é preciso que tenha um certo poder de decisão, para que a gente possa colocar em prática, e tornar eficaz, as decisões que nós tomamos nas COPs que nós participamos.
Com relação à questão da conversa com o primeiro ministro, eu já falei, convidei-o para ir ao Brasil. Porque todo mundo que eu conversei aqui, e eu conversei com muita gente, essa vinda minha aqui foi importante porque, além de conversar com o primeiro ministro, além de conversar com o rei, eu conversei com vários países africanos. Com vários países. Conversei com o vice-presidente da Índia, conversei com o presidente do Paquistão, conversei com Macron, aproveitei que o Macron estava aí e já conversei com o Macron, porque eu quero, sabe, conversar com ele.
A mesma conversa que eu tive com a China, que já tinha tido com ele por telefone, porque alguém nesse mundo tem que se preocupar pela paz. Alguém neste mundo vai ter que tomar uma decisão e tentar convencer os que estão em guerra, a parar essa guerra, para depois que ela parar, sentar numa mesa e negociar. Então, foi muito importante essa conversa, esse diálogo e foi muito importante a primeira coisa que o rei disse para mim foi para eu cuidar da Amazônia. E eu falei que eu preciso de ajuda. Não é só a nossa vontade, é preciso de ajuda e muitos recursos.
Nós vamos ter em agosto, a primeira vez que vamos ter uma reunião séria, com todos os países da América do Sul que são amazônicos. Se a França quiser participar, a França tem o direito de participar porque a França, quem não sabe ainda, a França é um país amazônico por causa da Guiana Francesa. É o único país europeu que tem parte na Floresta Amazônica. Então, nós vamos fazer uma discussão entre todos os países: Bolívia, Equador, Venezuela, Colômbia, Peru, porque é preciso que a gente tome uma decisão comum. Porque não é dentro do Brasil preservar só a nossa, nós vamos preservar.
Nós vamos cumprir a promessa, que nós fizemos e acabar com o desmatamento até 2030. Isso é quase como uma questão de honra. O Brasil, só para vocês saberem, tem 30 milhões ou mais de hectares em terras degradadas. Estas terras podem ser recuperadas e se essa terra for recuperada, a gente pode dobrar nossa produção agrícola. A gente pode quase que dobrar o nosso rebanho, sem precisar derrubar uma única árvore.
E isso, na verdade, a gente não vai conseguir fazer só na marra, só na lei ou só com a polícia ou só proibindo. A gente vai ter que construir parceria com os prefeitos de cada cidade, que estão na floresta, a gente vai ter que combinar essa preservação com o povo indígena que pode ser, quem sabe, um dos guardiões da própria floresta. Com os pequenos proprietários e também, a gente vai discutir a necessidade de cuidar de todo o continente.
O Brasil vai fazer a sua parte. E nós queremos que os outros façam. Depois nós vamos discutir com o Congo, que também tem muita floresta. Depois nós vamos discutir com a Indonésia, que também tem muita floresta. E os países ricos, que já destruíram as suas florestas, porque se industrializaram há 200 anos atrás, precisam compreender que eles têm um débito na emissão de gás carbônico e, portanto, eles têm que adiantar o recurso pagando da sua dívida, para que a gente possa preservar a nossa floresta.
Bem, dito isso, perguntem o que quiserem.
Marcos Uchôa da TV Brasil: Nessas reuniões, que o senhor teve com o primeiro ministro britânico Sunak, e depois desse encontro, que o senhor também teve lá no Palácio de Buckingham, o senhor conheceu e conversou com muita gente, essa questão primordial da verba, digamos assim, de onde vem o dinheiro? Isso vai avançar mais aonde? No G7, essa vai ser a principal conversa que vai levar para o G7? Porque se vem tratando disso, mas em algum momento isso tem que bater o martelo, né?!
Presidente Lula: Eu vou levar esta conversa para o G7, eu vou levar essa conversa para o G20, vou levar ela para o Brics, porque nós vamos presidir o Brics no ano que vem e nós vamos presidir o G20.
Então, nós vamos tentar de cuidar de fazer boas reuniões, para que a gente tome decisões que faça com que a humanidade comece a acreditar que os governos estão dizendo a verdade quando falam na questão da preservação ambiental. Muita gente fala da preservação climática, mas, na hora de ajudar, não ajuda. E obviamente que os países, que ainda têm floresta, estão dispostos a fazer um esforço muito grande, mas é preciso compensar, para que eles possam ter um novo tipo de indústria: a chamada indústria verde. É preciso que a gente tenha um outro tipo de produção de energia, e nesse aspecto o Brasil está qualificado para conversar com qualquer país do mundo, porque o Brasil tem sua matriz energética 80% dela limpa, e a gente tem possibilidade enorme agora com hidrogênio verde, que está sendo explorado em todos os estados do Nordeste.
Nós temos a eólica, nós temos a solar, com muita possibilidade de crescimento, nós temos biomassa, ou seja, o que não falta no Brasil é a possibilidade de energia renovável. Nós vamos discutir no G20, no G7, nos Brics, em cada reunião porque esse é um assunto que todo país rico quer conversar. Os pobres não. Os pobres querem conversar comércio, querem conversar crescimento econômico, o que é normal, mas os países ricos querem discutir a questão climática. Então, nessa questão climática, o Brasil é a grande potência. Se os Estados Unidos é potência econômica, potência armamentista, se a China é potência econômica e tecnológica o Brasil é potência em energia limpa. O Brasil é potência em preservação florestal. E isso é uma vantagem para nós. Por isso que eu vou conversar em todos os fóruns, daqui pra frente.
Vocês sabem, no Brasil, eu vou segunda-feira lançar o novo Brasil Sorridente e nós então estamos retomando já em funcionamento todas as políticas públicas que deram certo no nosso governo. Agora em maio, nós vamos lançar, ainda até ao final do mês, todos os projetos que nós vamos ter em investimento, em infraestrutura, em educação, até o final do mandato. Porque a partir dessas reuniões, aí vai ficar proibido ministro ter ideias. A partir daí, o ministro tem que trabalhar para executar o que nós já decidimos. Porque senão, todo mundo tem uma ideia todo dia, e essa ideia, não é colocada em prática. E o governo tem que ser menos teórico e mais prático, porque é isso que o povo deseja.
Murilo Salviano da TV Globo: Nesta semana, o governo teve uma derrota importante no Parlamento, no Congresso referente ao saneamento. O Lira vem pedindo uma melhora no diálogo entre o governo e os parlamentares. O senhor estuda uma mudança na articulação política?
Presidente Lula: Não. Em hipótese alguma, em hipótese alguma. O Padilha, é o que o país tem de melhor na articulação política. O fato de você muitas vezes acertar ou muitas vezes você errar, nós temos que pensar o que que aconteceu.
Quando você governa, você faz um acordo com a Câmara, com o Senado sob aprovação de uma medida e você tem que cumprir alguma coisa, você tem que cumprir. O que é que está se queixando os deputados? O que é que estão se queixando os senadores, ainda não chegou no Senado. De que o Governo tarda a atender as reivindicações. Que o governo promete uma coisa. O cara quer participar de um ministério, o cara tem um funcionário, que ele indicou, que é tecnicamente competente, ou seja, se você concorda com ele e você prometeu, então você tem que fazer. Não pode prometer e não fazer. E eu acho que a coisa mais barata e mais eficaz é a gente cumprir aquilo que a gente promete. Eu digo sempre para nossos ministros o seguinte: "tudo que você trata e não cumpre, fica muito mais caro depois".
Se você tem que mudar uma lei qualquer, pra ganhar 1 bilhão de reais, para o governo ganhar 2 bilhões de reais ou para o governo não perder, esse bilhão de reais quando você demora para aprovar, você vai perder 4 ou 5. Então, é preciso que a gente seja eficaz em tudo que o governo faz, que ele abrir a boca e prometer, nós temos que cumprir. Se não pode cumprir, não prometa. Essa é a lição de vida que eu tenho.
Eu não fiquei preocupado com essa votação. Primeiro porque eu sei que os deputados vão votar favorável, porque é uma política de saneamento que é uma revolução no país. É a primeira vez que a gente faz uma proposta de saneamento no Brasil, capaz da gente envolver, em parceria público privada, o fim da falta de saneamento básico no Brasil. Inclusive convênio com as empresas públicas, que muitas vezes estão proibidas de fazer. Nós então, abrimos para que o saneamento básico possa ser feito no Brasil. Nós temos uma cidade maravilhosa, que eu não vou dizer o nome aqui para não atrapalhar o turismo, nós temos uma cidade maravilhosa que tem 100% do esgoto in natura. São recolhidos e não se trata. E as pessoas têm que compreender que, cuidar do tratamento de esgoto, cuidar saneamento básico não é cuidar só do esgoto, é cuidar da saúde. É cuidar do desenvolvimento, é cuidar do respeito ao turista que frequenta o Brasil, é cuidar das nossas crianças.
Então é por isso que eu acho que o Congresso vai aprovar. Eu tenho, vocês sabem, eu tenho conversado com o presidente Lira. Eu não vejo problema se tiver desavença, na política tudo se acerta. A coisa mais difícil é você tá sempre acertando, são quinhentos e treze deputados e um só coordenador político.
Então, às vezes pode haver um certo desacordo que nós vamos acertar. Na política tudo tem jeito. Eu digo sempre que a única coisa impossível, é Deus pecar o resto tudo é possível.
Leão Serva, TV Cultura: Presidente, o marco do saneamento era uma lei aprovada pelo Congresso. Saiu na imprensa, que o senhor pretende mover uma ação contra um detalhe ou uma questão da lei aprovada pelo Congresso, da privatização da Eletrobrás. O senhor tem batido também muito na autonomia do Banco Central, lei aprovada pelo Congresso. Não é muito murro em ponta de faca, num Congresso que o senhor não tem maioria?
Presidente Lula: Desculpe, você nunca me viu bater no Banco Central. Eu não bato no Banco Central, porque o Banco Central não é gente, é um banco. O que eu discordo é da política, é isso. Quem concorda com a política de juros a 13,75% defenda publicamente, eu não concordo.
Nós não temos inflação que garanta qualquer argumento de dizer: "nós precisamos manter a taxa de juro alta, porque nós não vamos cumprir a meta". Eu não quero nem discutir isso outra vez porque a meta é o Conselho Monetário que determina. Se ele determinar um, vai ser mais difícil alcançar, se ele determinar zero, vai ser mais difícil alcançar, se ele determinar três, ele não está alcançando. Ora, então você pode mudar a hora que você quiser. O que eu falo é o seguinte: "a sociedade brasileira, o varejista brasileiro, os empresários brasileiros, os trabalhadores brasileiros, não suportam mais a taxa de juro". O desemprego está começando a mostrar a sua cara no setor de comércio. Muitas lojas estão quebrando, estão fechando. Então, se a gente quiser gerar emprego no país, nós vamos ter que ter crédito. Crédito para o trabalhador consignado, nós vamos ter que ter crédito para o pequeno e médio empreendedor individual, nós vamos ter que ter crédito para grandes empresas senão o país não cresce.
Então, toda crítica que eu faço. Veja, eu não entrei contra a privatização da Eletrobras, eu ainda pretendo entrar. O que eu entrei foi o seguinte, eu vou lhe dizer uma coisa, a Eletrobrás, ela foi privatizada, o Estado brasileiro tem 43% das ações e nós só temos 8% dos votos.
Você que é jornalista, pense depois se é possível uma coisa dessas.
A segunda coisa, é que na privatização da Eletrobrás, se o governo quiser comprar de volta, o governo tem que pagar 3 vezes o preço oferecido por outro comprador. É isso. Você está com cara estranhando, é isso que foi feito. Além do que, os diretores aumentaram o seu salário de sessenta para trezentos e sessenta reais por mês. E além disso, um conselheiro, para fazer uma reunião, ganha duzentos mil reais por mês.
Como é que é possível, um país que tem trinta e três milhões de pessoas passando fome, conviver com uma situação dessas?
Então veja, eu não tenho, não tem um projeto do Lula. Eu tive a melhor experiência de inclusão social que o Brasil já teve. É isso que eu tô tentando fazer. Estou tentando recolocar, para o povo brasileiro, o país sadio. O país do emprego, da alegria. O país da esperança, o país da fé, o país do sorriso.
Eu já consegui uma vez. Duas pesquisas que a ONU fez em 2008, 2009, o Brasil era o país que tinha mais esperança e o país mais alegre do mundo. Porque é que o país se transformou no país do ódio, no país da fake news? No país em que predomina a mentira, sistematicamente por um bando da parte política brasileira? Então é este país, eu vou brigar muito com ele, porque eu acho que o Brasil é um país de paz. O Brasil é um país de alegria, de fé, de esperança, de solidariedade. É isso o que eu quero, que o Brasil volte a sorrir. Eu quero que, quando alguém levante de manhã, que abre a porta de seu quarto, do seu apartamento e ver o outro na porta do elevador, não fique com raiva porque já tem alguém na sua frente. Não, entre junto. O elevador é para dois, para três, para quatro, para cinco. O Brasil está assim. O cidadão sai na rua, vê um carro na frente dele, acha que o outro é inimigo. Então o país precisa voltar a sorrir. E é isso que eu quero. Por isso, que esses absurdos, eu vou tentar desmontá-los.
Luiz Fara Monteiro, do Jornal da Record: Presidente, em cima desse panorama preocupante que o senhor traça, em relação à manutenção da taxa básica de juros, como é que o senhor vê duas questões, em relação ainda ao apoio também no Congresso. A votação do arcabouço fiscal e também a desoneração daqueles dezessete setores produtivos que está prevista para terminar no final deste ano. Como é que o senhor analisa essas questões, tendo em vista esse panorama econômico que a gente vive no presente?
Presidente Lula: Olha, primeiro com relação às votações no Congresso Nacional, eu sinceramente não tenho nenhuma preocupação. Um governo, em qualquer parte do mundo, ele manda um projeto para o Congresso Nacional, esse projeto pode ser aprovado por unanimidade, do jeito que ele foi mandado. Este projeto pode ser remendado, as pessoas podem fazer novos artigos, incluir coisas e a ser aprovado ou esse projeto pode ser recusado. Ora, se ele for recusado o governo vai ter que rediscutir com o Congresso Nacional e apresentá-lo de outra forma.
Esse é o jogo democrático bom. Quando eu falo com o presidente do Congresso, é o seguinte, não é o Congresso Nacional que precisa do presidente da República, é o presidente da República que precisa do Congresso.
Por isso que a gente tem que ser diplomático, por isso que a gente tem que ser democrático. Aquilo que não foi aprovado, a gente tenta mudar, atender reivindicações. Às vezes o cara quer uma mudança no artigo da lei. Porque não fazê-lo? Se não prejudicar a essência do projeto, você pode simplesmente fazer.
É para isso que existe o Congresso Nacional, é para emendar, para reprovar ou para aprovar as coisas.
Com relação à questão da desoneração, eu vou esperar para discutir com o ministro da Economia.
Eu queria voltar à questão do Banco Central. Eu não discuto a autonomia do Banco Central. Não é esse o meu problema, o meu problema é que eu tive o Banco Central, eu indiquei o presidente, que era do PSDB, era deputado federal eleito pelo PSDB. Eu nem conhecia o Meirelles quando eu indiquei e eu duvido que esse cidadão tenha mais autonomia do que o Meirelles teve. Só que o Meirelles tinha responsabilidade e tinha um governo discutindo com ele, olhando as preocupações.
Esse cidadão não tem. Ele não tem nenhum compromisso comigo. Ele tem compromisso com quem? Com o Brasil? Não tem. Ele tem compromisso com o outro governo que o indicou. Isso é importante ficar claro. Ele tem compromisso com aqueles que gostam de taxa de juro alta. Porque não há outra explicação. Não há outra explicação. Eu já disse isso numa entrevista outro dia, numa entrevista para uma jornalista, ele disse: "para mim atingir a meta de 3%, a taxa de juro tem que chegar acima de 20%". Esse cidadão não pode tá falando a verdade.
Então, se eu como presidente, não puder reclamar dos equívocos do presidente do Banco Central, quem vai reclamar? O presidente americano?
Então me desculpem, o Banco Central, ele tem autonomia, mas ele não é intocável. A lei que aprovou a autonomia do Banco Central, ele tem compromisso com o crescimento econômico, ele tem crescimento com o aumento de salário também, com o poder aquisitivo do povo, ou melhor, com o crescimento da economia. Então, sabe, se você tem compromisso com o crescimento da economia, compromisso com geração de emprego e compromisso com a inflação, cuide dos três. Com os juros a 13,75%, os outros dois não serão cumpridos.
Eu estou dizendo, digo isso e vou dizer para você prestar atenção. A economia vai crescer, ela vai crescer porque nós estamos colocando dinheiro, sabe, na veia do trabalhador, nós estamos retomando todas as políticas públicas que deram resultado, todas. E se o dinheiro não estiver rodando no bolso do trabalhador, não tem emprego. Não tem melhoria na qualidade de vida nem no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo.
Então nós vamos cuidar porque, na minha opinião, é o emprego que dá dignidade à pessoa humana. Ele ser autossuficiente, para cuidar da sua família sem precisar de favor de ninguém e, para isso, ele tem que ter trabalho. E é isso que eu quero que faça no Brasil. Por isso, eu faço crítica à política de juros. Quando o juro tiver bom, eu elogio também. Quando o juro tiver na medida, que eu acho que dá para a economia funcionar, vocês estão lembrados gente, faz pouco tempo, quando Meirelles aumentava a taxa de juro eu baixava a taxa de TJLP no BNDES. Para quê? Para poder fazer investimento na indústria.
Agora acabou com a TJLP. Então veja, eu preciso de um país que tenha o Banco do Brasil com capacidade de emprestar. Eu tenho que ter a Caixa Econômica com capacidade de emprestar. Eu tenho que ter o BNDES com capacidade de emprestar. O BNB e o BASA com capacidade de emprestar, porque se não tiver dinheiro circulando, não tem desenvolvimento econômico.
Esse é o meu dilema. Se for preciso fazer um esforço muito grande, se for preciso fazer acordo com empresário, para reduzir preço, ou para vender geladeira, para vender fogão, para vender carro. No Brasil, não tem mais carro popular. O carro popular, acho que é setenta, oitenta mil reais. Como é que um pobre, que trabalha, pode comprar um carro de setenta mil reais?
Então, essas coisas que nós já mudamos uma vez e, se Deus permitir, nós vamos mudar outra vez.
Américo Martins, da CNN Brasil: O senhor mencionou que se reuniu com o presidente Macron da França. Eu gostaria de saber o que os senhores falaram sobre Ucrânia. E com isso, o senhor também fecha uma rodada, de ter conversado com os principais líderes do mundo, pessoalmente. Que balanço o senhor faz disso?
Presidente Lula: Eu disse para o Macron, que nós precisaríamos conversar sobre a questão da Ucrânia. Não dava para conversar na coroação do rei, porque tinha muita gente. Então eu fiquei de marcar um telefonema com ele, para a gente conversar um pouco por telefone, porque não é segredo o que eu quero conversar.
Eu não conversei com todos os grandes líderes ainda, porque falta conversar com o presidente Modi da Índia. Sabe que é um país gigante e que está no mesmo continente. Já conversei a com a Índia, já conversei com o Macron uma vez, vou voltar a conversar, eu quero voltar a conversar com outros países. E se eu conversar com o presidente da Índia, e eu vou ter um encontro nos Brics, no final do ano, é a chance de eu conversar com os quatro grandes, e aí quem sabe, a gente encontra um jeito de começar a negociar.
O Celso Amorim foi conversar com Putin, como meu emissário especial, e vai agora conversar com a Ucrânia. Daqui ele vai partir para a Ucrânia. Ele vai à Paris e depois ele vai para a Ucrânia dia 10. Porque o presidente não pode receber agora.
Aí a gente vai juntando essas conversas, é que nem palavra cruzada, vai juntando essas conversas e vamos ver quais são as palavras que permitem que as pessoas se sentem em torno de uma mesa. E para isso, tem que parar de atirar. Esse é o meu dilema.
Sara Vivacqua do Diário do Centro do Mundo: O senhor saiu vencedor de uma guerra híbrida e tem total consciência de que a liberdade de expressão e o direito de saber estão ameaçados mundialmente. Gostaria de saber, qual a sua opinião a respeito do preso político inglês, da Inglaterra, que está a dez quilômetros daqui, Julian Assange, obrigada.
Presidente Lula: Que Deus te abençoe por essa pergunta, porque eu acho uma vergonha. Eu vou falar, inclusive na frente dos jornalistas, porque isso vale para vocês e vale para mim.
É uma vergonha, que um jornalista que denunciou as falcatruas de um Estado, contra os outros, esteja preso, condenado a morrer na cadeia. E a gente não fazer nada para libertar. É um negócio maluco. A gente que briga e fala em liberdade de expressão, direito de gritar. Ou seja, o cara tá preso porque denunciou as falcatruas e a imprensa, não se mexe na defesa desse jornalista. Eu, sinceramente, não consigo entender.
Eu até peço perdão, porque quando chegar no Brasil, vou ligar para o primeiro ministro, porque foi um assunto que eu esqueci de falar com ele. Eu já mandei carta para o Assange, já publiquei carta, já escrevi artigos sobre o Assange. Mas eu acho que é preciso um movimento da imprensa mundial, na defesa dele. Mas na defesa dele, enquanto pessoa, e na defesa na liberdade de denunciar. O cara não denunciou nada vulgar. O cara denunciou, que um Estado estava vigiando os outros. E isso virou crime contra o jornalista. E a imprensa, que defende liberdade de imprensa, não faz um movimento para libertar esse cidadão. É triste, mas é verdade. A gente precisa colocar nossas teorias na prática de vez em quando. Para que a gente possa poder continuar falando em liberdade de expressão.
Vicente Nunes do Correio Braziliense: O senhor disse que o valor do fundo, no caso do Reino Unido, ainda não foi definido, mas ontem, a própria embaixada, soltou uma nota que seriam 80 milhões de libras, o equivalente a 500 milhões de reais. O senhor confirma o valor e isso é suficiente?
Presidente Lula: Não é suficiente. É que eu não posso sair de uma reunião, com primeiro ministro, com o presidente e sair dizendo: o cara prometeu dez reais, o cara prometeu vinte reais. Não é decente da minha parte fazer isso. Eu quero é que eles cumpram a promessa de 100 bilhões de dólares, para os países protegerem as suas florestas, que tem ainda. É isso que eu quero. É por isso que eu vou na COP, nos Emirados Árabes, cobrar isso. É por isso que eu cobro uma nova governança mundial. Para que a gente possa decidir e executar.
...Faz a pergunta você, vou dar uma exceção. Não é possível deixar a última pergunta por uma mulher não ser feita.
Sherry Procopio, da Tv Londres Notícia: Eu gostaria de saber sobre a dupla tributação que foi assinada em 29 de novembro e gostaria de saber quando que vai entrar em vigor porque, nós brasileiros que moramos aqui no Reino Unido, isso iria ajudar muita gente.
Presidente Lula: Quando você fala em dupla tributação, o que você está falando?
Sherry Procopio da Tv Londres Notícia: O acordo de não termos que declarar aqui, e também no Brasil, para os brasileiros que moram aqui.
Presidente Lula: Deixa eu te falar uma coisa, nós estamos fazendo acordo com muitos países.
Fizemos acordo agora com Portugal. Começamos a discutir com a Espanha. Porque a verdade é o seguinte: nós queremos que o diploma das pessoas seja de verdade. Se o cidadão se formou aqui na Inglaterra, ele não tem que chegar no Brasil e ficar fazendo exame, ficar fazendo teste. E a mesma coisa vale para Inglaterra com relação aos brasileiros.
Você sabe que o primeiro problema que eu tive na vida com isso, eu nem era presidente ainda, não sei se o Celso se lembra, foi com Portugal. Portugal não tinha dentista. Portugal não tinha o curso de odontologia. Em Portugal, as pessoas estudavam medicina e depois, no último ano, como se fossem residência, ele fazia odontologia. Aí chegaram os brasileiros lá, um monte de gente nova, com uns cinco anos de universidade, bem preparado. Começaram a ganhar o mercado, então começaram a ser tratados como se fossem magrinhos, aqueles trabalhadores do porto, que não tem emprego fixo, são chamados quando tem serviço.
Então em Portugal, os dentistas de lá, que eram médicos, começaram a contratar os brasileiros como magrinhos. Nós fizemos um acordo, e garantimos que o brasileiro fosse tratado definitivamente. Esses acordos, com os países que estamos fazendo, é para ser de verdade. É para que o nosso diploma valha aqui e o diploma daqui valha lá.
Gente, agora eu tenho que embarcar, eu nunca respondi tanta pergunta numa entrevista coletiva. Obrigado, que Deus abençoe vocês.